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Flora arbustiva-arbórea de três áreas ribeirinhas no semiárido paraibano, Brasil

Floristic composition of shrubby-arboreal component in three riparian vegetation areas in the State of Paraíba, semiarid region, Brazil

Resumos

Objetivou-se no presente trabalho contribuir para o conhecimento florístico de três áreas ribeirinhas na caatinga e realizar a comparação destas com outros estudos desenvolvidos na bacia do Rio Taperoá, semiárido paraibano. O levantamento florístico foi realizado através de coletas assistemáticas no período de janeiro/2004 a junho/2006 e abrangeu as áreas ribeirinhas presentes ao longo dos riachos intermitentes do Cazuzinha (7° 26' 13" S e 36° 54' 30" W; 564-579 m de altitude), Mares (7° 31' 53" S e 36° 33' 39" W; 536-550 m de altitude) e Farias (7° 25' 33" S e 36° 29' 21" W; 454-470 m de altitude). O levantamento das três áreas registrou um total de 91 espécies, das quais 68 ocorreram na área do riacho do Cazuzinha, 62 no riacho dos Mares e 56 no riacho do Farias. As famílias com maior número de espécies e de gêneros foram Fabaceae, Euphorbiaceae e Rubiaceae. Do total de espécies registrado para as três áreas, 15 estão presentes nas listas relacionadas para matas ciliares de outros estados do Brasil, 26 são endêmicas da Caatinga e 10 foram exclusivas. Analisando a similaridade florística entre as áreas estudadas e outros cinco levantamentos, observou-se que a maior identidade florística está relacionada principalmente com a distância geográfica e às características de uso e ocupação da terra.

floresta ripária; riachos intermitentes; composição florística; riqueza de espécies; caatinga


Aimed in the present work to study the floristic composition of shrubby and tree in three riparian vegetation areas and compare with other study realized in the basin of the Taperoá River, in the paraiban semiarid. A floristic survey was carried out from January 2004 throughout June 2006, covering riparian areas along the intermittent streams Cazuzinha (7° 26' 13" S and 36° 54' 30" W; 564-579 m of altitude), Mares (7° 31' 53" S and 36° 33' 39" W; 536-550 m of altitude), and Farias (7° 25' 33" S and 36° 29' 21" W; 454-470 m of altitude). The floristic survey carried out in all three areas, generated a total of 91 species, of which, 68 were collected along Cazuzinha stream, 62 along Mares stream, and 56 along Farias stream. The families with the largest number of species and genera identified were: Fabaceae, Euphorbiaceae and Rubiaceae. Of the total of species registered for the three areas, 15 are present in the known lists of riverine bushes in other states of Brazil, 26 are endemic of the Caatinga (Brazilian northeastern savanna) and 10 of them had been exclusive of the researched area. The analysis of floristic similarity of the riparian areas of the present study in a comparison with other five surveys performed formerly showed that the highest floristic identity is related mainly to geographical distance and to the soil use and land occupancy.

riparian forest; intermittent streams; floristic composition; species richness; caatinga


INVENTÁRIOS

Flora arbustiva-arbórea de três áreas ribeirinhas no semiárido paraibano, Brasil

Floristic composition of shrubby-arboreal component in three riparian vegetation areas in the State of Paraíba, semiarid region, Brazil

Alecksandra Vieira de LacerdaI,* * Autor para correspondência: Alecksandra Vieira de Lacerda, e-mail: alecvieira@ufcg.edu.br ; Francisca Maria BarbosaII; João Juares SoaresIII; Maria Regina de Vasconcellos BarbosaIV

ICentro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, Unidade Acadêmica de Tecnologia do Desenvolvimento, Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, CEP 58540-000, Sumé, PB, Brasil

IIInstituto Nacional do Semiárido, Av. Floriano Peixoto, n. 715, Centro, CEP 58100-001, Campina Grande, PB, Brasil

IIICentro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Botânica, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, CP 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil

IVDepartamento de Sistemática e Ecologia, Universidade Federal da Paraíba - UFPB, CP 5065, Cidade Universitária, CEP 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO

