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Conhecimento de Professores para Promover o Raciocínio Matemático: uma experiência de formação continuada

Teachers' Knowledge to Promote Mathematical Reasoning: a continuing training experience

Resumo

O conhecimento dos professores para promover o Raciocínio Matemático (RM), na prática docente, é essencial para o cumprimento de diretrizes curriculares. No entanto, esse conhecimento é considerado muitas vezes um grande desafio, portanto, é importante destacá-lo como uma meta para a formação de professores. Neste sentido, este estudo tem como foco o desenvolvimento do conhecimento de professores para criar contextos em aula para promover o RM dos alunos, numa formação continuada. Considerou-se uma investigação de natureza qualitativa e interpretativa para analisar os conhecimentos de seis professores, cursando o Mestrado em Ensino, para desenvolver contextos promotores do RM com seus alunos na perspectiva do Ensino Exploratório. A coleta de dados incluiu questionário, entrevista, observação participante e o trabalho escrito das tarefas propostas. Os resultados evidenciam que os professores conseguiram elaborar uma tarefa matemática e conduzir uma aula com potencial para promover o RM dos seus alunos na Educação Básica, e, com isso, aprofundaram seus conhecimentos e deram maior significado aos fundamentos teóricos e metodológicos sobre os tipos e processos de RM assim como sobre os princípios de design de tarefas. O estudo ressalta a relevância de se considerar na formação de professores quatro dimensões associadas ao conhecimento para promover o RM: aspectos teóricos e metodológicos, aspectos curriculares, aspectos do contexto e aspectos materiais.

Raciocínio Matemático; Formação continuada; Ensino Exploratório; Prática docente

Abstract

Teachers’ knowledge to promote Mathematical Reasoning (MR) in teaching practice is essential to meet curricular guidelines. However, this knowledge is often a huge challenge for teachers, so it is essential to highlight it as a goal for teacher training. In this sense, this study focuses on developing the knowledge of in-service mathematics teachers to create classroom contexts to promote students' MR, in a teacher training course. It was considered a qualitative and interpretative investigation to analyze the abilities of six teachers, attending the master’s degree in mathematics teaching, to develop students’ MR promoting contexts from the perspective of Exploratory Teaching. Data collection included questionnaire, interview, participant observation and written work of the proposed tasks. Results show that the teachers were able to elaborate a mathematical task and conduct a class with the potential to promote their students’ MR in Basic Education, and, with this, they have deepened their knowledge and gave greater meaning to theoretical and methodological foundations on the types and processes of MR as well to task design principles. The study stresses the relevance for teacher training of considering four dimensions to promote MR: theoretical and methodological aspects, curricular aspects, materials and context aspects.

Mathematical Reasoning; Continuing training; Exploratory Teaching; Teaching practicum

1 Introdução

O Raciocínio Matemático (RM) constitui atualmente uma temática importante em âmbito global, especialmente no que se refere às orientações curriculares, conforme o National Council of Teachers of Mathematics ( NCTM, 2017National Council of Teachers of Mathematics - NCTM. Princípios para a Ação: Assegurar a todos o sucesso em matemática. Lisboa: APM, 2017. ). Como exemplos: na Austrália, na Base Curricular (AUSTRÁLIA, 2017) enfatiza-se a busca pelo desenvolvimento de uma capacidade cada vez mais sofisticada para o raciocínio atrelado a ações como analisar, provar, avaliar, explicar, inferir, justificar e generalizar (DAVIDSON; HERBERT; BRAGG, 2019); no Reino Unido, as Orientações Curriculares destacam a busca pela capacidade de raciocinar matematicamente, bem como de desenvolver um argumento usando linguagem matemática ( ENGLAND, 2014ENGLAND. National curriculum in England: mathematics programs of study. London: Department for Education and Skills, 2014. ); no Brasil, na Base Nacional Comum Curricular, BNCC (BRASIL, 2018), há destaque para as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o desenvolvimento do raciocínio e a capacidade crítica.

Entretanto, estudos apontam que a elaboração de diretrizes curriculares não garante tal desenvolvimento almejado ( BEYER; DAVIS, 2012Beyer, C. J.; Davis, E. A. Developing preservice elementary teachers’ pedagogical design capacity for reform-based curriculum design. Curriculum Inquiry, Michigan, v. 42, n. 3, p. 386-413, 2012. ). Em acordo com Kennedy (2005)KENNEDY, M. M. Inside teaching: How classroom life undermines reform. Cambridge: Harvard University Press, 2005. , a partir de tais diretrizes, os professores precisam ativar o que denomina de currículo oculto, por meio da vivência de atividades instrucionais, com a especificação adequada de recursos, procedimentos e resultados para um determinado conjunto de estudantes em um período específico, demandando um planejamento, um trabalho estruturado em grande medida. Neste sentido, projetar ou identificar tarefas promotoras do raciocínio e implementá-las em sala de aula são aspectos fundamentais do ensino que podem influenciar as oportunidades de aprendizagem dos estudantes (KANG et al. , 2016).

O foco no RM em orientações curriculares não é tido apenas como uma capacidade a ser desenvolvida, mas também como uma estratégia para se ensinar e aprender Matemática. Contudo, há uma preocupação generalizada que os professores experimentem dificuldades em sua compreensão sobre o que é o Raciocínio Matemático e como incorporar experiências promotoras do raciocínio com seus alunos (DAVIDSON; HERBERT; BRAGG, 2019). Apoiar os professores a se engajarem em práticas eficazes de planejamento que os levem a começar uma lição com tarefas intelectualmente desafiadoras é essencial para promover tal capacidade ( FOSTER; INGLIS, 2017FOSTER, C.; INGLIS, M. Teachers’ appraisals of adjectives relating to mathematics tasks. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 95, [s. n.], p. 283-301, 2017. ). A este respeito, no entanto, há pouca evidência empírica que se concentre nessas práticas de ensino em sala de aula ( KANG, 2017KANG, H. Preservice Teachers’ Learning to Plan Intellectually Challenging Tasks. Journal of Teacher Education , Michigan, v. 68, n. 1, p. 55-68, 2017. ).

