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Análise bioquímica dos líquidos fetais e citologia do fluido amniótico da fêmea de Mocó (Kerodon rupestris)

Biochemical analysis of fetal fluids and cytology of the amniotic fluid of female Mocó (Kerodon rupestris)

Resumos

Foram utilizados 10 sistemas genitais femininos de mocós (Kerodon rupestris) para estabelecer parâmetros de referência relativos à osmolaridade, pH, cálcio, fósforo, uréia, creatinina, glicose e proteínas totais. Os animais foram criados em cativeiro no CEMAS (Centro de Criação de Animais Silvestres), Mossoró - RN. As fêmeas estavam da metade (30-45 dias) para o final da gestação (65-70 dias). As bolsas amnióticas e alantoideanas foram puncionadas individualmente para colheita dos líquidos fetais, que foram centrifugados e analisados posteriormente. Para o líquido amniótico, as concentrações médias em mg/dl foram: glicose = 45,87 ± 22,38; cálcio = 6,31 ± 1,24; fósforo = 1,64 ± 0,72; creatinina = 0,45 ± 0,12; uréia = 34,03 ± 5,96; proteínas totais = 31,24 ± 16,67. Para o líquido alantoideano, as concentrações médias em mg/dl foram: glicose = 59,17 ± 10,85; cálcio = 5,58 ± 0,59; fósforo = 1,27 ± 0,73; creatinina = 0,38 ± 0,38; uréia = 31,49 ± 2,28; proteínas totais = 30,70 ± 18,39. Foram observadas pequenas oscilações entre as concentrações dos parâmetros bioquímicos do fluido amniótico e alantoideano. Estas concentrações são determinadas, provavelmente, pela atividade metabólica materno-fetal. A análise das células do fluido amniótico revelou quatro tipos celulares.

Kerodon rupestris; Líquido fetal animal; Bioquímica; Citologia do fluido amniótico


The aim of the present work was to study certain biochemical characteristics of fetal fluids of the female mocó (Kerodon rupestris), by assesment of the following parameters present in the amniotic and allantoic fetal fluids: osmolarity, pH, calcium, phosphorous, total protein, urea, creatinina and glycose. Ten genital systems of mocós were sampled (gestation = 30-45 and 65-70 days). The amniotic and allantoic sacs were punctured and the fetal fluid obtained for posterior analysis. It was observed the following concentrations (mg/ml) in the amniotic fluid: glycose= 45,87 ± 22,38; calcium = 6,31 ± 1,24; phosphorus = 1,64 ± 0,72; creatinine = 0,45 ± 0,12; urea = 34,03 ± 5,96; total protein = 31,24 ± 16,67. In the allantoic fluid the concentrations were: : glycose = 59,17 ± 10,85; calcium = 5,58 ± 0,59; phosphorous = 1,27 ± 0,73; creatine = 0,38 ± 0,38; urea = 31,49 ± 2,28; total protein = 30,70 ± 18,39. Results obtained from the analisys of the composition of fetal fluids showed small oscillations between the amniotic and the allantoic fluids. Their concentrations, probably, are determined by the materno-fetal metabolic activity. Amniotic fluid cytology showed four cells types.

Kerodon rupestris; Fetal fluids; Biochemistry; Amniotic fluid cytology


Análise bioquímica dos líquidos fetais e citologia do fluido amniótico da fêmea de Mocó (Kerodon rupestris)

Biochemical analysis of fetal fluids and cytology of the amniotic fluid of female Mocó (Kerodon rupestris)

Maria Amélia ZognoI; Maria Angélica MiglinoII; Moacir Franco OliveiraIII

IDepartamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, São Paulo - SP

IIDepartamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, São Paulo – SP

IIIEscola Superior de Agricultura de Mossoró, Mossoró - RN

Endereço para correspondência Endereço para correspondência MARIA AMÉLIA ZOGNO Departamento de Reprodução Animal Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade de São Paulo Av. Prof. Orlando Marques de Paiva, 87 05508-270 - São Paulo – SP mazogno@usp.br