Objetivou-se no presente trabalho contribuir para o conhecimento florístico de três áreas ribeirinhas na caatinga e realizar a comparação destas com outros estudos desenvolvidos na bacia do Rio Taperoá, semiárido paraibano. O levantamento florístico foi realizado através de coletas assistemáticas no período de janeiro/2004 a junho/2006 e abrangeu as áreas ribeirinhas presentes ao longo dos riachos intermitentes do Cazuzinha (7° 26' 13" S e 36° 54' 30" W; 564-579 m de altitude), Mares (7° 31' 53" S e 36° 33' 39" W; 536-550 m de altitude) e Farias (7° 25' 33" S e 36° 29' 21" W; 454-470 m de altitude). O levantamento das três áreas registrou um total de 91 espécies, das quais 68 ocorreram na área do riacho do Cazuzinha, 62 no riacho dos Mares e 56 no riacho do Farias. As famílias com maior número de espécies e de gêneros foram Fabaceae, Euphorbiaceae e Rubiaceae. Do total de espécies registrado para as três áreas, 15 estão presentes nas listas relacionadas para matas ciliares de outros estados do Brasil, 26 são endêmicas da Caatinga e 10 foram exclusivas. Analisando a similaridade florística entre as áreas estudadas e outros cinco levantamentos, observou-se que a maior identidade florística está relacionada principalmente com a distância geográfica e às características de uso e ocupação da terra.

Palavras-chave: floresta ripária, riachos intermitentes, composição florística, riqueza de espécies, caatinga.

ABSTRACT

Aimed in the present work to study the floristic composition of shrubby and tree in three riparian vegetation areas and compare with other study realized in the basin of the Taperoá River, in the paraiban semiarid. A floristic survey was carried out from January 2004 throughout June 2006, covering riparian areas along the intermittent streams Cazuzinha (7° 26' 13" S and 36° 54' 30" W; 564-579 m of altitude), Mares (7° 31' 53" S and 36° 33' 39" W; 536-550 m of altitude), and Farias (7° 25' 33" S and 36° 29' 21" W; 454-470 m of altitude). The floristic survey carried out in all three areas, generated a total of 91 species, of which, 68 were collected along Cazuzinha stream, 62 along Mares stream, and 56 along Farias stream. The families with the largest number of species and genera identified were: Fabaceae, Euphorbiaceae and Rubiaceae. Of the total of species registered for the three areas, 15 are present in the known lists of riverine bushes in other states of Brazil, 26 are endemic of the Caatinga (Brazilian northeastern savanna) and 10 of them had been exclusive of the researched area. The analysis of floristic similarity of the riparian areas of the present study in a comparison with other five surveys performed formerly showed that the highest floristic identity is related mainly to geographical distance and to the soil use and land occupancy.

Keywords: riparian forest, intermittent streams, floristic composition, species richness, caatinga.

Introdução

As áreas ribeirinhas apresentam formações vegetais características que se encontram associadas aos corpos d'água (Oliveira-Filho 1994) e podem se estender por dezenas de metros a partir das margens dos mesmos, apresentando variações na composição florística e na estrutura comunitária, dependendo das interações que estabelecem entre o ecossistema aquático e o ambiente terrestre adjacente. Estas formações são importantes no que tange aos recursos genéticos, florísticos, hídricos, edáficos (Santos & Sousa-Silva 1998) e exercem destacado papel como corredores de fluxo gênico tanto vegetal quanto animal (Marinho-Filho & Gastal 2004).

A conservação das áreas ciliares é, sem dúvida, inquestionável e sua importância ecológica vem fazendo com que muitos países elaborem instrumentos jurídicos visando a sua manutenção. No Brasil, o Código Florestal estabelece faixas de proteção variáveis em função da largura dos corpos d'água correspondentes. Entretanto, apesar das evidências de sua importância e de sua proteção legal, a cobertura vegetal presente nas áreas ciliares vem sendo constantemente degradada (Mueller 1998, van den Berg & Oliveira-Filho 2000).