A partir desse ideário, admitimos como foco deste trabalho a pesquisa em ensino, contemplando o conhecimento dos professores para criar contextos em aula para promover o RM dos alunos. Para contribuir com essa discussão, discorremos brevemente sobre: os tipos e processos de RM; as ações do professor para promover o RM; o potencial de tarefas para promover o RM, para apoiar a melhoria da prática pedagógica; e o planejamento de aulas envolvendo a elaboração ou adaptação de tarefas em um contexto de Ensino Exploratório. Então, passamos a relatar uma experiência de formação continuada com professores da Educação Básica de Matemática, envolvendo momentos de discussão teórica, prática em sala de aula com seus alunos e reflexão final.

Como norte da nossa investigação, consideramos as seguintes questões: como os professores concebem ou adaptam tarefas para promover o RM dos seus alunos, envolvendo conteúdos matemáticos diversos? Como os professores conduzem a realização de tarefas promotoras do RM em sala de aula? Como os professores planejam e refletem sobre a prática pedagógica promotora do RM?

2 Raciocínio Matemático (RM)

O RM pode ser tipificado como Indutivo, Abdutivo ou Dedutivo. O Raciocínio Abdutivo (RA) envolve uma “inferência que parte de um facto insólito ou invulgar e que procura uma explicação para a sua ocorrência” (PONTE; QUARESMA; MATA-PEREIRA, 2020, p. 7). O Raciocínio Indutivo (RI) “parte do particular para o geral; parte da observação de dados, sobre os quais formula hipóteses explicativas, e, com base na experimentação em vários outros casos, obtém uma conclusão para um conjunto mais vasto” ( PIMENTEL; VALE, 2012PIMENTEL, T.; VALE, I. Os padrões e o raciocínio indutivo em matemática. Quadrante , Lisboa, v. 21, n. 2, p. 29-50, 2012. , p. 38). No que lhe concerne, o Raciocínio Dedutivo (RD) “envolve sobretudo encadear asserções de forma lógica e justificar esse encadeamento” (PONTE; BRANCO; MATOS, 2008, p. 89).

Esta concepção de RM é também caracterizada pelos processos de conjecturar, generalizar e justificar. Considera-se, portanto, que: conjecturar é correspondente ao RA; generalizar, formular conjeturas de natureza geral é inerente ao RI e justificar é essencial ao RD (PONTE; QUARESMA; MATA-PEREIRA, 2020). Assim, admitem-se os indicadores de base e de forma conforme o Quadro 1 .

Quadro 1
– Tipos e processos de Raciocínio Matemático

3 Promoção do RM envolvendo tarefas

O ensino exploratório caracteriza uma alternativa ao trabalho pedagógico em sala de aula, com vistas ao desenvolvimento da capacidade de RM pelo estudante ( PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: GTI (ed.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34. ). Nesse encalço, um modelo que pode ser utilizado é a aula em três fases. De tal modo, a primeira fase consiste no lançamento de uma tarefa a ser desenvolvida, com um encaminhamento, pelo professor, para verificar a compreensão dos estudantes e incentivá-los a realizar o que está sendo solicitado, sem diminuir o grau de desafio.

A segunda fase envolve o trabalho autônomo, realizado pelos discentes de modo individual ou em grupos, e monitorado pelo professor para acompanhar a resolução da tarefa, dando apenas as indicações necessárias, sem reduzir de modo significativo o seu grau de desafio. Por fim, a terceira fase contempla uma discussão coletiva, com vistas à apresentação das resoluções, à comparação e ao confronto de ideias envolvidas nas resoluções e, também, à síntese final. Nesta última fase, o professor deve procurar encorajar a partilha de informações, explorando possíveis desacordos entre os estudantes, levando-os a argumentar de modo a identificar justificações válidas e inválidas, destacando o que as valida (PONTE; QUARESMA; MATA-PEREIRA, 2020).

Nessa perspectiva, é importante sobretudo a escolha de tarefas adequadas, de cunho exploratório, com potencial para a promoção do RM. Assim, a sua caracterização deve respeitar alguns princípios ( PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: GTI (ed.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34. ), conforme apresentados no Quadro 2 .

Quadro 2
– Princípios para a elaboração de tarefas exploratórias

4 Conhecimento docente para promover o RM

Em relação ao RM, o conhecimento do professor deve incluir primeiramente os fundamentos elementares como seus tipos e processos, mas, além disso, deve abranger capacidades sobre o ensino, sobre abordagens que facilitem o seu desenvolvimento, sobre como identificar tarefas potenciais (DAVIDSON; HERBERT; BRAGG, 2019). Tais conhecimentos influenciam a competência docente para planejar e avaliar o RM com acurácia e eficácia. Para Sullivan e Davidson (2014)Sullivan, P.; Davidson, A. The role of challenging mathematical tasks in creating opportunities for student reasoning. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE MATHEMATICS EDUCATION RESEARCH GROUP OF AUSTRALASIA, 37., 2014, Sydney. Proceedings… Adelaide: Merga, 2014, p. 605-612. Available: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED572597.pdf. Access: 1 set. 2023.
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, os professores serão mais propensos a incorporar o RM em suas aulas se compreenderem as oportunidades adequadas ao seu desenvolvimento com seus alunos, antecipando respostas e eventuais dúvidas, provocando e incentivando uma ação discente ativa.

