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Linfoma de Burkitt nasofaríngeo como manifestação inicial de AIDS Como citar este artigo: Mascarenhas JG, Araújo Júnior F, Bolzan TV, Gregório LC, Kosugi EM. Nasopharyngeal Burkitt lymphoma as an early AIDS manifestation. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:546–8.

Introdução

O linfoma de Burkitt (LB) é um linfoma não Hodgkin (LNH) tipo B altamente agressivo, encontrado nas formas endêmica, esporádica e relacionada à imunodeficiência. Todas apresentam as mesmas características morfológicas, imuno-histoquímicas e genéticas, diferindo nas distribuições geográfica, etária e de órgãos acometidos.11. Blum KA, Lozanski G, Byrd JC. Adult Burkitt leukemia and lymphoma. Blood. 2004;104:3009-20.,22. Molyneux EM, Rochford R, Griffin B, Newton R, Jackson G, Menon G, et al. Burkitt's lymphoma. Lancet. 2012;379:1234-44. Grande maioria dos casos esporádicos e relacionados à imunodeficiência é abdominal (60% a 80%), seguida de cabeça e pescoço, em que o acometimento extranodal no anel de Waldeyer é o usual (tonsila palatina e rinofaringe).11. Blum KA, Lozanski G, Byrd JC. Adult Burkitt leukemia and lymphoma. Blood. 2004;104:3009-20.33. Araújo I, Foss HD, Bittencourt A, Hummel M, Demel G, Mendonça N, et al. Expression of Epstein–Barr virus-gene products in Burkitt's lymphoma in Northeast Brazil. Blood. 1996;87:5279-86.

O objetivo deste estudo é relatar o caso de um paciente que apresentou como manifestação inicial da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) o linfoma de Burkitt.

Apresentação do caso

R.F.C., 44 anos, masculino, pardo, serralheiro, natural da Bahia, procedente de São Paulo, procurou prontosocorro de Otorrinolaringologia com epistaxe seguida de sangramento oral em grande volume com instabilidade hemodinâmica e necessidade de hemotransfusão. Previamente hígido, apresentou obstrução nasal progressiva à esquerda, que tornou-se bilateral há quatro meses, com rinorreia amarelada e anosmia. Evoluiu com trismo, disfagia, otalgia bilateral e dor orbitária à esquerda. Sem hipoacusia, porém plenitude aural. Emagrecimento de 20 kg em dois meses. Tabagista havia 26 anos (1 maço/dia), etilista social e ex-usuário de cocaína intravenosa.

Apresentou-se em regular estado geral, descorado e emagrecido, respiração oral, trismo e estrabismo convergente à esquerda. Endoscopia nasal evidenciou secreção mucoide bilateralmente e lesão friável, pálida, dificultando o exame bilateralmente. Tomografia computadorizada e ressonância magnética de seios paranasais (fig. 1) evidenciou aumento volumétrico da parede posterior da rinofaringe com realce pós-contraste e projeção para cóanos, cavidade nasal e orofaringe. Descontinuidade óssea do assoalho do seio esfenoidal. Assimetria dos planos adiposos parafaríngeos adjacentes, com obliteração à esquerda.

Figura 1
Tomografia computadorizada de seios paranasais. (A) Corte coronal, janela óssea e (B) corte axial, janela de partes moles, formação com densidade de partes moles em nasofaringe, fossas nasais e seios; ressonância magnética de seios paranasais, (C) corte axial, ponderado em T1 com contraste, (D) em T2, (E) corte sagital, em T1, com aumento volumétrico da parede posterior da nasofaringe com realce pós-contraste e projeção para cavidade nasal; microscopia da lesão com (F) proliferação maciça de células linfoides e presença de histiócitos com corpos tingíveis intracitoplasmáticos, com aspecto em starry sky na submucosa, (G) CD20 positivo nas células neoplásicas, (H) CD3 negativo nas células neoplásicas, (I) Ki67, marcador de proliferação celular, positivo em virtualmente 100% das células.

