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Retalho do músculo masseter para reconstrução de defeitos intraorais em pacientes com câncer inicial de partes póstero‐inferiores da cavidade oral Como citar este artigo: Rajani BC, Nadimul H, Subhabrata G, Sabitha KS, Vinitha A, Vasantha Dhara B. Masseter muscle flap for reconstruction of intra‐oral defects in patients with early cancer of posterior‐inferior parts of the oral cavity. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:745-51.

Resumo

Introdução

Os carcinomas iniciais da cavidade oral nas regiões póstero‐inferiores representam um desafio para a reconstrução devido à falta de suporte muscular abaixo da região e ao espaço limitado disponível para o uso de alguns dos retalhos mais empregados.

Objetivo

Avaliar a eficácia do retalho do músculo masseter de base superior na reconstrução de defeitos intraorais pós‐ablação em pacientes com carcinoma oral inicial da parte póstero‐inferior da cavidade oral.

Método

Um retalho do músculo masseter de base superior foi usado para reconstruir o defeito intraoral pós‐cirúrgico em 60 pacientes com carcinoma espinocelular inicial (T < 4 cm) localizado na parte póstero‐inferior da cavidade oral. Os pacientes foram acompanhados após uma semana e um mês de pós‐operatório para verificação da viabilidade do retalho, complicações, alteração na abertura bucal e desvio da mandíbula na abertura bucal. Para descartar recidiva nos retalhos do masseter, os pacientes foram acompanhados por um ano.

Resultados

O retalho foi viável em todos os pacientes e foi submetido à mucolização; 7/60 pacientes tiveram infecções pós‐operatórias, enquanto 2/60 pacientes desenvolveram uma fístula orocutânea que exigiu um procedimento corretivo secundário. A média ± desvio‐padrão da alteração na abertura da boca em uma semana de pós‐operatório foi + 1,917 ± 3,36 mm, que aumentou para + 2,633 ± 2,95 mm em um mês de pós‐operatório. O teste de Friedman revelou que houve uma alteração estatisticamente significante na abertura da boca do período pré‐operatório para os períodos de uma semana e um mês de pós‐operatório (p = 0,000). Pacientes do sexo feminino apresentaram maior melhoria na abertura da boca no pós‐operatório. O desvio ipsilateral da mandíbula na abertura da boca ficou entre 0 a 5 mm em 39 pacientes, 5 a 10 mm em 17 pacientes e mais de 10 mm em 4 pacientes. Não foram observadas recidivas nos retalhos de masseter usados.

Conclusão

O retalho do músculo masseter com base superior é um método confiável para reconstrução em casos de câncer oral inicial, produz bons resultados funcionais e resultados cosméticos aceitáveis com complicações pós‐operatórias insignificantes.

Palavras‐chave
Câncer oral; Retalho do músculo masseter; Trismo; Desvio na abertura da boca

Abstract

Introduction

Early carcinomas of the oral cavity in the posterior-inferior regions poses a challenge for reconstruction due to the lack of muscle support underneath and the limited space available to use some of the frequently-used flaps.

Objective

This study was done to evaluate the efficacy of the superiorly based masseter muscle flap in reconstruction of intra-oral post- ablation defects in patients with early oral carcinoma of the posterior-inferior part of the oral cavity.

Methods

A superiorly based masseter muscle flap were used to reconstruct the post-surgical intra- oral defect in 60 patients with early squamous cell carcinoma (T < 4 cm) of the posterior-inferior part of the oral cavity. The patients were followed up at 1-week and 1-month postoperatively to check for flap viability, complications, change in mouth opening and deviation of the mandible on mouth opening. To rule out any recurrence in the oral cavity masseter flaps, the patients were followed up for 1 year.

Results

The flap was viable in all patients and underwent mucosalization. 7/60 patients had postoperative infections, while 2/60 patients developed an oro-cutaneous fistula which required a secondary corrective procedure. The mean ± standard deviation of change in mouth opening at 1 week postoperatively was +1.917 ± 3.36 mm, which increased to +2.633 ± 2.95 mm at 1 month after surgery. The Friedman test revealed that there was a statistically significant change in mouth opening from preoperative period to the1 week and 1 month postoperative periods (p = 0.000). Female patients showed better improvement in mouth opening postoperatively. The ipsilateral deviation of the mandible on mouth opening was between 0-5 mm in 39 patients, 5-10 mm in 17 patients and more than 10 mm in 4 patients. There were no recurrences noted in the masseter flaps used.