Para a projeção de experiências de ensino promotoras do RM, recomenda-se uma atenção especial em: elaborar ou adaptar tarefas que promovam a conjectura, a generalização e a justificação; prever ações específicas do professor para apoiar a elaboração de justificativas e a partilha de informações em sala de aula (KILPATRICK; SWAFFORD; FINDELL, 2001). Destaca-se, também, a capacidade docente de articular conteúdos matemáticos específicos com questões que provoquem o desenvolvimento do RM, bem como a realização de previsões sobre o desempenho dos alunos. Neste sentido, o planejamento das aulas é primordial na antecipação de possíveis direções que uma lição possa tomar (SULLIVAN et al. , 2016).

Evidências recentes revelam que os professores aprendem com o processo de planejamento, execução e reflexão das aulas (SULLIVAN et al. , 2016). O planejamento deve incluir relações curriculares, ou seja, a delimitação do conteúdo em acordo com o currículo básico, considerações pedagógicas do conteúdo e formas de avaliação sobre os entendimentos dos alunos, bem como sobre os seus conhecimentos prévios. A cautela deve ser priorizada no trabalho em sala de aula, mediante uma visão abrangente das capacidades de RM dos alunos. Finalmente, ao refletir sobre o RM de seus alunos, o professor pode elaborar um acompanhamento, esclarecendo eventuais equívocos e, assim, experimentar desafios, visando melhorias no planejamento de lições subsequentes (DAVIDSON; HERBERT; BRAGG, 2019).

De modo sumário, com apoio na literatura especializada vigente (DAVIDSON; HERBERT; BRAGG, 2019; ELLIS; ÖZGÜR; REITEN, 2019; FOSTER ; INGLIS, 2017; KANG et al. , 2016; SMIT et al. , 2022), consideramos que o conhecimento docente para promover o RM pode ser associado a quatro dimensões principais ( Figura 1 ): ( i ) Aspectos teóricos e metodológicos – possuem natureza basilar, envolvem a caracterização do RM ( Quadro 1 ) e suas formas de promoção; ( ii ) Aspectos curriculares – correspondem a identificação dos conteúdos específicos, das capacidades transversais e das aprendizagens inerentes, assim como do RM associado; ( iii ) Aspectos materiais – dizem respeito à ciência sobre os diversos recursos disponíveis, com destaque para as tarefas potenciais ao desenvolvimento do RM ( Quadro 2 ), incluindo também livros didáticos, softwares educacionais, materiais manipuláveis, entre outros; ( iv ) Aspectos do contexto – condizentes com a delimitação das especificidades do ambiente da sala de aula, que devem ser consideradas no planejamento, como o conhecimento prévio dos estudantes entre outros.

Figura 1
– Dimensões do conhecimento docente para promover o RM

5 Metodologia

5.1 Contexto e participantes

Para desenvolver o conhecimento de professores para promover o RM dos alunos, realizamos uma formação durante dezesseis horas com seis cursistas do Mestrado em Ensino de uma universidade pública estadual da região sul do Brasil. Sob a orientação da segunda autora, a formação foi ministrada pelo primeiro autor e observada pela terceira autora, durante quatro encontros (quatro horas cada). Tais encontros constituíram parte de uma unidade curricular denominada Tópicos em Educação Matemática, cuja docente responsável é a terceira autora. As sessões consistiram em exposição sobre o RM, sobre a sua caracterização enquanto capacidade transversal a ser desenvolvida nos estudantes em acordo com as orientações curriculares, definição das tarefas e ações docentes para promover o RM.

Além disso, os professores analisaram a resolução de algumas tarefas, de forma autônoma, em pares, e, ao final, discutiram coletivamente. Por fim, os professores foram convidados a planejar e ministrar uma aula, com base em uma tarefa que deveriam desenvolver ou adaptar para promover o RM de seus alunos em um conteúdo curricular conforme o seu cronograma escolar. Assim, os planejamentos das aulas foram discutidos e orientados pelo primeiro e terceiro autores, e, após as lições ministradas com as tarefas em sala de aula, os professores apresentaram uma reflexão.

Em acordo com as questões explicitadas anteriormente, assumimos uma investigação de natureza qualitativa e interpretativa em Educação ( ERICKSON, 2012ERICKSON, F. Qualitative research methods for science education. In: FRASER, B.; TOBIN, K.; MCROBBIE, C. (ed.). Second international handbook of science education. Dordrecht: Springer, 2012. p. 145-1469. ), visando ao conhecimento docente para promover o RM dos alunos evidenciado por seis professores em exercício (PE) (participantes da pesquisa), durante a realização de uma formação continuada, aqui referidos por nomes fictícios (símbolos) para garantir a privacidade em termos de questões éticas: PE1, PE2, PE3, PE4, PE5 e PE6. Destes, em relação ao tempo de experiência docente em sala de aula da Educação Básica, PE1 e PE5 possuem dois anos, PE2 e PE3 possuem dez anos; PE4 possui seis anos e PE6 possui sete meses. Apenas PE1 leciona no Ensino Superior, atualmente.

5.2 Recolha e análise de dados

Como instrumentos para a coleta de informações (IC) adotamos: IC1) questionário pré-intervenção, contendo questões abertas e com a finalidade de identificar conhecimentos prévios dos PEs a respeito do currículo, dos conteúdos específicos, dos materiais utilizados e sobre o desenvolvimento da capacidade de RM enquanto temática transversal contemplada nas orientações curriculares atuais; IC2) observação participante pelos professores formadores (PF) durante as sessões da unidade curricular do Mestrado em Ensino e orientações, objetivando ao acompanhamento do processo em sua totalidade; IC3) documentos escritos produzidos pelos PEs, incluindo o plano de aula e a tarefa, assim como as resoluções pelos alunos, e uma reflexão final após a aula, componentes do diário de bordo da pesquisa; IC4) uma entrevista final com os seis PEs, conduzida pelo primeiro autor, buscando identificar possíveis contribuições da formação realizada, em relação à capacidade do professor para realizar contextos promotores do RM dos alunos. Na entrevista, os PEs foram solicitados a relatar: sua compreensão do significado e importância do RM; o potencial ou limitações da lição planejada e ministrada, com base em uma tarefa exploratória; a abordagem docente adotada buscando promover o RM; e as eventuais mudanças indicadas para melhorar a prática desenvolvida, com base nas dificuldades identificadas.

