Acessibilidade / Reportar erro

Potencial de aumento do teor de ferro em grãos de feijão por melhoramento genético

Breeding potential for iron content in common bean

Resumos

O desenvolvimento de germoplasma de feijão com maior teor de ferro nos grãos é uma alternativa para minimizar os problemas da deficiência desse mineral na dieta. Para tanto, é preciso verificar se ocorre efeito materno para o teor de ferro e conhecer a herança desse caráter, objetivos desse trabalho. As gerações F1, F1 recíproco, F2, F2 recíproco, F3, F3 recíproco, retrocruzamento 1 e retrocruzamento 2 foram obtidas para os cruzamentos entre Minuano x Diamante Negro e Diamante Negro x IAPAR 44. O teor de ferro foi determinado por meio de digestão nítrica-perclórica e leitura em espectrofotômetro de absorção atômica. Variabilidade genética para o teor de ferro nos grãos foi obtida nos diferentes cruzamentos e constatou-se efeito materno na expressão do teor de ferro em feijão. Estimativas de herdabilidade em sentido amplo de 76,36% e em sentido restrito de 50,60% foram observadas, a partir do cruzamento entre Minuano x Diamante Negro. Ganho por seleção de 11,14% foi obtido, comprovando que é possível aumentar o teor de ferro em grãos de feijão por meio de melhoramento genético. A seleção realizada em gerações precoces poderá ser efetiva no desenvolvimento de germoplasma de feijão com alto teor de ferro nos grãos.

Phaseolus vulgaris L.; mineral; efeito materno; herdabilidade; ganho por seleção


The development of common bean germplasm with higher iron content would be an interesting alternative to reduce the low in take of this mineral in Brazilians diet. The objectives of this research were to evaluate the existence of maternal effect in iron content and to analyse the inheritance of this trait. The F1, F1 reciprocal, F2, F2 reciprocal, F3, F3 reciprocal, backcross 1 and backcross 2 generations were performed among the cultivars Minuano x Diamante Negro and Diamante Negro x IAPAR 44. The iron content was ascertained by nitric-perchloric digestion and determination on the atomic absorption spectrophotometer. Genetic variability in grain iron content was revealed in two crosses, beyond expression of maternal effect . Estimates of heritability in the broad sense was of 76.36% and the narrow sense of 50.60% in the cross Minuano x Diamante Negro. The gain from selection was of 11.14% and it is able to increase in grain iron content in common bean by plant breeding. The selection performed in the early generation may be effective for development of common bean germplasm with higher iron content.

Phaseolus vulgaris L.; mineral; maternal effect; heritability; gain from selection


MELHORAMENTO GENÉTICO VEGETAL

Potencial de aumento do teor de ferro em grãos de feijão por melhoramento genético

Breeding potential for iron content in common bean

Evandro JostI; Nerinéia Dalfollo RibeiroII,* * Autora correspondente. ; Taiguer CeruttiIII; Nerison Luiz PoerschIII; Sandra Maria MazieroIII

IAluno do Programa de Pós-graduação em Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

IIDepartamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Rurais, UFSM, 97105-900 Santa Maria (RS). E-mail: neiadr@smail.ufsm.br

IIIAlunos do Curso de Agronomia da UFSM

RESUMO

O desenvolvimento de germoplasma de feijão com maior teor de ferro nos grãos é uma alternativa para minimizar os problemas da deficiência desse mineral na dieta. Para tanto, é preciso verificar se ocorre efeito materno para o teor de ferro e conhecer a herança desse caráter, objetivos desse trabalho. As gerações F1, F1 recíproco, F2, F2 recíproco, F3, F3 recíproco, retrocruzamento 1 e retrocruzamento 2 foram obtidas para os cruzamentos entre Minuano x Diamante Negro e Diamante Negro x IAPAR 44. O teor de ferro foi determinado por meio de digestão nítrica-perclórica e leitura em espectrofotômetro de absorção atômica. Variabilidade genética para o teor de ferro nos grãos foi obtida nos diferentes cruzamentos e constatou-se efeito materno na expressão do teor de ferro em feijão. Estimativas de herdabilidade em sentido amplo de 76,36% e em sentido restrito de 50,60% foram observadas, a partir do cruzamento entre Minuano x Diamante Negro. Ganho por seleção de 11,14% foi obtido, comprovando que é possível aumentar o teor de ferro em grãos de feijão por meio de melhoramento genético. A seleção realizada em gerações precoces poderá ser efetiva no desenvolvimento de germoplasma de feijão com alto teor de ferro nos grãos.