Quadros como o delineado acima são também evidentes em áreas de caatinga do semiárido paraibano. Neste estado a caatinga é o principal ecossistema, ocupando 40.539 km2 (71,64%) do território total (Paraíba 1992). Dentre as peculiaridades marcantes desse ecossistema, as matas ribeirinhas que recobrem as margens aluviais dos rios intermitentes que cortam o semiárido, são definidas como ambientes de exceção por apresentarem um padrão fisionômico e florístico diferenciado em relação a outras áreas na caatinga. Todavia, a exemplo do que vem ocorrendo em outras regiões do Brasil, essas matas na Paraíba também vêm sendo degradadas por apresentarem os solos mais adequados à agricultura (Paraíba 2005). Diante desse quadro de degradação da vegetação ribeirinha no semiárido paraibano e da crescente preocupação com a manutenção das funções ecológicas por elas desempenhadas, fica evidenciada a necessidade de iniciativas voltadas para sua conservação ou recuperação. Autores como van den Berg & Oliveira-Filho (2000) têm apontado que estudos detalhados sobre a composição florística e a ecologia dos remanescentes dessas florestas são fundamentais para embasar quaisquer iniciativas para proteger, enriquecer, recuperar ou reconstituir esse tipo de vegetação. Desta forma, tem-se ratificado a relevância de trabalhos que busquem preencher grandes lacunas sobre o conhecimento e a quantificação de espécies típicas de áreas ribeirinhas da caatinga.

Este trabalho objetivou contribuir para o conhecimento florístico de três áreas ribeirinhas na caatinga e realizar a comparação destas com estudos desenvolvidos na bacia do Rio Taperoá e com outros levantamentos realizados nos ecossistemas ciliares brasileiros. Espera-se que os resultados obtidos possam subsidiar a conservação dessas áreas e servir de indicativos para modelos de enriquecimento e recuperação dos ambientes já degradados.

Este trabalho objetivou contribuir para o conhecimento florístico de três áreas ribeirinhas na caatinga e realizar a comparação destas com outros estudos desenvolvidos na bacia do Rio Taperoá, semiárido paraibano. Espera-se que os resultados obtidos possam subsidiar a conservação dessas áreas e servir de indicativos para modelos de enriquecimento e recuperação dos ambientes já degradados.

Material e Métodos

1. Áreas de estudo

A bacia hidrográfica do Rio Taperoá, no semiárido paraibano, drena uma área aproximada de 7.316 km2 (Paraíba 1997) e se localiza na parte central do Estado da Paraíba, entre as latitudes 6º 51' 31'' e 7º 34' 21''S e entre as longitudes 36º 0' 55'' e 37º 13' 9'' W (Lacerda 2003). As áreas ribeirinhas amostradas estão distribuídas ao longo dos riachos intermitentes do Cazuzinha, Mares e Farias (Figura 1), descritos a seguir com suas respectivas peculiaridades.


Riacho do Cazuzinha - localizado na sub-bacia do riacho dos Cordeiros, o Cazuzinha possui 15 km de extensão e bacia de drenagem de 59 km2. A área ribeirinha amostrada neste riacho (3,6 ha) está localizada na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Fazenda Almas, município de São José dos Cordeiros, entre as latitudes 7º 26' 13'' e 7º 25' 46''S e entre as longitudes 36º 54' 30'' e 36º 54' 35'' W. Essa Reserva tem uma dimensão de 3.505 ha. A vegetação ribeirinha pesquisada encontra-se situada numa altitude que varia de 564 a 579 m. Nesse local o leito do riacho apresenta cerca de 12 m de largura média.

Riacho dos Mares - possui cerca de 12 km de extensão e área de drenagem de 33 km2. Este riacho, localizado no município de São João do Cariri, está dentro dos limites da sub-bacia do riacho do Farias. A área ribeirinha pesquisada nesse curso d'água (3,4 ha) está inserida na propriedade Avelós (750 ha) e tem a sua localização marcada entre as latitudes 7º 31' 53'' e 7º 31' 38'' S e entre as longitudes 36º 33' 39'' e 36º 33' 06'' W. Neste trecho o riacho é conhecido pelos ribeirinhos como riacho Avelós, o canal é estreito com cerca de 7 m de largura média e a altitude varia de 536 a 550 m.

Riacho do Farias - localizado na sub-bacia do riacho do Farias, esse riacho possui 20 km de extensão e bacia de drenagem de 71 km2. Neste curso d'água, a área ribeirinha estudada (3,3 ha) está definida dentro dos limites da propriedade Gangorra (450 ha), município de São João do Cariri, e tem sua localização marcada entre as latitudes 7º 25' 33'' e 7º 25' 15'' S e entre as longitudes 36º 29' 21'' e 36º 29' 17'' W. Nesta área o riacho é conhecido popularmente como riacho da Gangorra, o canal se apresenta com aproximadamente 45 m de largura média e a altitude varia de 454 a 470 m.

