Análise quantitativa da camada de fibras nervosas da retina de cães normais e glaucomatosos através da polarimetria a laser

Retinal nerve fiber layer thickness analysis in normal and glaucomatous dogs using laser polarimetry diagnosis

Análise quantitativa da camada de fibras nervosas da retina de cães normais e glaucomatosos através da polarimetria a laser

Retinal nerve fiber layer thickness analysis in normal and glaucomatous dogs using laser polarimetry diagnosis

Ana Lucia Braga Martins^I; Gustavo Adolfo Garcia^II; Jorge da Silva Pereira^III; Sergio Rodriguez^II; Alejandro Rivera^II; Luiz Felipe Castro Graeff Vianna^I

^IUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica - RJ

^IIUniversidad Nacional Autonoma de Mexico (UNAM), Cidade do México - ME

^IIICentro de Estudo, Pesquisa e Oftalmologia Veterinária (CEPOV) - RJ

^{Endereço para Correspondência}

RESUMO

As lesões glaucomatosas são progressivas e irreversíveis. Estudos sobre o aparecimento e comportamento desta enfermidade vêm sendo discutidos na oftalmologia em geral. O diagnóstico precoce é de extrema importância para o tratamento e estabilização da mesma. A análise da espessura da camada de fibras nervosas retinianas ''in vivo'' foi proposta na oftalmologia humana, para estabelecer as alterações produzidas pelo glaucoma, e tem demonstrado que tais alterações podem ser detectadas até seis anos antes de alterações de campo visual e aumento de pressão intraocular. Entretanto, na Medicina Veterinária, estes dados carecem de estudo e discussão. Neste experimento foram utilizados dois grupos de cães, com olhos normais e olhos glaucomatosos, que foram submetidos à análise das fibras nervosas retinianas através do Analisador de Fibras Nervosas GDx. Os resultados estatísticos demonstraram que a camada de fibras nervosas dos olhos dos cães glaucomatosos estava mais delgada (p < 0,05) quando comparados aos olhos de cães normais, confirmando a perda de axônios das células ganglionares em olhos de cães com glaucoma.

Palavras-chave: Cães. Glaucoma. Fibras nervosas.

SUMMARY

Once the glaucomatous damage is progressive and irreversible, studies on the glaucoma onset as well as its development have been discussed. It is known that the early diagnostisis is extremely important to the stabilization and treatment. The retinal nerve fibers layer thickness analysis ''in vivo'' was proposed in human ophthalmology in order to establish the thickness changing, due to glaucoma, and have shown that such findings can be even detected six years priors to the first clinical signs. However, in Veterinary Medicine, such data need to be investigated and discussed. This study used two groups of dogs, a glaucomatous group and a normal group, that had been submitted to the retinal nerve fibers layer analysis through the GDx Nerve Fiber Analyzer. Statistical data showed that the nerve fiber layer of the glaucomatous group was thinner (p < 0.05), sustaining ganglion cells axons loss in glaucomatous eyes, compared to normal eyes.

Key-words: Dog. Glaucoma. Nerve Fibers.

Introdução

O glaucoma pode ser considerado como uma síndrome onde diferentes mecanismos ocorrem conjuntamente, promovendo cegueira irreversível. Estes mecanismos são o aumento rápido ou progressivo da pressão intraocular (PIO), escavamento da papila óptica e destruição das células ganglionares da retina e seus axônios^1,2,3.

O estudo da camada de fibras nervosas retinianas (CFNR) vem sendo utilizado na medicina oftalmológica humana e tem se mostrado importante para o diagnóstico precoce de glaucoma. Achados em humanos podem ser detectados antes de se observarem alterações no disco óptico ou de campo visual. No homem a CFNR se torna mais delgada já nos estágios mais precoces do glaucoma^4,5,6,7,8.

A polarimetria a laser, representada pelo Analisador de Fibras Nervosas GDx utiliza um laser com um polarímetro integrado, proporcionando a medição ''in vivo'' da CFNR peripapilar. Os axônios das células ganglionares retinianas apresentam uma birrefringência ao feixe de luz polarizado. A luz polarizada passa através da CFNR sofrendo um retardo proporcional à espessura desta camada, possibilitando a mensuração da mesma ^{9,10,11,12,13}.

O objetivo deste estudo é comparar a espessura da CFNR em cães, medida por polarimetria a laser através do Analisador de Fibras Nervosas GDx, em pacientes normais e em pacientes glaucomatosos previamente avaliados e diagnosticados clinicamente, e correlacionar estatisticamente os resultados obtidos, de forma que permita o entendimento mais aprofundado da fisiopatologia do glaucoma nesta espécie, pois, até o momento, a literatura veterinária carece de análise profunda de resultados encontrados.