Palavras-chave:Phaseolus vulgaris L., mineral, efeito materno, herdabilidade, ganho por seleção.

ABSTRACT

The development of common bean germplasm with higher iron content would be an interesting alternative to reduce the low in take of this mineral in Brazilians diet. The objectives of this research were to evaluate the existence of maternal effect in iron content and to analyse the inheritance of this trait. The F1, F1 reciprocal, F2, F2 reciprocal, F3, F3 reciprocal, backcross 1 and backcross 2 generations were performed among the cultivars Minuano x Diamante Negro and Diamante Negro x IAPAR 44. The iron content was ascertained by nitric-perchloric digestion and determination on the atomic absorption spectrophotometer. Genetic variability in grain iron content was revealed in two crosses, beyond expression of maternal effect . Estimates of heritability in the broad sense was of 76.36% and the narrow sense of 50.60% in the cross Minuano x Diamante Negro. The gain from selection was of 11.14% and it is able to increase in grain iron content in common bean by plant breeding. The selection performed in the early generation may be effective for development of common bean germplasm with higher iron content.

Key words: Phaseolus vulgaris L., mineral, maternal effect, heritability, gain from selection.

1. INTRODUÇÃO

Estima-se que, aproximadamente, dois bilhões de pessoas no mundo tenham anemia devido à deficiência de ferro (UNICEF, 2002). Como o ferro é essencial à formação da hemoglobina (FRANCO, 1999), a capacidade do sangue em carrear oxigênio é diminuída se a ingestão ou a absorção de ferro forem deficientes. Por conseqüência, sintomas como palidez, fraqueza, fadiga, tonturas, menor capacidade para o trabalho, maiores taxas de partos prematuros, menor peso corporal ao nascimento e maior mortalidade na infância são observados (CUNHA e CUNHA, 1998). Por esse motivo, a deficiência de ferro deve ser considerada um problema grave de saúde pública.

Os alimentos de origem animal são fontes biodisponíveis de minerais (COSTA e LIBERATO, 2003). No entanto, devido ao elevado custo, são inacessíveis às pessoas de menor poder aquisitivo. Desse modo, o feijão (Phaseolus vulgaris L.), que possui alto teor de ferro nos grãos (BARAMPAMA e SIMARD, 1993; BEEBE et al., 2000; GUZMÁN-MALDONADO et al., 2000; ARAÚJO et al., 2003; MESQUITA et al., 2007; RIBEIRO et al., 2008), constitui-se em importante fonte de ferro para a alimentação. Além disso, é importante considerar que a suplementação medicamentosa de ferro, pode causar problemas gastrointestinais, implica custos adicionais e a necessidade de estímulo para o consumo (OLIVARES e WALTER, 2004). A fortificação, por sua vez, pode provocar alterações na cor ou no sabor do alimento e resultar em menor biodisponiblidade do mineral (COSTA e LIBERATO, 2003). Já, o enriquecimento dos alimentos por meio de melhoramento clássico não causa esses problemas, pois o consumidor terá em sua dieta um produto de melhor qualidade nutricional, sem nenhum ônus adicional e sem modificações na forma de preparo e nas características organolépticas do alimento.

