Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência da dor lombar na doença de Parkinson

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor lombar é um sintoma não motor comumente relatado por indivíduos com doença de Parkinson. O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de dor lombar e suas características em indivíduos com doença de Parkinson em um centro de tratamento especializado.

MÉTODOS:

Indivíduos com doença de Parkinson idiopática responderam a um questionário para a avaliação de parâmetros clínicos e sintomas de dor associados. A intensidade da dor foi avaliada utilizando a escala analógica visual.

RESULTADOS:

Cento e vinte e três pacientes com idade média de 68,1±11,8 anos e duração média da doença de 7,0±4,9 anos responderam o questionário. A dor foi relatada por 102 (82,9%) pacientes: 71 (57,7%) com dor lombar e 31 (25,2%) com dor em outros segmentos corporais. Não houve diferença quanto à idade, escolaridade, tempo de sintomas e de diagnóstico da doença de Parkinson ao comparar os indivíduos com e sem dor, assim como indivíduos com dor em outras regiões e dor lombar. O grupo com dor lombar queixava-se de dor em maior número de segmentos corporais além da região lombar, com maior tempo de duração desse sintoma e uso mais frequente de analgésicos. Dentre os indivíduos do grupo com dor lombar, as mulheres apresentavam maior intensidade da dor.

CONCLUSÃO:

Os resultados mostraram alta prevalência da dor em indivíduos com doença de Parkinson, especificamente da dor lombar.

Descritores:
Doença de Parkinson; Dor; Dor lombar; Prevalência

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Low back pain is a non-motor symptom commonly reported by individuals with Parkinson's disease. The aim of this study was to identify the prevalence of low back pain and its characteristics in individuals with Parkinson disease from a specialized treatment center.

METHODS:

Individuals with idiopathic Parkinson's disease answered a questionnaire for the assessment of clinical parameters and associated pain symptoms. Pain intensity was assessed using the visual analog scale.

RESULTS:

One hundred and twenty-three patients with mean age 68.1±11.8 years, and disease duration of 7.0±4.9 years, answered the questionnaire. Pain was reported by 102 (82.9%) patients: 71 (57.7%) had low back pain and 31 (25.2%) had pain in other body segments. There was no difference in age, education, time of Parkinson's disease symptoms and diagnosis when comparing individuals with and without pain, as well as individuals with pain in other segments and low back pain. The group with low back pain had pain in a greater number of body segments in addition to the lumbar region, with longer duration of this symptom and more frequent use of analgesic drugs. In the low back pain group, women had greater pain intensity.

CONCLUSION:

The results show the high prevalence of pain in individuals with Parkinson's disease, specifically low back pain.

Keywords:
Low back pain; Pain; Parkinson's disease; Prevalence

INTRODUÇÃO

A dor é um dos sintomas não motores mais comuns na doença de Parkinson (DP) e sua taxa de prevalência varia entre 40 e 85%11 Broen MPG, Braaksma MM, Patijn J, Weber WEJ. Prevalence of pain in Parkinson's disease: a systematic review using the modified QUADAS tool. Mov Disord. 2012;27(4):480-4.

2 Buhmann C, Wrobel N, Grashorn W, Fruendt O, Wesemann K, Diedrich S, et al. Pain in Parkinson disease: a cross-sectional survey of its prevalence, specifics, and therapy. J Neurol. 2017;264(4):758-69.

3 Rana AQ, Kabir A, Jesudasan M, Siddiqui I, Khondker S. Pain in Parkinson's disease: analysis and literature review. Clin Neurol Neurosurg. 2013;115(11):2313-7.
-44 Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7.. A grande amplitude das taxas de prevalência é justificada pela variedade de delineamentos de pesquisa e de questionários de dor utilizados, assim como pelos diferentes tipos de dor avaliados22 Buhmann C, Wrobel N, Grashorn W, Fruendt O, Wesemann K, Diedrich S, et al. Pain in Parkinson disease: a cross-sectional survey of its prevalence, specifics, and therapy. J Neurol. 2017;264(4):758-69..