Conclusion

The study infers that the superiorly based masseter muscle flap is a reliable method for reconstruction in early oral cancer patients yielding good functional results and acceptable cosmesis with nominal postoperative complications.

Keywords
Oral cancer; Masseter muscle flap; Trismus; Deviation on mouth opening

Introdução

Ressecções de neoplasias orais com margens seguras levam a déficits em várias funções, como fala, deglutição, abertura da boca etc.11 Tiwari R. Masseter muscle cross over flap in primary closure of oral-oropharyngeal defects. J Laryngol Otol. 1987;101:172-178.

2 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131.
-33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301. Assim, a reconstrução adequada do defeito pós‐ressecção torna‐se uma necessidade e um desafio para restaurar a função e a estética.44 Wilson J.SP. In: Operative surgery, head and neck, part I. 3rd ed. Rob C, Smith R, editors. Butterworths; London-Boston: 1981. General principles of reconstruction; pp. 21-24. Vários retalhos locais, regionais e livres têm sido usados atualmente. A escolha do método de reconstrução depende principalmente de vários fatores, como tamanho do defeito pós‐ressecção, idade do paciente, presença de quaisquer comorbidades, se cirurgias anteriores como esvaziamento cervical ipsilateral foram feitas ou não, preferência do cirurgião etc.22 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131.,55 Antoniades K, Lasaridis N, Vahtsevanos K, Hadjipetrou L, Antoniades V, Karakasis D. Superiorlybased and islandmasseter muscle flaps for repairingoropharyngeal defects. J Craniomaxillofac Surg. 2005;33:334-339.

Apesar dos avanços atuais nas cirurgias microvasculares, o uso de retalhos locais e regionais continua a ser a opção preferida do cirurgião pela simplicidade da técnica cirúrgica e pelos resultados razoáveis. O músculo masseter é um músculo da mastigação que auxilia na elevação da mandíbula e é um dos músculos mais fortes do corpo humano. Seu uso na reconstrução de defeitos orais foi defendido pela primeira vez por Tiwary e Snow e Langdon em 1989.22 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131.,33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301. Seu uso para reconstrução de defeitos orofaríngeos foi documentado pela primeira vez por Conley e Gullane em 1978.66 Conley J, Gullane PJ. The masseter muscle flap. Laryngoscope. 1978;88:605-612. Esse músculo também foi amplamente usado em casos de paralisia facial para fins de reanimação cirúrgica da face.77 Abbasi R. Facial reanimation by masseteric muscle- mandibular periosteum transfer. World J Plast Surg. 2013;2:44-46.

Existem poucos estudos na literatura que lidam com esse modo específico de reconstrução em casos de carcinoma de áreas póstero‐inferiores da cavidade oral. Assim, o objetivo deste estudo é avaliar a eficácia do retalho de músculo masseter de base superior na reconstrução e reparo de defeitos cirúrgicos intraorais em pacientes com câncer inicial de partes póstero‐inferiores da cavidade oral.

Método

Um estudo prospectivo foi conduzido, o qual incluiu 60 pacientes que vieram ao nosso instituto entre janeiro de 2019 e junho de 2019 com carcinoma histopatologicamente comprovado da parte póstero‐inferior da cavidade oral e submetidos à reconstrução com retalho de músculo masseter ipsilateral de base superior após aprovação pelo comitê de ética em pesquisa (ref. n° 324-2019) e consentimento informado ter sido obtido dos pacientes incluídos no estudo. Para ser incluído no estudo, o tumor da cavidade oral deveria ter menos de 4 cm de tamanho (lesão primária inicial), estar localizado na metade posterior da mucosa bucal, sulco gengivobucal inferior ou trígono retro molar contíguo ou envolver a mandíbula, necessitar de mandibulectomia marginal ou ressecção segmentar ou hemimandibulectomia de acordo com os princípios da ressecção oncológica. Através da revisão de tomografias computadorizadas pré‐operatórias, foi garantido que o músculo masseter não estava envolvido pelo tumor. O paciente não podia ter sido submetido a radioterapia ou quimioterapia anterior e/ou não podia ter história de doenças degenerativas neuromusculares ou musculares.