Para tanto, é preciso identificar quais cultivares de feijão proporcionam teores adequados de ferro para suprir as necessidades nutricionais diárias, que corresponde a 10 mg dia-1, para homens, e a 15 mg dia-1 para mulheres (NRC, 1989). Como no teor de ferro em feijão há variabilidade genética (BARAMPAMA e SIMARD, 1993; BEEBE et al., 2000; GUZMÁN-MALDONADO et al., 2000; ARAÚJO et al., 2003), os valores compreendidos entre 71,37 e 126,9 mg kg-1 da matéria seca (MS) foram observados em 21 genótipos de feijão (cultivares comerciais e linhagens) cultivados em Minas Gerais, Brasil (MESQUITA et al., 2007). Além disso, BEEBE et al. (2000) constataram que há variabilidade genética suficiente, no Banco de Germoplasma do Centro Internacional de Agricultura Tropical, Colombia, para aumentar em 80% o conteúdo de ferro nos grãos de feijão.

A genética do teor de ferro em grãos de feijão não é conhecida e há dúvidas se essa característica é dependente do tegumento que é tecido materno e/ou dos cotilédones que são produtos da fecundação (RAMALHO et al., 2000). Essa informação é importante para o programa de melhoramento, pois se ocorre efeito materno na expressão do teor de ferro em feijão, as sementes F1, F2, F3 e demais gerações vão ter tegumento e embrião (cotilédones e eixo embrionário) em gerações diferentes. Esse fato terá implicação direta na condução das populações segregantes, pois o fenótipo do descendente será dependente do genótipo materno, como observado para o teor de proteína (LELEJI et al., 1972) e o tempo de cozimento dos grãos de feijão (RIBEIRO et al., 2006).

O objetivo desse trabalho foi investigar a existência de efeito materno na expressão do teor de ferro e estimar a herdabilidade e o ganho por seleção para o teor de ferro em grãos de feijão.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Com base na avaliação prévia da composição de minerais em grãos de acessos de feijão do Banco de Germoplasma da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, foram selecionadas três cultivares com teores diferenciados de ferro para a realização das hibridações controladas. Os cruzamentos biparentais foram efetuados entre Minuano x Diamante Negro e Diamante Negro x IAPAR 44, considerando-se seus respectivos recíprocos.

As hibridações controladas foram realizadas com emasculação do botão floral, adotando-se a técnica de entrelaçamento, de acordo com método descrito em PETERNELLI e BORÉM (1999) e todas as gerações segregantes foram obtidas em casa de vegetação, do Departamento de Fitotecnia, da UFSM. Assim, sementes das gerações F1 e F1 recíproco foram obtidas no outono-inverno de 2006. Essas sementes foram semeadas, na primavera-verão de 2006, para a obtenção das gerações F2 e F2 recíproco (por autofecundação) e para a realização dos retrocruzamentos: RCP1 (F1 x P1) e RCP2 (F1 x P2), considerando o cruzamento Minuano x Diamante Negro. Para a combinação Diamante Negro x Iapar 44, também foram obtidas as gerações de retrocruzamentos: RCP1 (F1 x P1) e RCP2 (F1 x P2). O processo foi repetido no outono-inverno de 2007, para a obtenção de sementes de mesma idade das gerações F1, F1 recíproco, F2, F2 recíproco e retrocruzamentos. Além dessas, foram obtidas as gerações F3 e F3 recíproco - pela autofecundação das plantas F2 e F2 recíproco, e retrocruzamentos de segunda geração (autofecundação das plantas retrocruzadas) para serem utilizadas nas estimativas de herdabilidade e de ganho por seleção, caso fosse comprovada a hipótese de efeito materno para o teor de ferro em feijão.

As plantas de feijão foram cultivadas em vasos plásticos com capacidade para 5 litros, sendo deixadas duas plantas em cada vaso. Uma mistura de solo + substrato comercial Plantimax® + casca de arroz carbonizada foi empregada na proporção volumétrica de 2: 1: 1. O solo utilizado foi o Argissolo Bruno-Acinzentado alítico típico, com a seguinte composição química: pH (H20): 5,5; matéria orgânica: 2,2%; fósforo: 6,8 mg dm-3; potássio: 68 mg dm-3; cálcio: 5,5 cmolc dm-3; magnésio: 2,7 cmolc dm-3. A correção da fertilidade do solo e a aplicação de nitrogênio em cobertura foram realizadas com base na análise química do solo.