De acordo com estudo55 Ford B. Pain in Parkinson's disease. Mov Disord 2010;25(Suppl1):S98-S103., a dor na DP pode ser classificada como distônica, radicular/neuropática, neuropática central, relacionada à acatisia e musculoesquelética. A dor de origem musculoesquelética é uma das mais comuns33 Rana AQ, Kabir A, Jesudasan M, Siddiqui I, Khondker S. Pain in Parkinson's disease: analysis and literature review. Clin Neurol Neurosurg. 2013;115(11):2313-7. e sua ocorrência é relatada por até 70% dos pacientes44 Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7.. Usualmente, os pacientes apresentam sintomas de dor em diferentes segmentos corporais, como a dor no ombro decorrente de capsulite adesiva e as dores articulares em membros inferiores (MMII)55 Ford B. Pain in Parkinson's disease. Mov Disord 2010;25(Suppl1):S98-S103.,66 Kim YE, Lee W, Yun JY, Yang HJ, Kim H, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease: Neglected issues. Parkinsonism Relat Disord. 2013;19(7):666-9.. A região lombar é um dos segmentos corporais mais afetados e indivíduos com DP apresentam maiores taxas de dor lombar (DL) de origem musculoesquelética e de caráter constante quando comparados a indivíduos do grupo controle66 Kim YE, Lee W, Yun JY, Yang HJ, Kim H, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease: Neglected issues. Parkinsonism Relat Disord. 2013;19(7):666-9.

7 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5.
-88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53.. Comumente, os pacientes relatam dor, tensão muscular ou rigidez localizada abaixo da margem costal e acima da prega glútea, associada ou não à dor em MMII99 Van Tulder M, Koes B, Bombardier C. Low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2002;16(5):761-75..

A DL é classificada como específica quando os sintomas são causados por um mecanismo fisiopatológico definido, como herniação discal e fratura; ou inespecífica, isto é, sem uma etiologia bem definida, sendo a mais comum, representando aproximadamente 90% das ocorrências prováveis de DL99 Van Tulder M, Koes B, Bombardier C. Low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2002;16(5):761-75.. Na DP, com a progressão da doença, surgem anormalidades esqueléticas axiais como escoliose1010 Pandey S, Kumar H. Assessment of striatal & postural deformities in patients with Parkinson's disease. Indian J Med Res. 2016;144(5):682-8., flexão excessiva do pescoço (dropped head)1111 Alwardat M, Schirinzi T, Di Lazzaro G, Franco D, Imbriani P, Sinibaldi Salimei P, et al. The influence of postural deformities on neck function and pain in patients with Parkinson's disease. NeuroRehabilitation. 2019;44(1):79-84., do tronco (camptocormia)1212 Srivanitchapoom P, Hallett M. Camptocormia in Parkinson's disease: Definition, epidemiology, pathogenesis, and treatment modalities. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2016;87(1):75-85. e a síndrome de Pisa1313 Barone P, Santangelo G, Amboni M, Pellecchia MT, Vitale C. Pisa syndrome in Parkinson's disease and parkinsonism: clinical features, pathophysiology, and treatment. Lancet Neurol. 2016;15(10):1063-74., que podem aumentar o risco do surgimento da DL. A sua intensidade está associada com a gravidade dos sinais motores da DP e o estágio mais avançado da doença88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53..

A DL apresenta impacto multifatorial e, além da própria dor, possui repercussões mais amplas, como limitações de atividades, restrições à participação, sobrecarga de cuidadores, uso de recursos de assistência médica e encargos financeiros1414 Hoy D, March L, Brooks P, Woolf A, Blyth F, Vos T, et al. Measuring the global burden of low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24(2):155-65.. A despeito de sua alta prevalência em pacientes com DP, são escassos os estudos que abordam esse sintoma66 Kim YE, Lee W, Yun JY, Yang HJ, Kim H, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease: Neglected issues. Parkinsonism Relat Disord. 2013;19(7):666-9.