Material e Método

Foi utilizado um total de 27 cães, sendo que 17 com olhos normais e 10 com olhos positivos para glaucoma, estes pré-selecionados no Serviço de Oftalmologia do Hospital Veterinário para Pequenas Espécies da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da ''Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)''. Dentro do grupo de cães normais foram analisados 25 olhos pelo Analisador de Fibras Nervosas GDx no ''Hospital de la Asociación para evitar la ceguera en México (APEC)''. Dos cães com glaucoma foram analisados 11 olhos pelo mesmo método. Os olhos que não foram analisados possuíam alguma opacidade nos meios refringentes, impossibilitando o exame.

Cada animal foi submetido previamente a exames clínicos de rotina, e os exames oftalmológicos constaram de biomicroscopia com lâmpada de fenda, oftalmoscopia direta e indireta, tonometria eletrônica de aplanação, provas de ameaça e provas de bolas de algodão para avaliar a acuidade visual, mesmo que subjetivamente.

Cães considerados normais apresentaram ausência de alterações oftálmicas e sistêmicas. Os glaucomatosos apresentavam os sinais clínicos de perda de visão progressiva, midríase, escavamento de papila óptica, PIO suspeita (maior que 24 mmHg) e vasos episclerais ingurgitados, sendo importante salientar que estes requisitos poderiam estar presentes totalmente ou parcialmente, desde que os sinais caracterizassem a síndrome glaucomatosa precoce descartando outra patologia oftálmica concomitante.

Foram empregados cães de ambos os sexos, diferentes raças de porte mediano, e animais com idade limite de 8 anos.

Os cães selecionados foram posicionados no Analisador de Fibras Nervosas GDx sob sedação com ketamina [Vetaset, Fort Dodgeâ, São Paulo, Brasil.] (10 mg/Kg) e acepromazina [Acepran 1%, Univet S.A., São Paulo, Brasil.] 1% (0.5mg/Kg), e nos 5 minutos anteriores ao exame foi instilada a solução tópica de tropicamida [Mydriacyl® 1%, Alcon Inc., Humacao, Puerto Rico.] 1.00% (1 gota em cada olho), com o objetivo de promover midríase.

A imagem da papila óptica e área peripapilar foi formada pela média de três análises, sendo que são necessários 0.7 segundos para obter os dados com 65,536 ''pixels'' para formar o mapa desta área. O mapeamento foi feito em 256 x 256 ''pixels'' e foi dividido em 4 quadrantes dentro de uma banda circular e peripapilar: um superior e outro inferior de 120 graus cada; e um temporal e um nasal de 50 e 70 graus respectivamente. A análise da espessura da CFNR foi feita na área da banda circular peripapilar e a unidade de medida utilizada para representação foi expressa em micrômetros (µm). Foram obtidos apenas os valores médios da espessura da CFNR, do quadrante superior e do quadrante inferior. Os resultados foram analisados estatisticamente pelos testes t de ''Student'' e a correlação linear simples nos olhos normais e glaucomatosos.

Resultados e Discussão

De 17 cães normais, 25 olhos normais tiveram apenas 1 olho avaliado e em 8 deles ambos os olhos. A idade limite de 8 anos foi em função de que em humanos foi relatado que há perda de fibras nervosas retinianas relacionadas a senilidade^14,15,16,17.

De acordo com o teste t de ''Student'', não houve diferença significativa entre PIO, espessura da CFNR, média dos quadrantes superior e inferior (p > 0,10) nos olhos direitos e esquerdos de um mesmo cão. Indicando que não há diferença estatística entre estas médias. Estudos anteriores comprovaram que, além dos quadrantes nasal e temporal apresentarem uma espessura inferior, também não apresentam mudanças significativas com o glaucoma instalado^5,18,19.

Não houve correlação linear significativa, entre os olhos direitos e esquerdos de um mesmo animal, entre os valores médios da PIO (p > 0,10; r = 0,03), espessura de CFNR (p > 0,10; r = 0,01), média do quadrante superior (p > 0,10; r = 0,01), e média do quadrante inferior (p > 0,10; r = 0,01). Confirmando a assimetria dos olhos direitos e esquerdos descritas anteriormente em humanos⁵.