Técnica cirúrgica

Durante ou após a ressecção do tumor primário, o retalho de músculo bucinador foi descolado até que o músculo masseter fosse exposto.
  • -

    A fáscia do masseter sobre o ângulo da mandíbula foi incisada e dissecada junto com o retalho do músculo bucinador para preservar os ramos do nervo facial.

  • -

    O músculo foi dissecado e liberado ao longo de sua margem posterior, desde a glândula parótida até o arco zigomático. A origem do músculo a partir da parte posterior do arco zigomático foi seccionada para que o retalho pudesse ser girado da direção póstero‐inferior para a posição ântero‐inferior (fig. 1).

    Figura 1
    O retalho do músculo masseter de base superior (seta) é colhido para a reconstrução.

  • -

    A borda posterior do músculo foi usada para reconstruir a rafe retromandibular e a área do trígono retromolar através da sutura do músculo masseter às extremidades seccionadas restantes dos músculos pterigoideo (no caso de mandibulectomia segmentar ou hemimandibulectomia) ou da mucosa adjacente aos terceiros molares.

  • -

    A extremidade seccionada inferior do músculo (seccionada de sua inserção até o ângulo da mandíbula) foi suturada com o músculo milo‐hióideo e/ou membrana mucosa do assoalho da boca remanescente após a remoção do tumor primário para reconstruir o assoalho póstero‐inferior da boca e o sulco.

  • -

    Defeito anterior pós‐ressecção (se houvesse) foi fechado primariamente com retalhos transposicionais de mucosa bucal, assoalho da boca ou língua.

No pós‐operatório, os pacientes foram submetidos a intensos exercícios passivos e ativos de abertura da boca.

No pós‐operatório, os pacientes foram acompanhados em uma semana e um mês após a cirurgia. Foram examinados em relação à presença de complicações pós‐operatórias, como infecção e fístula, alteração pós‐operatória na abertura da boca (mudança na abertura da boca em uma semana pós‐operatória foi calculada ao obter‐se a diferença entre a abertura da boca [AB] no 7° dia de pós‐operatório e a AB pré‐operatória e da mesma forma a alteração na AB no pós‐operatório de um mês também foi calculada) e o desvio da mandíbula na abertura da boca (desvio lateral, se houver, a partir de uma linha imaginária que passa entre os incisivos centrais maxilares superiores direito e esquerdo) (fig. 2). Todas as medidas da magnitude da AB e do desvio da mandíbula na AB foram feitas com um paquímetro de Vernier. Todos os pacientes foram acompanhados por um ano após as cirurgias para verificação de qualquer tumor residual ou recidiva nos retalhos de masseter usados.

Figura 2
Desvio ipsilateral da mandíbula na abertura da boca (linha contínua ‐ linha média real, linha pontilhada ‐ linha média da mandíbula).

Análise estatística

O teste de normalidade de Shapiro‐Wilk foi feito nos valores de abertura bucal pré‐operatório, uma semana pós‐operatória e um mês pós‐operatório de todos os pacientes. O teste de Friedman foi usado para testar a significância da alteração na abertura bucal dos pacientes desde o momento pré‐operatório até uma semana de pós‐operatório e um mês de pós‐operatório. A análise de correlação de Pearson foi feita para testar qualquer associação entre o desvio mandibular na abertura da boca e o sexo do paciente e entre a abertura da boca no fim de uma semana e um mês e o sexo do paciente. Os resultados foram considerados significantes a um nível crítico de 5% (p < 0,05). A análise estatística foi feita com o software IBM SPSS Statistics (ver. 21.0; IBM, Armonk, NY, EUA).