7 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5.
-88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53.,1515 Etchepare F, Rozenberg S, Mirault T, Bonnet A, Lecorre C, Agid Y, et al. Back problems in Parkinson's disease: an underestimated problem. J Bone Spine. 2006;73(3):298-302..

O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de DL e suas características em pacientes com DP que fazem acompanhamento em um centro especializado em Belo Horizonte.

MÉTODOS

Este é um estudo transversal, observacional, desenvolvido no Ambulatório de Neurologia do Centro de Especialidades Médicas da Santa Casa de Belo Horizonte. A amostra por conveniência, obtida no período de março de 2017 a maio de 2018, foi constituída por indivíduos com diagnóstico de DP idiopática, de acordo com os critérios de diagnóstico clínico do United Kingdom Parkinson's Disease Society Brain Bank1616 Hughes AJ, Daniel SE, Kilford L, Lees AJ. Accuracy of clinical diagnosis of idiopathic Parkinson's disease: a clinico-pathological study of 100 cases. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1992;55(3):181-4.. Os sujeitos tinham que ser capazes de entender e responder às perguntas do questionário sociodemográfico e clínico, e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Não foram incluídos pacientes que tinham comprometimentos ortopédicos significativos em MMII, cirurgia e/ou fratura em coluna lombar e dor decorrente de câncer. A escala analógica visual (EAV) foi utilizada para mensurar a intensidade da dor, cuja pontuação varia de zero a 10 pontos, de acordo com o relato do paciente1717 Martinez JE, Grassi DC, Marques LG. Análise da aplicabilidade de três instrumentos de avaliação de dor em distintas unidades de atendimento: ambulatório, enfermaria e urgência. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):299-308..

Os pacientes foram divididos nos seguintes grupos: GSD - grupo sem dor; GCD - grupo com dor que foi subdividido em GDL - grupo com DL e GSDL - grupo sem DL, mas com dor em outros segmentos corporais.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE 60936016.3.0000.5149) e da Santa Casa de Belo Horizonte (60936016.3.3001.5138).

Análise estatística

Foi utilizada a estatística descritiva para apresentação das variáveis. Para comparação das variáveis idade, escolaridade, tempo de sintomas e de diagnóstico de DP entre os grupos foi utilizada a ANOVA um fator.

Os testes Qui-quadrado ou Exato de Fisher foram utilizados para comparar as variáveis qualitativas. O teste T para amostras independentes ou teste de Mann-Whitney foram utilizados para comparar as variáveis quantitativas. Os testes foram selecionados de acordo com a distribuição das variáveis previamente avaliada pelo teste Shapiro-Wilk. O coeficiente de correlação de Spearman foi utilizado para correlacionar os escores obtidos a partir da EAV com idade, tempo de sintomas e de diagnóstico da DP. O programa estatístico utilizado foi o SPSS (versão 21.0), considerando p<0,05 como nível de significância.