As informações sobre precipitação, temperatura, umidade relativa do ar e evaporação referentes ao período de janeiro/1996 a dezembro/2005, foram fornecidos pela Bacia Escola de São João do Cariri/Laboratório de Recursos Hídricos do Departamento de Engenharia Civil/Universidade Federal de Campina Grande. No período, a média anual de precipitação foi de 486,9 mm. A temperatura média anual do ar variou de 23,6 a 27,4 ºC, sendo as menores temperaturas entre os meses de julho e agosto, ficando os meses de novembro e dezembro com as temperaturas maiores. A umidade relativa média mensal do ar atingiu o máximo de 75% em junho e julho e o mínimo ocorreu na estação seca nos meses de novembro e dezembro com 64% de umidade. A evaporação é significativamente elevada na região, uma vez que chegou a atingir até 2.697 mm por ano.

A vegetação ribeirinha é predominantemente arbórea, com ocorrência de espécies arbustivas bastante ramificadas a partir da base e com presença de estrato herbáceo que se mostra abundante no período chuvoso. Com exceção da vegetação do riacho do Cazuzinha, inserida em uma RPPN, observou-se que a vegetação dos riachos dos Mares e do Farias têm seu uso e ocupação marcados principalmente pelo pastoreio extensivo.

2. Coleta e análise dos dados

As atividades se apoiaram na análise de cartas e mapas de vegetação e excursões exploratórias realizadas inicialmente em vários pontos ao longo da bacia do Taperoá (Lacerda & Barbosa 2006). Os ambientes mais conservados foram selecionados para o levantamento florístico da vegetação ribeirinha distribuída ao longo de três riachos intermitentes. A escolha deste tipo de levantamento se apóia na base teórica que o define como aquele que permite efetuar comparações relativamente simples e eficientes entre áreas (van den Berg & Oliveira-Filho 2000).

As coletas botânicas da vegetação arbustivo-arbórea foram realizadas mensalmente no período de janeiro/2004 a junho/2006 e se processaram de forma assistemática. Diante dos raros estudos existentes sobre a vegetação ribeirinha em áreas de caatinga e, portanto sem indicativos conclusivos se as dimensões das faixas de mata ciliar acompanham ou não os respectivos tamanhos apontados na legislação vigente, estabeleceu-se para este estudo a largura mínima da faixa ciliar, ou seja, 30 m a partir da margem do curso d'água. Além disso, a amostragem foi realizada apenas em uma das margens dos ambientes ribeirinhos estudados (margem direita para os riachos dos Mares e do Cazuzinha e margem esquerda para o riacho do Farias).

Exemplares férteis de cada espécie foram coletados, herborizados e incorporados ao Herbário Lauro Pires Xavier (JPB) da Universidade Federal da Paraíba. A identificação das espécies e/ou confirmação se processou através de consultas a especialistas e por comparação usando bibliografia especializada e análise das exsicatas depositadas no herbário JPB. As espécies foram organizadas por família no sistema APG III (Angiosperm... 2009), incluindo-se informação sobre o hábito das mesmas. A grafia da autoria das espécies e suas respectivas abreviações foram verificadas através de Brummitt & Powell (1992). Os nomes populares estão de acordo com o conhecimento local utilizando-se como material de coleta entrevistas com os atores chaves das comunidades presentes nos trechos ribeirinhos amostrados.

Para a comparação florística das áreas estudadas com outros levantamentos de vegetação ribeirinha na bacia do Rio Taperoá, foram reunidas oito listas, incluindo as do presente estudo e realizada uma análise de agrupamento. Nesta análise foi utilizada uma matriz de presença/ausência dos táxons identificados ao nível específico e o índice de similaridade de Jaccard (Hubálek 1982, Kent & Coker 1992) e a técnica de ligação da média de grupo - UPGMA (Chatfield & Collins 1983) usando o programa NTSYSpc.

Resultados e Discussão

1. Composição florística: uma abordagem geral das áreas ribeirinhas amostradas

A vegetação arbustivo-arbórea nos três riachos amostrados foi representada por 91 espécies, ficando 81 identificadas no nível de espécie, cinco no genérico, três no nível de família e duas permaneceram indeterminadas (Tabela 1). As espécies identificadas ficaram distribuídas em 27 famílias e 67 gêneros. O componente predominante foi o arbóreo com 60 espécies, ficando, desse número, uma indeterminada e as restantes distribuídas por 24 famílias.

