RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:
O letramento em saúde é um tema que vem ganhando força nos últimos anos, tanto nas agendas políticas como de investigação de muitos países, no entanto não existem evidências sobre as disfunções temporomandibulares e este tema. O objetivo foi avaliar a associação entre o nível de alfabetismo funcional e a compreensão dos Critérios Diagnósticos para Disfunção Temporomandibular (DC/DTM) por meio do autorrelato e associar o tempo de queixa de DTM com os níveis de letramento funcional.
MÉTODOS:
Trata-se de um estudo observacional, transversal, realizado com 56 pacientes do ambulatório de Disfunções Temporomandibulares (DTM) da Faculdade São Leopoldo Mandic. Para isso foram aplicados o questionário DC/DTM – eixo I, questionário sociodemográfico e testes do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF).
RESULTADOS:
Mostraram que 85,7% da amostra era do sexo feminino e 14,3% do sexo masculino, predominantemente brancos (60,7%), com escolaridade superior, predominantemente do 3º ano do ensino médio e profissionalmente ativos (57,1%). Verificou-se que 22,5% da amostra eram analfabetos funcionais e 77,5% eram alfabetizados funcionalmente, sendo que 30,6% possuíam nível fundamental. Houve associação significativa entre escolaridade e INAF combinado (p=0,005), bem como entre INAF combinado e tempo de queixa nos intervalos de dor mandibular (p=0,037) quando foram utilizados testes Qui-quadrado. Há evidências que estabelecem que a duração média das queixas de cefaleia (em meses) entre os grupos de alfabetismo é diferente (p=0,001) quando utilizado o teste t de Student. Com base nesses resultados, é possível sugerir que níveis mais baixos de alfabetismo funcional estariam relacionados a uma percepção pouco detalhada das queixas de DTM quanto à duração da queixa e à associação de cefaleia com queixa de DTM.
CONCLUSÃO:
Níveis mais baixos de alfabetismo funcional foram relacionados à percepção pouco detalhada das queixas de DTM quanto à duração e, principalmente, à associação de cefaleia com queixa de disfunção temporomandibular.
Descritores:
Alfabetismo; Diagnóstico; Disfunção temporomandibular
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES:
Health literacy is a topic that has been gaining traction in recent years, both on the policy and research agendas of many countries, however there is no evidence about temporomandibular disorders (TMD) and this topic. The objective was to evaluate the association between the level of functional literacy and the understanding of the Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) through self-report and to associate the time of TMD complaint with the levels of functional literacy.
METHODS:
This is an observational, cross-sectional study, comprising 56 patients from the Temporomandibular Disorders (TMD) clinic at São Leopoldo Mandic College. The DC/TMD questionnaire – axis I, a sociodemographic questionnaire, and tests of the Indicador de Alfabetismo Funcional (Functional Literacy Indicator - INAF) were applied.
RESULTS:
The outcomes showed that 85.7% of the sample were females and 14.3% males, mainly white (60.7%), with a schooling degree, predominantly from the 3rd grade of high school and professionally active. It was found that 22.5% of the sample were functionally illiterate and 77.5% were functionally literate, 30.6% of whom had elementary level schooling. There was a significant association between the schooling level and combined INAF (p=0.005), as well as between combined INAF and duration of complaint in intervals for jaw pain (p=0.037) when Chi-square tests were used. There is evidence to establish that the mean duration of headache complaints (in months) between literacy groups are different (p=0.001) when using the Student´s t-test. With these results, it is possible to suggest that lower levels of functional literacy are related to a poorly detailed perception of TMD complaints regarding the duration of the complaint and, mainly, to the association of headache with a complaint of TMD.
CONCLUSION:
Lower levels of functional literacy are related to a poorly detailed perception of TMD complaints regarding the duration of the complaint and, mainly, to the association of headache with a complaint of temporomandibular disorders.
Keywords:
Diagnostic; Literacy; Temporomandibular dysfunction
DESTAQUES
Níveis mais baixos de alfabetização funcional estão relacionados à percepção pouco detalhada das queixas de DTM em relação à duração da queixa.
