Acessibilidade / Reportar erro

O sistema endocanabinoide e as dores orofaciais: atualidades e perspectivas

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Desde a descoberta relativamente recente do sistema endocanabinoide (SEC) e seu papel fundamental da regulação de outros sistemas, o assunto tem despertado interesse de todas as áreas da saúde, incluindo-se a Odontologia. Dentre as possíveis utilizações e benefícios dos canabinoides, está sua atuação na dor e seus fatores predisponentes ou perpetuadores, como o bruxismo e os distúrbios do sono. Embora a literatura seja ainda escassa, os mecanismos de ação e resultados satisfatórios dos canabinoides e demais derivados da cannabis nessas situações já permitem sua prescrição com segurança. O objetivo deste estudo foi verificar as atuais evidências sobre a utilização de derivados da cannabis nas dores orofaciais (DOFs), revisando o que se sabe, até o momento, sobre o SEC e as perspectivas de sua utilização com respaldo e critério.

CONTEÚDO:

Esta pesquisa realizou uma breve revisão da história da planta cannabis, abordando temas como preconceito, proibições e interesses, além de sua utilização terapêutica. Em seguida, foi apresentada uma revisão sobre o SEC e seus mecanismos de interesse na DOF. Na sequência, foram discutidos os produtos derivados da planta e seus efeitos, indicações, contraindicações, efeitos adversos, interações farmacológicas, peculiaridades e perspectivas.

CONCLUSÃO:

Quanto mais são adquiridos conhecimentos sobre o SEC e os benefícios terapêuticos dos componentes e derivados da cannabis, mais há um convencimento de que surgiu, de fato, uma nova fronteira terapêutica. O número crescente de bons desfechos, incluindo casos de DOF, obtidos através de estudos bem conduzidos, traz um misto de satisfação e empolgação. Nenhuma terapia obterá bons resultados se não partir de um diagnóstico preciso. Assim, é de suma importância que se conheça o SEC, os produtos e derivados da planta, os canabinoides sintéticos, suas indicações e efeitos. Novos estudos são necessários e, nesse momento, pode-se afirmar que as perspectivas são muito boas e um novo e desafiador horizonte está despontando.

Descritores:
Canabidiol; Cannabis; Dor orofacial; Endocanabinoides; Odontologia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Since the relatively recent discovery of the endocannabinoid system (ECS) and its fundamental role in regulating other systems, the subject has aroused interest in all areas of health, including Dentistry. Among the possible uses and benefits of cannabinoids are their performance in pain and its predisposing or perpetuating factors, such as bruxism and sleep disorders. Although the literature is still scarce, the mechanisms of action and satisfactory results of cannabinoids and other cannabis derivatives in these situations already allow their safe prescription. The objective of this study was to verify the current evidence on the use of cannabis derivatives in orofacial pain (OFP), reviewing what is known, to date, about the ECS and the prospects for its use with support and criteria.

CONTENTS:

This research carried out a brief review of the cannabis plant history, addressing issues such as prejudice, prohibitions and interests, as well as its therapeutic use. Then, a review on ECS and its mechanisms of interest in OFP was presented. Next, the products derived from the plant and their effects, indications, contraindications, adverse effects, drug interactions, peculiarities and perspectives were discussed.

CONCLUSION:

The more knowledge is gained about the ECS and the therapeutic benefits of cannabis components and derivatives, the greater the conviction that a new therapeutic frontier has indeed emerged. The growing number of good outcomes, including cases of OFP, obtained through well-conducted studies, brings a mixture of satisfaction and excitement. No therapy will achieve good results if it does not start from an accurate diagnosis. Thus, it is of the utmost importance to know the ECS, the products and derivatives of the plant, the synthetic cannabinoids, their indications and effects. New studies are necessary and, at this moment, it can be said that the perspectives are very good and a new and challenging horizon is emerging.

Keywords:
Cannabidiol; Cannabis; Orofacial pain; Endocannabinoids; Dentistry

DESTAQUES

Os efeitos da cannabis e de seus produtos sinteticamente derivados na dor orofacial.

Os fitocanabinoides, como o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetraidrocanabinol (THC), podem ser empregados como terapia para a dor orofacial.

As evidências científicas, embora pouco robustas, sugerem que os canabinoides podem reduzir a dor temporomandibular e diferentes dores neuropáticas orofaciais.

INTRODUÇÃO

A Cannabis sativa L. é uma planta fenomenal que apresenta aproximadamente 500 compostos químicos e 120 fitocanabinoides (FITs) identificados, muitos ainda não totalmente esclarecidos pela ciência. Um dos elementos que mais chama a atenção é o uso recreativo do Δ9-tetra-hidrocanabinol (THC), que tem efeitos relaxantes e alucinógenos. Já o canabidiol (CBD), assim como o cannabigerol(CBG) apresentam propriedades terapêuticas que indicam seu uso.

Os seres viventes apresentam em seus sistemas orgânicos a necessidade e a capacidade de manter-se em equilíbrio por meio de um processo interno de regulação denominado homeostase. Para que a homeostase seja mantida, frente às mudanças externas e internas do indivíduo, o metabolismo celular, que corresponde ao conjunto de reações químicas celulares que constituem a base da vida, precisa responder aos estímulos por meio de compensações. Se houver êxito nessa compensação, haverá a manutenção da saúde, caso contrário, haverá o desenvolvimento de uma disfunção ou doença.

Nesse contexto, é importante compreender o papel fundamental que o sistema nervoso (SN), como comando central, possui sobre o metabolismo celular. Toda a transmissão de informações por meio de impulsos nervosos é controlada pelo SN, o que também compreende a regulação de toda a produção de neurotransmissores e hormônios.

Durante o processo de comunicação por impulsos nervosos, neurotransmissores são liberados na fenda sináptica (FS), conduzindo interações entre neurônios pré e pós-sinápticos. Ao findar essa comunicação é necessária a modulação da liberação de neurotransmissores e a contenção de gasto de energia celular, assim uma sinalização retrógrada passa a atuar na FS. O processo retrógrado é realizado pelo SEC11 Zou S, Kumar U. Cannabinoid receptors and the endocannabinoid system: signaling and function in the central nervous system. Int J Mol Sci. 2018;19(3):833..

O SEC é uma rede neuromoduladora que foi descoberta em 198822 Kalant H. Medicinal use of cannabis: History and current status. Pain Res Manag. 2001;6(2):80-91. e apresenta três principais componentes, sendo eles: os receptores canabinoides CB1 e CB2 acoplados à proteína G, os ligantes endógenos desses receptores, os endocanabinoides, sendo os mais conhecidos a anandamida e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), e as enzimas que atuam na sua biossíntese e degradação ou desativação. Tais componentes estão amplamente espalhados por todo o corpo humano33 Di Marzo V. The endocannabinoid system: Its general strategy of action, tools for its pharmacological manipulation and potential therapeutic exploitation. Pharmacol Res. 2009;60(2):77-84.. Considerando a amplitude de sua distribuição, o SEC desempenha suas funções em todas as áreas do corpo, em destaque: o seu papel na regulação do metabolismo energético neuronal por meio da presença do receptor CB1 na membrana das mitocôndrias neuronais44 Bénard G, Massa F, Puente N, Lourenço J, Bellocchio L, Soria-Gómez E, Matias I, Delamarre A, Metna-Laurent M, Cannich A, Hebert-Chatelain E, Mulle C, Ortega-Gutiérrez S, Martín-Fontecha M, Klugmann M, Guggenhuber S, Lutz B, Gertsch J, Chaouloff F, López-Rodríguez ML, Grandes P, Rossignol R, Marsicano G. Mitochondrial CB 1 receptors regulate neuronal energy metabolism. Nat Neurosci. 2012;15(4):558-64., a sua atuação no sistema gastrointestinal com ações específicas, envolvidas com a regulação da ingestão de alimentos, a secreção gástrica e a gastroproteção, a proliferação celular no intestino55 Izzo AA, Sharkey KA. Pharmacology e therapeutics cannabinoids and the gut: new developments and emerging concepts. Pharmacol Ther. 2010;126(1):21-38. e a regulação da resposta imune com a expressão de receptores CB2 em células do sistema hematopoiético66 Malfitano AM, Basu S, Maresz K, Bifulco M, Dittel BN. What we know and don’t know about the cannabinoid receptor 2 (CB2). Semin Immunol. 2014;26(5):369-79., além de sua atuação na homeostasia tecidual de toda a pele, visto que também está presente em queratinócitos e células nervosas dérmicas77 Trusler AR, Clark AK, Sivamani RK, Shi VY. The endocannabinoid system and its role in eczematous dermatoses. Dermatitis. 2017;28(1):22-32..

Dessa forma, desequilíbrios que incorrem sobre o SEC perturbam a homeostase corporal e podem acarretar inúmeras patologias. Frente a isso, o estudo do próprio sistema em questão e dos efeitos que os FIT podem desempenhar é primordial para a saúde, e principalmente para a qualidade de vida de indivíduos acometidos por doenças de difícil controle, com dor crônica e prognóstico ruim, como no caso de doenças neurodegenerativas55 Izzo AA, Sharkey KA. Pharmacology e therapeutics cannabinoids and the gut: new developments and emerging concepts. Pharmacol Ther. 2010;126(1):21-38..