RESULTADOS

Cento e vinte e três pacientes, sendo 75 homens e 48 mulheres, com idade média de 68,1±11,8 anos e tempo médio de DP de 7,0±4,9 anos responderam o questionário. Apenas 21 (17,1%) não tinham queixas de dor. A média e desvio padrão da idade foram 70,7±13,4 anos para o GSD e 67,6±11,4 anos para o GCD. Em ambos os grupos houve predominância do sexo masculino (61,9% do GSD e 60,7% do GCD). A média do nível de escolaridade, determinada pela totalidade de anos estudados, foi 4,7±2,7 e 5,7±3,9 anos para o GSD e GCD, respectivamente. A maior parte dos indivíduos era aposentada. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para as variáveis sociodemográficas ao comparar os pacientes do GSD e do GCD. Com relação às características clínicas, observou-se que o tempo médio de sintomas e de diagnóstico da DP foi de 5,8±3,9 e 5,5±3,8 anos para o GSD e 8,3±5,2 e 7,3±5,1 anos para o GCD, respectivamente. A utilização da levodopa foi relatada por 95% dos pacientes nos dois grupos. Não houve diferença para o uso de entacapona e amantadina, mas o uso de pramipexol foi maior para o GCD em relação ao GSD (51 versus 28,6%, p=0,023). Não houve diferença quanto à prevalência das doenças associadas no GSD e GCD: alterações neuropsiquiátricas (57,1% x 47,1%), hipertensão arterial sistêmica (42,9 x 49%), doenças cardíacas (28,6 x 20,6%), diabetes (14,3% x 13,7%), dislipidemia (14,3 x 10,8%) e hipotireoidismo (9,5 x 14,7%).

Dos 102 (82,9%) pacientes do GCD, 71 (57,7%) apresentavam dor na região lombar e ocasionalmente em outra região (GCDL) e 31 (25,2%) relatavam dor em outra região corporal, com exceção da DL (GSDL) (Tabela 1). Não foram encontradas diferenças para idade, tempo de sintomas e de diagnóstico de DP para os GSDL e GDL. A duração da dor em anos e a frequência de uso de analgésicos foram maiores para os indivíduos com DL. Esses pacientes comumente relatavam apresentar dor em número maior de segmentos corporais.

Tabela 1
Dados clínicos dos participantes com e sem dor lombar

Para o GDL, 28 (39,4%) pacientes tiveram início da dor antes do diagnóstico da DP. No entanto, não houve diferença na intensidade da dor ao comparar os indivíduos que tiveram o início da DL antes ou após a DP (p=0,681). Não houve correlação entre a intensidade da dor e idade, tempo de sintomas e de diagnóstico da DP. Ao comparar homens e mulheres desse grupo, não houve diferença quanto à idade, escolaridade, tempo de sintomas e tempo de diagnóstico da DP. O tempo de duração da dor em anos também não foi diferente entre homens e mulheres (p=0,069), mas a intensidade da DL foi maior para as mulheres (EAV mulheres: 7,1±2,7; EAV homens: 5,4±3,3, p=0,014).

DISCUSSÃO

A amostra do estudo consistiu de indivíduos idosos, principalmente do sexo masculino, compatível com os resultados de revisões sistemáticas que mostram o aumento da prevalência1818 Pringsheim T, Jette N, Frolkis A, Steeves TDL. The prevalence of Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis. Mov Disord. 2014;29(13):1583-90. e da incidência da DP com o envelhecimento, além de maior incidência de homens acometidos quando comparados às mulheres para as faixas etárias de 60 a 79 anos1919 Hirsch L, Jette N, Frolkis A, Steeves T, Pringsheim T. The incidence of Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis. Neuroepidemiology. 2016;46(4):292-300.. Houve alta prevalência da dor e especificamente da DL em indivíduos com DP, corroborando outros achados da literatura11 Broen MPG, Braaksma MM, Patijn J, Weber WEJ. Prevalence of pain in Parkinson's disease: a systematic review using the modified QUADAS tool. Mov Disord. 2012;27(4):480-4.,44 Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7.,66 Kim YE, Lee W, Yun JY, Yang HJ, Kim H, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease: Neglected issues. Parkinsonism Relat Disord. 2013;19(7):666-9.

7 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5.
-88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53.,1515 Etchepare F, Rozenberg S, Mirault T, Bonnet A, Lecorre C, Agid Y, et al. Back problems in Parkinson's disease: an underestimated problem. J Bone Spine. 2006;73(3):298-302.,2020 Broetz D, Eichner M, Gasser T, Weller M, Steinbach JP. Radicular and nonradicular back pain in Parkinson's disease: a controlled study. Mov Disord. 2007;22(6):853-6.,2121 Ozturk EA, Gundogdu I, Kocer B, Comoglu S, Cakci A. Chronic pain in Parkinson's disease: Frequency, characteristics, independent factors, and relationship with health-related quality of life. J Back Musculoskelet Rehabil. 2017;30(1):101-8..