A fim de garantir o desenvolvimento normal das plantas de feijão e a integridade dos botões florais foram realizadas irrigações diárias, controle de moléstias e de insetos, sempre que necessário. À medida que as vagens de feijão atingiram a maturação realizou-se a colheita de forma individual.

Os grãos foram secados em estufa (65 a 70ºC) até umidade média de 13%, e depois moídos em micromoinho até a obtenção de partículas inferiores a 1 mm. Amostras de 5 g de grãos foram armazenadas em potes plásticos, devidamente identificados, e conservadas sob refrigeração até o momento da determinação do teor de ferro no Laboratório de Ecologia Florestal (LABEFLO), da UFSM. O teor de ferro foi determinado no extrato da digestão nítrica-perclórica (HNO3 + HClO4, na proporção 3:1), de acordo com método descrito em MIYAZAWA et al. (1999). A leitura foi efetuada em espectrofotômetro de absorção atômica, utilizando comprimento de onda de 248,3 nm.

Os dados obtidos, em cada combinação híbrida, para os genitores e as gerações F1, F1 recíproco, F2 e F2 recíproco foram submetidos à análise de variância e teste F a 5% de probabilidade de erro. O delineamento adotado foi o inteiramente casualizado, considerando quatro repetições para os genitores e para as gerações F1 e F1 recíproco e 12 repetições para as gerações F2 e F2 recíproco. Para testar a hipótese de efeito materno, efetuou-se a comparação entre as médias pelo teste t a 5% de significância para os contrastes P1 vs P2, P1 vs F1, P2 vs F1 recíproco, F1 vs F1 recíproco e F2 vs F2 recíproco.

As estimativas dos parâmetros genéticos (herdabilidade e ganho por seleção) foram obtidas com as variâncias dos genitores e das gerações F1, F2, retrocruzamento 1 (RCP1) e retrocruzamento 2 (RCP2), com base na geração do embrião (cotilédones e eixo embrionário). Para cada combinação híbrida, foram utilizadas quatro repetições para os genitores (P1 e P2), doze repetições para as gerações F1, F1 recíproco, RCP1 e RCP2 e 24 repetições para as gerações F2 e F2 recíproco.

A herdabilidade foi estimada em sentido amplo (h2a = ó2G / ó2P) e em sentido restrito (h2r = ó2A / ó2P), de acordo com o método dos retrocruzamentos proposto por WARNER (1952). Sendo: variância aditiva: ó2A = 2ó2F2 – (ó2RCP1 + ó2RCP2), variância fenotípica: ó2P = ó2F2 e variância de ambiente em F2: ó2E = 1/3(ó2F1 + ó2P1 + ó2P2).

A heterose na geração F1 foi quantificada pela heterose tradicional (H% = F1 – P / P x 100) e pela heterobeltiose (HT% = F1 – MP / MP x 100), sendo: P = P1 + P2 / 2 e MP = melhor pai. Para a predição de ganhos por seleção, foi considerada a seleção de 25% das plantas F2 (grãos com embrião em geração F2) com maior teor de ferro. O ganho esperado, considerando-se a seleção e a recombinação dos indivíduos superiores em plantas F2 (grãos com embrião em geração F2), foi estimado pela expressão: ΔG = DS h2r e ΔG (%) = (ΔG x 100)/2 sendo: DS = Diferencial de seleção = s-0; s = média dos grãos com embrião em geração F2, selecionados em plantas F2, 0 = média da geração dos grãos com embrião em geração F2, em plantas F2. Todas as análises estatísticas foram efetuadas com o auxílio do programa GENES (CRUZ, 2001).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise de variância, observou-se efeito significativo para o teor de ferro nos grãos de feijão, a partir dos cruzamentos entre Minuano x Diamante Negro e Diamante Negro x IAPAR 44 (Tabela 1). Assim, o teor de ferro revelou variabilidade genética entre os genitores e as gerações F1, F1 recíproco, F2 e F2 recíproco, em cada combinação híbrida.