RESUMO

Foram utilizados 10 sistemas genitais femininos de mocós (Kerodon rupestris) para estabelecer parâmetros de referência relativos à osmolaridade, pH, cálcio, fósforo, uréia, creatinina, glicose e proteínas totais. Os animais foram criados em cativeiro no CEMAS (Centro de Criação de Animais Silvestres), Mossoró – RN. As fêmeas estavam da metade (30-45 dias) para o final da gestação (65-70 dias). As bolsas amnióticas e alantoideanas foram puncionadas individualmente para colheita dos líquidos fetais, que foram centrifugados e analisados posteriormente. Para o líquido amniótico, as concentrações médias em mg/dl foram: glicose = 45,87 ± 22,38; cálcio = 6,31 ± 1,24; fósforo = 1,64 ± 0,72; creatinina = 0,45 ± 0,12; uréia = 34,03 ± 5,96; proteínas totais = 31,24 ± 16,67. Para o líquido alantoideano, as concentrações médias em mg/dl foram: glicose = 59,17 ± 10,85; cálcio = 5,58 ± 0,59; fósforo = 1,27 ± 0,73; creatinina = 0,38 ± 0,38; uréia = 31,49 ± 2,28; proteínas totais = 30,70 ± 18,39. Foram observadas pequenas oscilações entre as concentrações dos parâmetros bioquímicos do fluido amniótico e alantoideano. Estas concentrações são determinadas, provavelmente, pela atividade metabólica materno-fetal. A análise das células do fluido amniótico revelou quatro tipos celulares.

Palavras-chave: Kerodon rupestris. Líquido fetal animal. Bioquímica. Citologia do fluido amniótico.

ABSTRACT

The aim of the present work was to study certain biochemical characteristics of fetal fluids of the female mocó (Kerodon rupestris), by assesment of the following parameters present in the amniotic and allantoic fetal fluids: osmolarity, pH, calcium, phosphorous, total protein, urea, creatinina and glycose. Ten genital systems of mocós were sampled (gestation = 30-45 and 65-70 days). The amniotic and allantoic sacs were punctured and the fetal fluid obtained for posterior analysis. It was observed the following concentrations (mg/ml) in the amniotic fluid: glycose= 45,87 ± 22,38; calcium = 6,31 ± 1,24; phosphorus = 1,64 ± 0,72; creatinine = 0,45 ± 0,12; urea = 34,03 ± 5,96; total protein = 31,24 ± 16,67. In the allantoic fluid the concentrations were: : glycose = 59,17 ± 10,85; calcium = 5,58 ± 0,59; phosphorous = 1,27 ± 0,73; creatine = 0,38 ± 0,38; urea = 31,49 ± 2,28; total protein = 30,70 ± 18,39. Results obtained from the analisys of the composition of fetal fluids showed small oscillations between the amniotic and the allantoic fluids. Their concentrations, probably, are determined by the materno-fetal metabolic activity. Amniotic fluid cytology showed four cells types.

Key-words: Kerodon rupestris. Fetal fluids. Biochemistry. Amniotic fluid cytology.

Introdução

A utilização de fontes renováveis de alimentação desempenham importante papel no sustento de uma população em crescimento contínuo, principalmente no mundo atual com limitados recursos. Nas regiões tropicais e sub-tropicais do nosso planeta, animais silvestres constituem uma fonte natural e renovável de alimentos, que é usada pelas populações locais de baixa renda e por indígenas1.

Os seres humanos tornaram-se incrivelmente dependentes de plantas e animais domesticados como fontes de alimentação. Esta dependência tem levado, particularmente o mundo desenvolvido, a ignorar a importância que as espécies silvestres desempenham na nutrição humana, em especial nas populações menos desenvolvidas. Em muitas partes da América Latina os animais silvestres são a maior fonte de alimentos para as populações locais1.

A criação de alguns animais silvestres em cativeiro visa, não só, a reposição dos animais em seus habitats naturais procurando uma alternativa para conservação de espécies, mas também vislumbra a possibilidade de exploração destes roedores como fonte de proteína animal para populações de baixa renda3.