Pode-se notar o valor máximo encontrado para os valores médios dos quadrantes superior e inferior foi de 184 µm, enquanto que o mínimo foi 84 µm, no quadrante inferior (Tabela 1).

De acordo com o teste t de ''Student'' (t_calc = 2,16), a média dos valores médios dos quadrantes superior (149,68 µm) é superior à média dos valores médios dos quadrantes inferior (141,16 µm). Determinando uma assimetria dos quadrantes dos olhos analisados (p < 0,05).

A média populacional da PIO dos olhos normais foi encontrada entre 14,74 mmHg < µ < 16,14 mmHg, valores próximos aos descritos para cães e gatos normais, entre 15 e 25 mmHg ²⁰.

Os valores mínimo e máximo para CFNR encontrados foram de 98,00 µm e 171,00 µm, com a média populacional variando entre 135,81 µm < µ < 150,59 µm, a 95.00% de certeza. Em cada quadrante os valores mínimo e máximo encontrados foram 95,00 µm e 184,00 µm para o quadrante superior e 84,00 µm e 184,00 µm para o quadrante inferior, com média populacional variando entre 140,57 µm < µ < 158,79 µm para o quadrante superior e 130,67 µm < µ < 151,65 µm para o quadrante inferior.

Todas as variáveis estão correlacionadas positivamente entre si, duas a duas, ao nível de 5.00% de probabilidade, exceto no caso da correlação entre a PIO e o valor médio do quadrante inferior que foi de 10%, indicando que quando uma destas variáveis cresce, as outras crescem também (Tabela 2).

O olhos de cães com glaucoma obtiveram uma média de PIO variando de 26,80 mmHg < µ < 30,65 mmHg, estando acima do intervalo de PIO normal, que é de 15 a 25 mmHg ¹⁰ (Tabela 3).

Pelo teste t de ''Student'' (t_calc.=0,65) foi constatado que as médias dos valores médios dos quadrantes superior e inferior não diferem estatisticamente (p<0,05) entre si em olhos glaucomatosos, confirmando os dados obtidos em estudos com humanos ^5,7.

As estatísticas da espessura da CFNR, bem como as relativas aos valores médios dos quadrantes superior e inferior dos olhos, mostram que estão mais delgadas quando comparadas com as dos olhos dos cães normais, confirmando dados obtidos anteriormente em estudos com humanos ^{5,6,7,18,19,21}.

Todas as variáveis estão correlacionadas positivamente entre si, duas a duas, indicando que quando uma diminui a outra diminui também (p<0,05). Entretanto, embora haja uma correlação linear negativa entre PIO e espessura da CFNR; PIO e quadrante superior: e PIO e quadrante inferior, indicando que quando a PIO aumenta estas outras variáveis diminuem, estas correlações não foram significativas (p>0,10), embora a espessura da CFNR e dos quadrantes superior e inferior em olhos glaucomatosos diminui enquanto que a PIO aumenta (Tabela 4).

Analisando os valores t de ''Student'', pode-se concluir que as médias da espessura da CFNR, dos valores médios do quadrante superior e dos valores médios do quadrante inferior foram estatisticamente menores nos cães com glaucoma quando comparados com cães com olhos normais (p<0,05) (Tabela 5).

Relatos informam que no homem a espessura da CFNR pode se apresentar mais delgada nos estágios precoces do glaucoma, conforme encontrado na presente pesquisa, onde os olhos glaucomatosos apresentaram menor média de espessura da CFNR quando comparada com a média dos olhos normais (p < 0,05) ^{4,5,6,8,18,19,21,22}.

Estes resultados obtidos confirmam que a PIO é um fator de risco importante para o desenvolvimento de glaucoma ^1,2,3.

Este teste diagnóstico tem um valor em especial na oftalmologia veterinária devido à impossibilidade de se realizar exames campimétricos.

A análise de fibras nervosas retinianas em olhos glaucomatosos pode ser importante também para acompanhamento e prevenção no olho contralateral de um paciente com glaucoma avançado, como controle para o surgimento da enfermidade em raças sabidamente predispostas e/ou em indivíduos nos quais haja histórico familiar de glaucoma primário, e ainda, como acompanhamento da evolução da doença em pacientes sob tratamento clínico ou cirúrgico, sempre com o intuito de manter a função visual pelo maior tempo possível.

Recebido para publicação: 06/11/2002

Aprovado para publicação: 17/09/2003

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Maio 2004
• Data do Fascículo
  2003

Histórico

• Aceito
  17 Set 2003
• Recebido
  06 Nov 2002