Herniação espontânea da articulação temporomandibular no conduto auditivo externo

Introdução

A herniação espontânea da articulação temporomandibular (ATM) no conduto auditivo externo (CAE), resultante do forame de Huschke, é uma condição muito rara, sendo observada em apenas 0,4% da população.¹ A herniação pode mimetizar os quadros de erosão da parede óssea do CAE por colesteatoma, trauma e outras lesões neoplásicas ou inflamatórias.²

Relato do caso

Mulher de 57 anos, com queixa de plenitude auricular e otalgia na orelha esquerda há um ano, especialmente durante a mastigação. Não apresentava zumbido, otorréia ou perda auditiva. A paciente não tinha história de infecção, trauma ou cirurgia de orelha. Durante o exame otoendoscópico, foi observada membrana timpânica normal, mas havia protrusão de tecido mole, originário da parede anterior do CAE esquerdo. Com a boca fechada, a protrusão tinha aspecto de um tumor em forma de cúpula (fig. 1a). Por outro lado, com a boca aberta, o tumor se retraía anteriormente , deixando uma invaginação no interior do meato (fig. 1b). A tomografia computadorizada de alta resolução (HRCT) do osso temporal com a boca fechada demonstrou um defeito de 3 mm na parede anterior do CAE esquerdo (fig. 1c), com uma massa de tecido mole que se estendia desde a ATM até o interior do CAE (fig. 1d). Considerando ser essa uma lesão benigna e que, além disso, a paciente não relatava nenhum grande inconveniente com a plenitude auricular ou com a otalgia, propusemos tratamento conservador, sem biópsia. Quando, um ano depois, a paciente retornou para acompanhamento, a otalgia tinha desaparecido, mas o quadro de plenitude auricular permanecia praticamente o mesmo.

Figura 1
Achados otoendoscópicos demonstrando presença de protrusão, com massa em forma de cúpula com a boca fechada (A), exibindo retração com a boca aberta (B). HRCTs axial (C) e sagital (D) demonstram defeito ósseo na parede anterior do CAE (seta), com herniação de material de tecido mole (asterisco).

Discussão

A pesquisa na literatura mundial revelou que apenas 25 casos com herniação espontânea da ATM haviam sido previamente descritos. As idades variaram de 15 a 87 anos, com média de 56,6 anos, e 20 desses pacientes (80%) tinham ≥ 50 anos. Segundo uma das hipóteses, a deiscência inicial no forame de Huschke seria demasiadamente pequena para resultar em herniação da ATM ou de qualquer outro conteúdo de tecido mole no interior do CAE; com o passar do tempo, os anos de mastigação poderiam amolecer o tecido interveniente ou ampliar o forame. Esta pode ser a explicação para a distribuição etária dos casos publicados.³ Os sintomas em pacientes com herniação da ATM eram inespecíficos, e os mais comuns incluíam otalgia (36%), zumbido em clique (36%) e otorréia (32%), seguidos por perda auditiva (20%), plenitude auricular (10%). Cerca de 8% dos pacientes eram assintomáticos.

O diagnóstico pode ser estabelecido com base nos achados otoscópicos e em estudos de imagens. A herniação apresenta características bem definidas, por se apresentar mais saliente quando a boca está fechada, ocorrendo retração quando a boca está aberta. A avaliação do tumor no CAE durante os movimentos mastigatórios pode ser útil.⁴ O tratamento de uma herniação da ATM dependerá dos sintomas apresentados, e também da vontade do paciente e de sua adequação para a cirurgia.⁵ Normalmente, se um paciente com herniação da ATM se apresentar com sintomas triviais ou estiver assintomático, o tratamento cirúrgico não deverá ser considerado. Por outro lado, a oclusão cirúrgica poderá ser indicada em pacientes com sintomas significativos.⁶ Dos 25 casos publicados, 15 foram tratados com cirurgia; desses, sete (46,67%) casos se apresentavam com zumbido em cliques, seis (40%) com otalgia e cinco (33,33%) com otorréia. Em relação ao nosso caso, a paciente apresentava sintomas triviais que não a incomodavam muito, tendo sido excluída a possibilidade de tumor no CAE, e a proposta foi de um tratamento conservador.

Comentários finais

É importante ficar atento à possibilidade de ocorrência desse tipo de herniação na avaliação de pacientes com tumores no CAE. A maioria dos pacientes que se apresentam apenas com sintomas triviais, poderá ser tratada com uma estratégia conservadora.

References

• ¹
  Park YH, Kim HJ, Park MH. Temporomandibular joint hernia- tion into the external auditory canal. Laryngoscope. 2010;120: 2284-8.
• ²
  Kim TH, Lee SK, Kim SJ, Byun JY. A case of spontaneous temporo- mandibular joint herniation into the external auditory canal with clicking sound. Korean J Audiol. 2013;17:90-3.
• ³
  Nakasato T, Nakayama T, Kikuchi K, Ehara S, Ohtsuka H, Fukuda K, et al. Spontaneous temporomandibular joint herniation into the external auditory canal through a persistent foramen tympan- icum (Huschke): radiographic features. J Comput Assist Tomogr. 2013;37:111-3.
• ⁴
  Lacout A, Marsot-Dupuch K, Smoker WR, Lasjaunias P. Fora- men tympanicum, or foramen of Huschke: pathologic cases and anatomic CT study. AJNR Am J Neuroradiol. 2005;26:1317-23.
• ⁵
  Prowse SJ, Kelly G, Agada F. Temporomandibular joint herniation and the foramen of Huschke: an unusual external auditory canal mass. J Laryngol Otol. 2011;125:1279-81.
• ⁶
  Moriyama M, Kodama S, Suzuki M. Spontaneous temporomandibu- lar joint herniation into the external auditory canal: a case report and review of the literature. Laryngoscope. 2005;115:2174-7.

• Financiamento Esse estudo foi financiado pelo projeto Advanced and Frontier Techniques, para o Hospital Municipal de Shanghai (SHDC12010119).
• ☆
  Como citar este artigo: Li W, Dai C. Spontaneous temporomandibular joint herniation into the external auditory canal. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:339-41.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  May-Jun 2015

Histórico

• Recebido
  06 Nov 2014
• Aceito
  06 Fev 2015