O teor de ferro variou de 62,81 (Diamante Negro) a 92,66 mg kg-1 da MS (F2), no cruzamento realizado entre Minuano x Diamante Negro (Tabela 2).

No cruzamento entre Diamante Negro x Iapar 44, apesar dos genitores não terem sido contrastantes para o teor de ferro, maior amplitude foi verificada: 56,57 (geração F1 recíproco) a 105,72 mg kg-1 da MS (geração F2 recíproco) e foram obtidos fenótipos transgressivos. Esses valores foram muito semelhantes aos teores de ferro observados em cultivares e em linhagens de feijão em cultivo na África (BARAMPAMA e SIMARD, 1993), na Colômbia (BEEBE et al., 2000) e no Brasil (MESQUITA et al., 2007).

No entanto, ARAÚJO et al. (2003) constataram valores inferiores e variação entre 23,40 e 87,50 mg kg-1 da MS foi obtida para linhagens avançadas e cultivares de feijão em cultivo no Paraná, Brasil. No México, GUZMÁN-MALDONADO et al. (2000) observaram valores superiores de ferro, entre 84 e 280 mg kg-1 da MS, em acessos de feijão miúdo, silvestre e cultivado. Assim, ampla variabilidade genética para o teor de ferro foi constatada em feijão cultivado e silvestre que pode ser explorada pelo melhoramento genético.

No cruzamento Minuano (82,88 mg kg-1 da MS) x Diamante Negro (62,81 mg kg-1 da MS), o contraste P1 vs P2 foi significativo, ou seja, o teste t discriminou diferenças genéticas entre os genitores (Tabela 2). Os contrastes P1 vs F1 e P2 vs F1 recíproco não foram significativos e as médias das gerações F1 e F1 recíproco foram similares aos genitores maternos utilizados nos cruzamentos controlados. Dessa maneira, as sementes F1 obtidas não representaram o produto da fecundação, demonstrando que o teor de ferro nos grãos de feijão depende do tegumento, que é tecido materno.

As gerações F1 e F1 recíproco diferiram significativamente, comprovando que o fenótipo do descendente será dependente do genótipo materno, ou seja, ocorre efeito materno na expressão do teor de ferro em grãos de feijão. Como o efeito materno é um caso especial de herança, controlada por genes nucleares do genitor feminino, o caráter vai se expressar em uma geração qualquer (RAMALHO et al., 2000).

O contraste F2 vs. F2 recíproco não foi significativo, reforçando que os fenótipos destas sementes foram semelhantes e que representaram a expressão do genótipo das gerações F1 e F1 recíproco respectivamente. Assim, em grãos F2, o embrião (cotilédones e eixo embrionário) será F1 e a seleção não é recomendada, pois será totalmente ineficaz.

Dessa maneira, constatou-se que ocorre efeito materno para o teor de ferro em feijão, a semelhança do que já foi relatado para o teor de proteína (LELEJI et al., 1972) e para o tempo de cozimento dos grãos de feijão (RIBEIRO et al., 2006). Quando ocorre efeito materno, a expressão genética do cruzamento somente será observada em grãos F2, quando as sementes apresentarão embrião em geração F1. Como conseqüência, a seleção deverá ser postergada para grãos F3 (embrião em geração F2), quando a segregação máxima será constatada nessa geração. Por isso, o programa de melhoramento deverá investigar a ocorrência de efeito materno para os caracteres que conferem qualidade nutricional e tecnológica ao feijão, pois tegumento e cotilédones são tecidos que estão presentes em gerações diferentes (RAMALHO et al., 2000) e isso terá implicações diretas na seleção e no desenvolvimento de populações segregantes.

No cruzamento Diamante Negro x Iapar 44 não foi possível o estudo de efeito materno, pois o contraste P1 vs P2 não foi significativo (Tabela 2). No entanto, nas gerações obtidas, constatou-se alto teor de ferro e, por esse motivo, serão mantidas pelo programa de melhoramento.