Os mocós (Kerodon rupestris) pertencem à Ordem Rodentia, Família Caviidae e Gênero Kerodon. São animais que se adaptam fisiologicamente aos mais variados tipos de climas e altitudes. Caracterizam-se como mamíferos terrestres; herbívoros, sendo que os adultos medem aproximadamente 40 cm e podem pesar até 1 quilograma de peso vivo e a dentição é desprovida de caninos. Podem se apresentar como arborícolas, rupícolas e terrícolas (Figura 1). Possuem apenas três dedos nos membros posteriores e cauda completamente atrofiada4.


Geralmente vivem em pequenas colônias feitas em buracos na terra ou usam cavidades nas bordas das rochas. Possuem hábitos gregários e diurnos5. Desde o período Pleistoceno, os mocós têm estado restritos à região do semi-árido da caatinga do nordeste brasileiro, onde estão as rochas graníticas que lhes servem de refúgio, quando ameaçados pelos predadores. São excelentes saltadores escalando rochas e galhos de árvores, onde se alimentam de suas folhas6. A longevidade do mocó em cativeiro é de cerca de 11 anos, apresentando comportamento social e formação de grupos familiares7,8. Estes animais estão sujeitos à intensa ação de caçadores, pelo seu tamanho e carne saborosa muito apreciada pela população rural, além da região gástrica que é utilizada na produção de queijo4. Além disto, os caviidaes são o maior ítem da dieta da maioria dos predadores da América do Sul, exercendo importante função ecológica na cadeia alimentar, tornando desaconselhável sua extinção pela da caça indiscriminada ou por qualquer outro fator. Convém ainda acrescentar que, alguns destes roedores enterram as sementes que fazem parte de sua alimentação, contribuindo para o reflorestamento9. Sendo assim, consideramos importante a conservação destes animais pela criação em cativeiro, não só para reposição em seus "habitats", como também pelo grande interesse comercial da carne. Para tanto, é fundamental que ocorra a reprodução no ambiente de cativeiro, sendo pois necessários estudos pormenorizados nesta área.

A prenhez, gravidez ou gestação é um estado peculiar das fêmeas, decorrente da fecundação de 1 ou mais óvulos, sua nidificação, placentação e evolução até a expulsão pelo parto ou abortamento10. As membranas que envolvem o feto compreendem: o âmnio, saco vitelino, cório e alantóide. A placenta é formada quando o tecido fetal adquire contato ou se funde com o tecido materno para trocas fisiológicas. O âmnio envolve internamente o embrião, apresentando a mesma disposição em todas as espécies. É um saco de camada dupla que circunda completamente o feto, exceto no anel umbilical. Inicialmente está em adesão íntima com a superfície do embrião, separando e distendendo-se progressivamente à medida que há formação do líquido amniótico11. O âmnio tem a função mecânica de reter o feto e permitir o seu desenvolvimento livre de pressão local na sua superfície12. Os animais domésticos possuem, nas respectivas bolsas, os líquidos alantoideano e amniótico, diferenciando-se assim do homem, que apresenta como único líquido fetal o fluido amniótico. A origem dos líquidos fetais (amniótico e alantoideano) são muito complexas, ocorrendo nos locais onde há absorção e secreção de líquidos: - no trato respiratório, urinário, digestivo e na pele do feto10. O fluido amniótico é o meio ambiente do feto durante a vida intra uterina. Seu papel é tanto fisiológico quanto mecânico, porém o mais importante é de ordem nutritiva, formando parte integrante do sistema circulatório fetal11. De maneira geral, as funções dos líquidos fetais (fluido amniótico - FA e fluido alantoideano - FAL)10 são: - proteger o feto contra traumatismo, desidratação e variações de temperatura; permitir o crescimento fetal e seus movimentos sem prejudicar o útero; promover a dilatação da cérvice, vagina e vulva durante o parto; aumentar a lubrificação da vagina após o rompimento das bolsas, facilitando a passagem do feto; inibir o crescimento bacteriano por sua ação mecânica de limpeza e prevenir aderências.