Os FIT extraídos da Cannabis sativa L. interagem com o SEC por meio dos receptores CB1 e CB288 Schilling S, Melzer R, McCabe PF. Cannabis sativa. Curr Biol. 2020;30(1):R8-9. e suas aplicações podem ser as mais diversas, a depender do quadro patológico em questão, o que reflete no tipo de FIT a ser administrado, sua dosagem e frequência de uso. O CBD é um dos principais fitocanabinoides utilizados para fins terapêuticos, apresentando efeitos analgésicos, anti-inflamatórios, anticonvulsivantes, imunomoduladores, antidepressivos, ansiolíticos, antibacterianos, antipsicóticos, além de neuroprotetores. Ele pode ser tóxico para algumas linhagens de células cancerígenas. Já o THC é o principal agente psicoativo e apesar de seus benefícios (proporcionando efeitos anti-inflamatórios, analgésicos, antieméticos, antispásticos, antineoplásicos, além de ser broncodilatador e um potente antioxidante), seu uso pode acarretar efeitos colaterais, tais como imunossupressão, ansiedade, taquicardia, sedação e perda de memória99 Vučkovic S, Srebro D, Vujovic KS, Vučetic Č, Prostran M. Cannabinoids and pain: new insights from old molecules. Front Pharmacol. 2018;9:1259.,1010 Romero P, Peris A, Vergara K, Matus JT. Comprehending and improving cannabis specialized metabolism in the systems biology era. Plant Sci. 2020;298:110571.,1111 Lowe H, Toyang N, Steele B, Bryant J, Ngwa W. The endocannabinoid system: a potential target for the treatment of various diseases. Int J Mol Sci. 2021;22(17):1-42..

Na odontologia, a indicação dos FIT é ampla, como em cremes dentais para ação antimicrobiana, para a indução de formação óssea em casos de enxerto, no tratamento de doenças degenerativas, para disfunções da articulação temporomandibular (musculares e articulares), além de bruxismo, insônia e apneia, entre outros1212 Grossman S, Tan H, Gadiwalla Y. Cannabis and orofacial pain: a systematic review. Br J Oral Maxillofac Surg. 2022;60(5):e677-90..

Cabe ressaltar que o sono tem a função de restaurar e conservar a energia. Trata-se de um aspecto fundamental ao ser humano, tendo relação direta com uma boa qualidade de vida. Em contrapartida, sua privação pode levar a grandes prejuízos nas atividades cotidianas do paciente, não apenas no estado físico como também no cognitivo1313 Neves GSML, Macedo P, Gomes MM. Transtornos do sono: Atualização (1/2). Rev Bras Neurol. 2017;53(3):19-30.. Nesse cenário, a Associação Brasileira do Sono1414 Bacelar A, Pinto Jr LR. Insônia do Diagnóstico ao tratamento: III Consenso Brasileiro de Insônia. Associação brasileira do sono. 2013. mostra que a prevalência de distúrbios relacionados à insônia é um problema comum entre os brasileiros, o que faz com que haja alta procura por profissionais, a fim de tratar a disfunção.

Os tratamentos mais indicados são a mudança de hábitos do cotidiano, como a prática de exercícios físicos e uma boa alimentação, acompanhamento psicológico e, por vezes, o uso de benzodiazepínicos (BZD) e não benzodiazepínicos (não BZD) controlados. Mas, devido aos grandes problemas trazidos por esses fármacos, cada vez mais surgem novas propostas e tratamentos para a sua substituição. As substâncias principais, THC e CBD, apresentam diversas propriedades terapêuticas em sinergia com os demais componentes da planta que compõem óleos conhecidos como “full spectrum”. Nas últimas décadas, inúmeras pesquisas foram conduzidas visando o uso de canabinoides no tratamento de diversas condições neuropsiquiátricas, entre elas dores neuropáticas, autismo, epilepsia e insônia1515 Nascimento AGTP, Dalcin MF. Uso terapêutico da Cannabis sativa: uma breve revisão. Braz J Surg Clin Res. 2019;27(2):164-9..

Nas disfunções da articulação temporomandibular (DTM) e dores orofaciais, as prescrições já mostram resultados importantes para bruxismo de vigília, ansiedade, estresse e déficit de sono, redução de dores orofaciais crônicas e persistentes, sem uso de fármacos alopáticos e sem placas interoclusais1212 Grossman S, Tan H, Gadiwalla Y. Cannabis and orofacial pain: a systematic review. Br J Oral Maxillofac Surg. 2022;60(5):e677-90.,1616 Kogan NM, Mechoulam R. Cannabinoids in health and disease. Dialogues Clin Neurosci. 2007;9(4):413-30.,1717 Votrubec C, Tran P, Lei A, Brunet Z, Bean L, Olsen BW, Sharma D. Cannabinoid therapeutics in orofacial pain management: a systematic review. Aust Dent J. 2022;67(4):314-27..

À medida que os canabinoides se tornam mais amplamente aceitos e disponíveis legalmente, mais pesquisas estão sendo realizadas sobre seu uso medicinal, principalmente no alívio e controle da dor. Isso pode ser evidenciado por uma série de artigos publicados recentemente, incluindo uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados liderados pela Força-Tarefa da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) sobre cannabis e analgesia canabinoide1818 Fisher E, Moore RA, Fogarty AE, Finn DP, Finnerup NB, Gilron I, Haroutounian S, Krane E, Rice ASC, Rowbotham M, Wallace M, Eccleston C. Cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicine for pain management: a systematic review of randomised controlled trials. Pain. 2021;162(Suppl 1):S45-S66.,1919 Haroutounian S, Arendt-Nielsen L, Belton J, Blyth FM, Degenhardt L, Di Forti M, Eccleston C, Finn DP, Finnerup NB, Fisher E, Fogarty AE, Gilron I, Hohmann AG, Kalso E, Krane E, Mohiuddin M, Moore RA, Rowbotham M, Soliman N, Wallace M, Zinboonyahgoon N, Rice ASC. International Association for the Study of Pain Presidential Task Force on Cannabis and Cannabinoid Analgesia: research agenda on the use of cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicines for pain management. Pain. 2021;162(Suppl 1):S117-S124..

Não basta saber prescrever, é preciso compreender o modo de ação do fármaco e acompanhar o paciente ao longo do tratamento, entendendo que cada indivíduo reage de maneira diferente.

HISTÓRICO

Estudos paleobotânicos apontam para a presença de cannabis aproximadamente há 11700 anos AC, na região da Ásia Central, sendo possivelmente utilizada como alimento, mas também para confecção de redes e vestimentas2020 Crocq MA. History of Cannabis and endocannabinoid system. Dialogues Clin Neurisci. 2020;22(3):223-8..

Segundo registros arqueológicos, a cannabis foi uma das primeiras plantas a ser cultivada pela humanidade. As fibras de cânhamo eram utilizadas pelos povos da Mesopotâmia para a confecção de roupas e cordas, além de sua possível utilização medicinal e espiritual 2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Em uma sepultura no deserto de Yanghai, datada de 2700 AC, junto a um homem de aproximadamente 35 anos, os arqueólogos encontraram uma harpa, rédeas de cavalo e ramos de cannabis que, conforme as crenças da época, seriam utilizadas na vida após a morte2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. Descrita em papiros egípcios de aproximadamente 1550 AC, a cannabis era utilizada como anti-inflamatório, sendo dessa época a menção à deusa Seshat, protetora do conhecimento, cuja imagem é representada com um ramo de cannabis sobre a cabeça2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. Refletindo a associação entre a cannabis e a humanidade, alguns mitos indianos apontam para propriedades divinas da planta. O deus Shiva supostamente utilizava cannabis como forma de inspiração mística. Na medicina ayurvédica, a planta tem sido utilizada há milhares de anos para o tratamento de náuseas, ansiedade, melhora da qualidade do sono e apetite2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Em 50 DC, o médico greco-romano Pedânio Dioscórides, considerado o pai da farmacologia, em sua obra “De Materia Medica”, descreveu mais de 1000 plantas com propriedades medicinais, apontando a cannabis como eficiente para tratar epilepsia, dor e processos inflamatórios2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

A cannabis chegou ao Brasil por volta de 1550, trazida pelos escravos africanos, e era conhecida como “fumo d’Angola”. Há registros de que a Rainha Carlota Joaquina a utilizava para tratar suas dores crônicas2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Nos séculos XVIII e XIX a cannabis tornou-se bastante popular na Europa e foi incluída na farmacopeia dos Estados Unidos da América, para o tratamento de alcoolismo, cólera, gota e neuralgias. Até a década de 1930 grandes laboratórios como Lilly, Squibb e Park Daves comercializavam produtos de cannabis para fins terapêuticos2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. A primeira chamada “Era de Ouro” da cannabis medicinal aconteceu no final do século XIX e início do XX, quando a Rainha Vitória, da Inglaterra, utilizava cannabis para dor, enquanto a Imperatriz Isabel (“Sissi”) da Áustria a consumia para o tratamento da tosse e como estimulante de apetite2020 Crocq MA. History of Cannabis and endocannabinoid system. Dialogues Clin Neurisci. 2020;22(3):223-8..

No início do século XX a planta começou a ser utilizada com fins recreativos na América, dando início a um processo de questionamento e perseguição de seus usuários, que culminou com a proibição de seu plantio e consumo. Questões políticas, religiosas, preconceito, xenofobia e concorrência com outras indústrias e lavouras, como o tabaco e o algodão, levaram a essas proibições2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. Estudos encomendados, utilizando-se do que hoje se denomina pseudociência, serviram de argumento para a não utilização da cannabis para quaisquer fins, incluindo sua utilização medicinal2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Entretanto, o pesquisador israelense, professor Raphael Mechoulan, em 1963 isolou o canabidiol (CBD) e no ano seguinte o tetra-hidrocanabinol (THC)2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. Na sequência, o estudo2222 Devane WA, Dysarz FA, Johnson MR, Melvin LS, Howlett AC. Determination and characterization of a cannabinoid receptor in rat brain. Mol Pharmacol. 1988;34(5):605-13. identificou o primeiro receptor canabinoide (CB1) em ratos e no cérebro humano. Quatro anos mais tarde, foram isolados os primeiros endocanabinoides, batizados de anandamida, em referência ao termo sânscrito “ananda”, que significa “bem-estar”2323 Devane WA, Hanus L, Breuer A, Pertwee RG, Stevenson LA, Griffin G, Gibson D, Mandelbaum A, Etinger A, Mechoulam R. Isolation and structure of a brain constituent that binds to the cannabinoid receptor. Science. 1992;258(5090):1946-9.. Na década de 1970, no Brasil, o professor Elisaldo Carlini comprovou a eficácia dos canabinoides para redução e controle de crises convulsivas 2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Hoje, o SEC é compreendido como o conjunto formado por alguns canabinoides endógenos, sendo os principais a anandamida e o 2-AG (2-araquidonoilglicerol) e pelos receptores CB1 e CB2, além das enzimas que sintetizam e degradam esses endocanabinoides11 Zou S, Kumar U. Cannabinoid receptors and the endocannabinoid system: signaling and function in the central nervous system. Int J Mol Sci. 2018;19(3):833.. Em 2013, ocorreu o caso da menina Charlotte Figi, apresentado em rede nacional nos Estados Unidos da América, que teve convulsões causadas pela síndrome de Davet, controladas pelos canabinoides. Isso reabriu a discussão para a pesquisa e a utilização desses para fins medicinais, sendo logo em seguida regulamentada e liberada sua utilização em 35 estados americanos, bem como em vários países2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. No Brasil, em 2015, a família da menina Anny Fisher, portadora de uma forma rara de epilepsia, obteve a primeira liberação judicial para a utilização de cannabis. Tal episódio gerou um documentário intitulado “Ilegal: a vida não espera”, premiado internacionalmente por apresentar a luta das famílias pela liberação do uso medicinal da cannabis2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.. Ainda em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária retirou o canabidiol da lista de proibição, aprovando em 2017 o primeiro fármaco a base de cannabis para tratamento de esclerose múltipla2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Em 2019, foi publicada a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) específica para importação e prescrição de canabinoides, sendo essa atualizada em 30/03/2022, consolidando duas resoluções anteriores, a RDC 335/20 e a RDC 570/21, que foram revogadas, tornando a RDC 660/22 a atual em vigor. Em seu texto, a resolução define critérios e procedimentos para a importação de produtos derivados de cannabis por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional de saúde legalmente habilitado em seu conselho de classe2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