O total de espécies arbóreas e arbustivas observado (91) para as matas ribeirinhas é considerado elevado quando comparado com os números apresentados por Rodrigues & Nave (2004) que analisaram 43 trabalhos realizados em florestas ciliares do Brasil extra-amazônico, em condições de clima e de altitude muito variáveis. Segundo esses autores o número de espécies arbustivo-arbóreas amostrado variou de 23 até 247 espécies nos trabalhos apresentados. O grande número de espécies encontrado nas áreas ribeirinhas de caatinga amostradas é ainda ressaltado quando se compara os resultados gerados com outros levantamentos nos diferentes tipos caducifólios do semiárido (Araújo et al. 1998, Ferraz et al. 1998, Rodal et al. 1998, Araújo et al. 1999, Lemos & Rodal 2002, Pereira et al. 2002, Rodal & Nascimento 2002, Alcoforado-Filho et al. 2003, Cavalcanti et al. 2003, Lemos 2004, Santana 2005). Nestes 11 trabalhos, as espécies arbóreas e arbustivas registradas variaram de 22 a 154 espécies. Além disso, o total de espécies encontradas é também um número elevado quando comparado com o total de espécies lenhosas (475) levantadas para todas as ecorregiões da caatinga (Sampaio & Gamarra-Rojas 2003).

A significativa riqueza da vegetação ciliar da região semiárida é também observada no trabalho de Miranda & Silva (1989). Outros autores como Rezende (1998) discutem que a vegetação presente ao longo dos corpos d'água apresenta um elevado número de espécies, sendo este superior ao encontrado em outras formações florestais. Rodrigues & Nave (2004) destacam que este fato é condicionado pela natureza ecotonal da faixa ciliar, que é ocupada por mais de um tipo vegetacional ou mesmo por formações fitofisionômicas distintas, que diferem entre si em termos de composição florística. Oliveira-Filho et al. (1990) apontam também que uma riqueza de espécies relativamente elevada é característica comum em florestas ciliares devido a uma heterogeneidade ambiental comumente superior à de florestas de terra firme próximas. As matas presentes ao longo dos cursos d'água se constituem de comunidades vegetais caracterizadas pela combinação diferenciada da atuação dos fatores bióticos e abióticos, que resultam em manchas com florística e/ou estrutura própria dessa vegetação.

Observando a totalidade das áreas estudadas, as famílias com maior número de espécies e gêneros no estrato arbustivo-arbóreo foram Fabaceae com 24 espécies (26,4%) e 17 gêneros (25,4%), Euphorbiaceae representada com 12 espécies (13,2%) e oito gêneros (11,9%) e Rubiaceae apresentando seis espécies (6,6%) e cinco gêneros (7,5%). Essas três famílias possuem juntas 46,2% das espécies e 44,8% dos gêneros, enquanto que as outras 24 famílias dividiram os 53,8% das espécies e 55,2% dos gêneros restantes.

Ao avaliar 43 trabalhos realizados em florestas ciliares do Brasil extra-amazônico, Rodrigues & Nave (2004) registraram que entre as oito famílias mais ricas citadas estão Fabaceae, Euphorbiaceae e Rubiaceae.

Em levantamentos florísticos e fitossociológicos realizados em diferentes tipos caducifólios do semiárido nordestino, Fabaceae e Euphorbiaceae foram citadas entre as famílias de maior riqueza em todos esses estudos (Araújo et al. 1998, Ferraz et al. 1998, Lemos & Rodal 2002, Pereira et al. 2002, Rodal & Nascimento 2002, Alcoforado-Filho et al. 2003, Cavalcanti et al. 2003, Lemos 2004, Santana 2005, Barbosa et al. 2007). Esses dados só vêm a confirmar a ampla distribuição dessas famílias nos vários ecossistemas do semiárido.