Foi realizada biópsia incisional endoscópica de lesões nas fossas nasais e de lesão endurecida na rinofaringe. Identificou-se um vaso exposto e congesto na rinofaringe, que poderia explicar os sangramentos orais volumosos. Estudo histopatológico demonstrou células basófilas com vacúolos lipídicos frequentes, núcleos redondos com cromatina densa e múltiplos nucléolos, padrão de infiltração difusa, tipo "céu estrelado" (starry sky), compatível com a variante clássica de LB. Imuno-histoquímica confirmou linfoma não Hodgkin de células B tipo Burkitt com positividade para CD20, CD3, CD10, Bcl6 e ki67 e negatividade para Bcl2, TdT, CD99, CD56 e EBV.

Uma semana após a biópsia, houve crescimento do tumor, com proptose à esquerda, piora da disfagia e desconforto respiratório, queda importante do estado geral e melena. O paciente foi internado com quadro de desidratação, desnutrição, insuficiência renal aguda, critérios para sepse grave e em vigência de síndrome de lise tumoral. Investigação sorológica revelou infecção pelo vírus da imunodeficiência Humana (HIV), com contagem de CD4 de 318. Mielograma mostrou 63% de blastos, caracterizando leucemia de Burkitt. Após suporte clínico adequado, recebeu terapia antirretroviral de alta atividade e quimioterapia com esquema EPOCH-R. Foi submetido à traqueostomia para garantia de via aérea. Após o décimo dia da quimioterapia, já não apresentava obstrução nasal, e mantém tratamento com resposta bastante favorável.

Discussão

O LB pode ser o primeiro critério definidor de Sida, pois esse tipo de linfoma costuma ocorrer com altos níveis de CD4 (> 200), ou seja, estado inicial de imunodeficiência e, portanto, com poucos sintomas.11. Blum KA, Lozanski G, Byrd JC. Adult Burkitt leukemia and lymphoma. Blood. 2004;104:3009-20.,22. Molyneux EM, Rochford R, Griffin B, Newton R, Jackson G, Menon G, et al. Burkitt's lymphoma. Lancet. 2012;379:1234-44.,44. Cabrera ME, Silva G, Soto A, Roselló R, Castro C, Martínez V, et al. HIV-related lymphoma in a public hospital in Chile Analysis of 55 cases. Rev Med Chile. 2012;140:243-50. Em países em desenvolvimento, ocorre diagnóstico concomitante de HIV e linfoma em até metade dos casos, enquanto que em países desenvolvidos essa taxa é bem inferior (cerca de 10%), o que revela a dificuldade de diagnóstico precoce do HIV nos países em desenvolvimento.44. Cabrera ME, Silva G, Soto A, Roselló R, Castro C, Martínez V, et al. HIV-related lymphoma in a public hospital in Chile Analysis of 55 cases. Rev Med Chile. 2012;140:243-50.

Considerações finais

LB deve ser incluído no diagnóstico diferencial dos tumores de rinofaringe mesmo sem diagnóstico prévio de HIV, visto que pode ocorrer em imunidade preservada, tratando-se de manifestação inicial da Sida. Suspeição diagnóstica deve levar a biópsia precoce, em função da rápida evolução desse tipo de linfoma, com pronto-tratamento realizado pelo hematologista e pelo infectologista.

  • Como citar este artigo: Mascarenhas JG, Araújo Júnior F, Bolzan TV, Gregório LC, Kosugi EM. Nasopharyngeal Burkitt lymphoma as an early AIDS manifestation. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:546–8.

References

  • 1
    Blum KA, Lozanski G, Byrd JC. Adult Burkitt leukemia and lymphoma. Blood. 2004;104:3009-20.
  • 2
    Molyneux EM, Rochford R, Griffin B, Newton R, Jackson G, Menon G, et al. Burkitt's lymphoma. Lancet. 2012;379:1234-44.
  • 3
    Araújo I, Foss HD, Bittencourt A, Hummel M, Demel G, Mendonça N, et al. Expression of Epstein–Barr virus-gene products in Burkitt's lymphoma in Northeast Brazil. Blood. 1996;87:5279-86.
  • 4
    Cabrera ME, Silva G, Soto A, Roselló R, Castro C, Martínez V, et al. HIV-related lymphoma in a public hospital in Chile Analysis of 55 cases. Rev Med Chile. 2012;140:243-50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2013
  • Aceito
    30 Abr 2013
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