MECANISMOS DO SISTEMA ENDOCANABINOIDE

Os endocanabinoides e seus receptores são encontrados por todo o corpo (cérebro, tecidos conjuntivos, glândulas e sistema imunológico), exercendo diferentes funções, com o intuito de modular a homeostase. Esse sistema é responsável pela regulação dos processos de termorregulação, dor, inflamação, controle muscular, metabolismo, sono, humor, memória, entre outros2121 Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021..

Recentemente, pesquisadores identificaram dois receptores canabinoides: CB1 e CB2. O primeiro é altamente expresso em neurônios pré-sinápticos, medula espinal e gânglios da raiz dorsal. O segundo, no sistema imunológico e em suas estruturas (células mieloides, macrófagos, microglia, linfoides e mastócitos)2323 Devane WA, Hanus L, Breuer A, Pertwee RG, Stevenson LA, Griffin G, Gibson D, Mandelbaum A, Etinger A, Mechoulam R. Isolation and structure of a brain constituent that binds to the cannabinoid receptor. Science. 1992;258(5090):1946-9.,2424 Donvito G, Nass SR, Wilkerson JL, Curry ZA, Schurman LD, Kinsey SG, Lichtman AH. The endogenous cannabinoid system: a budding source of targets for treating inflammatory and neuropathic pain. Neuropsychopharmacology. 2018;43(1):52-79.. Os receptores CB pertencem à família dos receptores acoplados à proteína G, fisiologi-camente ativados por endocanabinoides, derivados do ácido araquidônico, tais como a anandamida (AEA ou N-araquidoniletanolamida) e 2-araquidonoilglicerol (2-AG). Enquanto a AEA atua como agonista parcial dos receptores canabinoides CB1 e CB2, o 2-AG é um agonista pleno, principalmente do CB12525 Nitecka-Buchta A, Nowak-Wachol A, Wachol K, Walczyńska-Dragon K, Olczyk P, Batoryna O, Kempa W, Baron S. Myorelaxant Effect of transdermal cannabidiol application in patients with tmd: a randomized, double-blind trial. J Clin Med. 2019;8(11):1886..

A produção dos endocanabinoides ocorre em resposta ao aumento da concentração intracelular de cálcio. Enquanto as enzimas N-acil fosfatidiletanolamina fosfolipase D (NAPE-PLD) e lipase de diacilglicerol (DAGL) estão envolvidas na produção de AEA e 2-AG, respectivamente, a degradação desses endocanabinoides é mediada pelas enzimas amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH) e lipase de monoacilglicerol (MAGL).

A AEA também atua como agonista pleno dos receptores de potencial transitório vaniloide tipo 1 (TRPV1) que estão envolvidos na regulação sináptica associada à modulação da nocicepção e inflamação. Estudos demonstram que os endocanabinoides também podem regular os receptores proliferadores de peroxissoma tipo gama (PPARγ) e proliferadores de peroxissoma tipo alfa (PPARα), bem como o receptor acoplado à proteína G, exercendo funções neuroprotetora e anti-inflamatória2626 Almeida DL, Devi LA. Diversity of molecular targets and signaling pathways for CBD. Pharmacol Res Perspect. 2020;8(6):e00682..

Embora o organismo humano produza seus próprios canabinoides, o sistema pode ser suplementado por FITs exógenos derivados de plantas como cannabis, principalmente nas espécies sativa e indica. Outras espécies vegetais (echinacea, pimenta preta, trufa negra, girassol da espécie helichrysum, cacau, etc.) também têm sido utilizadas por apresentarem compostos semelhantes aos canabinoides, chamados de canabimiméticos, que também atuam no SEC2525 Nitecka-Buchta A, Nowak-Wachol A, Wachol K, Walczyńska-Dragon K, Olczyk P, Batoryna O, Kempa W, Baron S. Myorelaxant Effect of transdermal cannabidiol application in patients with tmd: a randomized, double-blind trial. J Clin Med. 2019;8(11):1886.,2626 Almeida DL, Devi LA. Diversity of molecular targets and signaling pathways for CBD. Pharmacol Res Perspect. 2020;8(6):e00682.,2727 Ranieri R, Marasco D, Bifulco M, Malfitano AM. Phytocannabinoids and cannabimimetic drugs: recent patents in central nervous system disorders. Recent Pat CNS Drug Discov. 2016;10(2):157-77.,2828 Ryberg E, Larsson N, Sjögren S, Hjorth S, Hermansson NO, Leonova J, Elebring T, Nilsson K, Drmota T, Greasley PJ. The orphan receptor GPR55 is a novel cannabinoid receptor. Br J Pharmacol. 2007;152(7):1092-101..

Ambos os subtipos de receptores CB levam à inibição da adenilato ciclase e, consequentemente, a uma formação reduzida da substância mensageira intracelular monofosfato cíclico de adenosina (AMPc). Os receptores CB1 são ativados pelo THC e pelo CBD, sendo responsáveis pelo efeito analgésico local. A estrutura química e o mecanismo de ação do THC e do CBD são diferentes. O THC atua como agonista dos receptores canabinoides e o CBD atua como um antagonista2525 Nitecka-Buchta A, Nowak-Wachol A, Wachol K, Walczyńska-Dragon K, Olczyk P, Batoryna O, Kempa W, Baron S. Myorelaxant Effect of transdermal cannabidiol application in patients with tmd: a randomized, double-blind trial. J Clin Med. 2019;8(11):1886..

No entanto, alguns dos efeitos atribuídos ao CBD, mediados por canabinoides, podem ser devidos à sua capacidade de inibir a degradação endocanabinoide por meio da enzima amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH). Isso, por sua vez, aumenta os níveis de endocanabinoides, causando a ativação do receptor, principalmente pela anandamida. O responsável pelos efeitos ansiolíticos e analgésicos é o agonismo total nos receptores de serotonina 5-HT1A e canais TRPV1. O agonismo parcial nos receptores de dopamina D2 pode explicar o efeito do CBD no processamento da memória pela porção ventral do hipocampo. Outra função descrita é o efeito inibitório geral que o CBD tem sobre os canais de sódio e cálcio, exercendo um efeito modulador no potencial elétrico de membrana2626 Almeida DL, Devi LA. Diversity of molecular targets and signaling pathways for CBD. Pharmacol Res Perspect. 2020;8(6):e00682..

Um terceiro receptor canabinoide acoplado à proteína G55 (GPR55) foi proposto, sendo responsável por alguns efeitos atribuídos aos canabinoides que não parecem ser mediados pelos receptores CB1 ou CB2. Uma pesquisa2828 Ryberg E, Larsson N, Sjögren S, Hjorth S, Hermansson NO, Leonova J, Elebring T, Nilsson K, Drmota T, Greasley PJ. The orphan receptor GPR55 is a novel cannabinoid receptor. Br J Pharmacol. 2007;152(7):1092-101. mostrou que agonistas de receptores canabinoides, como CP55940, HU210 e Δ9-THC, podem se ligar e sinalizar em células heterólogas que expressam GPR55 humano marcado com FLAG. Assim como em sua atividade nos receptores CB1 ou CB2, o CBD parece funcionar como um antagonista do receptor GPR55. A função fisiológica do GPR55 não é clara, mas foi proposto que ele desempenha um papel na regulação energética, na reabsorção óssea, no câncer e na dor2929 Wong H, Cairns BE. Cannabidiol, cannabinol and their combinations act as peripheral analgesics in a rat model of myofascial pain. Arch Oral Biol. 2019;104(1):33-9..

É importante salientar que as drogas atuantes sobre os receptores canabinoides e as enzimas reguladoras dos endocanabinoides são determinadas não apenas pela sua classe, afinidade, eficácia e potência, mas também pela compartimentalização celular do alvo da droga2424 Donvito G, Nass SR, Wilkerson JL, Curry ZA, Schurman LD, Kinsey SG, Lichtman AH. The endogenous cannabinoid system: a budding source of targets for treating inflammatory and neuropathic pain. Neuropsychopharmacology. 2018;43(1):52-79..