Embora a dor seja um sintoma altamente prevalente na DP, muitas informações ainda são inconclusivas. É sugerido que a rigidez muscular, a permanência prolongada em posturas assimétricas ou em flexão e a osteoporose são fatores que possivelmente contribuem para a alta prevalência de DL nos pacientes com DP2222 Kim YE, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease. J Neural Transm. 2013;120(4):537-42.. Estudo77 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5. mostrou que o grupo de pacientes com DL obteve maior pontuação nos itens de tremor da Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson, mas não foi encontrada diferença estatisticamente significativa. Esses mesmos autores propuseram que as anormalidades esqueléticas axiais que ocorrem com a progressão da doença podem surgir como fatores de risco independentes para o desenvolvimento de DL, estabelecendo uma relação estreita entre a DL crônica e a postura em flexão77 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5.. As alterações posturais podem ocasionar DL por diferentes mecanismos, incluindo impacto, carga anormal ou estresse em músculos e ligamentos, bem como nas facetas articulares e discos intervertebrais77 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5..

Os resultados não apontaram diferenças entre idade, tempo de sintomas e de diagnóstico da DP entre o GCD e o GSD, assim como não houve associação entre essas variáveis e a intensidade da dor, corroborando os achados de outro estudo2020 Broetz D, Eichner M, Gasser T, Weller M, Steinbach JP. Radicular and nonradicular back pain in Parkinson's disease: a controlled study. Mov Disord. 2007;22(6):853-6.. O estudo88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53. identificou que em pacientes com DL crônica, a intensidade da dor está associada a estágios mais avançados da DP, à maior gravidade dos sinais e sintomas avaliados pela subseção III da Escala Unificada de Avaliação da doença de Parkinson e ao fenótipo rígido-acinético88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53.. Os exames radiográficos da coluna lombar revelaram alta prevalência de artrose e espondilolistese nos pacientes com DP e DL. Constataram, também, que a lateralização da escoliose e os sintomas da DP foram significativamente correlacionados88 Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53.. Outro estudo 2323 Watanabe K, Hirano T, Katsumi K, Ohashi M, Ishikawa A, Koike R, et al. Characteristics and exacerbating factors of chronic low back pain in Parkinson's disease. Int Orthop. 2015;39(12):2433-8. identificou que o estágio da função motora, complicações motoras, como discinesias e deterioração de final de dose (wearing-off), postura em flexão com diminuição da lordose lombar e da amplitude de movimento lombar são fatores que intensificam a DL.

Neste estudo, o uso de analgésicos foi maior para os pacientes do GDL quando comparados aos pacientes do GSDL. Um motivo que pode ter influenciado essa diferença é que esses indivíduos tinham queixas de sintomas dolorosos em um número maior de segmentos corporais além da DL. Estudos mostram taxas de 34%44 Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7. a mais de 50%11 Broen MPG, Braaksma MM, Patijn J, Weber WEJ. Prevalence of pain in Parkinson's disease: a systematic review using the modified QUADAS tool. Mov Disord. 2012;27(4):480-4. de pacientes em uso de fármacos. No entanto, estudo44 Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7. mostrou que 50% dos pacientes não recebiam qualquer intervenção para tratar a dor. Estes dados mostram a importância do diagnóstico da dor na DP e adequado manejo terapêutico, evitando o uso de fármacos de forma indiscriminada.

