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Definição do ponto de referência endoscópica nasal ao acesso cirúrgico à base anterior por estudo anatômico em cadáveres Como citar este artigo: Zanuncio AV, Crosara PF, Becker HM, Becker CG, Guimarães RE. Setting of an endoscopic nasal reference point for surgical access to the anterior base through an anatomical study on cadavers. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:630-5.

Resumo

Introdução:

Doenças dos seios paranasais, cavidades nasais e doenças da base do crânio podem ser tratadas com operação endonasal utilizando-se endoscópio rígido nasal. Referências anatômicas são importantes para a segurança durante a realização dessas operações.

Objetivo:

Medir a distância da parede posterior do seio maxilar à base anterior do crânio de acordo com características sócio-demográficas. Detalhar um ponto de referência anatômico para operações dos seios paranasais e acesso à base anterior do crânio comparando variações anatômicas entre os lados direito e esquerdo, gênero, altura, peso, idade e etnia em cadáveres.

Método:

Medidas do ângulo de 90º (ponto onde inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide, chamado de ângulo de 90º – Δ_90º) aos pontos superior, médio e inferior da parede posterior do seio maxilar. Foram utilizados 60 cadáveres com idade acima de 17 anos, e avaliados com idade, altura, peso IMC, gênero e etnia, comparando-se as medidas dos lados direito e esquerdo.

Resultados:

As medidas foram maiores que 1,5 cm em todos os cadáveres e não variaram com a idade, altura, peso, gênero e etnia nos lados direito e esquerdo dos cadáveres. Destaca-se falta de associação entre a medida do Δ90º à parede posterior superior; média e inferior do maxilar (categórico ou quantitativo) com as características estudadas.

Conclusão:

A metodologia empregada definiu o ponto de referência nasal por não variar com as características dos cadáveres.

PALAVRAS-CHAVE
Base do crânio; Cirurgias endoscópicas; FESS; Seios paranasais; Seios da face

Abstract

Introduction:

Diseases of paranasal sinuses, nasal cavity, and skull base can be treated by endonasal operations using a nasal rigid endoscope. When conducting this kind of surgery, anatomical references are critical for safety.

Objective:

To measure the distance from the posterior wall of the maxillary sinus to the skull base, according to socio-demographic characteristics, and to detail an anatomical reference point for paranasal sinus operations and for an access to the anterior skull base, comparing anatomical variations between right and left sides, gender, height, weight, age, and ethnicity in cadavers.

Methods:

Measures were taken from the 90° angle (the starting point where deflection of the skull base begins to form the anterior wall of the sphenoid, also known as Δ90°) to the upper, middle, and lower points of the posterior wall of the maxillary sinus. This study used 60 cadavers aged over 17 years, and evaluated these bodies with respect to age, height, BMI, weight, gender, and ethnicity, comparing measurements of right and left sides.

Results:

The measurements were >1.5 cm in all cadavers and did not vary with age, height, weight, gender, and ethnicity on their right and left sides. The lack of association between the measurement from Δ90° to the upper, middle, and lower posterior walls of the maxillary sinus (categorical or quantitative) is noteworthy, considering the characteristics studied.

Conclusion:

The methodology defined the nasal point of reference, considering an absence of variation in the cadavers’ characteristics.

KEYWORDS
Skull base; Endoscopic surgery; FESS; Paranasal sinuses; Facial sinuses

Introdução

A cirurgia endonasal guiada por endoscópio rígido nasal (chamada de cirurgia endoscópica nasal) é utilizada no tratamento das doenças dos seios paranasais, cavidades nasais e doenças da base do crânio. O conhecimento detalhado da anatomia nasal é necessário para a realização do procedimento, sendo a tomografia computadorizada dos seios da face e a videonasolaringoscopia indispensáveis ao tratamento. A anatomia dos seios paranasais sofre variações individuais.11 Karasen M, KantarciI RM, Alper F, Onbas O, Okur A, Karaman A. Remarkable anatomic variations in paranasal sinus region and their clinical importance. Eur J Radiol. 2004;50:296-302.