INDICAÇÕES

Na Odontologia, há várias possibilidades de indicações, como nas dores orofaciais, mucosite, bruxismo de vigília, periodontite, prevenção de cáries, cirurgia oral, pulpite e ansiedade odontológica. Dentre elas, a indicação para a qual existe maior robustez de evidências científicas é a dor orofacial crônica. A maior vantagem de se utilizar os canabinoides é a melhoria da qualidade de vida e um melhor perfil de benefício e segurança em relação a outros fármacos comumente utilizados no controle de dores crônicas, como as neuropáticas3030 Nutt DJ, Phillips LD, Barnes MP, Brander B, Curran HV, Fayaz A, Finn DP, Horsted T, Moltke J, Sakal C, Sharon H, O’Sullivan SE, Williams T, Zorn G, Schlag AK. A multicriteria decision analysis comparing pharmacotherapy for chronic neuropathic pain, including cannabinoids and cannabis-based medical products. Cannabis Cannabinoid Res. 2022;7(4):482-500..

As dores neuropáticas (DN) são causadas por uma lesão ou doença do sistema nervoso somatossensorial e apresentam difícil controle. Embora muitos estudos tenham sido conduzidos para avaliar a eficácia e os mecanismos de ação dos canabinoides e endocanabinoides em modelos animais de DN em partes do corpo fora da região orofacial, há poucos estudos usando modelos de dor orofacial3131 Hossain MZ, Ando H, Unno S, Kitagawa J. Targeting peripherally restricted cannabinoid receptor 1, cannabinoid receptor 2, and endocannabinoid-degrading enzymes for the treatment of neuropathic pain including neuropathic orofacial pain. Int J Mol Sci. 2020;21(4):1423.. No entanto, vale a pena ressaltar que a terapia farmacológica utilizada no controle das DN é basicamente a mesma, independente do local do corpo onde ela ocorre, e os canabinoides têm sido considerados uma boa opção para o controle das DN orofaciais3232 Sessle BJ. Editorial: Are cannabinoids effective for orofacial pain States? J Oral Facial Pain Headache. 2015;29:5-6.,3333 McDonough P, McKenna JP, McCreary C, Downer EJ. Neuropathic orofacial pain: cannabinoids as a therapeutic avenue. Int J Biochem Cell Biol. 2014;55:72-8..

Na neuralgia do trigêmeo secundária à esclerose múltipla há um relato de um caso clínico no qual o uso do nabiximol, um extrato de cannabis na forma de spray bucal, que contem CBD 2,5 mg + THC 2,7 mg/spray, 5 sprays/dia durante um ano, praticamente eliminou a neuralgia do trigêmeo3434 Gajofatto A. Refractory trigeminal neuralgia responsive to nabiximols in a patient with multiple sclerosis. Mult Scler Relat Disord. 2016;8:64-5.. Na síndrome da ardência bucal (SAB) que é outro tipo de DN, os canabinoides têm potencial de contribuir com o tratamento, considerando-se suas propriedades neuroprotetoras, anti-inflamatórias, antioxidantes e antiapoptóticas3535 Pereira SR, Tello Velasquez J, Duggan S, Ivanisevic B, McKenna JP, McCreary C, Downer EJ. Recent advances in the understanding of the aetiology and therapeutic strategies in burning mouth syndrome: Focus on the actions of cannabinoids. Eur J Neurosci. 2022;55(4):1032-50..

A SAB está associada a uma sensação de queimação nas superfícies da mucosa oral com xerostomia, disgeusia e formigamento ou sensações parestésicas, embora os pacientes não apresentem lesões causais clinicamente evidentes. Em um estudo piloto, o óleo de extrato de cannabis sativa Bediol, composto por 6,3% de THC (63 mg por grama) e 8% de CBD (80 mg por grama), foi eficaz e bem tolerado em pacientes com a SAB primária quando utilizado via oral por um período de 4 semanas, com um protocolo de titulação de dose iniciado com 5 gotas duas vezes por 5 dias, seguido de 10 gotas duas vezes ao dia por 5 dias, 15 gotas duas vezes ao dia por 5 dias e, finalmente, 20 gotas duas vezes ao dia por 13 dias3636 Gambino A, Cabras M, Panagiotakos E, Calvo F, Macciotta A, Cafaro A, Suria M, Haddad GE, Broccoletti R, Arduino PG. Evaluating the suitability and potential efficiency of cannabis sativa oil for patients with primary burning mouth syndrome: a prospective, open-label, single-arm pilot study. Pain Med. 2021;22(1):142-51.. No entanto, novos estudos com uma amostra maior, randomizados, duplo-cegos, controlados e com diferentes abordagens terapêuticas são necessários.

Os canabinoides também são indicados como terapia coadjuvante em pacientes oncológicos, incluindo na cabeça e no pescoço, logo no início do tratamento, pelo seu efeito analgésico, poupador de opioides e antiemético3737 Grimison P, Mersiades A, Kirby A, Lintzeris N, Morton R, Haber P, Olver I, Walsh A, McGregor I, Cheung Y, Tognela A, Hahn C, Briscoe K, Aghmesheh M, Fox P, Abdi E, Clarke S, Della-Fiorentina S, Shannon J, Gedye C, Begbie S, Simes J, Stockler M. Oral THC:CBD cannabis extract for refractory chemotherapy-induced nausea and vomiting: a randomised, placebo-controlled, phase II crossover trial. Ann Oncol. 2020;31(11):1553-60., o que contribui para a redução dos efeitos adversos induzidos pela quimioterapia e para a melhora da qualidade de vida3838 Johnson JR, Lossignol D, Burnell-Nugent M, Fallon MT. An open-label extension study to investigate the long-term safety and tolerability of THC/CBD oromucosal spray and oromucosal THC spray in patients with terminal cancer-related pain refractory to strong opioid analgesics. J Pain Symptom Manage. 2013;46(2):207-18.. Em pacientes oncológicos, uma base analgésica com dipirona é recomendada, uma vez que seu efeito envolve a ativação de receptores canabinoides e opioides3939 dos Santos GG, Dias EV, Teixeira JM, Athie MC, Bonet IJ, Tambeli CH, Parada CA. The analgesic effect of dipyrone in peripheral tissue involves two different mechanisms: neuronal K(ATP) channel opening and CB(1) receptor activation. Eur J Pharmacol. 2014;741:124-31.,4040 Dos Santos GG, Vieira WF, Vendramini PH, Bassani da Silva B, Fernandes Magalhães S, Tambeli CH, Parada CA. Dipyrone is locally hydrolyzed to 4-methylaminoantipyrine and its antihyperalgesic effect depends on CB2 and kappa-opioid receptors activation. Eur J Pharmacol. 2020;874:173005., o que pode contribuir para a redução da dose de canabinoides e opioides4141 Duarte Souza JF, Lajolo PP, Pinczowski H, Del Giglio A. Adjunct dipyrone in association with oral morphine for cancer-related pain: the sooner the better. Support Care Cancer. 2007;15(11):1319-23., e, consequentemente, de seus efeitos adversos.

Um dos tipos mais comuns de dor orofacial crônica são as DTMs, que afetam a articulação temporomandibular (ATM) e os músculos associados. Estudos pré-clínicos têm sugerido que diferentes tipos de canabinoides têm potencial para reduzir a dor associada à DTM articular e muscular. Por exemplo, foi demonstrado que a ativação do receptor canabinoide do tipo 1 reduz a resposta nociceptiva no teste da formalina na ATM4242 Roveroni RC, Parada CA, Cecília M, Veiga FA, Tambeli CH. Development of a behavioral model of TMJ pain in rats: the TMJ formalin test. Pain. 2001;94(2):185-91. e na região perioral com eficácia analgésica semelhante à da morfina e superior às da indometacina e cetamina4343 Burgos E, Pascual D, Martín MI, Goicoechea C. Antinociceptive effect of the cannabinoid agonist, WIN 55,212-2, in the orofacial and temporomandibular formalin tests. Eur J Pain. 2010;14(1):40-8.. Outros estudos demonstraram que a aplicação periférica tanto do THC4444 Wong H, Hossain S, Cairns BE. Delta-9-Tetrahydrocannabinol decreases masticatory muscle sensitization in female rats through peripheral cannabinoid receptor activation. Eur J Pain. 2017;21(10):1732-42. quanto dos FIT não psicoativos canabidiol e canabinol2929 Wong H, Cairns BE. Cannabidiol, cannabinol and their combinations act as peripheral analgesics in a rat model of myofascial pain. Arch Oral Biol. 2019;104(1):33-9., promoveu redução na dor muscular mastigatória em modelos experimentais pré-clínicos, sem efeitos adversos centrais. Esses resultados promissores culminaram numa pesquisa translacional que demonstrou, por meio de um estudo clínico randomizado, duplo-cego e controlado, que a aplicação de um creme de canabidiol (com uma concentração de aproximadamente 1,46%) duas vezes ao dia por 14 dias no músculo masseter de pacientes com DTM muscular reduziu significativamente (70%) a intensidade da dor miofascial quantificada pela Escala Analógica Visual e promoveu uma leve redução na atividade muscular (aproximadamente 10%), avaliada imediatamente após o término do tratamento. Portanto, o efeito analgésico periférico do canabidiol não é secundário ao relaxamento da musculatura.

O bruxismo é uma atividade não funcional dos músculos da mastigação, controlada pelo SNC, caracterizada pelo apertar ou ranger dos dentes, que pode ocorrer durante a vigília (bruxismo de vigília) ou durante o sono (bruxismo do sono). O fato de a ansiedade aumentar sua ocorrência4545 Rofaeel M, Chow JC, Cioffi I. The intensity of awake bruxism episodes is increased in individuals with high trait anxiety. Clin Oral Investig. 2021;25(5):3197-206. e do canabidiol apresentar efeito ansiolítico4646 Fliegel DK, Lichenstein SD. Systematic literature review of human studies assessing the efficacy of cannabidiol for social anxiety. Psychiatry Res Commun. 2022;2(4):100074. sugere que ele tem potencial em reduzir o bruxismo. No entanto, até o momento, na literatura científica, há apenas um relato de caso clínico sobre a eficácia do canabidiol no bruxismo de vigília grave em um paciente com degeneração fronto-temporal acompanhada de alterações psiquiátricas, comportamentais e cognitivas4747 Pina-Escudero SD, Okada de Oliveira M, Snyder A, Miller BL. Cannabidiol in the management of bruxism in behavioral variant of frontotemporal degeneration. Neurocase. 2021;27(2):209-11.. Nesse caso específico, o paciente foi tratado com uma cápsula contendo 4,8 mg de CBD e 0,31 mg de THC ingerida pela manhã. Embora o efeito dos canabinoides no tratamento do bruxismo seja promissor, mais estudos são necessários para comprovar a sua eficácia.