Resultados

Dos 60 pacientes incluídos neste estudo, 41 (68,3%) eram mulheres e 19 (31,7%) eram homens, 5/60 estavam na faixa de 30 a 40 anos, 26/60 na de 40 a 50 anos, 16/60 na de 50 a 60 anos e 13/60 tinham mais de 60 anos; 36/60 pacientes tinham comorbidades presentes, como diabetes e hipertensão (tabela 1).

Tabela 1
Estatística descritiva de pacientes submetidos à reconstrução com retalho de masseter

O retalho foi totalmente viável em todos os pacientes e apresentou mucolização após um período. Infecções pós‐operatórias estavam presentes em 7 pacientes, enquanto 2/60 desenvolveram uma fístula orocutânea que exigiu um procedimento secundário para sua correção (tabela 1). Na 1ª semana do pós‐operatório em 18/60 pacientes, a abertura da boca estava reduzida quando comparada à AB pré‐operatória, enquanto em 32/60 o aumento na AB pós‐operatória, quando comparado à AB pré‐operatória, estava entre 0 a 5 mm. Em 10 pacientes notou‐se um aumento da AB de 5 a 10 mm (média ± desvio‐padrão: 33,05 ± 3,48 mm). Quando as avaliações foram feitas com um mês de pós‐operatório, apenas 9/60 pacientes apresentaram AB reduzida em comparação com seus valores pré‐operatórios, 39/60 tiveram um aumento de 0 a 5 mm na AB pós‐operatória, enquanto o número de pacientes cujo aumento na AB foi de 5 a 10 mm aumentou para 12 (média ± desvio‐padrão: 33,93 ± 3,09 mm) (tabela 2, fig. 3). A média ± desvio‐padrão da alteração na abertura da boca em uma semana de pós‐operatório foi + 1,917 ± 3,36 mm, que aumentou para + 2,633 ± 2,95 mm em um mês de pós‐operatório (tabela 2). O teste de normalidade de Shapiro‐Wilk mostrou que os valores de abertura da boca no pós‐operatório foram estatisticamente significantes e não estavam normalmente distribuídos (AB em uma semana de pós‐operatório: p = 0,023, AB em um mês de pós‐operatório: p = 0,019). O teste de Friedman revelou que houve uma alteração estatisticamente significante na abertura da boca do período pré‐operatório até os períodos de uma semana e um mês de pós‐operatório (p = 0,000). Quando a associação entre sexo e alteração na abertura da boca foi estudada, foi observado que as pacientes do sexo feminino apresentaram uma correlação positiva estatisticamente significante com a alteração na abertura da boca no pós‐operatório, tanto na 1ª semana de pós‐operatório (p = 0,198) quanto em um mês de pós‐operatório (p = 0,111) (tabela 2). O desvio ipsilateral da mandíbula na abertura da boca era 0 a 5 mm em 39 pacientes, 5 a 10 mm em 17 e mais de 10 mm em 4 (média ± desvio‐padrão: 4,917 ± 2,76 mm). Quando testada a associação entre gênero e desvio na abertura bucal, o gênero masculino mostrou predileção por apresentar mais desvio mandibular na abertura bucal do que o gênero feminino (p = 0,005) (tabela 3). Não foram observados tumores residuais ou recidivas nos retalhos do masseter usados nos 60 pacientes (tabela 1).

Figura 3
Retalho de masseter no (a) pós‐operatório de um mês e (b) pós‐operatório de um ano demonstra mucolização (seta).

Tabela 2
Alteração na abertura da boca no pós‐operatório (1 semana vs. 1 mês)
Tabela 3
Desvio ipsilateral da mandíbula na abertura da boca