Para a análise dos dados coletados com IC1, IC2, IC3 e IC4, consideramos as três fases do processo: F1) formação teórica e metodológica em sala de aula do Mestrado; F2) experiência de ensino com os alunos da Educação Básica – planejamento e execução; e, F3) apresentação dos resultados e reflexão final. Então, com base nos preceitos apresentados anteriormente e ilustrados nos Quadros 1 e 2 e na Figura 1 , buscamos evidenciar o conhecimento dos professores para promover o RM dos alunos. Em nossa avaliação, ponderamos desde o conhecimento prévio sobre o contexto escolar, sobre o currículo, sobre a versão inicial da tarefa proposta, sobre o plano de aula com foco nas características tidas como potenciais para promover o RM, assim como na abordagem de ensino, e, finalmente, na reflexão sobre a prática, abarcando a interpretação do RM dos alunos e as limitações, as mudanças que indicam, incluindo as razões associadas.

6 Resultados

No início da F1, com as informações coletadas por meio do IC1, identificamos que nenhum dos PEs havia participado de formação específica sobre a temática do RM. Entretanto, responderam que, por vezes, o RM é abordado em discussões no seu ambiente escolar e que o consideram relevante para a sua prática pedagógica. Como exemplo de excerto (1) coletado,

(1) PE3: Embora não estudei isso, acho que a temática é relevante para que possamos desenvolver no aluno o pensamento matemático, discutimos isso na escola (Resposta de PE3, em IC1, sobre o RM, 2022).

Sobre a relação entre as orientações curriculares e o desenvolvimento da capacidade de RM dos alunos, os PEs não apresentaram respostas que explicitassem um entendimento próprio. No que diz respeito aos conteúdos curriculares, responderam que realizam um planejamento periódico, semestral, anual ou trimestral, adotando sempre que possível a sequência estabelecida no currículo básico, porém em sua organização consideram relevante avaliar o aprendizado dos alunos.

(2) PE1: O tempo gasto em cada conteúdo varia conforme o aprendizado da turma (Resposta de PE1, em IC1, sobre o planejamento e a organização temporal, 2022).

Os materiais utilizados pelos PEs em sala de aula, em sua maioria, foram elencados como: livros didáticos, manuais escolares e apostilas; apenas PE1 e PE4 responderam softwares educacionais e recursos tecnológicos ; e, PE5 respondeu material manipulável . Como fonte de tarefas, responderam conforme os materiais predominantemente utilizados (livro didático, manuais escolares e apostilas), PE1 e PE3 utilizam listas de exercícios de autoria própria e páginas da Internet .

(3) PE6: Utilizo conteúdos disponibilizados pela Secretaria de Educação, a Internet e autoria própria (Resposta de PE6, em IC1, sobre os materiais utilizados, 2022).

No entendimento dos PEs, a ação docente para promover o RM dos alunos corresponde à mediação e orientação. Neste sentido, as metodologias de ensino que consideram adequadas, envolvem a resolução de problemas, a modelagem matemática, as tecnologias da informação e comunicação, e a investigação matemática. Contudo, identificamos que os PEs elencam como dificuldades para a criação de contextos promotores do RM os seguintes aspectos: a necessidade da realização de demonstrações matemáticas, associando o RM ao raciocínio lógico; e a organização curricular rígida dos conteúdos matemáticos.

(4) PE3: Se o currículo for muito inflexível, o professor não terá tempo para desenvolver o raciocínio matemático com os alunos.

(5) PE4: Entendo que o raciocínio matemático trata do raciocínio lógico da matemática. (Respostas de PE3 e PE4, em IC1, sobre o currículo e o RM, 2022).

Com a análise dos dados obtidos com IC1 (início da F1), considerando-se as quatro dimensões do conhecimento docente para promover o RM ( Figura 1 ), percebemos que os PEs: ( i ) descrevem o RM como importante, porém fazem associações com o raciocínio lógico, entendido como aplicável em práticas de demonstração matemática, e, entendem suas formas de promoção como a mediação e orientação docente; ( ii ) compreendem o currículo como associado apenas aos conteúdos específicos, não fazendo menção às capacidades transversais, como o RM; ( iii ) citam a utilização em sala de aula de livros didáticos, softwares educacionais, materiais manipuláveis, entre outros, no entanto não fazem alusão às tarefas potenciais ao desenvolvimento do RM; e ( iv ) consideram em seus planejamentos as especificidades do ambiente escolar, como o aprendizado particular de uma turma.

A partir dessas informações, F1 ocorreu conforme a descrição constante do primeiro parágrafo da seção anterior deste texto, culminando no planejamento e realização de uma experiência de ensino centrada em uma tarefa promotora do RM. Os PEs trabalharam em duplas (DP), assim, os resultados correspondem a: DP1 formada por PE1 e PE6; DP2 composta por PE4 e PE5; e DP3 com a participação de PE2 e PE3. Mediante os dados coletados com IC2, percebemos os momentos de orientação para a confecção dos planos de aula e preparação das tarefas como potenciais para a reflexão dos PEs, principalmente no que se refere aos tipos e processos de RM, aos princípios para elaboração de tarefas promotoras do RM e à previsão das ações e dificuldades dos seus alunos, que certamente serão úteis para suas práticas futuras.

(6) PE6: Sempre que pensava em raciocínio matemático associava apenas à lógica, não conhecia estes outros tipos de raciocínio. Esses princípios para as tarefas são muito úteis e esse exercício de prever as possíveis dificuldades dos alunos no plano de aula é bem interessante.

(7) PE1: Precisava de um instrumento para analisar os raciocínios dos alunos (Manifestação de PE6 e PE1, em IC2, sobre tarefas, planejamento e RM, 2022).