A composição bioquímica dos fluidos fetais envolve elementos como: sódio, potássio, cloretos totais, proteínas, enzimas, glicose, uréia e ácido úrico13. Os fluidos fetais contêm constituintes metabólicos, eletrólitos, enzimas, hormônios, células e outras estruturas14. O exame das células amnióticas permite evidenciar a cromatina sexual e, portanto, estabelecer o diagnóstico do sexo do feto. Esta massa cromatínica, denominada de cromatina sexual, é proveniente da condensação de um dos cromossomos X das fêmeas que se encontra próximo à parede nuclear15. Sua presença é, portanto, a expressão do sexo feminino11. Além disto, a maturidade fetal é evidenciada pela citologia do FA de acordo com a classificação do aspecto morfológico, tamanho, tipos e propriedades tintoriais das células do líquido amniótico16. Esta avaliação também foi utilizada em cadelas, aos quarenta dias de gestação e no momento do parto17. Os testes bioquímicos e físico-químicos são usados com a finalidade de avaliar as funções metabólicas desempenhadas pelos órgãos e tecidos do organismo, envolvendo fenômenos como: síntese, secreção , excreção e armazenamento de substâncias18. Alguns parâmetros físico-químicos são freqüentemente analisados por sua importância:

Volume – não é conhecido limite mínimo normal para o volume dos líquidos fetais; sabe-se, porém que seu aumento é patológico, não devendo passar de 20 litros para as grandes espécies animais, 5 litros para pequenos ruminantes e 0,5 litro para carnívoros10.

pH - Muitas reações intracelulares, inclusive de cadeias metabólicas, são pH dependentes. Assim sua manutenção é essencial e é realizada pelos sistemas de tampões sangüíneos, sistema respiratório e renal19.

Osmolaridade - é uma determinação da quantidade relativa de solutos em solução. A osmolaridade pode ser um indicativo da capacidade de reabsorção renal, assim como, pode informar sobre a desidratação do organismo ou anormalidades do hormônio antidiurético19.

Da mesma forma, alguns parâmetros bioquímicos exercem funções relevantes nos fluidos fetais:

Cálcio - é o elemento mais abundante no organismo animal, com cerca de 99% agregado aos ossos e dentes. Participa da composição mineral do osso na forma de fosfato tricálcico com cerca de 75%, assim como de carbonat,o de cálcio 10%, combinando-se ainda com outros compostos na forma de citrato e pirofosfato. O íon cálcio é o mensageiro intracelular mais importante nos eucariontes. Entra na cadeia energética, na fosforilação e defosforilação de ATP. O cálcio tem também grande importância em inúmeras funções biológicas, tais como contração muscular, coagulação sangüínea, onde atua como cofator metálico na transformação de protrombina para trombina, ativação enzimática, excitabilidade nervosa, secreção e liberação de hormônios, formação da matriz óssea, antagonista da ação do sódio e do potássio sobre o músculo cardíaco, intercomunicação e proliferação celular e permeabilidade das membranas. Assim é que este é um componente vital para todos os mamíferos, sendo pois a placenta permeável a este elemento19.

Fósforo - é fundamental no metabolismo celular participando diretamente das transformações bioquímicas. Na maioria dos animais está envolvido na síntese de compostos orgânicos, na manutenção das estruturas celulares, na liberação e transferência de energia celular, formação de proteínas e fosfolípedes19.

Proteínas - são essenciais para todos os seres vivos, possuindo imensa gama de variação de atividades determinando o padrão de transformação química na célula. Dentre suas funções principais estão: a catálise enzimática, transporte e armazenamento de moléculas e íons, sustentação mecânica, proteção imunitária, geração e transmissão dos impulsos nervosos e controle do crescimento da célula19. As proteínas do feto são sintetizadas na placenta ou no próprio organismo a partir de aminoácidos da mãe. As membranas fetais são ativas na síntese de proteínas. Nos líquidos fetais elas têm origem urinária, pois as proteínas plasmáticas não atravessam a membrana fetal em ovinos20.

Uréia - a determinação da concentração de uréia tem sido usada na avaliação da função renal juntamente com a creatinina e densidade, tanto em medicina veterinária como humana20.