Contrário aos resultados do estudo77 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5., o presente estudo mostrou que o uso de pramipexol, um agonista dopaminérgico, foi maior nos pacientes do GCD. Embora as informações acerca da relação entre o fármaco antiparkinsoniano e sintomas dolorosos sejam inconclusivas, a progressão das alterações motoras, como a rigidez, pode influenciar os sintomas dolorosos de origem musculoesquelética77 Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5.. Além disso, esse fármaco é indicado para tratar a síndrome das pernas inquietas (SPI). A SPI é caracterizada por sensações desagradáveis, como disestesia ou parestesia, comumente nos MMII, que pode ocorrer em vigília e principalmente em repouso. A SPI tem sido associada com sintomas de dor, favorecendo o surgimento de quadros de depressão, comprometendo a qualidade de vida dos pacientes com DP33 Rana AQ, Kabir A, Jesudasan M, Siddiqui I, Khondker S. Pain in Parkinson's disease: analysis and literature review. Clin Neurol Neurosurg. 2013;115(11):2313-7.. Esses dois motivos poderiam explicar, em parte, esse resultado, indicando que pacientes com dor podem apresentar maior gravidade dos sinais motores e sintomas não motores da DP na amostra avaliada. Estudos futuros são necessários para uma avaliação mais detalhada.

Embora não tenha havido diferença quanto à distribuição do sexo entre o GCD e o GSD, os presentes achados mostraram que dentre os indivíduos do GDL, as mulheres relataram maior intensidade da dor. Diferentemente, autores apontaram que o sexo feminino foi um preditor significativo de dor na DP44 Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7.. Outro estudo2424 Martinez-Martin P, Falup Pecurariu C, Odin P, van Hilten JJ, Antonini A, Rojo-Abuin JM, et al. Gender-related differences in the burden of non-motor symptoms in Parkinson's disease. J Neurol. 2012;259(8):1639-47. observou maior frequência desse sintoma não motor nas mulheres. Um maior risco de desenvolver dor foi relatado em pacientes com DP do sexo feminino, em pacientes com sintomas parkinsonianos mais graves, e em indivíduos com DP associada a complicações motoras e à depressão2525 Thompson T, Gallop K, Correll CU, Carvalho AF, Veronese N, Wright E, et al. Pain perception in Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis of experimental studies. Ageing Res Rev. 2017;35:74-86.,2626 Gandolfi M, Geroin C, Antonini A, Smania N, Tinazzi M. Understanding and Treating Pain Syndromes in Parkinson's Disease. Int Rev Neurobiol. 2017;134:827-58.. No entanto, esses fatores não foram avaliados no presente estudo. Verificou-se que o tempo médio de dor foi maior para o GDL, sendo que aproximadamente 40% dos pacientes tiveram o início do sintoma antes do diagnóstico da doença. Esses resultados vão ao encontro de outros estudos que mostram que os sintomas não motores podem anteceder as alterações motoras e diagnóstico da DP, caracterizando a fase prodrômica da doença2727 Langston JW. The Parkinson's complex: parkinsonism is just the tip of the iceberg. Ann Neurol. 2006;59(4):591-6..