Níveis mais baixos de alfabetização funcional estão relacionados à menor associação de dor de cabeça com uma queixa de distúrbios temporomandibulares.
Quanto menor a capacidade de detalhar os sintomas, maior a chance de ocorrer um diagnóstico incorreto.
INTRODUÇÃO
A comunicação é uma ferramenta indispensável no contexto da assistência à saúde, e a escrita é amplamente utilizada nessas atividades. Como se sabe, o ato de ler e escrever não envolve apenas a capacidade de decodificação que é obtida pelo processo de alfabetismo, mas também é uma ação importante para a integração social, sendo necessário contextualizá-lo às práticas cotidianas e às informações obtidas por meio dessas atividades11 Yanez N, De Oliveira R, De Melo UFCG. Alfabetizar Letrando: Reflexões Sobre o Analfabetismo Funcional No Brasil. 2009. 18p.. Dessa maneira, o termo alfabetismo funcional é utilizado para designar a capacidade do indivíduo de utilizar a leitura, a escrita e o cálculo para lidar com as demandas sociais em contextos cotidianos, domésticos ou de trabalho22 Ribeiro M, Vóvio VCL, Moura M P. “Letramento no Brasil: alguns resultados do indicador nacional de alfabetismo funcional”. Educação e sociedade, Campinas, 2002;23(81):49-70..
Há uma preocupação crescente com a letramento em saúde, ou seja, a capacidade de obter, processar e compreender informações escritas, faladas ou digitais de serviços básicos de saúde, necessária para tomar decisões pertinentes sobre a própria saúde, cuidados médicos e seu impacto em diferentes resultados clínicos33 Parker R. Health literacy: a challenge for American patients and their health care providers. Health Promotion International, 2000;15(4):277-83.,44 Adams RJ, Stocks N P, Wilson DH, Hill CL, Gravier S, Kickbusch I, Beilby JJ. Health literacy--a new concept for general practice? Aust Fam Physician. 2009;38(3):144-7.,55 Weiss BD, Mays MZ, Martz W, Castro KM, DeWalt DA, Pignone M P, Mockbee J, Hale FA. Quick assessment of literacy in primary care: the newest vital sign. Ann Fam Med. 2005;3(6):514-22.. Portanto, o paciente precisa, efetivamente, apresentar competência funcional para usar e interpretar textos, documentos e números. O Letramento em Saúde é um tópico que vem ganhando força nos últimos anos, tanto nas agendas políticas quanto nas de pesquisa de muitos países66 Protheroe J, Wallace LS, Rowlands G, DeVoe JE. Health literacy: setting an international collaborative research agenda. BMC Fam Pract. 2009;10(1):51..
Os profissionais de saúde não podem presumir que todos os pacientes saibam ler, mas a pergunta direta sobre seu nível de leitura pode não ser eficaz, pois o analfabetismo geralmente causa vergonha e constrangimento77 Andrus MR, Roth MT. Health literacy: a review. Pharmacotherapy. 2002;22(3):282-302.. Embora não sejam específicas da área da saúde, as pesquisas do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF)88 Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa. Indicador de Alfabetismo Funcional - INAF. Estudo Especial Sobre Alfabetismo e Mundo Do Trabalho. Instituto Paulo Montenegro/Ação Social do IBOPE. 2016;26., o único instrumento que avalia o alfabetismo geral no Brasil, revelam números preocupantes. Entre os brasileiros de 15 a 64 anos, 3 em cada 10 pessoas têm alfabetismo abaixo do básica, ou seja, são considerados analfabetos funcionais. Além disso, 8% desses indivíduos podem ser considerados completamente analfabetos em termos de habilidades de leitura/escrita, não conseguindo sequer decodificar palavras e frases. A maioria (34%) dos entrevistados atinge, no máximo, o nível básico de alfabetismo99 Lima APM, Catelli R. Inaf Brasil 2018; 2018. 1–22. http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Inaf2018_Relatório-Resultados-Preliminares_v08Ago2018.pdf.