Discussão

Os defeitos após a ablação da parte póstero‐inferior da cavidade oral, de tamanho pequeno a moderado, ocasionados por remoção de um tumor inicial na cavidade oral, representam um desafio para o cirurgião durante o planejamento da reconstrução.11 Tiwari R. Masseter muscle cross over flap in primary closure of oral-oropharyngeal defects. J Laryngol Otol. 1987;101:172-178.,88 Bande CR, Mishra A, Gupta MK, Goel M, Gawande MJ. Utility of superiorly based masseter muscle flap for postablative retromaxillary reconstruction. J Oral Maxillofac Surg. 2017;75 224.e1-224.e9. O principal objetivo da reconstrução após a cirurgia ablativa em pacientes com câncer visa restaurar a função e a estética ideais, segue‐se os três fundamentos da reconstrução, como declarado por Wilson em 1981.11 Tiwari R. Masseter muscle cross over flap in primary closure of oral-oropharyngeal defects. J Laryngol Otol. 1987;101:172-178.,33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301.,44 Wilson J.SP. In: Operative surgery, head and neck, part I. 3rd ed. Rob C, Smith R, editors. Butterworths; London-Boston: 1981. General principles of reconstruction; pp. 21-24.,99 Jesse RH, Barkley HT, Lindberg RD. Cancer of the oral cavity. Am J Surg. 1970;120:505-508. O defeito pós‐ablativo após a excisão de um tumor na parte póstero‐inferior da cavidade oral com menos de 4 cm requer a remoção de uma parte ou de toda a mandíbula (de acordo com os princípios da ressecção oncológica) e tem algumas características peculiares; em primeiro lugar, há falta de mucosa, em segundo lugar, há pouco tecido muscular e, o mais importante, há um espaço limitado. Como há falta de suporte muscular, um fechamento primário ou o uso de enxertos de pele oferece pouca garantia de uma vedação firme, pois há tendência à ruptura no período pós‐operatório.33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301. Os retalhos livres são um pouco mais vulneráveis a falhas na reconstrução de tais defeitos devido à falta de espaço, o que resulta no dobramento do retalho e, por sua vez, em estase venosa. Além disso, há morbidades da área doadora associadas à reconstrução com retalho livre microvascular. Outro aspecto importante é que, nos casos em que foi feito esvaziamento cervical ipsilateral anterior, é difícil ter artérias e veias para fazer a anastomose com o retalho livre; nesse caso, o pescoço contralateral deve ser operado para dissecar os vasos alimentadores para o retalho livre, o que aumenta a morbidade do paciente.22 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131.,33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301.,1010 Pellini R, Pichi B, Marchesi P, Cristalli G, Deganello A, Spriano G. External monitor for buried free flaps in head and neck reconstructions. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2006;26:1-6.

11 Deganello A, Manciocco V, Dolivet G, Leemans CR, Spriano G. Infrahyoid fascio-myocutaneous flap as an alternative to freeradial forearm flap in head and neck reconstruction. Head Neck. 2007;29:285-291.
-1212 Deganello A, Gitti G, Parrinello G, Muratori E, Larotonda G, Gallo O. Cost analysis in oral cavity and oropharyngeal reconstructions with microvascular and pedicled flaps. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2013;33:380-387. Retalhos musculocutâneos pediculados são muito volumosos para o espaço limitado, o que pode causar edema de pressão e necrose.33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301.,1313 Leite AK, de Matos LL, Belli M, Kulcsar MA, Cernea CR, Garcia Brandão L. Pectoralis major myocutaneous flap for head and neckreconstruction: risk factors for fistula formation. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2014;34:389-393.,1414 Bussu F, Gallus R, Navach V, Bruschini R, Tagliabue M, Almadori G, et al. Contemporary role of pectoralis major regional flaps in head and neck surgery. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2014;34:327-341. No caso de retalhos de masseter, há uma camada muscular que não é volumosa, mas que fornece o suporte necessário por baixo, de forma que o fechamento primário da mucosa possa ser alcançado.44 Wilson J.SP. In: Operative surgery, head and neck, part I. 3rd ed. Rob C, Smith R, editors. Butterworths; London-Boston: 1981. General principles of reconstruction; pp. 21-24.