Dos 10 trabalhos em áreas de caatinga relacionados acima, quatro citaram Rubiaceae (Ferraz et al. 1998, Pereira et al. 2002, Rodal & Nascimento 2002, Alcoforado-Filho et al. 2003) entre as famílias de maior número de espécies. Particularmente no componente lenhoso da Vegetação Caducifólia Espinhosa (VCE), a ocorrência de Rubiaceae tem sido registrada apenas em áreas mais úmidas como São José do Belmonte e Caruaru, ambas no Estado de Pernambuco (Tavares et al. 1969, Alcoforado-Filho et al. 2003), Barbalha no Estado do Ceará (Tavares et al. 1974) e Souza na Paraíba (Gadelha-Neto & Barbosa 2000). Autores como Ferraz et al. (1998) também destacam Rubiaceae como uma família típica de matas mais úmidas.

Relacionado à ocorrência de famílias como Myrtaceae e Bignoniaceae estas são pouco citadas para áreas de vegetação caducifólia espinhosa (caatinga) instaladas no cristalino (Lemos & Rodal 2002). Myrtaceae também foi citada por Rodal & Nascimento (2002) como uma família comum em ambientes mais úmidos.

A maior parte dos gêneros (53) possui apenas uma espécie, ficando 14 gêneros com mais de uma, ou seja, Croton com quatro espécies, Combretum, Mimosa e Senna com três cada e ainda Caesalpinia, Capparis, Cordia, Lippia, Lonchocarpus, Pilosocereus, Tabebuia, Tocoyena, Vitex e Ziziphus com duas. Estes dados apontam para uma tendência na vegetação ribeirinha estudada, a exemplo do que ocorre na caatinga (Araújo et al. 1995), em apresentar baixa diversidade dentro dos táxons.

Analisando as espécies encontradas nas áreas amostradas nota-se que do total de 91 espécies, 15 tiveram sua ocorrência registrada também para matas ciliares de São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná (Tabela 2). Dentre estas, apenas Anadenanthera colubrina e Hymenaea courbaril foram as espécies mais citadas no total dos trabalhos pesquisados, aparecendo registradas cada uma para matas ciliares de quatro estados. Cordia trichotoma, Coutarea hexandra, Myroxylon peruiferum e Tabebuia impetiginosa foram registradas cada uma em matas ciliares de três estados. Esses dados refletem a ampla tolerância dessas espécies a variações ambientais. Comparando as espécies das áreas ribeirinhas de caatinga amostradas nesse trabalho com os 15 estudos apresentados observa-se que Minas Gerais foi o estado que registrou o maior número de espécies em comum (13).

Considerando ainda a listagem de espécies apresentadas neste trabalho, percebe-se que algumas estão citadas também no levantamento realizado por Miranda & Silva (1989) nas matas ciliares das depressões inundáveis e eixos hidrográficos do semiárido pernambucano (Tabela 2).

Mostrando também a seletividade de algumas espécies em áreas de caatinga por ambientes mais úmidos, Rodal & Nascimento (2002) referenciam Allophylus quercifolius, Libidibia ferrea, Sideroxylon obtusifolium, Tabebuia impetiginosa e Ziziphus joazeiro como espécies de ocorrência em áreas mais úmidas da Vegetação Caducifólia Espinhosa (VCE) nordestina. Pereira et al. (2002) também discutem que além de Tabebuia impetiginosa, Coutarea hexandra e Eugenia uvalha são pouco frequentes nos levantamentos da vegetação caducifólia espinhosa, sendo raramente encontradas em áreas de caatinga submetidas a maior semiaridez. Especialmente relacionado à Eugenia uvalha, Alcoforado-Filho et al. (2003) destacam que a presença freqüente dessa espécie é incomum em áreas de VCE. Portanto, os dados apontam para uma tendência de seletividade dessas espécies por locais mais úmidos a exemplo daqueles encontrados ao longo de rios e riachos intermitentes em áreas de caatinga no semiárido.

Observando a questão do endemismo, das 91 espécies encontradas 26 são endêmicas da caatinga (Giulietti et al. 2002) conforme Tabela 2.