A dor é comumente relatada por indivíduos com DP e esforços têm sido envidados para investigar esse sintoma, no entanto, há poucos estudos avaliando esse sintoma na população brasileira e não há relatos acerca da DL2828 Coriolano MG, Balbino JM, Silva BR, Cabral ED, Asano AG, Lins OG, et al. Pain characterization in patients with Parkinson's disease. Rev Dor. 2014;15(2):78-82.,2929 Scalzo PL, Silva RMS, Carvalho DV, Magalhães HC, Christo PP, Souza MS, et al. Pain characterization of Parkinson's disease patients. Rev Bras Neurol. 2018;54(4):19-25.. Apesar das limitações do presente estudo, como não ter resultados referentes ao tipo de dor e parâmetros clínicos específicos da DP, os presentes resultados indicaram a necessidade da avaliação rotineira da DL em indivíduos com DP, a fim de permitir uma assistência terapêutica adequada de acordo com as demandas dessa população. Os fármacos e um programa de fisioterapia específico podem reduzir a DL e a incapacidade associada, minimizando as suas consequências em longo prazo2323 Watanabe K, Hirano T, Katsumi K, Ohashi M, Ishikawa A, Koike R, et al. Characteristics and exacerbating factors of chronic low back pain in Parkinson's disease. Int Orthop. 2015;39(12):2433-8.. Adicionalmente, a utilização de fármacos antiparkinsonianos, prevenção e tratamento da osteoporose, além da prática de exercícios terapêuticos para manutenção da postura do tronco e mobilidade da lombar são indicados para o manejo da DL em indivíduos com DP2323 Watanabe K, Hirano T, Katsumi K, Ohashi M, Ishikawa A, Koike R, et al. Characteristics and exacerbating factors of chronic low back pain in Parkinson's disease. Int Orthop. 2015;39(12):2433-8.. Tais intervenções devem ser multidisciplinares, integrando um conjunto de cuidados e técnicas terapêuticas3030 Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.,3131 Searle A, Spink M, Ho A, Chuter V. Exercise interventions for the treatment of chronic low back pain: a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Clin Rehabil. 2015;29(12):1155-67..

Esses resultados vão ao encontro da literatura, reforçando a importância de investigar e compreender os mecanismos pertinentes a esse sintoma não motor e suas consequências na funcionalidade e qualidade de vida deste grupo específico de pacientes.