Em nosso estudo, incluímos pacientes com pequenas lesões que levam a defeitos pequenos a moderados após a ablação na parte póstero‐inferior da cavidade oral. Foi assegurado que a tomografia computadorizada pré‐operatória não mostrava envolvimento do masseter pelo próprio tumor e os planos do tecido estavam intactos, o que torna essa técnica de reconstrução oncologicamente segura. Portanto, nenhum dos nossos casos apresentou tumor residual ou recorrência durante o período de seguimento de um ano. Semelhantemente aos estudos feitos por Langdon e Antoniades et al.,22 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131.,55 Antoniades K, Lasaridis N, Vahtsevanos K, Hadjipetrou L, Antoniades V, Karakasis D. Superiorlybased and islandmasseter muscle flaps for repairingoropharyngeal defects. J Craniomaxillofac Surg. 2005;33:334-339. em nossos casos os retalhos também eram viáveis e apresentaram epitelização em 3 a 4 semanas (fig. 3); 2 de nossos pacientes desenvolveram fístulas orocutâneas devido à infecção da ferida operatória. Ambos os pacientes tinham mais de 60 anos e eram diabéticos, o que pode ser a razão de sua suscetibilidade a infecções e capacidade prejudicada de cicatrização de feridas.1515 Abiko Y, Selimovic D. The mechanism of protracted wound healing on oral mucosa in diabetes. Review Bosn J Basic Med Sci. 2010;10:186-191. Embora uma das principais preocupações em relação a esse retalho tenha sido o trismo pós‐operatório,22 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131. 70% (42/60) de nossos pacientes mostraram uma melhoria na abertura da boca em uma semana de pós‐operatório e a abertura da boca melhorou ainda mais quando foi revisada um mês após a cirurgia. Em apenas 30% dos pacientes observou‐se diminuição da abertura da boca em uma semana de pós‐operatório, o que pode ser atribuído à dor pós‐operatória e edema porque, após um mês, 9 dos 18 pacientes que apresentaram redução da abertura da boca mostraram melhorias.1616 Chang WC, Chang W.CF, Cheng CM, Yang CY, Chen YW. Comparison of the hospitalization period after microvascular reconstruction flap in trismus patients: free anterolateral thigh flap versus free forearm flap. Clin Oral Investig. 2019;23:2951-2957. A melhoria na abertura da boca em uma semana e um mês de pós‐operatório foi estatisticamente significativa. Um dos motivos que podem ser responsáveis pela melhoria da abertura bucal pós‐operatória de nossos pacientes (abertura média da boca) pode ser atribuído aos exercícios intensos ativos e passivos de abertura oral a que submetemos todos os nossos pacientes a partir do 3° ou 4° dia após a cirurgia.1717 Van der Geer SJ, Reintsema H, Kamstra JI, Roodenburg J.LN, Dijkstra PU. The use of stretching devices for treatment of trismus in head and neck cancer patients: a randomized controlled trial. Support Care Cancer. 2020;28:9-11. Foi interessante notar que as mulheres apresentaram maior melhoria na abertura da boca no pós‐operatório do que os homens. Isso pode ocorrer porque os pacientes do sexo masculino tiveram mais fibrose muscular pós‐operatória e contratura muscular nos retalhos musculares usados na reconstrução, o que agiu como um obstáculo à abertura da boca e levou à redução da abertura da boca no pós‐operatório.1818 Ichimura K, Tanaka T. Trismus in patients with malignant tumours in the head and neck. J Craniomandib Prac. 1993;107:1017-1020. Porém, mais estudos são necessários para uma compreensão mais clara desse aspecto. Atividades funcionais como fala e deglutição foram normais e houve alteração insignificante do contorno facial dos pacientes (fig. 4). Outro fator avaliado em nosso estudo foi o desvio da mandíbula para o lado da cirurgia no pós‐operatório (fig. 2). Isso pode ser devido ao uso de retalhos transposicionais bucais e mucosos para obter o fechamento primário do defeito da ressecção anterior ou contratura da cicatriz pós‐operatória ou devido à feitura da hemimandibulectomia.1919 Arora V, Singh K, Agrawal KK, Habib AA. Management of mandibular deviation after mandibulectomy by simplified approach. BMJ Case Rep. 2013;2013 bcr2012008492. Nossos casos apresentaram desvio mandibular discretíssimos de 4,917 ± 2,76 mm e apenas 4 pacientes apresentaram desvio mandibular de mais de 10 mm na abertura da boca. Em nosso estudo, os pacientes do sexo masculino apresentaram tendência ligeiramente maior de ter desvio ipsilateral da mandíbula do que o sexo feminino. O motivo exato para esse fato não está claro e necessita de mais estudos para um melhor entendimento; entretanto, o pequeno tamanho da amostra de pacientes do sexo masculino em nossos estudos pode ser um dos motivos.