2 Luong A, Marple BF. Sinus surgery: indications and techniques. Clin Rev Allerg Immu. 2006;30:217-22.
-33 Tan HKK. Sphenoid sinus: an anatomic and endoscopic study in Asian cadavers. Clin Anat. 2007;20:745-50.

A cirurgia endoscópica nasal é utilizada para o tratamento da rinossinusite crônica, associada ou não à polipose nasal; ressecção de tumores nasais e dos seios paranasais; malformações da cavidade nasal, como atresia coanal; diversas doenças inflamatórias e infecciosas da cavidade nasal e seios paranasais; e doenças da base do crânio, com menor morbidade e menor índice de complicações. Cirurgias na base de crânio e poliposes revisionais com anatomia alterada são aquelas com maior necessidade de referências anatômicas precisas.44 Scutariu MD, Bâldea V. Neighbouring relations of the posterior ethmoid studied by axial computed tomography. Morphology. 2010;94:51-7.

5 Tan BK, Lane AP. Endoscopic sinus surgery in the management of nasal obstruction. Otolaryng Clin N Am. 2009;42:227-40.
-66 Bunzen DL, Campos A, Leão FS, Morais A, Sperandio F, Neto SC. Eficácia da operação endoscópica nasal nos sintomas da rinossinusite crônica associada ou não à polipose. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72:242-6.

O conhecimento de medidas fixas, que variam pouco com características como gênero, etnia, idade, peso e altura, como a distância da parede posterior do seio maxilar ao Δ90º (ponto onde inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide), na base anterior do crânio, daria maior segurança aos cirurgiões, evitando iatrogenias aos seios posteriores. Essas medidas não foram descritas na literatura e serão apresentadas.77 Stamm A. Operação microendoscópica dos seios paranasais - conceitos básicos. Braz J Otorhinolaryngol. 2002;68:299-302.

8 Stamm AC, Pignatari S, Sebusiani BB, Galati MC, Mitsuda S, Haetinger RG. Operação endoscópica nasossinusal e da base do crânio guiada por computador. Braz J Otorhinolaryngol. 2002;68:502-9.
-99 Hemmerdinger SA, Jacobs JB, Lebowitz RA. Accuracy and cost analysis of image-guided sinus surgery. Otolaryng Clin N Am. 2005;38:453-60.

O objetivo deste estudo foi medir as distâncias em três pontos da parede posterior dos seios maxilares dos lados direito e esquerdo à base anterior do crânio (Δ90º), e compará-las com as características sociodemográficas de interesse; definir outros pontos de referência para acesso cirúrgico endoscópico; comparar as variações anatômicas dos pontos de referência medidos em relação ao gênero, altura, peso, idade e etnia em cadáveres; e detalhar um novo ponto de referência anatômico para realizar com maior segurança cirurgias dos seios paranasais e da base anterior do crânio.

Método

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o parecer número 0591.0.203.000-8.

As cavidades nasais, direita e esquerda, foram dissecadas em 60 cadáveres com de diferentes idades (acima de 17 anos), etnias, alturas e de ambos os gêneros. A parede medial do seio maxilar foi aberta e os seios etmoidais anteriores e posteriores e do seio esfenoide dissecados para identificação do ponto onde inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide, chamado de ângulo de 90 - Δ90º (fig. 1), e medir a distância desse ponto aos pontos superior, médio e inferior da parede posterior dos seios maxilares.

Figura 1
Cavidade nasal direita (CM, corneto médio; CI, corneto inferior); A, Início da dissecção; B, Processo uncinado; C, Bula etmoidal; D, Exposição do seio maxilar; E, Exposição do seio etmoide; F, Exposição do seio esfenoidal. A seta aponta para o ângulo de 90º.

A dissecção foi feita, com material microcirúrgico, por endoscopia nasal, com óptica de 0º em câmera acoplada e gravada em DVD.