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Nesse sentido, os estudos relacionados às disfunções temporomandibulares (DTM) estão crescendo1010 Martins RJ, Garcia AR, Garbin CA, Sundefeld ML. The relation between socio-economic class and demographic factors in the occurrence of temporomandibular joint dysfunction. Cien Saude Colet. 2008;13(Suppl 2):2089-96.,1111 Bove SR, Guimarães AS, Smith RL. Characterization of patients in a temporomandibular dysfunction and orofacial pain outpatient clinic. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):686-91.. A DTM consiste em um conjunto de alterações relacionadas à articulação temporomandibular, aos músculos mastigatórios, às estruturas associadas ou mesmo à combinação delas1212 Tjakkes GH, Reinders JJ, Tenvergert EM, Stegenga B. TMD pain: the effect on health related quality of life and the influence of pain duration. Health Qual Life Outcomes. 2010;8:46., sendo a causa mais comum de dor orofacial crônica de origem não odontogênica atendida pelos dentistas1313 McNeill C. Management of temporomandibular disorders: concepts and controversies. J Prosthet Dent. 1997;77(5):510-22.. Por isso, a DTM é considerada um problema de saúde pública que afeta de 5% a 12% da população mundial1414 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet J P, List T, Svensson P, Gonzalez Y, Lobbezoo F, Michelotti A, Brooks SL, Ceusters W, Drangsholt M, Ettlin D, Gaul C, Goldberg LJ, Haythornthwaite JA, Hollender L, Jensen R, John MT, De Laat A, de Leeuw R, Maixner W, van der Meulen M, Murray GM, Nixdorf DR, Palla S, Petersson A, Pionchon P, Smith B, Visscher CM, Zakrzewska J, Dworkin S F. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27..
Nesse contexto, há pouca literatura que associe os níveis de alfabetismo funcional com o autorrelato de questionários utilizados em critérios de diagnóstico e pesquisa sobre DTM. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar a relação entre os dados sociodemográficos e a duração das queixas de DTM com o nível de alfabetismo funcional.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, quantitativo e transversal. O projeto foi aprovado sob o parecer número 4.983.524 no comitê de ética em pesquisa. Para participar da pesquisa, os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A amostra foi composta por 56 pacientes de ambos os sexos, com idade entre 15 e 64 anos, da Clínica de DTM/Dor Orofacial da Faculdade São Leopoldo, calculada a partir do universo amostral (população) que corresponde aos pacientes da clínica de disfunção temporomandibular. Os indivíduos responderam aos Critérios Diagnósticos para Disfunções Temporomandibulares (DC/TMD) e ao INAF.
Coleta de dados
O estudo consistiu na aplicação do novo DC/TMD - eixo I, do questionário sociodemográfico (sexo, idade, etnia, atividade profissional e grau de escolaridade) e de testes do INAF, utilizados em parceria com a Organização Não Governamental (ONG) Ação Educativa.
O questionário e os testes foram aplicados na sala de espera da clínica odontológica enquanto os indivíduos aguardavam atendimento, em dias preestabelecidos. O novo critério de diagnóstico para DTM (DC/TMD - eixo I) utiliza, como parâmetros de relato do paciente, fatores modificadores da dor, ou seja, melhora ou piora da dor com os movimentos mandibulares ou parafunção no músculo mandibular (masseter), na região da cabeça (temporal), no interior da orelha e na região pré-auricular nos últimos 30 dias e, para alterações articulares, o deslocamento de disco com redução (DDCR) e doenças articulares degenerativas, o relato de qualquer ruído articular (estalido ou crepitação) nos 30 dias anteriores ao exame provocado pelos movimentos mandibulares, bem como o histórico de travamento da boca aberta ou fechada no mesmo período1414 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet J P, List T, Svensson P, Gonzalez Y, Lobbezoo F, Michelotti A, Brooks SL, Ceusters W, Drangsholt M, Ettlin D, Gaul C, Goldberg LJ, Haythornthwaite JA, Hollender L, Jensen R, John MT, De Laat A, de Leeuw R, Maixner W, van der Meulen M, Murray GM, Nixdorf DR, Palla S, Petersson A, Pionchon P, Smith B, Visscher CM, Zakrzewska J, Dworkin S F. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27.. Assim, foi possível classificar as DTM como musculares, articulares ou ambas. Embora o exame clínico faça parte do protocolo de diagnóstico do eixo I, ele não foi incluído no estudo, que se concentrou na avaliação da compreensão de leitura e contextualização com a queixa principal dos participantes.