CONCLUSÃO

O estudo evidenciou alta prevalência da dor em indivíduos com DP, especialmente a DL, que tem duração mais prolongada e maior necessidade de analgésicos, sendo que as mulheres apresentaram maior intensidade de dor.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Broen MPG, Braaksma MM, Patijn J, Weber WEJ. Prevalence of pain in Parkinson's disease: a systematic review using the modified QUADAS tool. Mov Disord. 2012;27(4):480-4.
  • 2
    Buhmann C, Wrobel N, Grashorn W, Fruendt O, Wesemann K, Diedrich S, et al. Pain in Parkinson disease: a cross-sectional survey of its prevalence, specifics, and therapy. J Neurol. 2017;264(4):758-69.
  • 3
    Rana AQ, Kabir A, Jesudasan M, Siddiqui I, Khondker S. Pain in Parkinson's disease: analysis and literature review. Clin Neurol Neurosurg. 2013;115(11):2313-7.
  • 4
    Beiske AG, Loge JH, Rønningen A, Svensson E. Pain in Parkinson's disease: prevalence and characteristics. Pain. 2009;141(1-2):173-7.
  • 5
    Ford B. Pain in Parkinson's disease. Mov Disord 2010;25(Suppl1):S98-S103.
  • 6
    Kim YE, Lee W, Yun JY, Yang HJ, Kim H, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease: Neglected issues. Parkinsonism Relat Disord. 2013;19(7):666-9.
  • 7
    Ozturk EA, Kocer BG. Predictive risk factors for chronic low back pain in Parkinson's disease. Clin Neurol Neurosurg. 2018;164:190-5.
  • 8
    Galazky I, Caspari C, Heinze H, Franke J. The prevalence of chronic low back pain and lumbar deformities in patients with Parkinson's disease: implications on spinal surgery. Eur Spine J. 2018;27(11):2847-53.
  • 9
    Van Tulder M, Koes B, Bombardier C. Low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2002;16(5):761-75.
  • 10
    Pandey S, Kumar H. Assessment of striatal & postural deformities in patients with Parkinson's disease. Indian J Med Res. 2016;144(5):682-8.
  • 11
    Alwardat M, Schirinzi T, Di Lazzaro G, Franco D, Imbriani P, Sinibaldi Salimei P, et al. The influence of postural deformities on neck function and pain in patients with Parkinson's disease. NeuroRehabilitation. 2019;44(1):79-84.
  • 12
    Srivanitchapoom P, Hallett M. Camptocormia in Parkinson's disease: Definition, epidemiology, pathogenesis, and treatment modalities. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2016;87(1):75-85.
  • 13
    Barone P, Santangelo G, Amboni M, Pellecchia MT, Vitale C. Pisa syndrome in Parkinson's disease and parkinsonism: clinical features, pathophysiology, and treatment. Lancet Neurol. 2016;15(10):1063-74.
  • 14
    Hoy D, March L, Brooks P, Woolf A, Blyth F, Vos T, et al. Measuring the global burden of low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24(2):155-65.
  • 15
    Etchepare F, Rozenberg S, Mirault T, Bonnet A, Lecorre C, Agid Y, et al. Back problems in Parkinson's disease: an underestimated problem. J Bone Spine. 2006;73(3):298-302.
  • 16
    Hughes AJ, Daniel SE, Kilford L, Lees AJ. Accuracy of clinical diagnosis of idiopathic Parkinson's disease: a clinico-pathological study of 100 cases. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1992;55(3):181-4.
  • 17
    Martinez JE, Grassi DC, Marques LG. Análise da aplicabilidade de três instrumentos de avaliação de dor em distintas unidades de atendimento: ambulatório, enfermaria e urgência. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):299-308.
  • 18
    Pringsheim T, Jette N, Frolkis A, Steeves TDL. The prevalence of Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis. Mov Disord. 2014;29(13):1583-90.
  • 19
    Hirsch L, Jette N, Frolkis A, Steeves T, Pringsheim T. The incidence of Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis. Neuroepidemiology. 2016;46(4):292-300.
  • 20
    Broetz D, Eichner M, Gasser T, Weller M, Steinbach JP. Radicular and nonradicular back pain in Parkinson's disease: a controlled study. Mov Disord. 2007;22(6):853-6.
  • 21
    Ozturk EA, Gundogdu I, Kocer B, Comoglu S, Cakci A. Chronic pain in Parkinson's disease: Frequency, characteristics, independent factors, and relationship with health-related quality of life. J Back Musculoskelet Rehabil. 2017;30(1):101-8.
  • 22
    Kim YE, Jeon BS. Musculoskeletal problems in Parkinson's disease. J Neural Transm. 2013;120(4):537-42.
  • 23
    Watanabe K, Hirano T, Katsumi K, Ohashi M, Ishikawa A, Koike R, et al. Characteristics and exacerbating factors of chronic low back pain in Parkinson's disease. Int Orthop. 2015;39(12):2433-8.
  • 24
    Martinez-Martin P, Falup Pecurariu C, Odin P, van Hilten JJ, Antonini A, Rojo-Abuin JM, et al. Gender-related differences in the burden of non-motor symptoms in Parkinson's disease. J Neurol. 2012;259(8):1639-47.
  • 25
    Thompson T, Gallop K, Correll CU, Carvalho AF, Veronese N, Wright E, et al. Pain perception in Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis of experimental studies. Ageing Res Rev. 2017;35:74-86.
  • 26
    Gandolfi M, Geroin C, Antonini A, Smania N, Tinazzi M. Understanding and Treating Pain Syndromes in Parkinson's Disease. Int Rev Neurobiol. 2017;134:827-58.
  • 27
    Langston JW. The Parkinson's complex: parkinsonism is just the tip of the iceberg. Ann Neurol. 2006;59(4):591-6.
  • 28
    Coriolano MG, Balbino JM, Silva BR, Cabral ED, Asano AG, Lins OG, et al. Pain characterization in patients with Parkinson's disease. Rev Dor. 2014;15(2):78-82.
  • 29
    Scalzo PL, Silva RMS, Carvalho DV, Magalhães HC, Christo PP, Souza MS, et al. Pain characterization of Parkinson's disease patients. Rev Bras Neurol. 2018;54(4):19-25.
  • 30
    Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.
  • 31
    Searle A, Spink M, Ho A, Chuter V. Exercise interventions for the treatment of chronic low back pain: a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Clin Rehabil. 2015;29(12):1155-67.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br