Algumas indicações dos canabinoides na Odontologia estão relacionadas às suas propriedades moduladoras da inflamação e regenerativas e incluem úlceras orais, mucosite, periodontite e cirurgias odontológicas. Em um estudo clínico controlado e randomizado com pacientes com úlceras orais, foi demonstrado que a aplicação tópica de uma pasta oral de CBD a 0,1%, 3 vezes ao dia por 7 dias, reduziu a extensão e acelerou a cicatrização das úlceras orais sem efeitos adversos4848 Umpreecha C, Bhalang K, Charnvanich D, Luckanagul J. Efficacy and safety of topical 0.1% cannabidiol for managing recurrent aphthous ulcers: a randomized controlled trial. BMC Complement Med Ther. 2023;23(1):57.. A mucosite oral é uma complicação comum durante a quimioterapia, caracterizada por ulceração, atrofia da mucosa e necrose tecidual, que interfere seriamente na ingestão nutricional e nos procedimentos de oncoterapia dos pacientes. Embora as evidências sejam limitadas, as propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias do canabidiol sugerem que ele pode ser usado no tratamento da mucosite oral4949 Cuba LF, Salum FG, Cherubini K, Figueiredo MAZ. Cannabidiol: an alternative therapeutic agent for oral mucositis? J Clin Pharm Ther. 2017;42:245-50., como demonstrado em estudos pré-clínicos5050 Li L, Xuan Y, Zhu B, Wang X, Tian X, Zhao L, Wang Y, Jiang X, Wen N. Protective effects of cannabidiol on chemotherapy-induced oral mucositis via the Nrf2/keap1ARE signaling pathways. Oxid Med Cell Longev. 2022;2022:4619760.,5151 Liu Y, Qi X, Wang Y, Li M, Yuan Q, Zhao Z. Inflammation-targeted cannabidiol-loaded nanomicelles for enhanced oral mucositis treatment. Drug Deliv. 2022;29(1):1272-81. e sobre a cicatrização de úlceras orais4848 Umpreecha C, Bhalang K, Charnvanich D, Luckanagul J. Efficacy and safety of topical 0.1% cannabidiol for managing recurrent aphthous ulcers: a randomized controlled trial. BMC Complement Med Ther. 2023;23(1):57..

Na periodontite, estudos clínicos randomizados e placebo-controlados ainda não foram publicados, até o momento, o que representa um grande desafio em termos de uma avaliação realista da efetividade dos canabinoides, como o canabidiol, em profilaxia e tratamento da inflamação periodontal5252 Jirasek P, Jusku A, Simanek V, Frankova J, Storch J, Vacek J. Cannabidiol and periodontal inflammatory disease: a critical assessment. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2022;166(2):155-60.. No entanto, os resultados dos estudos pré-clínicos são promissores e sugerem que os canabinoides de fato têm potencial para contribuir para o tratamento da periodontite. Os FIT apresentam propriedades anti-inflamatórias como demonstrado em modelo de cultura de fibroblastos gengivais5353 Abidi AH, Abhyankar V, Alghamdi SS, Tipton DA, Dabbous M. Phytocannabinoids regulate inflammation in IL-1β-stimulated human gingival fibroblasts. J Periodontal Res. 2022;57(6):1127-38. e o canabidiol demonstrou ser capaz de reduzir a perda óssea alveolar em um modelo experimental de periodontite5454 Napimoga MH, Benatti BB, Lima FO, Alves PM, Campos AC, Pena-Dos-Santos DR, Severino FP, Cunha FQ, Guimarães FS. Cannabidiol decreases bone resorption by inhibiting RANK/RANKL expression and pro-inflammatory cytokines during experimental periodontitis in rats. Int. Immunopharmacol. 2009;9:216-22.. Além disso, os canabinoides apresentam propriedades antimicrobianas que podem contribuir para a prevenção da periodontite e para o tratamento preventivo da cárie dental. Por exemplo, os enxaguatórios bucais com infusão de canabinoides (CBD, CBG) foram tão efetivos quanto a clorexidina a 0,2% na diminuição do conteúdo bacteriano de amostras de placa dental5555 Vasudevan K, Stahl V. Cannabinoids infused mouthwash products are as effective as chlorhexidine on inhibition of total-culturable bacterial content in dental plaque samples. J Cannabis Res. 2020;2(1):20.. Além disso, foi demonstrado que o CBG possui dupla atividade antibacteriana e antiplaquetária sobre os estreptococos mutans5656 Aqawi M, Sionov RV, Gallily R, Friedman M, Steinberg D. Anti-biofilm activity of cannabigerol against Streptococcus mutans. Microorganisms. 2021;9(10):2031. (A), via múltiplos mecanismos de ação5757 Aqawi M, Sionov RV, Gallily R, Friedman M, Steinberg D. Anti-bacterial properties of cannabigerol toward Streptococcus mutans. Front Microbiol. 2021;12:656471.(B),5858 Aqawi M, Steinberg D, Feuerstein O, Friedman M, Gingichashvili S. Cannabigerol effect on Streptococcus mutans biofilms-a computational approach to confocal image analysis. Front Microbiol. 2022;13:880993..

Alguns estudos com canabinoides sintéticos não demonstraram eficácia analgésica em dor pós-extração de terceiro molar. No entanto, em um dos estudos foi utilizado uma dose única do agonista sintético de receptor CB1/CB2 AZD1940 (800 μg), de ação exclusivamente periférica5959 Kalliomäki J, Segerdahl M, Webster L, Reimfelt A, Huizar K, Annas P, Karlsten R, Quiding H. Evaluation of the analgesic efficacy of AZD1940, a novel cannabinoid agonist, on post-operative pain after lower third molar surgical removal. Scand J Pain. 2013;4(1):17-22., o que pode explicar a falha analgésica. Em outro estudo também foi utilizada uma dose única, do agonista sintético de receptor CB2 GW842166 (100 ou 800 mg)6060 Ostenfeld T, Price J, Albanese M, Bullman J, Guillard F, Meyer I, Leeson R, Costantin C, Ziviani L, Nocini PF, Milleri S. A randomized, controlled study to investigate the analgesic efficacy of single doses of the cannabinoid receptor-2 agonist GW842166, ibuprofen or placebo in patients with acute pain following third molar tooth extraction. Clin J Pain. 2011;27(8):668-76., sugerindo que apenas a ativação do receptor CB2 não é suficiente para o controle da dor aguda pós-operatória.

Portanto, é importante lembrar que “canabinoide” é um termo amplo e antes de tirar conclusões equivocadas sobre sua eficácia nos estudos científicos é importante considerar a composição do produto, a via de administração, a dose e a duração do tratamento, uma vez que todas essas variáveis influenciam no resultado terapêutico. Nesse contexto, pode-se afirmar que os FIT têm potencial para serem utilizados como terapia coadjuvante em casos de cirurgias orais e maxilofaciais6161 Sullivan SR, Hammad Y, Neal TW, Schlieve T. Cannabidiol and hemp oils: Potential applications in oral and maxillofacial surgery. J Am Dent Assoc. 2022;153(12):1111-3. e na implantodontia devido a suas propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, ansiolíticas, antimicrobianas e regenerativas, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e para a regeneração tecidual durante o período pós-operatório. No tecido ósseo, o canabidiol estimula a regeneração óssea6262 Kamali A, Oryan A, Hosseini S, Ghanian MH, Alizadeh M, Baghaban Eslaminejad M, Baharvand H. Cannabidiol-loaded microspheres incorporated into osteoconductive scaffold enhance mesenchymal stem cell recruitment and regeneration of critical-sized bone defects. Mater Sci Eng C Mater Biol Appl. 2019;101:64-75. ao aumentar a migração de células-tronco mesenquimais para o local da lesão e a sua diferenciação em osteoblastos6363 Li L, Feng J, Sun L, Xuan YW, Wen L, Li YX, Yang S, Zhu B, Tian XY, Li S, Zhao LS, Dang RJ, Jiao T, Zhang HS, Wen N. Cannabidiol promotes osteogenic differentiation of bone marrow mesenchymal stem cells in the inflammatory microenvironment via the CB2-dependent p38 MAPK signaling pathway. Int J Stem Cells. 2022;15(4):405-14..

O canabidiol também tem sido visto como um potencial alvo terapêutico no tratamento da vitalidade pulpar. Por exemplo, foi demonstrado que o canabidiol em baixa dose estimula a proliferação das células da polpa dental e a migração e diferenciação dessas células em odontoblastos6464 Qi X, Liu C, Li G, Luan H, Li S, Yang D, Zhou Z. Investigation of in vitro odonto/osteogenic capacity of cannabidiol on human dental pulp cell. J Dent. 2021;109:103673., e apresenta efeito anabólico tanto nas situações basais quanto inflamatórias6565 Yu L, Zeng L, Zhang Z, Zhu G, Xu Z, Xia J, Weng J, Li J, Pathak JL. Cannabidiol rescues TNF-α-inhibited proliferation, migration, and osteogenic/odontogenic differentiation of dental pulp stem cells. Biomolecules. 2023;13(1):118., sugerindo a possível aplicação de CBD na regeneração de tecidos orais, incluindo dentina/polpa e osso. Os resultados de estudos in vitro foram promissores e estudos usando modelos de regeneração de dentina/polpa e osso devem confirmar, em breve, o papel anabólico do CBD nesses tecidos.

Os canabinoides também apresentam potencial na redução da ansiedade e do estresse, associados aos procedimentos odontológicos. Uma revisão sistemática da literatura demonstrou que o CBD apresenta efeitos ansiolíticos em pacientes saudáveis e com transtorno de ansiedade social4646 Fliegel DK, Lichenstein SD. Systematic literature review of human studies assessing the efficacy of cannabidiol for social anxiety. Psychiatry Res Commun. 2022;2(4):100074..