Para o levantamento dos níveis de alfabetismo funcional e proficiência, foi utilizado o INAF, concebido em 2001 em um esforço conjunto entre o Instituto Paulo Montenegro (1) e a ONG Ação Educativa (2) para classificar o grau de alfabetismo funcional no Brasil. Esse instrumento emprega um processo de avaliação com testes e questionários, em um total de 32 itens, que envolvem a leitura e a interpretação de textos do cotidiano (bilhetes, notícias, instruções, textos narrativos, gráficos, tabelas, mapas, propagandas etc.), além de um questionário contextual que aborda características sociodemográficas e práticas de leitura, escrita e cálculo que os indivíduos realizam em seu cotidiano.
O questionário de 32 itens foi aplicado inicialmente a 40 pacientes, quando se percebeu que muitos indivíduos estavam se recusando a responder ao teste ou abandonando-o, alegando que este era muito longo. Nesse momento, decidiu-se reduzir o questionário para 23 itens, tornando-o mais atrativo para os pacientes. Essa redução foi apoiada pelo teste estatístico utilizado para estabelecer os níveis de alfabetismo funcional e proficiência, que é a Teoria de Resposta ao Item (TRI), cujo ponto forte é a possibilidade de formular diferentes testes que, quando comparados entre si, geram a mesma informação. Atualmente, o INAF classifica o alfabetismo funcional em cinco níveis: analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente88 Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa. Indicador de Alfabetismo Funcional - INAF. Estudo Especial Sobre Alfabetismo e Mundo Do Trabalho. Instituto Paulo Montenegro/Ação Social do IBOPE. 2016;26.. Para estabelecer a proficiência determinada de acordo com o critério do INAF, foi utilizado o teste TRI, uma técnica estatística que propõe modelos teóricos que representam o comportamento das respostas atribuídas a cada uma das questões em função da habilidade do indivíduo. Em outras palavras, cada questão do teste tem seu grau de dificuldade definido a priori e a pontuação (proficiência) de cada respondente varia de acordo com o grau de dificuldade das questões que ele conseguiu responder corretamente1515 Instituto Paulo Montenegro. Indicador de Alfabetismo Funcional. INAF/Brasil. 2007. 1-18p.. Além disso, a amplitude na escala de proficiência está entre zero e 200 pontos88 Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa. Indicador de Alfabetismo Funcional - INAF. Estudo Especial Sobre Alfabetismo e Mundo Do Trabalho. Instituto Paulo Montenegro/Ação Social do IBOPE. 2016;26., conforme mostra a tabela 1.
Análise estatística
A tabulação e a análise dos dados foram realizadas no software livre R 4.0.3 (R Core Team, 2020, https://www.R-project.org/) e gráficos foram construídos no Excel. A análise descritiva foi usada para o perfil sociodemográfico e para as variáveis categóricas. O teste Qui-quadrado com valor de p menor ou igual a 5% e o teste t foram usados para comparar as médias.
RESULTADOS
Dos 56 pacientes avaliados, 85,7% eram do sexo feminino e 14,3% do masculino; 60,7% eram brancos, seguidos por pardos/negros (35,7%); com idade entre 35-49 anos (39,3%), seguidos por indivíduos com mais de 50 anos (30,4%); com escolaridade predominante do 3º ano completo do ensino médio (41,1%), seguidos por indivíduos com ensino superior completo (25%) e profissionalmente ativos (57,1%) (Tabela 2).
A amostra utilizada para caracterizar os níveis de alfabetismo funcional e proficiência foi composta por 49 indivíduos, pois 7 foram excluídos por não terem respondido ou terem abandonado o teste espontaneamente, não sendo possível concluir se todas as questões estariam erradas caso tivessem seguido até o fim. Eles só poderiam ser classificados como analfabetos absolutos se assim o declarassem. Por fim, 22,5% foram classificados como analfabetos funcionais e 77,5% como alfabetizados funcionais. O nível elementar é o mais baixo entre os níveis que compõem o grupo de alfabetizados funcionais e representa 30,6% da amostra (Tabela 2).