Considerando que o teor de ferro em feijão é função do tegumento dos grãos, a geração do embrião (cotilédones e eixo embrionário) foi considerada para a obtenção das estimativas de herdabilidade e de ganho por seleção (Tabela 3). Assim, como o genótipo da geração F1 somente se expressou em F2 e o genótipo da geração F2 se expressou em F3 foram consideradas como geração F1 (grãos F2 com embrião em F1) e F2 (grãos F3 com embrião em F2).

A decomposição da variância fenotípica evidenciou a predominância dos efeitos genéticos em relação aos de ambiente, no cruzamento Minuano x Diamante Negro, e herdabilidade, em sentido amplo, de alta magnitude (h2a: 76,36%) foi obtida (Tabela 3). Por sua vez, herdabilidade, em sentido restrito, de média magnitude (h2r: 50,60%) foi verificada, em razão da variância aditiva não constituir a totalidade da variância genética e os efeitos da variância de ambiente também serem expressivos. No melhoramento de plantas autógamas, a variância aditiva é de grande importância, pois não segrega de geração para geração, possibilitando o êxito na seleção em populações segregantes (CARVALHO et al., 2001). No presente trabalho, não foi possível elaborar estudo mais aprofundado dos efeitos de dominância e/ou sobredominância que, provavelmente, também atuam na expressão do teor de ferro em feijão, devido ao número reduzido de repetições obtidos em cada geração. Esse fato pode ser atribuído à dificuldade de se realizar os cruzamentos controlados em feijão e a baixa eficiência de pegamento obtida, também mencionados por KELLY e BLISS (1975), em estudo do controle genético do teor de metionina em feijão.

No entanto, considerando os valores obtidos de herdabilidade em sentido amplo e restrito, espera-se eficiência na seleção de plantas de feijão com alto teor de ferro nos grãos. Além disso, o potencial de utilização dos grãos das gerações obtidas na alimentação deverá ser investigado para a prevenção de sintomas como palidez, fraqueza, fadiga, tonturas e menor capacidade para o trabalho, freqüentemente associados à deficiência de ferro no organismo (CUNHA e CUNHA, 1998).

A biodisponibilidade do ferro também precisa ser avaliada, pois os grãos das leguminosas são ricos em ácido fítico, que é um importante inibidor da absorção de ferro (LUCCA et al., 2002).

Heterose tradicional de 27,20% foi obtida no cruzamento Minuano x Diamante Negro, indicando que foi possível obter híbridos F1 superiores à média dos genitores (Tabela 3).

Resultado semelhante foi verificado para a heterobeltiose (HT: 11,80%) e híbridos F1 superiores ao melhor genitor foram constatados. Desse modo, observou-se vigor híbrido para o teor de ferro em feijão e as hipóteses de dominância e de sobredominância devem ser consideradas. Entretanto, como o feijão é uma planta autógama, espera-se que a heterose seja reduzida à metade em cada geração de autofecundação e, assim, a geração F3 poderá apresentar média inferior à geração F2, devido ao aumento da homozigose. Por esse motivo, a avaliação em gerações avançadas se faz necessária para se investigar como será a segregação para esse caráter.

Além disso, no cruzamento Minuano x Diamante Negro obteve-se uma planta F2 com 161,20 mg kg-1 da MS (Tabela 3), representando um incremento de 94% do teor de ferro em grãos de feijão em relação ao genitor Minuano (82,88 mg kg-1 da MS ). Valor tão elevado de ferro só havia sido registrado em feijão silvestre e miúdo (GUZMÁN-MALDONADO et al., 2000). No entanto, como nessa geração se observou alta heterozigose e heterogeneidade, não se espera que ocorra a fixação de um teor de ferro tão elevado em gerações mais avançadas.