CONTRAINDICAÇÕES

Antes de prescrever os canabinoides é importante conhecer as suas contraindicações, que variam dependendo da composição do produto. As contraindicações associadas à cannabis medicinal estão mais intimamente ligadas ao THC, mas os produtos com composição predominante de CBD podem conter o THC.

O THC é contraindicado para pacientes com história pessoal ou forte história familiar de transtorno bipolar ou esquizofrenia, devido ao aumento do risco de início precoce de psicose naqueles que já correm o risco de desenvolver esquizofrenia6666 Gottschling S, Ayonrinde O, Bhaskar A, Blockman M, D’Agnone O, Schecter D, Suárez Rodríguez LD, Yafai S, Cyr C. Safety considerations in cannabinoid-based medicine. Int J Gen Med. 2020;13:1317-33., e para pacientes com angina, história de infarto do miocárdio ou doença cardiovascular instável, uma vez que o THC pode provocar taquicardia e hipotensão postural6767 Arnold JC. A primer on medicinal cannabis safety and potential adverse effects. Aust J Gen Pract. 2021;50(6):345-50..

O THC e o CBD são contraindicados para pacientes com hepatite C devido ao risco de progressão da fibrose/esteatose e para mulheres grávidas e que estejam amamentando6666 Gottschling S, Ayonrinde O, Bhaskar A, Blockman M, D’Agnone O, Schecter D, Suárez Rodríguez LD, Yafai S, Cyr C. Safety considerations in cannabinoid-based medicine. Int J Gen Med. 2020;13:1317-33..

INTERAÇÕES FARMACOLÓGICAS

A cannabis é metabolizada no fígado pelas isoenzimas CYP 450 e acredita-se que seja relativamente segura quando utilizada com a grande maioria de fármacos. O CBD é predominantemente metabolizado pelas enzimas CYP2C19 e CYP3A4, e o THC é predominantemente oxidado pelas enzimas CYP2C9, CYP2C19 e CYP3A46868 Antoniou T, Bodkin J, Ho JM. Drug interactions with cannabinoids. CMAJ. 2020;192(9):E206.,6969 MacCallum CA, Lo LA, Boivin M. Is medical cannabis safe for my patients? A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Intern Med. 2021;89:10-8.. Assim sendo, os fármacos que atuam como inibidores ou indutores dessas enzimas podem aumentar ou reduzir, respectivamente, os níveis séricos desses canabinoides por meio de interações medicamentosas farmacocinéticas.

Apesar de tanto o THC como o CBD poderem afetar as enzimas CYP e, consequentemente, os níveis séricos de outros fármacos metabolizados por essas enzimas, em muitos casos a relevância dos achados experimentais não é clinicamente significativa. O CBD e o THC também podem inibir ou estimular o transportador de drogas P-glicoproteína7070 Zhu HJ, Wang JS, Markowitz JS, Donovan JL, Gibson BB, Gefroh HA, Devane CL. Characterization of P-glycoprotein inhibition by major cannabinoids from marijuana. J Pharmacol Exp Ther. 2006;317(2):850-7.. É preciso ter cautela com o uso de anticoagulantes orais junto com fármacos que inibem a enzima CYP3A4 e a glicoproteína P, como a cannabis medicinal; também com anticoagulantes como XARELTO® (rivaroxaban), varfarina e clopidogrel, e com fármacos metabolizados pela enzima CYP 2C19, como o norclobazam (metabólito ativo do clobazam)7171 Bhaskar A, Bell A, Boivin M, Briques W, Brown M, Clarke H, Cyr C, Eisenberg E, de Oliveira Silva RF, Frohlich E, Georgius P, Hogg M, Horsted TI, MacCallum CA, Müller-Vahl KR, O’Connell C, Sealey R, Seibolt M, Sihota A, Smith BK, Sulak D, Vigano A, Moulin DE. Consensus recommendations on dosing and administration of medical cannabis to treat chronic pain: results of a modified Delphi process. J Cannabis Res. 2021;3(1):22..

Ao contrário das interações farmacocinéticas, as interações farmacodinâmicas são mais comuns com sedação combinada, sendo observadas com vários fármacos depressores do sistema nervoso central, como álcool, antidepressivos, antipsicóticos, antiepilépticos, benzodiazepínicos e opioides. No entanto, os canabinoides podem ser utilizados com benzodiazepínicos e opioides com o objetivo de reduzir a dose desses fármaco que apresentam efeitos colaterais muito mais importantes6666 Gottschling S, Ayonrinde O, Bhaskar A, Blockman M, D’Agnone O, Schecter D, Suárez Rodríguez LD, Yafai S, Cyr C. Safety considerations in cannabinoid-based medicine. Int J Gen Med. 2020;13:1317-33.. De qualquer forma, recomenda-se iniciar o tratamento com doses baixas de canabinoides e aumentar gradativamente a dose até se obter o efeito terapêutico desejado sem possíveis efeitos adversos6969 MacCallum CA, Lo LA, Boivin M. Is medical cannabis safe for my patients? A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Intern Med. 2021;89:10-8..

EFEITOS ADVERSOS

Os efeitos adversos são mais frequentemente dependentes da dose de THC e se dissipam ao longo do tempo através da tolerância. Os mais comuns incluem sonolência/fadiga, tontura, xerostomia, náusea, efeitos na função cognitiva e déficits na função motora. No entanto, eles podem ser evitados, ou ao menos mitigados, iniciando-se a terapia com baixa dose e titulação lenta. Muitos desses efeitos podem ser controlados com ajustes nos fatores de administração, como composição do produto, dose e via de administração6969 MacCallum CA, Lo LA, Boivin M. Is medical cannabis safe for my patients? A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Intern Med. 2021;89:10-8.. Ensaios controlados randomizados e estudos clínicos sobre os efeitos adversos do CBD são quase todos em pacientes com formas raras de epilepsia, usando doses bem elevadas de 5–20 mg/kg diariamente. O efeito adverso mais grave nesses casos foi a elevação das enzimas hepáticas (ou seja, alanina transaminase, aspartato aminotransferase e gama-glutamil transferase). No entanto, os regimes de dosagem de CBD em outras condições, como dor crônica, são muito inferiores a isso, com recomendação de aproximadamente 40 mg/dia acompanhada de um perfil de segurança bem favorável7171 Bhaskar A, Bell A, Boivin M, Briques W, Brown M, Clarke H, Cyr C, Eisenberg E, de Oliveira Silva RF, Frohlich E, Georgius P, Hogg M, Horsted TI, MacCallum CA, Müller-Vahl KR, O’Connell C, Sealey R, Seibolt M, Sihota A, Smith BK, Sulak D, Vigano A, Moulin DE. Consensus recommendations on dosing and administration of medical cannabis to treat chronic pain: results of a modified Delphi process. J Cannabis Res. 2021;3(1):22..

EFEITO ENTOURAGE

Apesar do CBD e do THC serem os fitocanabinoides mais estudados, a planta cannabis contêm mais de 100 FITs, além de terpenos, flavonoides, vitaminas e pigmentos. Enquanto a sinergia indica que dois ou mais compostos ativos da planta possam produzir um efeito combinado maior do que seus efeitos individuais separados, a potencialização do efeito biológico de um composto por compostos inativos, em combinação, foi denominada de “efeito entourage”7272 Anand U, Pacchetti B, Anand P, Sodergren MH. Cannabis-based medicines and pain: a review of potential synergistic and entourage effects. Pain Manag. 2021;11(4):395-403.. Os fármacos à base de cannabis exercem seus efeitos ao interagir com o SEN presente no nosso corpo, que como já descrito é constituído pelos endocanabinoides, pelas enzimas responsáveis pela sua síntese e degradação e pelos receptores canabinoides. Por exemplo, os 2-acil-gliceróis são compostos inativos encontrados na planta cannabis que aumentam o efeito do endocanabinoide 2-AG ao diminuir a sua degradação, representando um novo mecanismo de regulação molecular da atividade canabinoide endógena, o que favorece o efeito terapêutico do extrato da cannabis. A vantagem do efeito sinérgico e do efeito entourage ou em comitiva é que graças a ele o extrato da planta apresenta maior eficácia, tolerabilidade e preferência pelo paciente, atribuídas a combinações de canabinoides e outros componentes presentes na planta cannabis.

Por exemplo, já foi demonstrado em pacientes com dor oncológica intratável que o extrato predominantemente de THC não foi efetivo, enquanto o extrato completo da planta com THC e CBD apresentou efetividade no controle da dor7373 Johnson JR, Burnell-Nugent M, Lossignol D, Ganae-Motan ED, Potts R, Fallon MT. Multicenter, double-blind, randomized, placebo-controlled, parallel-group study of the efficacy, safety, and tolerability of THC:CBD extract and THC extract in patients with intractable cancer-related pain. J Pain Symptom Manage. 2010;39(2):167-79.. Estudos em animais com foco na analgesia também evidenciaram maior resposta de um extrato de cannabis de full spectrum em comparação com o CBD puro7474 Gallily R, Yekhtin Z, Hanuš LO. Overcoming the bell-shaped dose-response of cannabidiol by using cannabis extract enriched in cannabidiol. Pharmacol. Pharm. 2015;6:75.. Considerando que a eficácia analgésica dos produtos de espectro total é superior ao efeito de compostos isolados, eles são os mais indicados para o controle de dores crônicas.

CONCLUSÃO

Quanto mais conhecimentos são adquiridos sobre o SEC e os benefícios terapêuticos dos componentes e derivados da cannabis, mais há um convencimento acerca do surgimento de uma nova fronteira terapêutica. O número crescente de bons desfechos, incluindo em casos de dores orofaciais crônicas, obtidos através de estudos bem conduzidos, traz um misto de satisfação e empolgação. Entretanto, é importante estar sempre em pauta com as melhores evidências disponíveis, para que seja possível oferecer de fato uma terapia segura e eficaz. O incentivo à pesquisa, aliado a uma formação prévia adequada em dor orofacial, é fundamental. Nenhuma terapia obterá bons resultados se não partir de um diagnóstico preciso. Assim, é de suma importância que se conheça o SEC, os produtos e derivados da planta, os canabinoides sintéticos, suas indicações e efeitos.