Quanto à classificação das DTM, as do tipo muscular, articular e ambas aparecem, respectivamente, em 43,8%; 4,2% e 43,8% das mulheres, e em 8,3% não foi possível determinar; para os homens, essa porcentagem foi de 50%; 12,5%; 25% e 12,5%, respectivamente (Tabela 3).
A queixa de dor foi dividida em dor mandibular e cefaleia, e o intervalo de tempo de queixa mais frequente foi entre 1 e 5 anos, tanto para dor mandibular quanto para cefaleia, e, no caso das cefaleias, a declaração de ausência de dor também foi alta em porcentagem. O tempo médio para dor na mandíbula foi de 78,8 meses e, para cefaleias, foi de 54,6 meses, com um valor médio de proficiência de 114 e uma idade média de 43,2 anos (Tabela 4). Os tempos de queixa mostram maior variabilidade nos valores declarados.
Os dados demográficos foram relacionados aos níveis de alfabetismo combinados, conforme a tabela 5. O teste Qui-quadrado, que mediu a associação entre o INAF combinado e cada uma das variáveis demográficas, mostrou que somente a escolaridade está relacionada ao INAF (o valor de p é menor que 5% ou 0,05). Os indivíduos que declararam ter ensino fundamental têm os níveis mais baixos de alfabetização (Tabela 5).
Para a proposição (B), os dados sobre a compreensão dos critérios de diagnóstico (DC/TMD - eixo I) foram relacionados aos níveis de alfabetismo combinados (Tabela 6). O teste do Qui-quadrado mostrou que não há associação entre o INAF combinado e as variáveis de ruído conjunto e tipos de DTM (valor de p maior que 5% ou 0,05).
Com relação aos ruídos articulares, um indivíduo não foi considerado no teste devido à falta de declaração sobre ruídos.
Para a proposição (C), os intervalos de tempo das queixas de dor na mandíbula e dor de cabeça foram relacionados aos níveis combinados do INAF (Tabela 7). O teste de Qui-quadrado mostrou que apenas os tempos de queixa em intervalos (dor mandibular) estão associados ao INAF (valor de p menor que 5% ou 0,05). As afirmações “Não sei/não me lembro” mostram a maior diferença proporcional entre os grupos de alfabetismo testados. Os tempos de queixa em intervalos (dor de cabeça) não estão associados ao nível de alfabetismo funcional (valor de p maior que 5% ou 0,05).
Relação dos intervalos de tempo das queixas de dor na mandíbula e dor de cabeça e INAF combinado.
Ademais, o teste t, que relacionou a duração média das queixas (em meses) com o INAF combinado demonstrou que há evidências para afirmar que a duração das queixas de cefaleia entre os grupos de alfabetismo é diferente (o valor de p é menor que 5% ou 0,05), conforme mostrado na tabela 8, e os tempos médios de queixa de cefaleia no nível mais baixo de alfabetismo são muito mais curtos do que os relatados no nível mais alto.
Relação da duração média das queixas (em meses) de dor na mandíbula e dor de cabeça e o INAF combinado.
DISCUSSÃO
A amostra estudada incluiu 22,5% de analfabetos funcionais e 77,5% de alfabetizados funcionais, dos quais 30,6% estão no nível elementar, que é o mais baixo desse grupo (Tabela 3). Essa informação se aproxima dos dados do estudo99 Lima APM, Catelli R. Inaf Brasil 2018; 2018. 1–22. http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Inaf2018_Relatório-Resultados-Preliminares_v08Ago2018.pdf.
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que mostra que, na última pesquisa do INAF de 2018, 29% dos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos têm alfabetismo abaixo da elementar, ou seja, não foram capazes de realizar tarefas simples, como ler palavras e frases.