O ganho por seleção é função da herdabilidade na geração em que as famílias foram avaliadas (RAMALHO et al., 1993). Na combinação Minuano x Diamante Negro, ganho genético de 11,14% pode ser esperado e geração segregante com 141,74 mg kg-1 da MS de ferro poderá ser obtida após o primeiro ciclo de seleção (Tabela 3). Considerando que herdabilidade em sentido restrito de 50,60% foi obtida, acredita-se que será possível aumentar o teor de ferro em grãos de feijão por meio de melhoramento clássico, pois os efeitos de aditividade foram expressivos para esse caráter.

No cruzamento entre Diamante Negro x IAPAR 44 também se observou vigor híbrido em F1, à semelhança do constatado no cruzamento Minuano x Diamante Negro (Tabela 3). O valor máximo de ferro obtido em plantas F2 foi de 160,40 mg kg-1 da MS, confirmando que há possibilidade de se obter plantas de feijão com alto teor de ferro nos grãos, já em gerações precoces.

Considerando que a anemia é um problema grave de saúde pública, que na suplementação medicamentosa podem ocorrer problemas gastrointestinais (OLIVARES e WALTER, 2004) e a fortificação causa, muitas vezes, alterações na cor ou no sabor do produto (COSTA e LIBERATO, 2003), é preciso avaliar alternativas eficientes e com custos acessíveis à população. O enriquecimento dos alimentos por meio de melhoramento clássico é possível, pois há variabilidade genética e existe a possibilidade de obtenção de gerações segregantes com alto teor de ferro, a partir de cruzamento entre as cultivares Minuano x Diamante Negro e Diamante Negro x IAPAR 44.

4. CONCLUSÕES

1. Ocorre efeito materno na expressão do teor de ferro em grãos de feijão.

2. A seleção de plantas F2 obtidas a partir do cruzamento Minuano x Diamante Negro, poderá ser efetiva no desenvolvimento de germoplasma de feijão com maior teor de ferro nos grãos, devido à obtenção de estimativas moderada a alta de herdabilidade e de ganho por seleção.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo aporte financeiro e pelas bolsas concedidas. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pelas bolsas dos alunos.

Recebido para a publicação em 3 de janeiro de 2008 e aceito em 15 de agosto de 2008.