É fundamental, também, o entendimento de uma nova forma de pensar terapeuticamente, pois quando canabinoides são utilizados, individualização é a palavra-chave para o sucesso terapêutico, não só na dor orofacial. Novos estudos são necessários e, nesse momento, pode-se afirmar que as perspectivas são muito boas e um novo e desafiador horizonte está despontando.

REFERENCES

  • 1
    Zou S, Kumar U. Cannabinoid receptors and the endocannabinoid system: signaling and function in the central nervous system. Int J Mol Sci. 2018;19(3):833.
  • 2
    Kalant H. Medicinal use of cannabis: History and current status. Pain Res Manag. 2001;6(2):80-91.
  • 3
    Di Marzo V. The endocannabinoid system: Its general strategy of action, tools for its pharmacological manipulation and potential therapeutic exploitation. Pharmacol Res. 2009;60(2):77-84.
  • 4
    Bénard G, Massa F, Puente N, Lourenço J, Bellocchio L, Soria-Gómez E, Matias I, Delamarre A, Metna-Laurent M, Cannich A, Hebert-Chatelain E, Mulle C, Ortega-Gutiérrez S, Martín-Fontecha M, Klugmann M, Guggenhuber S, Lutz B, Gertsch J, Chaouloff F, López-Rodríguez ML, Grandes P, Rossignol R, Marsicano G. Mitochondrial CB 1 receptors regulate neuronal energy metabolism. Nat Neurosci. 2012;15(4):558-64.
  • 5
    Izzo AA, Sharkey KA. Pharmacology e therapeutics cannabinoids and the gut: new developments and emerging concepts. Pharmacol Ther. 2010;126(1):21-38.
  • 6
    Malfitano AM, Basu S, Maresz K, Bifulco M, Dittel BN. What we know and don’t know about the cannabinoid receptor 2 (CB2). Semin Immunol. 2014;26(5):369-79.
  • 7
    Trusler AR, Clark AK, Sivamani RK, Shi VY. The endocannabinoid system and its role in eczematous dermatoses. Dermatitis. 2017;28(1):22-32.
  • 8
    Schilling S, Melzer R, McCabe PF. Cannabis sativa. Curr Biol. 2020;30(1):R8-9.
  • 9
    Vučkovic S, Srebro D, Vujovic KS, Vučetic Č, Prostran M. Cannabinoids and pain: new insights from old molecules. Front Pharmacol. 2018;9:1259.
  • 10
    Romero P, Peris A, Vergara K, Matus JT. Comprehending and improving cannabis specialized metabolism in the systems biology era. Plant Sci. 2020;298:110571.
  • 11
    Lowe H, Toyang N, Steele B, Bryant J, Ngwa W. The endocannabinoid system: a potential target for the treatment of various diseases. Int J Mol Sci. 2021;22(17):1-42.
  • 12
    Grossman S, Tan H, Gadiwalla Y. Cannabis and orofacial pain: a systematic review. Br J Oral Maxillofac Surg. 2022;60(5):e677-90.
  • 13
    Neves GSML, Macedo P, Gomes MM. Transtornos do sono: Atualização (1/2). Rev Bras Neurol. 2017;53(3):19-30.
  • 14
    Bacelar A, Pinto Jr LR. Insônia do Diagnóstico ao tratamento: III Consenso Brasileiro de Insônia. Associação brasileira do sono. 2013.
  • 15
    Nascimento AGTP, Dalcin MF. Uso terapêutico da Cannabis sativa: uma breve revisão. Braz J Surg Clin Res. 2019;27(2):164-9.
  • 16
    Kogan NM, Mechoulam R. Cannabinoids in health and disease. Dialogues Clin Neurosci. 2007;9(4):413-30.
  • 17
    Votrubec C, Tran P, Lei A, Brunet Z, Bean L, Olsen BW, Sharma D. Cannabinoid therapeutics in orofacial pain management: a systematic review. Aust Dent J. 2022;67(4):314-27.
  • 18
    Fisher E, Moore RA, Fogarty AE, Finn DP, Finnerup NB, Gilron I, Haroutounian S, Krane E, Rice ASC, Rowbotham M, Wallace M, Eccleston C. Cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicine for pain management: a systematic review of randomised controlled trials. Pain. 2021;162(Suppl 1):S45-S66.
  • 19
    Haroutounian S, Arendt-Nielsen L, Belton J, Blyth FM, Degenhardt L, Di Forti M, Eccleston C, Finn DP, Finnerup NB, Fisher E, Fogarty AE, Gilron I, Hohmann AG, Kalso E, Krane E, Mohiuddin M, Moore RA, Rowbotham M, Soliman N, Wallace M, Zinboonyahgoon N, Rice ASC. International Association for the Study of Pain Presidential Task Force on Cannabis and Cannabinoid Analgesia: research agenda on the use of cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicines for pain management. Pain. 2021;162(Suppl 1):S117-S124.
  • 20
    Crocq MA. History of Cannabis and endocannabinoid system. Dialogues Clin Neurisci. 2020;22(3):223-8.
  • 21
    Grieco M. Cannabis Medicinal: baseada em fatos. Rio de Janeiro: Editora Agir; 2021.
  • 22
    Devane WA, Dysarz FA, Johnson MR, Melvin LS, Howlett AC. Determination and characterization of a cannabinoid receptor in rat brain. Mol Pharmacol. 1988;34(5):605-13.
  • 23
    Devane WA, Hanus L, Breuer A, Pertwee RG, Stevenson LA, Griffin G, Gibson D, Mandelbaum A, Etinger A, Mechoulam R. Isolation and structure of a brain constituent that binds to the cannabinoid receptor. Science. 1992;258(5090):1946-9.
  • 24
    Donvito G, Nass SR, Wilkerson JL, Curry ZA, Schurman LD, Kinsey SG, Lichtman AH. The endogenous cannabinoid system: a budding source of targets for treating inflammatory and neuropathic pain. Neuropsychopharmacology. 2018;43(1):52-79.
  • 25
    Nitecka-Buchta A, Nowak-Wachol A, Wachol K, Walczyńska-Dragon K, Olczyk P, Batoryna O, Kempa W, Baron S. Myorelaxant Effect of transdermal cannabidiol application in patients with tmd: a randomized, double-blind trial. J Clin Med. 2019;8(11):1886.
  • 26
    Almeida DL, Devi LA. Diversity of molecular targets and signaling pathways for CBD. Pharmacol Res Perspect. 2020;8(6):e00682.
  • 27
    Ranieri R, Marasco D, Bifulco M, Malfitano AM. Phytocannabinoids and cannabimimetic drugs: recent patents in central nervous system disorders. Recent Pat CNS Drug Discov. 2016;10(2):157-77.
  • 28
    Ryberg E, Larsson N, Sjögren S, Hjorth S, Hermansson NO, Leonova J, Elebring T, Nilsson K, Drmota T, Greasley PJ. The orphan receptor GPR55 is a novel cannabinoid receptor. Br J Pharmacol. 2007;152(7):1092-101.
  • 29
    Wong H, Cairns BE. Cannabidiol, cannabinol and their combinations act as peripheral analgesics in a rat model of myofascial pain. Arch Oral Biol. 2019;104(1):33-9.
  • 30
    Nutt DJ, Phillips LD, Barnes MP, Brander B, Curran HV, Fayaz A, Finn DP, Horsted T, Moltke J, Sakal C, Sharon H, O’Sullivan SE, Williams T, Zorn G, Schlag AK. A multicriteria decision analysis comparing pharmacotherapy for chronic neuropathic pain, including cannabinoids and cannabis-based medical products. Cannabis Cannabinoid Res. 2022;7(4):482-500.
  • 31
    Hossain MZ, Ando H, Unno S, Kitagawa J. Targeting peripherally restricted cannabinoid receptor 1, cannabinoid receptor 2, and endocannabinoid-degrading enzymes for the treatment of neuropathic pain including neuropathic orofacial pain. Int J Mol Sci. 2020;21(4):1423.
  • 32
    Sessle BJ. Editorial: Are cannabinoids effective for orofacial pain States? J Oral Facial Pain Headache. 2015;29:5-6.
  • 33
    McDonough P, McKenna JP, McCreary C, Downer EJ. Neuropathic orofacial pain: cannabinoids as a therapeutic avenue. Int J Biochem Cell Biol. 2014;55:72-8.
  • 34
    Gajofatto A. Refractory trigeminal neuralgia responsive to nabiximols in a patient with multiple sclerosis. Mult Scler Relat Disord. 2016;8:64-5.
  • 35
    Pereira SR, Tello Velasquez J, Duggan S, Ivanisevic B, McKenna JP, McCreary C, Downer EJ. Recent advances in the understanding of the aetiology and therapeutic strategies in burning mouth syndrome: Focus on the actions of cannabinoids. Eur J Neurosci. 2022;55(4):1032-50.
  • 36
    Gambino A, Cabras M, Panagiotakos E, Calvo F, Macciotta A, Cafaro A, Suria M, Haddad GE, Broccoletti R, Arduino PG. Evaluating the suitability and potential efficiency of cannabis sativa oil for patients with primary burning mouth syndrome: a prospective, open-label, single-arm pilot study. Pain Med. 2021;22(1):142-51.
  • 37
    Grimison P, Mersiades A, Kirby A, Lintzeris N, Morton R, Haber P, Olver I, Walsh A, McGregor I, Cheung Y, Tognela A, Hahn C, Briscoe K, Aghmesheh M, Fox P, Abdi E, Clarke S, Della-Fiorentina S, Shannon J, Gedye C, Begbie S, Simes J, Stockler M. Oral THC:CBD cannabis extract for refractory chemotherapy-induced nausea and vomiting: a randomised, placebo-controlled, phase II crossover trial. Ann Oncol. 2020;31(11):1553-60.
  • 38
    Johnson JR, Lossignol D, Burnell-Nugent M, Fallon MT. An open-label extension study to investigate the long-term safety and tolerability of THC/CBD oromucosal spray and oromucosal THC spray in patients with terminal cancer-related pain refractory to strong opioid analgesics. J Pain Symptom Manage. 2013;46(2):207-18.