A estrutura para o estudo foi montada na sala de necropsia com câmera de vídeo, notebook, aspirador, fonte de luz, instrumentais cirúrgicos, óptica de zero grau e cabo de luz. Os cadáveres, após necropsia, foram submetidos a dissecção dos seios paranasais e as medidas realizadas.

As seguintes medidas foram realizadas (fig. 2): pontos superior, médio e inferior da parede posterior do seio maxilar até o ângulo de 90º, baseado em protocolo previamente estipulado.

Figura 2
Realização das medidas nos cadáveres - Δ90º (ponto no quel inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide).

As covariáveis altura, peso, idade, índice de massa corporal (IMC), gênero e etnia foram avaliados em relação às três medidas estudadas.

Os resultados descritivos apresentados na seção de resultados foram obtidos com o uso de frequências e porcentagens para as características das diversas variáveis categóricas e da obtenção de medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de dispersão (desvio padrão) para as quantitativas.

O coeficiente de correlação de Pearson (r) foi utilizado para comparar as medidas e características nas formas quantitativas (idade, altura, peso e índice de massa corporal - IMC).

Foram utilizados os testes t Student para as comparações das medidas na forma quantitativa com gênero e etnia, uma vez que as suposições usuais deste teste foram atendidas (normalidade - teste de Shapiro-Wilk e homocedasticidade - Levene).1010 Triola MF. Introdução a statística. 9ªed. Rio de Janeiro; 2005.

As três medidas selecionadas foram dicotomizadas em dois grupos: maior ou igual a dois e menor que dois, pois, na prática operatória, observou-se que as distâncias eram, em geral, maiores ou iguais a dois.

Resultados

Análise descritiva

As frequências de indivíduos do sexo masculino (55%) e raça branca (78,3%) foram maiores. A média da idade, altura, peso e o IMC dos cadáveres foram de 64 anos; 1,70 m; 67,1 kg e 22,5, respectivamente. As frequências de cadáveres com idades entre 48 e 88 anos, altura entre 1,70 e 1,75 m, peso entre 60 e 80 quilos e IMC de 18 a 26 foram maiores.

Estatística descritiva entre os lados direito e esquerdo

Os cadáveres tinham, do lado direito, média de 2,1 cm, do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar; 1,9 cm do Δ90º até a parede posterior média do maxilar; e 1,7 cm do Δ90º até a parede posterior inferior do maxilar. Do lado esquerdo, estas medidas foram de 2,2;1,7 e 1,6 cm, respectivamente (tabela 1).

Tabela 1
Estatísticas descritivas das características dos lados direito e esquerdo do Δ90º até as paredes posterior superior (PPS), média (PPM) e inferior (PPI) do maxilar dos cadáveres

A medida do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar mostrou que, em ambos os lados, em 91,7% dos cadáveres essa medida era maior ou igual a 2 cm. A diferença entre o Δ90º até a parede posterior média do maxilar e do Δ90º até a posterior inferior do maxilar por lado mostrou que 61,7% dos cadáveres tinham no lado direito, e 51,7% no esquerdo; a distância do Δ90º até a parede posterior média do maxilar era maior ou igual a 2 cm. Além disso, a distância do Δ90º até a parede posterior inferior do maxilar foi maior ou igual a 2 cm em 46,7 e 41,7% dos lados direito e esquerdo dos cadáveres, respectivamente (tabela 2).

Tabela 2
Descrição categorizada do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior do maxilar dos lados direito e esquerdo dos cadáveres

Ao todo, dez (16,7%) dos 60 cadáveres apresentaram a medida do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar inferior a 2 cm e superior a 1,5 cm.

Comparações entre os lados

A medida do Δ90º até a parede posterior média do maxilar variou entre os lados com menor valor do lado esquerdo que do direito, sendo a diferença entre essa característica de 0,2 cm (1,9-1,7), ocorrendo diferença com significância estatística. Não houve diferença em relação às outras duas medidas (tabela 3).