A exemplo de trabalhos que investigaram as ligações florísticas das matas ciliares com outros ambientes (Rodrigues et al. 2003), observa-se que uma parcela significativa das espécies ribeirinhas listadas nesse trabalho são compartilhadas com formações vegetacionais típicas de caatinga. Colaborando com essa discussão, Rodrigues (1989) coloca que como a atuação diferenciada dos fatores abióticos ocorre no espaço e no tempo, esses fatores acabam por selecionar espécies adaptadas à interferência da água nas áreas, como freqüência e intensidade de alagamentos, baixa profundidade do lençol freático, alta concentração de matéria orgânica, etc., e espécies típicas das formações adjacentes àquelas ciliares, cuja ocorrência não está relacionada com a presença do curso d'água, como áreas de barranco e locais com lençol freático mais profundo. Segundo este autor, o gradiente de interação entre a formação florestal ciliar propriamente dita e a formação adjacente se torna ainda mais complexo com a crescente quantidade de sedimentos sólidos que são depositados nas margens desses cursos d'água, em função dos processos de assoreamento, promovendo a criação de novos nichos que sofrerão processos de sucessão e seleção das espécies para ocupação, em função das características abióticas atuantes naquele ponto. Portanto, considerando a disponibilidade de água como um dos principais fatores condicionantes da heterogeneidade da composição da vegetação ciliar observa-se que no semiárido a ligação florística entre matas ribeirinhas e a vegetação de caatinga se mostra evidenciada uma vez que a intermitência das águas é uma característica marcante na semiaridez.

Para verificar a ocorrência de espécies exclusivas neste levantamento foram analisadas as listas florísticas de 12 trabalhos realizados em diferentes localidades e tipos caducifólios do semiárido (Moura & Barbosa 1995, Araújo et al. 1998, Ferraz et al. 1998, Rodal et al. 1998, Araújo et al. 1999, Lemos & Rodal 2002, Pereira et al. 2002, Rodal & Nascimento 2002, Alcoforado-Filho et al. 2003, Lemos 2004, Santana 2005, Barbosa et al. 2007). Foi consultada também a relação de espécies endêmicas da caatinga (Giulietti et al. 2002). Observou-se que em nenhum levantamento acima citado ocorreram: Cochlospermum insigne, Combretum laxum, Lonchocarpus obtusus, Peltogyne pauciflora, Poecilanthe ulei, Randia formosa, Sebastiania macrocarpa, Tabebuia aurea, Tocoyena sellowiana e Vitex gardneriana. Além dessas 10 espécies, também não ocorreram nos trabalhos citados Myroxylon peruiferum e Triplaris gardneriana. A primeira citada em levantamentos de matas ciliares em Minas Gerais (Oliveira-Filho et al. 1995), Paraná (Soares-Silva et al. 1992) e São Paulo (Durigan & Leitão Filho 1995) e a segunda referenciada por Vieira et al. (2003) como presente na vegetação ciliar em Minas Gerais.

Portanto, além das espécies compartilhadas com levantamentos de matas ciliares de outras regiões do Brasil, as espécies exclusivas registradas nesse trabalho podem também oferecer indicativos da seletividade das mesmas por áreas de matas ribeirinhas na caatinga e se configurarem como carcterísticas desses ambientes ainda pouco estudados em suas peculiaridades florísticas.

2. Composição florística: uma abordagem por área

Avaliando a distribuição das famílias nas três áreas ribeirinhas tem-se que os riachos do Farias e do Cazuzinha apresentaram 24 famílias cada, ficando o riacho dos Mares com 23. Para cada área, as famílias com maior número de espécies foram: riacho do Farias - Fabaceae (13), Euphorbiaceae (seis); riacho dos Mares - Fabaceae (15), Euphorbiaceae (nove), Rubiaceae e Verbenaceae (quatro cada); riacho do Cazuzinha - Fabaceae (18), Euphorbiaceae (nove) e Rubiaceae (cinco). Em relação às famílias exclusivas em cada área observou-se que apenas três foram exclusivas a uma localidade: Annonaceae e Salicaceae presentes apenas no riacho do Cazuzinha e Vochysiaceae registrada na vegetação ribeirinha do riacho dos Mares. Estiveram presentes em todas as áreas 20 famílias (74,1%).

Relacionado à distribuição das espécies, do total das 91 registradas, 56 espécies ocorreram no riacho do Farias (cinco exclusivas), 62 estiveram presentes no riacho dos Mares (10 exclusivas) e 68 levantadas no riacho do Cazuzinha (17 exclusivas). Cerca de 40% das espécies ocorreram nas três áreas (Tabela 1).