Vale ressaltar que o DC/TMD foi concebido considerando populações com condições socioeconômicas, culturais e demográficas diferentes da brasileira, sem contar o fato de que ele é escrito em outro idioma e passa por traduções que podem alterar o significado dos termos utilizados. É importante ressaltar que a população brasileira classificada como alfabetizada, por sua autodeclaração, nos censos oficiais, nem sempre está capacitada para habilidades de escrita, leitura e interpretação de textos e números para compreender o contexto socioeconômico em que está inserida1616 Elliot LG. Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional: como avaliar as deficiências educacionais de jovens adultos no Brasil. Rev Meta: Avaliação. 2012;3(7):61-80. e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), o Brasil tem 11,3 milhões de analfabetos, representando 6,8% da população com 15 anos ou mais.
As queixas de DTM ocorreram mais entre as mulheres, com idade acima de 35 anos, reforçando os resultados dos estudos1111 Bove SR, Guimarães AS, Smith RL. Characterization of patients in a temporomandibular dysfunction and orofacial pain outpatient clinic. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):686-91.,1717 Luz JG, Maragno IC, Martin MC. Characteristics of chief complaints of patients with temporomandibular disorders in a Brazilian population. J Oral Rehabil. 1997;24(3):240-3.,1818 Gonçalves DA, Dal Fabbro AL, Campos JA, Bigal ME, Speciali JG. Symptoms of temporomandibular disorders in the population: an epidemiological study. J Orofac Pain. 2010;24(3):270-8.,1919 Dantas AMX, Santos EJL, Vilela RM, Lucena LBS. Perfil epidemiológico de pacientes atendidos em um serviço de controle da dor orofacial. Rev Odontol UNESP. 2015;44(6):313-9.,2020 Ferreira CLP, Silva MAMR, Felício CM. Sinais e sintomas de desordem temporomandibular em mulheres e homens. CoDAS. 2016;28(1):17-21., e afetando predominantemente a etnia branca, seguida da parda/negra. Um total de 41,1% da amostra completou o 3º ano do ensino médio, 25% têm ensino superior completo e 57,1% são profissionalmente ativos, o que corrobora o estudo1919 Dantas AMX, Santos EJL, Vilela RM, Lucena LBS. Perfil epidemiológico de pacientes atendidos em um serviço de controle da dor orofacial. Rev Odontol UNESP. 2015;44(6):313-9.,2121 Carthery-Goulart M T, Anghinah R, Areza-Fegyveres R, Bahia VS, Brucki SM, Damin A, Formigoni A P, Frota N, Guariglia C, Jacinto A F, Kato EM, Lima E P, Mansur L, Moreira D, Nóbrega A, Porto CS, Senaha ML, Silva MN, Smid J, Souza-Talarico JN, Radanovic M, Nitrini R. Performance of a Brazilian population on the test of functional health literacy in adults. Rev Saude Publica. 2009;43(4):631-8.. O teste Qui-quadrado mostrou que o nível de escolaridade é a única variável demográfica relacionada ao nível de alfabetismo. De fato, espera-se que quanto maior o nível de escolaridade, maior o nível de alfabetismo funcional, conforme descrito no estudo99 Lima APM, Catelli R. Inaf Brasil 2018; 2018. 1–22. http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Inaf2018_Relatório-Resultados-Preliminares_v08Ago2018.pdf.
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No entanto, a queixa de ruídos articulares apareceu em 46,4% da amostra, diferentemente do estudo1717 Luz JG, Maragno IC, Martin MC. Characteristics of chief complaints of patients with temporomandibular disorders in a Brazilian population. J Oral Rehabil. 1997;24(3):240-3., que relatou apenas 5% de ruídos articulares em uma amostra de 894 indivíduos, porém, corroborando o estudo1818 Gonçalves DA, Dal Fabbro AL, Campos JA, Bigal ME, Speciali JG. Symptoms of temporomandibular disorders in the population: an epidemiological study. J Orofac Pain. 2010;24(3):270-8., o qual mostrou que os ruídos articulares foram as queixas mais comuns de DTM. Esses dados demonstram que não há diferença nos níveis de alfabetismo em relação à percepção do ruído, uma vez que o autorrelato é subjetivo. Como somente o exame clínico seria capaz de confrontar esses dados, tentou-se comparar o autorrelato de ruídos articulares (já que os ruídos determinariam DTM articular) com o exame clínico realizado pelo profissional, mas não houve sucesso na busca pelo prontuário clínico dos pacientes. Muitos pacientes não foram encontrados no sistema de registro da faculdade. Na busca de 40 prontuários, foram encontrados cinco pacientes e todos relataram ruídos articulares. Desses que relataram ruídos, determinando DTM articular, apenas um coincidiu com o exame clínico e esse indivíduo tinha nível elementar de alfabetismo. Dos quatro pacientes que apresentaram discrepância entre o autor-relato e o exame clínico, três tinham nível elementar de alfabetismo e um era proficiente.