Na sequência, sob as lentes dos ICs e do referencial teórico adotado, passamos a tratar sobre os produtos resultantes, as tarefas elaboradas pelas DPs assim como sobre as experiências de ensino desenvolvidas.

A primeira tarefa, Produtos Notáveis, Figura 2 , elaborada por DP1, foi direcionada ao 9° ano do Ensino Fundamental para a classe do ensino público, com dez alunos, em que PE6 é o docente responsável. A escolha pelo conteúdo específico foi conforme o cronograma que os assuntos estavam sendo abordados em sala de aula. Durante a elaboração da sua proposta, DP1 buscou contemplar a especificidade do contexto agrícola, por se tratar de uma escola da zona rural. Assim, o enunciado da tarefa inclui uma representação de um terreno no formato de um quadrado utilizado para plantio ( Figura 2 ), e uma situação que visa ao entendimento de uma generalização.

Figura 2
– Tarefa Produtos Notáveis, elaborada por DP1

Os princípios considerados na elaboração da tarefa ( Figura 2 ), em acordo com o Quadro 2 , foram os que indicavam a inclusão de questões que possibilitem mais de uma forma de resolução e de representação, que favoreçam a reflexão e que incentivem a formulação de generalização baseada na observação de dados gerados com o preenchimento de uma tabela. O trabalho autônomo dos alunos foi desenvolvido em duplas. Com relação ao incentivo à justificação, DP1 propôs a última questão, e) , no formato de verdade ou falsidade.

Em seu plano de aula, DP1 delimitou um objetivo de aprendizagem em relação ao conteúdo específico e outro em relação ao desenvolvimento da capacidade de RM.

(8) DP1: Promover a compreensão do conceito do quadrado da soma e da diferença de Números Reais; Desenvolver o processo de generalização inerente ao Raciocínio Indutivo (Objetivos estabelecidos por DP1 para a tarefa ( Figura 2 ), em IC3, 2022).

Como principais dificuldades dos alunos na realização da tarefa ( Figura 2 ), DP1 previu em seu planejamento a interpretação dos enunciados e o preenchimento da última linha da tabela, para uma quantidade genérica n . Então, alvitraram como ação docente encorajar os alunos a refletir sobre seu trabalho.

(9) DP1: Observar a interpretação dos alunos. Em caso de dúvidas, auxiliá-los a interpretar a tarefa. Caso haja necessidade, incentivar os alunos a interpretar a tarefa através de desenhos. Incentivar a discussão com o objetivo de obterem respostas (Ações estabelecidas por DP1 para a realização da tarefa ( Figura 2 ), em IC3, 2022).

Outros aspectos considerados por DP1 em seu planejamento foram o desempenho matemático e a autonomia da turma. Neste sentido, o tempo para a realização da tarefa foi ampliado para duas aulas de 45 minutos, ao invés de uma aula apenas, e uma representação gráfica foi desenvolvida para apoiar a compreensão dos alunos (dez) ( Figura 3 ).

Figura 3
– Representação para apoiar a resolução da tarefa Produtos Notáveis (ver Figura 2 )

(10) DP1: Conhecendo meus alunos, acho que uma aula é insuficiente para trabalhar esta tarefa. Uma figura poderia auxiliar os alunos na compreensão da tarefa. (Manifestação de DP1 sobre o contexto para a realização da tarefa ( Figura 2 ), em IC3, 2022).

Ao analisar as resoluções da tarefa ( Figura 2 ) pelos alunos, percebemos que DP1 considerou a resposta para a questão a) , Figura 4 , como correta, entretanto destacou que o processo de generalização foi parcialmente desenvolvido, ou seja, os alunos explicitaram a nova área correspondente ao aumento de n metros em cada lado, porém não conseguiram identificar a diferença entre as áreas final e inicial. A previsão de tal dificuldade constava do plano de aula (IC3) e a ação docente de orientar e incentivar foi realizada sem que a resposta fosse apresentada durante o trabalho autônomo (IC4). O processo de conjecturar, pelos alunos, a partir dos dados gerados com o preenchimento da tabela, também foi destacado por DP1 durante a sua reflexão sobre a prática (IC3 e IC4).

Figura 4
– Análise sobre a resposta dos alunos para a tarefa (ver Figura 2 ), por DP1

As questões b) a d) ( Figura 2 ) foram respondidas pelos alunos de maneira sucinta, conforme os exemplos dos excertos seguintes (12 a 14). Entretanto, em relação às resoluções destas questões, DP1 considerou também as manifestações orais dos alunos e avaliou que a conjectura, enquanto processo de RM correspondente ao RA, foi manifesta. Neste caso, em acordo com o Quadro 1 , sob a forma de identificar uma possível solução para um problema com base na observação, construção e transformação de uma situação.

(12) AL6: b) Aumenta conforme o número de metros.

(13) AL7: c) Com 1 metro a mais obtém 51 m2 de área a mais.

(14) AL3: d) A área inicial é a2 o resto é área final a2 + 2ab + b2 (Respostas dos alunos, AL , para a tarefa ( Figura 2 ), IC3, 2022).

Com relação ao RD, a questão e) ( Figura 2 ) possibilitou a DP1 uma reflexão (IC4) com relação a sua estrutura, ao incentivar a justificação de uma resposta por meio de verdade ou falsidade, conforme o Quadro 2 . Em princípio, DP1 associou as respostas dos alunos ( Figura 5 ) ao RA, ao processo de conjecturar. Então, orientamos DP1 a conduzir uma análise abalizada no Quadro 2 , de modo que o formato de coerência lógica mediante o uso de um contraexemplo com base na combinação de propriedades e representações foram características da justificativa apresentada. Assim, DP1 identificou a ocorrência do RD pelos alunos.