Tabela 3
Comparação do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior do maxilar dos lados direito e esquerdo dos cadáveres

Comparações das características com as variáveis respostas por lado

Lados direito e esquerdo - quantitativo

O coeficiente e os valores de p da correlação de Pearson (r) mostraram não haver associação entre as medidas do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior dos maxilares dos lados direito e esquerdo, com a idade, altura, peso, IMC, gênero e etnia dos cadáveres (p > 0,05) (tabela 4).

Tabela 4
Resumo das comparações entre as três medidas avaliadas e as características de interesse

Lados direito e esquerdo - categórico

A medida do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior dos maxilares dos lados direito e esquerdo não apresentaram associação com a idade, altura, peso, IMC, raça e gênero dos cadáveres (p > 0,05).

Discussão

Esta pesquisa foi desenvolvida após a observação durante aproximadamente dez anos, em cirurgias endoscópicas nasais, de que as medidas anatômicas discutidas eram constantes. As medidas do ângulo de 90º até a parede posterior do maxilar foram semelhantes, independentemente do gênero, etnia, idade, peso ou altura, mas outras variaram com tais características. Observações na prática cirúrgica levaram à realização dessas medidas anatômicas em cadáveres para comprovar ou excluir essas observações, pois a literatura médica não apresenta definições sobre as mesmas. A comprovação da regularidade das medidas permitiria uma referência anatômica mais precisa e constante, e provavelmente maior segurança na abordagem dos seios paranasais posteriores, principalmente pelo fato de essa região apresentar grande variação anatômica. Em casos onde há distorção da anatomia, como reoperações, a medida se torna ainda mais útil.

Outras medidas realizadas nas cavidades nasais de 60 cadáveres mostraram influência das características pessoais. No entanto, a medida do ângulo de 90º até a parede posterior superior do maxilar não variou, comprovando o observado na prática clínica. Foi observado que 10% das medidas do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar estavam abaixo de 2 cm e superiores a 1,5 cm, o que ocasionou a mudança da medida fixa para maior ou igual a 1,5 cm.

Nas medidas do Δ90º até a parede posterior inferior e média do maxilar foram encontrados valores abaixo de 1,5 cm como outlines. Tais medidas são pouco exatas para serem realizadas durante a cirurgia, devido a sua posição anatômica em relação ao Δ90º, não sendo viável a realização dos procedimentos cirúrgicos. Sendo assim, optou-se por utilizar a medida de 1,5 cm em relação ao ponto superior da parede posterior do maxilar ao Δ90º, por ser mais viável e não apresentar outlines.

Em casos cirúrgicos onde não ocorra a abordagem do seio maxilar, outras estruturas anatômicas deverão ser utilizadas.

Conclusão

As análises dos dados apresentados no texto nos permitem afirmar que há uma medida fixa entre a parede posterior superior do seio maxilar e o ângulo de 90º. A medida encontrada foi sempre superior a 1,5 cm, o que pode facilitar a abertura dos seios paranasais posteriores com segurança durante as cirurgias endoscópicas nasais, onde há abordagem dos seios maxilares. As medidas dos pontos inferior e médio em relação à parede posterior do maxilar não devem ser utilizadas na prática cirúrgica, devido à dificuldade de medição por sua posição anatômica.

Não se observa associação estatística da diferença entre a medida do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior do maxilar, tanto na forma categórica quanto na quantitativa em nenhuma das características avaliadas, ou seja, as medidas não sofrem influência de idade, peso, estatura, etnia ou gênero.

A definição da medida fixa na anatomia dos seios paranasais em uma região onde há maior chance de iatrogenias poderia permitir maior segurança aos cirurgiões e um menor número de complicações nas cirurgias endoscópicas nasais.

  • Como citar este artigo: Zanuncio AV, Crosara PF, Becker HM, Becker CG, Guimarães RE. Setting of an endoscopic nasal reference point for surgical access to the anterior base through an anatomical study on cadavers. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:630-5.

References

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    Triola MF. Introdução a statística. 9ªed. Rio de Janeiro; 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2015
  • Aceito
    29 Out 2015
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