Glicose - é o principal açúcar sangüíneo do feto, sendo portanto a mais importante fonte de energia. A maior parte da glicose utilizada pelo feto é fornecida pela mãe, sendo mínima a produção endógena. Porém, o concepto pode sintetizar, pela glicogênese: frutose, galactose ou pela neoglicogênese: piruvato, lactato e alanina21. A concentração de glicogênio placentário é elevada durante o início da gestação, decrescendo com o seu avanço. À medida que isto ocorre, o feto começa ter sua própria glicogênese e passa a armazenar o glicogênio na forma de reserva hepática21.

Creatinina - é um dos elementos bioquímicos mais estudados para determinar a maturidade fetal e suas variações durante a gestação. Sua presença é explicada pela simples difusão, por diferença de gradiente, pelos corioâmnios (cordão umbilical, mucosa digestiva e mucosa bronquial) em ambas as direções. Esta é uma substância nitrogenada não proteica derivada da filtração glomerular, que atravessa totalmente esta membrana, de onde se pode concluir que a maturidade renal aumenta sua concentração no líquido amniótico22.

A literatura específica para a análise bioquímica dos líquidos fetais, segue as mesmas técnicas, já padronizadas, para bioquímica sangüínea (que também é um fluido corpóreo). Estudos em fluidos fetais de cadelas em final de gestação17, revelaram as seguintes médias e desvios padrão em mg/dl: Glicose -FA = 1,15 ± 0,14; FAL = 1,10 ± 0,16; Creatinina FA = 1,50 ± 0,16; FAL = 1,82 ± 0,17; Uréia FA = 3,71 ± 0,12; FAL = 3,76 ± 0,12; Proteínas Totais – FA = 3,37 ± 0,1; FAL = 3,61 ± 0,11. Análises em fluidos fetais de búfalas no final da gestação23, mostraram as concentrações médias em mg/dl: -Glicose - FA = 38,75 ± 25,43; FAL = 62,96 ± 28,62; Cálcio FA = 3,17 ± 0,96; FAL = 5,85 ± 1,73; Fósforo FA = 2,2 ± 0,65; FAL = 2,81 ± 1,66; Creatinina FA = 12,55 ± 3,97; FAL = 111,25 ± 24,34; Uréia FA = 47,75 ± 15,5; FAL = 92,58 ± 22,1; Proteínas Totais - FA = 230 ± 0,08; FAL = 128 ± 0,48. O fluido amniótico de ovelhas em final de gestação24 mostrou níveis médios em mg/dl de glicose = 2,7 ± 0,03 e proteínas totais = 6,8 ± 0,03. Em bovinos25 a análise dos níveis de creatinina no FAL mostrou 65-70 mg/dl, no final da gestação. Em ratazanas26 os níveis de proteínas totais no FA foram de 25-40 mg/dl. Estudos em FA de camundongos27 revelaram os seguintes níveis: glicose = 1 a 2 mg/dl no final de gestação; uréia = 4,5 a 7 µM/ml e proteínas totais que variaram de 24-45 mg/dl.

Informes pormenorizados sobre os parâmetros reprodutivos do mocó (Kerodon rupestris) não são encontrados na literatura especializada, provavelmente pelo fato de ser esta, uma espécie característica do semi-árido nordestino brasileiro. Assim sendo, objetivando suprir esta lacuna, particularmente em relação à reprodução em cativeiro, este trabalho apresenta como propósito, a obtenção de dados que permitam, além de estabelecer dados de referência para este animal, estabelecê-lo como uma espécie útil, não apenas na alimentação humana, mas como modelo experimental e ainda não sendo extinto, desempenhar seu papel ecológico.

Para tanto, pretendemos: - estabelecer alguns parâmetros físico-químicos dos fluidos fetais: volume, cor, pH, osmolaridade.

- estabelecer alguns parâmetros bioquímicos de referência nos líquidos fetais, pelas seguintes determinações químicas: níveis de cálcio, fósforo, proteínas totais, uréia, creatinina e glicose avaliando assim as funções metabólicas de síntese, secreção e excreção.

- avaliar citológicamente o fluido amniótico.