Figura 5
– Raciocínio Dedutivo identificado por DP1 na execução da tarefa (ver Figura 2 )

A segunda tarefa, Cilindros e Cones , Figura 6 , elaborada por DP2, constituiu uma lição, uma aula de 50 minutos que foi ministrada para três classes da 3ª série do Ensino Médio de um colégio público cívico militar, sob a responsabilidade de PE4. Cada turma, com média de trinta alunos, foi dividida para o trabalho em grupos de quatro a cinco alunos. Conforme a programação estabelecida por PE4 em seu planejamento anual, a tarefa ( Figura 6 ) corresponde ao conteúdo que estava sendo abordado no período, admitindo como princípio a inserção de questões que permitem uma variedade de estratégias de resolução e que visem a generalização e a justificação por meio da construção e da observação considerando-se determinado conhecimento prévio. Assim, o cálculo das áreas das superfícies e dos volumes dos sólidos geométricos em tela constituía um conhecimento prévio dos alunos. Como estratégia para abordagem do RM, DP2 propôs que os alunos gerassem dados com o preenchimento de dois quadros, e, a partir disso, formulassem conjecturas a respeito da situação que foi posta, bem como buscassem responder e justificar suas respostas para as questões formuladas.

Figura 6
– Tarefa Cilindros e Cones , elaborada por DP2

Conforme a descrição apresentada por DP2 (IC3 e IC4) (17 e 18), durante o trabalho autônomo e na discussão coletiva centrada no desenvolvimento da tarefa ( Figura 6 ),

(17) DP2: Os alunos foram divididos em grupos de 4 ou 5, com o objetivo de propor soluções acerca da tarefa proposta, a professora monitorou as discussões, sem interferir, fazendo apenas explicações sucintas, buscando levá-los a relembrar.

(18) DP2: na discussão coletiva, partilhando as resoluções, solicitamos aos alunos para disporem as carteiras como um círculo e após a leitura de cada questão, os grupos apresentaram a resolução proposta, verificando as diferenças em cada grupo (Ações desenvolvidas por DP2 durante a realização da tarefa ( Figura 6 ), IC4, 2022).

Ao analisar as resoluções dos alunos, em relação ao RM, DP2 considerou o ideário representado no Quadro 2 , conforme abordado pelos PFs na F1. Como exemplos de excertos em que DP2 buscou tipificar o RM dos alunos, primeiramente em relação ao RA (19) ( Figura 7 ). Em relação à justificação, enquanto processo de raciocínio inerente ao RD, DP2 manifestou uma compreensão associada ao formalismo, à elaboração de provas e demonstrações. Como exemplo, o excerto seguinte ( Figura 8 ) foi categorizado por DP2 como uma generalização, processo do RI. Entretanto, a resposta apresentada possui uma forma de coerência lógica, com uma argumentação baseada em combinações de definições e representações podendo ser enquadrada como uma justificação que é associada ao RD.

Figura 7
– Raciocínio Abdutivo identificado por DP2 na execução da tarefa (ver Figura 6 )

Figura 8
– Raciocínio Dedutivo na execução da tarefa (ver Figura 6 )

Além disso, de modo assertivo, o RI foi identificado por DP2 em algumas respostas apresentadas pelos alunos, considerando-se a combinação de observação, construção e transformação, como no excerto seguinte ( Figura 9 ). Neste caso, os alunos elaboraram uma conjectura de natureza geral a partir de situações particulares, de afirmações que foram sendo testadas e validadas, como exemplos: a Figura 9 e o diálogo seguinte (20 a 25) entre PE4 e AL18 (IC3).

Figura 9
– Raciocínio Indutivo identificado por DP2 na execução da tarefa (ver Figura 6 )

(20) PE4: Olhem para a tabela, o que aconteceu na altura do cone? Altura, área,...

(21) AL18: Foi diminuindo os valores!

(22) PE4: E a área?

(23) AL18: A área aumentando.

(24) PE4: Por que vocês acham que um raio maior deu uma altura menor?

(25) AL18: Porque por ele ser maior embaixo, na altura não exige tanto, por a base ser maior, não exige tanto de altura e para base menor, ele precisa ser mais alto consequentemente (Diálogo entre PE4 e AL18 durante a realização da tarefa (ver Figura 6 ), em IC3, 2022).

Em relação às principais dificuldades encontradas pelos alunos na execução da tarefa ( Figura 6 ), DP2 elencou (IC4): o entendimento sobre o enunciado, sobre o que estava sendo solicitado na tarefa e a explanação sobre a resolução realizada. A este respeito, a ação docente foi desenvolvida em acordo com o plano de aula elaborado (IC3 e IC4) (26 e 27).

(26) PE4: Realizei a leitura juntamente com os alunos e, em cada questão, questionei o seu entendimento sobre o que estava sendo solicitado, na tentativa de perceber a necessidade de esclarecimentos.

(27) PE4: Busquei incentivar os alunos a compartilhar suas resoluções, enfatizando que esse processo é muito importante, visto que foi o momento de reconhecimento do raciocínio matemático de cada grupo (Ações desenvolvidas por DP2 para apoiar o desenvolvimento da tarefa ( Figura 6 ), em IC4, 2022).

Durante a reflexão final e a entrevista (IC3 e IC4), DP2 expôs algumas percepções, dentre as quais: durante o planejamento surgiram dúvidas sobre como produzir uma tarefa promotora do RM; na prática letiva houve vários questionamentos dos alunos sobre como a tarefa deveria ser realizada, e as intervenções realizadas por PE4 necessitaram de cuidado para não facilitar as respostas; os alunos manifestaram dificuldade em expressar suas ideias em linguagem matemática, com isso, inicialmente preferiam se expressar gesticulando ou desenhando no papel. Embora tais tópicos já tivessem sido abordados em F1, pelos PFs, de modo que os PEs haviam manifestado um entendimento (IC2), a experiência em sala de aula em um contexto promotor do RM possibilitou uma reflexão (IC3 e IC4) sobre o real significado de cada tópico abordado durante F1. Assim, DP2 pode confrontar suas percepções sobre a formação teórica e metodológica (F1) e a prática em sala de aula (F2) (28 e 29).