  • 39
    dos Santos GG, Dias EV, Teixeira JM, Athie MC, Bonet IJ, Tambeli CH, Parada CA. The analgesic effect of dipyrone in peripheral tissue involves two different mechanisms: neuronal K(ATP) channel opening and CB(1) receptor activation. Eur J Pharmacol. 2014;741:124-31.
  • 40
    Dos Santos GG, Vieira WF, Vendramini PH, Bassani da Silva B, Fernandes Magalhães S, Tambeli CH, Parada CA. Dipyrone is locally hydrolyzed to 4-methylaminoantipyrine and its antihyperalgesic effect depends on CB2 and kappa-opioid receptors activation. Eur J Pharmacol. 2020;874:173005.
  • 41
    Duarte Souza JF, Lajolo PP, Pinczowski H, Del Giglio A. Adjunct dipyrone in association with oral morphine for cancer-related pain: the sooner the better. Support Care Cancer. 2007;15(11):1319-23.
  • 42
    Roveroni RC, Parada CA, Cecília M, Veiga FA, Tambeli CH. Development of a behavioral model of TMJ pain in rats: the TMJ formalin test. Pain. 2001;94(2):185-91.
  • 43
    Burgos E, Pascual D, Martín MI, Goicoechea C. Antinociceptive effect of the cannabinoid agonist, WIN 55,212-2, in the orofacial and temporomandibular formalin tests. Eur J Pain. 2010;14(1):40-8.
  • 44
    Wong H, Hossain S, Cairns BE. Delta-9-Tetrahydrocannabinol decreases masticatory muscle sensitization in female rats through peripheral cannabinoid receptor activation. Eur J Pain. 2017;21(10):1732-42.
  • 45
    Rofaeel M, Chow JC, Cioffi I. The intensity of awake bruxism episodes is increased in individuals with high trait anxiety. Clin Oral Investig. 2021;25(5):3197-206.
  • 46
    Fliegel DK, Lichenstein SD. Systematic literature review of human studies assessing the efficacy of cannabidiol for social anxiety. Psychiatry Res Commun. 2022;2(4):100074.
  • 47
    Pina-Escudero SD, Okada de Oliveira M, Snyder A, Miller BL. Cannabidiol in the management of bruxism in behavioral variant of frontotemporal degeneration. Neurocase. 2021;27(2):209-11.
  • 48
    Umpreecha C, Bhalang K, Charnvanich D, Luckanagul J. Efficacy and safety of topical 0.1% cannabidiol for managing recurrent aphthous ulcers: a randomized controlled trial. BMC Complement Med Ther. 2023;23(1):57.
  • 49
    Cuba LF, Salum FG, Cherubini K, Figueiredo MAZ. Cannabidiol: an alternative therapeutic agent for oral mucositis? J Clin Pharm Ther. 2017;42:245-50.
  • 50
    Li L, Xuan Y, Zhu B, Wang X, Tian X, Zhao L, Wang Y, Jiang X, Wen N. Protective effects of cannabidiol on chemotherapy-induced oral mucositis via the Nrf2/keap1ARE signaling pathways. Oxid Med Cell Longev. 2022;2022:4619760.
  • 51
    Liu Y, Qi X, Wang Y, Li M, Yuan Q, Zhao Z. Inflammation-targeted cannabidiol-loaded nanomicelles for enhanced oral mucositis treatment. Drug Deliv. 2022;29(1):1272-81.
  • 52
    Jirasek P, Jusku A, Simanek V, Frankova J, Storch J, Vacek J. Cannabidiol and periodontal inflammatory disease: a critical assessment. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2022;166(2):155-60.
  • 53
    Abidi AH, Abhyankar V, Alghamdi SS, Tipton DA, Dabbous M. Phytocannabinoids regulate inflammation in IL-1β-stimulated human gingival fibroblasts. J Periodontal Res. 2022;57(6):1127-38.
  • 54
    Napimoga MH, Benatti BB, Lima FO, Alves PM, Campos AC, Pena-Dos-Santos DR, Severino FP, Cunha FQ, Guimarães FS. Cannabidiol decreases bone resorption by inhibiting RANK/RANKL expression and pro-inflammatory cytokines during experimental periodontitis in rats. Int. Immunopharmacol. 2009;9:216-22.
  • 55
    Vasudevan K, Stahl V. Cannabinoids infused mouthwash products are as effective as chlorhexidine on inhibition of total-culturable bacterial content in dental plaque samples. J Cannabis Res. 2020;2(1):20.
  • 56
    Aqawi M, Sionov RV, Gallily R, Friedman M, Steinberg D. Anti-biofilm activity of cannabigerol against Streptococcus mutans Microorganisms. 2021;9(10):2031. (A)
  • 57
    Aqawi M, Sionov RV, Gallily R, Friedman M, Steinberg D. Anti-bacterial properties of cannabigerol toward Streptococcus mutans Front Microbiol. 2021;12:656471.(B)
  • 58
    Aqawi M, Steinberg D, Feuerstein O, Friedman M, Gingichashvili S. Cannabigerol effect on Streptococcus mutans biofilms-a computational approach to confocal image analysis. Front Microbiol. 2022;13:880993.
  • 59
    Kalliomäki J, Segerdahl M, Webster L, Reimfelt A, Huizar K, Annas P, Karlsten R, Quiding H. Evaluation of the analgesic efficacy of AZD1940, a novel cannabinoid agonist, on post-operative pain after lower third molar surgical removal. Scand J Pain. 2013;4(1):17-22.
  • 60
    Ostenfeld T, Price J, Albanese M, Bullman J, Guillard F, Meyer I, Leeson R, Costantin C, Ziviani L, Nocini PF, Milleri S. A randomized, controlled study to investigate the analgesic efficacy of single doses of the cannabinoid receptor-2 agonist GW842166, ibuprofen or placebo in patients with acute pain following third molar tooth extraction. Clin J Pain. 2011;27(8):668-76.
  • 61
    Sullivan SR, Hammad Y, Neal TW, Schlieve T. Cannabidiol and hemp oils: Potential applications in oral and maxillofacial surgery. J Am Dent Assoc. 2022;153(12):1111-3.
  • 62
    Kamali A, Oryan A, Hosseini S, Ghanian MH, Alizadeh M, Baghaban Eslaminejad M, Baharvand H. Cannabidiol-loaded microspheres incorporated into osteoconductive scaffold enhance mesenchymal stem cell recruitment and regeneration of critical-sized bone defects. Mater Sci Eng C Mater Biol Appl. 2019;101:64-75.
  • 63
    Li L, Feng J, Sun L, Xuan YW, Wen L, Li YX, Yang S, Zhu B, Tian XY, Li S, Zhao LS, Dang RJ, Jiao T, Zhang HS, Wen N. Cannabidiol promotes osteogenic differentiation of bone marrow mesenchymal stem cells in the inflammatory microenvironment via the CB2-dependent p38 MAPK signaling pathway. Int J Stem Cells. 2022;15(4):405-14.
  • 64
    Qi X, Liu C, Li G, Luan H, Li S, Yang D, Zhou Z. Investigation of in vitro odonto/osteogenic capacity of cannabidiol on human dental pulp cell. J Dent. 2021;109:103673.
  • 65
    Yu L, Zeng L, Zhang Z, Zhu G, Xu Z, Xia J, Weng J, Li J, Pathak JL. Cannabidiol rescues TNF-α-inhibited proliferation, migration, and osteogenic/odontogenic differentiation of dental pulp stem cells. Biomolecules. 2023;13(1):118.
  • 66
    Gottschling S, Ayonrinde O, Bhaskar A, Blockman M, D’Agnone O, Schecter D, Suárez Rodríguez LD, Yafai S, Cyr C. Safety considerations in cannabinoid-based medicine. Int J Gen Med. 2020;13:1317-33.
  • 67
    Arnold JC. A primer on medicinal cannabis safety and potential adverse effects. Aust J Gen Pract. 2021;50(6):345-50.
  • 68
    Antoniou T, Bodkin J, Ho JM. Drug interactions with cannabinoids. CMAJ. 2020;192(9):E206.
  • 69
    MacCallum CA, Lo LA, Boivin M. Is medical cannabis safe for my patients? A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Intern Med. 2021;89:10-8.
  • 70
    Zhu HJ, Wang JS, Markowitz JS, Donovan JL, Gibson BB, Gefroh HA, Devane CL. Characterization of P-glycoprotein inhibition by major cannabinoids from marijuana. J Pharmacol Exp Ther. 2006;317(2):850-7.
  • 71
    Bhaskar A, Bell A, Boivin M, Briques W, Brown M, Clarke H, Cyr C, Eisenberg E, de Oliveira Silva RF, Frohlich E, Georgius P, Hogg M, Horsted TI, MacCallum CA, Müller-Vahl KR, O’Connell C, Sealey R, Seibolt M, Sihota A, Smith BK, Sulak D, Vigano A, Moulin DE. Consensus recommendations on dosing and administration of medical cannabis to treat chronic pain: results of a modified Delphi process. J Cannabis Res. 2021;3(1):22.
  • 72
    Anand U, Pacchetti B, Anand P, Sodergren MH. Cannabis-based medicines and pain: a review of potential synergistic and entourage effects. Pain Manag. 2021;11(4):395-403.
  • 73
    Johnson JR, Burnell-Nugent M, Lossignol D, Ganae-Motan ED, Potts R, Fallon MT. Multicenter, double-blind, randomized, placebo-controlled, parallel-group study of the efficacy, safety, and tolerability of THC:CBD extract and THC extract in patients with intractable cancer-related pain. J Pain Symptom Manage. 2010;39(2):167-79.
  • 74
    Gallily R, Yekhtin Z, Hanuš LO. Overcoming the bell-shaped dose-response of cannabidiol by using cannabis extract enriched in cannabidiol. Pharmacol. Pharm. 2015;6:75.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2023
  • Aceito
    23 Jun 2023
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br