Materiais e Métodos

Foram utilizadas 10 fêmeas prenhes de mocós para determinação dos parâmetros de referência de alguns constituintes fisico-químicos e bioquímicos dos líquidos fetais durante os estágios de meio e final de gestação. Estes animais foram criados em cativeiro, no Centro de Criação de Animais Silvestres (CEMAS), licenciado no IBAMA como criadouro científico sob registro nº 12.492-004, pertencente à Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), localizada em Mossoró – Rio Grande do Norte - Brasil. Os viveiros dos animais mediam 4 x 5 m, iluminados naturalmente das 6:00 às 18:00h, com temperatura média anual de 30º C, situado na cidade de Mossoró-RN, a 16 m do nível do mar, latitude S - 5° 11¢, longitude W - 37° 20¢. A alimentação constituiu-se de ração de coelho, folhas de jurema (Mimosa hostilis), jitirana (Ipomoea salzmannii), leucena, frutos regionais e água ad libitum.

Após identificação da prenhez, os animais foram submetidos a um jejum sólido de 10 horas e hídrico de 6 horas, recebendo como medicação anestésica, a associação de Cloridrato de Ketamina (15mg/kg) e Midazolam (1mg/kg) na mesma seringa, por via intramuscular. Identificado o corno uterino gestante, procedeu-se à incisão do mesmo, para exposição do conjunto de anexos embrionários e feto. Após a caracterização macroscópica das membranas fetais, foram colhidos os líquidos das cavidades alantoideana e amniótica, seguindo a retirada do(s) feto(s), anotando as mensurações de peso e medida. Para colheita do fluidos fetais, procurou-se uma região avascular das membranas fetais, onde os líquidos aminiótico e alantoideano foram puncionados individualmente, com auxílio de seringa estéril de 10 ml com agulha e transferidos para tubos de teflon devidamente identificados. Todos os tubos foram armazenados dentro de recipiente térmico contendo gelo até o término da colheita do material. Tomou-se a precaução de observar se os líquidos estavam claros (sem hemólise), como recomenda a literatura especializada28. Os fetos foram retirados das membranas fetais, enxugando-os para retirada do excesso de líquido. Em seguida foram feitas mensurações de peso e comprimento.

As determinações físico-químicas nos fluidos fetais foram assim realizadas:

- Volume e cor, pela observação direta nos tubos. Os líquidos fetais foram centrifugados por 10 minutos em 2500 rpm (1500 G). O sobrenadante foi acondicionado à temperatura de -18° C e uma alíquota de 0,5 ml de sobrenadante mais precipitado foi reservada para avaliação citológica. Ao descongelar as amostras para as dosagens bioquímicas, procedeu-se às medições de pH e osmolaridade.

- pH foi determinado em aparelho portátil de marca DENVER Instruments modelo Basic situado no Laboratório de Técnicas Imunológicas Aplicadas à Morfofisiologia do Departamento de Cirurgia da FMVZ – USP.

- osmolaridade foi medida em osmômetro automático de marca OSMETTE A, com padrão = 0-1000 mOsm/L. Este equipamento faz medições pelo método da crioscopia, fornecendo resultados em mOsm/L, estando situado no Departamento de Reprodução Animal da FMVZ-USP.

- a avaliação citológica do FA foi realizada após a centrifugação citada acima, os tubos contendo um pouco de sobrenadante e precipitado celular foram homogeneizados, e o conteúdo usado para confecção de esfregaço com objetivo de caracterizar as células do fluido amniótico da fêmea de mocó. A confecção do esfregaço, fixação, coloração, análise e fotografia das lâminas foram efetuadas no Departamento de Reprodução Animal da FMVZ-USP. As lâminas foram fixadas em álcool-éter 1:1 por 5 minutos e coradas pela solução para microscopia de Shorr por 10 minutos29. A observação foi feita em microscópio Olympus Optical Co., modelo CHS, com aumento de 100 e 400 vezes. As células foram fotografadas em microscópio da marca Leitz Wetzlar Germany, modelo DIALUX–20 com aumentos de 160 e 400 vezes. Foram observados aspectos da forma celular, alterações e integridade das membranas citoplasmática e/ou nuclear, inclusões e presença ou não de núcleo nas células.