(28) DP2: Ao final, na discussão coletiva, muitos alunos nos surpreenderam positivamente, alunos que normalmente não costumam falar ou questionar, estavam apresentando suas ideias e comentando na frente dos colegas.

(29) DP2: Ouvimos dos grupos a empolgação na realização da atividade, estavam realmente discutindo entre as duplas e entre os demais grupos (Reflexões da DP2 sobre o desenvolvimento da tarefa (ver Figura 6 ), em IC4, 2022).

A terceira tarefa, Explorando Prismas , Figura 11 , proposta por DP3, admitiu como foco o estudo dos prismas, por se tratar do conteúdo que estava sendo abordado em sala de aula por PE2. Então, com inspiração em livros didáticos e manuais escolares, DP3 elaborou a tarefa com direcionamento para uma turma da 4a série do Ensino Médio Técnico de um colégio público estadual, com vinte alunos. Os dados gerados para o desenvolvimento da tarefa foram obtidos pelos alunos, distribuídos em quatro grupos de cinco integrantes, por meio da manipulação dos sólidos geométricos apresentados na Figura 10 .

Figura 11
– Tarefa Explorando Prismas , elaborada por DP3

Figura 10
– Material utilizado por DP3 na tarefa Explorando Prismas (ver Figura 11 )

Assim, em relação ao RM, a proposta de DP3 admitiu uma estrutura apoiada na conjectura a partir de dados empíricos, obtidos pela experimentação, pela observação e manipulação de sólidos geométricos ( Figura 10 ) com vistas ao estabelecimento de uma generalização. O plano de aula correspondente constou dos seguintes objetivos (30):

(30) DP3: Compreender os conceitos de faces, vértices e arestas dos poliedros; compreender a relação entre a quantidade de vértices, arestas e faces de um prisma e o número de lados da base; desenvolver o raciocínio matemático numa abordagem exploratória e formular uma generalização (Objetivos estabelecidos por DP3 para o desenvolvimento da tarefa (ver Figura 11 ), em IC3, 2022).

Para DP3 (IC4), a tarefa também buscou proporcionar um contexto aprazível para os alunos, uma vez que PE2 havia trabalhado com a manipulação de sólidos geométricos em momento anterior e alcançou boa receptividade pela classe. As definições necessárias (conhecimentos prévios) e as perguntas apresentadas na tarefa exigiram atenção de DP3, que buscou equilibrar o nível de desafio e a exequibilidade, para que os alunos pudessem desenvolver processos de RM. Assim, DP3 decidiu pela disponibilização de sólidos geométricos para a manipulação, observação e preenchimento de um quadro, e, a partir disso, criar um desafio para os alunos, ou seja, a necessidade de mentalizar sólidos que não estavam disponíveis. Além disso, a expressão n lados , não familiar aos alunos, motivou a inserção de diversas questões para apoiar o processo de generalização ( Figura 11 ).

A metodologia constante do plano de aula foi pautada no Ensino Exploratório e na aula em três fases, e o trabalho do professor foi descrito sumariamente como (31):

(31) DP3: Orientar os estudantes, mediando as discussões. Sanar dúvidas que possam surgir, mas sem dar as respostas (Ações docentes propostas por DP3 para o desenvolvimento da tarefa ( Figura 11 ), em IC3, 2022).

Observamos uma certa preocupação de DP3 em não facilitar a resolução, ou seja, em garantir que as respostas deveriam ser encontradas pelos alunos (IC3). Ainda, a intencionalidade de socialização e discussão coletiva foi explícita no plano de aula. Em caso de eventuais dificuldades dos alunos, ao desenvolver a tarefa, DP3 propôs o preenchimento de um segundo quadro, para apoiar a investigação ( Figura 12 ). Neste sentido, a estrutura foi similar ao quadro apresentado na Figura 11 , porém com outras possibilidades para os polígonos das bases, além dos sólidos que foram manuseados, e com o fornecimento de alguns valores correspondentes às colunas e com espaços em branco para o preenchimento dos alunos.

Figura 12
– Quadro auxiliar para execução da tarefa (ver Figura 11 )

Em relação à primeira parte da tarefa ( Figura 11 ), conforme os dados coletados junto a DP3 (IC3 e IC4), os estudantes preencheram o quadro mediante o manuseio e observação dos sólidos ( Figura 10 ). Esses dados possibilitaram a elaboração de conjecturas com vistas à resolução da questão 1 ( Figura 11 ), como no exemplo do excerto coletado por DP3 sobre o diálogo entre PE2 e o aluno AL2 (32 a 35):

(32) AL2: Professor, para encontrar o número de vértices é só ver o número de lados do polígono da base e multiplicar por 2 para ter o número de vértices!

(33) PE2: Observando o quadro você chegou a esta conclusão, faz sentido olhando os prismas também?

(34) AL2: O de vértices faz sentido, porque tem a mesma figura duas vezes, por isso que multiplica por 2.

(35) PE2: E o número de faces e arestas? (Diálogo entre PE2 e AL2 durante a realização da tarefa ( Figura 11 ), em IC3, 2022).

Então, visando apoiar o processo de generalização, os estudantes foram solicitados a preencher o quadro auxiliar, Figura 12 . Conforme a previsão explicitada no plano de aula em relação às possíveis dificuldades encontradas pelos alunos, a ação docente estava planejada com a orientação sobre o preenchimento com base no padrão que haviam encontrado (IC3), ou seja, na conjectura de natureza geral, formulada anteriormente (pelos alunos) ( Figura 13 ) com base nos dados gerados. Assim, para DP3, com base na produção escrita dos alunos, em suas falas e argumentações, os objetivos explicitados no plano de aula (trinta) foram alcançados (IC4).