3. Similaridade florística

A análise de agrupamento, realizada com base em uma matriz de presença/ausência de 81 espécies identificadas nas três áreas de estudo e em outros cinco levantamentos desenvolvidos nas matas ribeirinhas da bacia do Rio Taperoá (Lacerda et al. 2004, Lacerda & Barbosa 2006) indica diferentes níveis de similaridade entre os ambientes analisados (Figura 2).


Observou-se que os maiores valores de similaridade são compartilhados pelos riachos Farias (RF), Salgado (RS), Mares (RM) e Cazuzinha (RC). Destas quatro áreas, os riachos do Farias (RF) e Salgado (RS) foram os mais similares (64%). A menor semelhança foi definida entre o Rio Taperoá e as demais áreas com 23% de similaridade. Particularmente relacionado ao agrupamento das quatro áreas com maior similaridade, constituído ao nível de 52%, observa-se que três se referem aos ambientes ribeirinhos deste estudo.

De modo geral, a análise de similaridade florística entre as áreas evidenciou uma maior semelhança entre localidades próximas. Desta forma, a proximidade geográfica entre os riachos Farias, Salgado, Mares e Cazuzinha explica a maior similaridade encontrada entre esses ambientes, o que está de acordo com o apontado por Rodrigues & Nave (2004) ao estudarem a similaridade florística em florestas ciliares do Brasil. Para estes autores, os agrupamentos das áreas fo-ram definidos, entre outros aspectos, em função da proximidade espacial entre as áreas. Contudo, percebe-se nesse estudo que os maiores e menores níveis de similaridade entre áreas também se explicam pelo seu histórico de uso e ocupação humana. Desta forma, com exceção da vegetação do riacho do Cazuzinha, inserida em uma RPPN, observa-se que as matas dos riachos dos Mares, Farias e Salgado têm seu uso e ocupação marcados principalmente pelo pastoreio extensivo. Por outro lado, sem considerar o Riacho Santo Antônio, que também tem a mesma atividade citada para os três últimos riachos, observa-se que as demais áreas foram submetidas a impacto antrópico muito semelhante devido à realização de atividades agropecuárias. Portanto, é perceptível que a distância geográfica aliada às peculiaridades do uso e ocupação da terra, caracterizam o conjunto de fatores responsáveis pela similaridade entre as áreas de vegetação ribeirinha pesquisadas.

Conclusão

Considerando os resultados obtidos conclui-se que o total de espécies listado nesse trabalho é expressivo quando comparado com levantamentos realizados nos diferentes tipos de vegetação caducifólia do semiárido. Assim como em alguns levantamentos realizados na caatinga s.str., as famílias Fabaceae e Euphorbiaceae foram bem representadas em número de espécies, o que demonstra a ampla distribuição das mesmas nos vários ecossistemas do semiárido. Entretanto, a presença de famílias como Myrtaceae e Bignoniaceae corroboram outros estudos que indicam a ocorrência destas em áreas mais úmidas. Verificou-se ainda que, a exemplo do que ocorre em outras formações ciliares do país, as árreas ribeirinhas amostradas, apresentaram uma composição florística na qual a maioria das espécies são compartilhadas com as áreas adjacentes de caatinga. Um número menor, porém, é composto por espécies típicas de formações ciliares do Brasil e de espécies exclusivas aos ecossistemas ribeirinhos na Caatinga.

Agradecimentos

A todos os proprietários das áreas pesquisadas (Maria Eunice Braz, Agrício de Souza Barros Filho e José Carlos Oliveira) pela permissão para a realização do presente estudo. Aos taxonomistas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Instituto de Botânica de São Paulo, UFRN, UFRPE, UEFS e UFPB, pelo auxílio na identificação do material botânico. Ao CNPq e a CAPES, pela concessão das bolsas de doutorado concedidas às primeira e segunda autoras, respectivamente, e ainda ao CNPq pelo auxílio financeiro e suporte técnico através do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) Sítio Caatinga, executado pela Universidade Federal da Paraíba, fundamental para a realização de parte dos trabalhos de campo.

Recebido em 07/06/2010

Versão reformulada recebida em 23/09/2010

Publicado em 15/10/2010

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  • *
    Autor para correspondência: Alecksandra Vieira de Lacerda, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      07 Jun 2010
    • Revisado
      23 Set 2010
    • Aceito
      15 Out 2010
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