Os parâmetros bioquímicos foram mensurados no laboratório do Departamento de Clínica Médica – FMVZ-USP: – glicose, cálcio, fósforo, creatinina e uréia, em Analisador Bioquímico "LYASYS" AMS – I.D. – B0049. As proteínas totais foram dosadas através de método colorimétrico30. Todos os parâmetros bioquímicos foram analisados pelo aplicativo Guided Data Analysis do programa Statistical Analisys System31 e submetidos à análise descritiva pelo PROC MEANS.

Resultados, Discussão e Conclusões

As condições ambientais do criatório e procedimentos de manejo revelaram-se bons, pois os animais reproduziram-se em cativeiro.

Os fetos mediam de 7,5 a 9,5 cm, pesando de 19,2 a 42,7g do meio para o final da gestação.

A tabela 1 mostra os resultados da avaliação físico-química dos líquidos fetais de mocós.

Pode-se notar que o volume variou bastante, além das perdas na colheita quando havia o rompimento das membranas fetais. No entanto, dos líquidos colhidos, a média foi de 1,25 ± 0,68 ml para o fluido amniótico, e de 1,63 ± 1,48 ml para o fluido alantoideano. Ambos os líquidos apresentaram-se com aspecto turvo, sendo que o pH variou de 8,04 ± 0,27 para o fluido amniótico e de 8,84 ± 0,32 para o fluido alantoideano. Estes dados comparados aos da literatura em outros mamíferos são semelhantes aos das cadelas17 e ratazanas26. A osmolaridade variou de 206 a 285 mOsm/L no FA, e 182 a 287 no FAL, semelhantemente aos bovinos26. Não houve na literatura consultada, dados sobre avaliação físico-química dos líquidos fetais em mocós.

A tabela 2 mostra a avaliação dos parâmetros bioquímicos nos fluidos fetais de mocós.

As concentrações de alguns parâmetros bioquímicos nos fluidos fetais dos mocós foram semelhantes às de outras espécies, tais como: glicose das búfalas23; proteínas totais das ratazanas26 e camundongos27; cálcio do FAL de búfalas23. Por outro lado, as concentrações de outros parâmetros bioquímicos foram diferentes de outras espécies, tais como: glicose de cadelas17, camundongos27 e ovelhas24; cálcio do FA de búfalas23; creatinina de cadelas17 e búfalas23; uréia de cadelas17, búfalas23 e camundongos27; proteínas totais de cadelas17, búfalas23 e ovelhas24. Entre os dois líquidos (FA e FAL), as concentrações de cálcio, fósforo, creatinina, uréia e proteínas totais foram mais baixas no fluido alantoideano, enquanto os índices de glicose foram mais altos neste mesmo líquido (Tabela 2).

Pela análise citológica foram identificados quatro tipos de células no fluido amniótico, colhido no final da gestação (Figura 2): - Células arredondadas com núcleo ocupando a maior parte do citoplasma (células imaturas) figura 2A; - Células com maturidade intermediária, nas quais o citoplasma é maior em relação ao núcleo, figura 2B; - Células maduras, superficiais de forma poligonal, não corneificadas, que possuíam núcleo, figura 2C; Células supermaduras, corneificadas e anucleadas de forma poligonal (2D). Estes tipos celulares são muito semelhantes aos encontrados em esfregaços vaginais32,33 e fluidoamniótico17 das fêmeas dos mamíferos em geral. Não foram encontradas na literatura citações sobre avaliação bioquímica e citológica dos líquidos fetais dos mocós.


Recebido para publicação: 02/06/2003

Aprovado para publicação: 18/05/2004

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  • Endereço para correspondência
    MARIA AMÉLIA ZOGNO
    Departamento de Reprodução Animal
    Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
    Universidade de São Paulo
    Av. Prof. Orlando Marques de Paiva, 87
    05508-270 - São Paulo – SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      18 Maio 2004
    • Recebido
      02 Jun 2003
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