Figura 13
– Conjectura de natureza geral elaborada por AL2 durante a resolução da tarefa ( Figura 11 )

7 Discussão e conclusão

Esta investigação foi realizada no contexto da formação continuada de professores, em uma unidade curricular do Mestrado em Ensino, para desenvolver o conhecimento de seis PEs para promover o RM dos seus alunos. As atividades desenvolvidas resultaram na elaboração de tarefas matemáticas e na sua implementação em sala de aula da Educação Básica, assim como em uma reflexão final sobre as experiências vivenciadas. Com isso, foi possível compreender os conhecimentos dos PEs sobre: as tarefas potencialmente promotoras do RM; a condução de lições centradas nestas tarefas; o planejamento e reflexão a respeito de uma prática pedagógica promotora do RM.

Em acordo com os resultados encontrados, os PEs conseguiram elaborar tarefas potencialmente promotoras do RM (Figuras 2, 6 e 11) considerando um conjunto de princípios ( Quadro 2 ) abordados durante a formação realizada. Neste sentido, evocaram princípios gerais como possibilitar diversas formas de resolução e representação e específicos para a justificação e generalização, com base na construção e observação a partir de dados gerados e de perguntas que solicitam respostas para casos específicos, além da validação ou refutação de uma conjectura. Assim como no estudo de Gomes et al. (2022)Gomes, P.; Martins, M.; Quaresma, M.; Mata-Pereira, J.; Ponte, J. P. Task design and enactment: developing in-service and prospective teachers’ didactical knowledge in lesson study. Journal of Mathematics, Science and Technology, [S. L], v. 18, n. 7, p. 1-15, 2022. , ao elaborar tarefas, os PEs prestaram especial atenção à redação do enunciado e ordem das questões, nas representações e materiais utilizados; ainda, preocuparam-se com o enquadramento curricular, com o aprendizado prévio dos alunos e possíveis estratégias de resolução, com as dificuldades que os alunos poderiam apresentar, e, então planejaram possíveis intervenções para apoiar os alunos a superar suas dificuldades.

Durante o planejamento das aulas centradas nas tarefas elaboradas, os PEs explicitaram a intenção de conduzir a classe utilizando uma abordagem baseada no Ensino Exploratório. Dessa forma, buscaram valorizar o trabalho autônomo dos alunos, evitando que o professor reduzisse os níveis dos desafios e concebendo momentos de discussão coletiva como uma oportunidade para a reflexão sobre os processos de RM desenvolvidos. Essa perspectiva é coerente com a de Ellis, Özgür e Reiten (2019) em relação à postura do professor para apoiar o RM dos alunos, num contexto de exploração em sala de aula, quando não se tem imediatamente uma estratégia para resolver as tarefas, possibilitando experiências de aprendizagem diversificadas.

A análise das resoluções dos alunos focada no Quadro 1 possibilitou aos PEs uma reflexão a respeito dos tipos e processos de RM, acarretando uma compreensão mais profunda atrelada às bases e às formas adotadas pelos alunos, ampliando sua visão para além do raciocínio lógico como era entendido inicialmente. Em sua avaliação, os PEs consideraram a integração entre os objetivos de aprendizagem em relação ao conteúdo específico e a promoção do RM, além de aspectos como a interação, a reflexão e o feedback em um contexto de ensino e aprendizagem. Essa postura é consonante com a proposta de Smit et al. (2022)SMIT, R.; DOBERB, H.; HESS, K.; BACHMANNA, P.; BIRRIA, T. Supporting primary students’ mathematical reasoning practice: the effects of formative feedback and the mediating role of self-efficacy. Research in Mathematics Education , London, v. 24, n. 1, p. 1-24, 2022. para a valorização do feedback formativo por meio de diálogos instrucionais entre professores e alunos em situações de aprendizagem envolvendo, por exemplo, padrões matemáticos ou o uso de contraexemplos.

Podemos, assim, concluir que o conhecimento dos PEs para promover o RM do aluno, em consonância com Davidson, Herbert e Bragg (2019), Ellis, Özgür e Reiten (2019), Foster e Inglis (2017)FOSTER, C.; INGLIS, M. Teachers’ appraisals of adjectives relating to mathematics tasks. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 95, [s. n.], p. 283-301, 2017. , Kang et al. (2016)Kang, H.; Windschitl, M.; Stroupe, D.; Thompson, J. Designing, launching, and implementing high quality learning opportunities for students that advance scientific thinking. Journal of Research in Science Teaching , London, v. 53, n. 9, p. 1316-1340, may 2016. e Smit et al. (2022)SMIT, R.; DOBERB, H.; HESS, K.; BACHMANNA, P.; BIRRIA, T. Supporting primary students’ mathematical reasoning practice: the effects of formative feedback and the mediating role of self-efficacy. Research in Mathematics Education , London, v. 24, n. 1, p. 1-24, 2022. , está associado às quatro dimensões representadas na Figura 1 , nomeadamente: ( i ) aspectos teóricos e metodológicos; ( ii ) aspectos curriculares; ( iii ) aspectos materiais; e ( iv ) aspectos do contexto. Entretanto, as limitações deste estudo permitem conclusões a respeito dos seis PEs e não analisa a experiência de outros professores em relação à promoção do RM dos alunos em diferentes circunstâncias. Além disso, os resultados não podem ser vislumbrados além da aprendizagem dos PEs ao longo da formação realizada. Por fim, com a análise realizada enfatizamos a importância de proporcionar aos PEs a oportunidade de desenvolver seus conhecimentos para promover o RM dos alunos, articulando a teoria com a prática docente na escola.

Agradecimentos

Ao apoio recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq – Brasil. Este trabalho faz parte dos projetos: Desenvolvimento do Raciocínio Matemático num contexto de Ensino Exploratório; Reason que contou com o apoio da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia – Portugal (contrato PTDC/CED-EDG/28022/2017).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2022
  • Aceito
    12 Abr 2023
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