  • ARAÚJO, R.; MIGLIORANZA, E.; MONTALVAN, R.; DESTRO, D.; GONÇALVES-VIDIGAL, M.C.; MODA-CIRINO, V. Genotype x environment interation effects on the iron content of common bean grains. Crop Breeding and Applied Biotechnology, Londrina, v.3, n.4, p.269-274, 2003.
  • BARAMPAMA, Z; SIMARD, R.E. Nutrient composition, protein quality and antinutritional factors of some varieties of dry beans (Phaseolus vulgaris) grown in Burundi. Food Chemistry, Barking, v.47, n.2, p.159-167, 1993.
  • BEEBE, S.; GONZALEZ, A.V.; RENGIFO, J. Research on trace minerals in the common bean. Food and Nutrition Bulletin, Boston, v.21, n.4, p.387-391, 2000.
  • CARVALHO, F.I.F.; SILVA, S.A.; KUREK, A.J.; MARCHIORI, V.S. Estimativas e implicações da herdabilidade como estratégia de seleção Pelotas: UFPEL, 2001. 98 p.
  • COSTA, N.M.B.; LIBERATO,S.C. Biotecnologia na nutrição e saúde. In: COSTA, N.M.B.; BORÉM, A. (Ed.) Biotecnologia e nutrição: saiba como o DNA pode enriquecer os alimentos. São Paulo: Nobel, 2003. Cap.3. p. 71-127.
  • CUNHA, D.F.; CUNHA, S.F.C. Microminerais In: DUTRA-DE-OLIVEIRA, J. E.; MARCHINI, J. S. (Ed.) Ciências nutricionais São Paulo: Sarvier, 1998. Cap. 9. p.141-165.
  • CRUZ, C.D. Programa Genes: versão Windows, aplicativo computacional em genética e estatística. Viçosa: UFV, 2001. 648p.
  • CRUZ, C.D.; REGAZZI, A.J. Modelos biométricos aplicados ao melhoramento genético 2.ed. Viçosa: UFV, 1997. 390p.
  • FRANCO, G. Tabela de composição química dos alimentos 9.ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1999. 307p.
  • GUZMÁN-MALDONADO, S.H.; ACOSTA-GALLEGOS, J.; PAREDES-LÓPEZ, O. Protein and mineral content of a novel collection of wild and weedy common bean (Phaseolus vulgaris L). Journal of the Science of Food and Agriculture, London, v.80, n.13, p.1874-1881, 2000.
  • KELLY, J.D.; BLISS, F.A. Heritability estimates of percentage seed protein and available methionine and correlations with yield in dry beans. Crop Science, Madison, v.15, n.6, p.753-757, 1975.
  • LELEJI, O.I.; DICKSON, M.H.; CROWDER, L.V.; BOURKE, J.B. Inheritance of crude protein percentage and its correlation with seed yield in beans, Phaseolus vulgaris L. Crop Science, Madison, v.12, n.2, p.168-171, 1972.
  • LUCCA, P.; HURREL, R.; POTRYKUS, I. Fighting iron deficiency anemia with iron-rich rice. Journal of the American College of Nutrition, New York, v.21, n.3, p.184S-190S, 2002.
  • MESQUITA, F.R.; CORRÊA, A.D.; ABREU, C.M.P.; LIMA, R.A.Z.; ABREU, A.F.B. Linhagens de feijão (Phaseolus vulgaris L.): composição química e digestibilidade protéica. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v.31, n.4, p.1114-1121, 2007.
  • MIYAZAWA, M. et al. Análises químicas de tecido vegetal. In: SILVA, F.C. (Ed.). Manual de análises químicas de solos, plantas e fertilizantes Brasília: Embrapa Solos, 1999. p.171-223.
  • NATIONAL RESEARCH COUNCIL (NRC). Recommend dietary allowances. 10.ed. Food and Nutrition Board, Commission on Life Sciences. Washington DC: National Academy Press, 1989. 284 p.
  • OLIVARES, M.; WALTER,T. Causas y consecuencias de la deficiencia de hierro. Revista de Nutrição, Campinas, v.17, n.1, p.5-14, 2004.
  • PETERNELLI, L.A.; BORÉM, A. Hibridação em Feijão. In: BORÉM, A. (Ed.) Hibridação artificial de plantas Viçosa: UFV, 1999. p.269-294.
  • RAMALHO, M.A.P.; SANTOS, J.B.; PINTO, C.A.B.P. Genética na agropecuária Lavras: UFLA, 2000. 472 p.
  • RAMALHO, M.A.P.; SANTOS, J.B.; ZIMMERMANN, M.J. de O. Genética quantitativa em plantas autógamas: aplicações ao melhoramento genético do feijoeiro. Goiânia: UFG, 1993. 271p.
  • RIBEIRO, N.D.; JOST, E.; CERUTTI, T.; MAZIERO, S.M.; POERSCH, N.L. Composição de microminerais em cultivares de feijão e aplicações para o melhoramento genético. Bragantia, Campinas, v.67, n.2, p.267-272, 2008.
  • RIBEIRO, S.R.R.P.; RAMALHO, M.A.P.; ABREU, A.F.B. Maternal effect associated to cooking quality of common bean. Crop Breeding and Applied Biotecnology, Viçosa, v.6, n.4, p.304-310, 2006.
  • UNICEF. Nutrition 18 nations fortify foods. Disponível em: http://www.unicef.org Acesso em: 7 jul.2002.
  • WARNER, J.N. A method for estimating heritability. Agronomy Journal, Madison, v.44, n.8, p.427-430, 1952.
  • *
    Autora correspondente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      15 Ago 2008
    • Recebido
      03 Jan 2008
    Instituto Agronômico de Campinas Avenida Barão de Itapura, 1481, 13020-902, Tel.: +55 19 2137-0653, Fax: +55 19 2137-0666 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bragantia@iac.sp.gov.br