Figura 4
(a) Perfil anterior; (b) Perfil lateral de um caso submetido a cirurgia com um mês de pós‐operatório mostra mudança nominal no contorno facial.

O retalho do músculo masseter pode ser principalmente de 3 tipos, o de base superior (a origem do arco zigomático é preservada), o de base inferior (a inserção no ângulo da mandíbula é preservada) e o retalho em ilha (tanto a origem quanto a inserção são cortadas e o retalho é girado em torno de seu pedículo). O retalho de masseter foi inicialmente usado como um retalho cruzado de base superior com a mandíbula intacta, mas tinha a limitação de restrição da mobilidade. No entanto, mesmo após a mandibulectomia marginal, segmentar ou a hemimandibulectomia, com as inserções zigomáticas superiores mantidas, há uma limitação óbvia na mobilidade do retalho e, portanto, é ideal para ser usado na reconstrução de defeitos da região inferoposterior da cavidade oral.22 Langdon JD. The masseter muscle cross-over flap-a versatile flap for reconstruction in the oral cavity. Br J Oral Maxillofac Surg. 1989;27:124-131.,33 Tiwari RM, Snow GB. Role of masseter crossover flap in oropharyngeal reconstruction. J Laryngol Otol. 1989;103:298-301.,2020 Mahieu R, Russo S, Gualtieri T, Colletti G, Deganello A. Oral cavity reconstruction with the masseter flap. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2016;36:139-143. O retalho de masseter com base inferior é raramente usado, mas pode ser eficaz na reconstrução de defeitos pequenos a moderados da cavidade oral. Por outro lado, o retalho em ilha é muito mais flexível e tem maior flexibilidade e, portanto, também pode ser usado para reconstrução de defeitos orofaríngeos.55 Antoniades K, Lasaridis N, Vahtsevanos K, Hadjipetrou L, Antoniades V, Karakasis D. Superiorlybased and islandmasseter muscle flaps for repairingoropharyngeal defects. J Craniomaxillofac Surg. 2005;33:334-339.

O retalho de músculo masseter mostrou ser uma opção viável para a reconstrução nos casos de câncer inicial em partes póstero‐inferiores da cavidade oral. O procedimento não é sensível à técnica e o tempo necessário é muito menor, reduz o tempo total de cirurgia e o custo. É um procedimento de etapa única, não requer cirurgia corretiva adicional e também não deixa defeitos na área doadora. Esse modo de reconstrução é especialmente útil no caso de pacientes idosos com comorbidades, nos quais a cirurgia prolongada pode prejudicar a saúde geral do paciente e, por sua vez, o prognóstico, e em pacientes que apresentam um segundo tumor primário no mesmo lado da cavidade oral que o primeiro tumor primário. Ainda assim, devemos ter em mente as limitações do uso desse retalho, como a proximidade com o tumor primário, incapacidade de cobrir grandes defeitos e falta de mobilidade, antes de escolher esse retalho como medida de reconstrução (tabela 4).

Tabela 4
Vantagens e desvantagens do uso do retalho de músculo masseter com base superior

Conclusão

O retalho do músculo masseter de base superior é um método confiável para reconstrução em casos de carcinoma inicial de partes póstero‐inferiores da cavidade oral. Como todo retalho, tem seu conjunto de vantagens e desvantagens, mas, se a seleção adequada do paciente for feita adequadamente, ele produz bons resultados funcionais e cosméticos aceitáveis, com complicações pós‐operatórias insignificantes.

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  • Como citar este artigo: Rajani BC, Nadimul H, Subhabrata G, Sabitha KS, Vinitha A, Vasantha Dhara B. Masseter muscle flap for reconstruction of intra‐oral defects in patients with early cancer of posterior‐inferior parts of the oral cavity. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:745-51.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    4 Jun 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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