A dor mandibular e a dor na região da cabeça apareceram com mais frequência no intervalo entre 1 e 5 anos (Tabelas 7 e 8). As análises demonstraram uma associação entre o INAF combinado e os tempos de reclamação no intervalo para dor na mandíbula. Isso é explicado pela alta porcentagem de analfabetos funcionais que relataram dor na mandíbula e não se lembravam/não sabiam o intervalo de tempo da queixa (36,36%). Esse dado indica que as pessoas que declaram não saber/não se lembrar estão associadas a níveis mais baixos de alfabetismo.
O tempo de queixa em intervalos de cefaleia não foi associado ao nível de alfabetismo funcional, mas, curiosamente, 54,54% dos analfabetos funcionais não relataram dor de cabeça. Isso possivelmente se deve ao fato de a dor de cabeça ser reconhecida como “normal”, ou seja, é uma dor experimentada, muitas vezes, ao longo da vida e superada com fármacos e facilmente associada ao estresse. Esses indivíduos não procurariam serviços odontológicos por causa de uma dor de cabeça, mas o fariam por causa da dor na mandíbula devido à associação da mandíbula com o dentista. Talvez a cefaleia induza essas pessoas a procurar inicialmente outros profissionais, como o neurologista.
Por outro lado, o teste t que relacionou a duração média das queixas (em meses) com o INAF combinado mostrou que há evidências para afirmar que os tempos de queixa de cefaleia entre os grupos de alfabetismo são diferentes (o valor de p é menor que 5% ou 0,05). Isso significa que, para os analfabetos funcionais, o tempo médio de queixa de cefaleia foi de 8 meses. Esse tempo baixo é explicado pelo fato de a maioria dos pacientes analfabetos relatarem não sentir dor de cabeça ou que ela é tão comum que tem pouca relevância e é desconsiderada nos autorrelatos; por outro lado, para os pacientes alfabetizados, o tempo médio de queixa foi de 57 meses. Com esse resultado, é possível afirmar que, por ser considerada uma dor “normal”, ela é mais bem compreendida e detalhada pelos pacientes mais proficientes.
É necessário ressaltar que este estudo apresentou algumas dificuldades em seu desenvolvimento geradas pelo longo teste do INAF e do questionário sociodemográfico, o que desestimulou as pessoas a participarem da pesquisa, posteriormente associado à pandemia da COVID-19, que colocou as pessoas em isolamento social, causando a interrupção da coleta de dados.
Considerando os resultados obtidos, sugere-se a realização de novos estudos sobre a influência do alfabetismo funcional no diagnóstico de DTM, sendo importante ressaltar que os autorrelatos devem ser complementados com exames clínicos, uma vez que as respostas são subjetivas e dependem de uma compreensão mais ampla do contexto que envolve a “doença” que levou o indivíduo a procurar tratamento. Além disso, baixos níveis de alfabetismo estão relacionados a baixo detalhamento nas respostas, ou seja, o indivíduo tem pouca percepção de si mesmo. Seria interessante conhecer, inicialmente, o nível de escolaridade dos pacientes para desenvolver uma melhor abordagem para que seu diagnóstico seja preciso, indicando o melhor tratamento, e que o tratamento seja devidamente compreendido e realizado pelo paciente, favorecendo bons resultados.
CONCLUSÃO
Entre as variáveis demográficas relacionadas ao alfabetismo funcional, o nível de escolaridade foi a única variável associada ao nível de alfabetismo. Além disso, não houve diferença nos níveis de alfabetismo em relação à percepção dos sinais e sintomas de DTM tanto para ruídos articulares quanto para dor na mandíbula e cefaleia. Isso significa que o autorrelato apresenta os mesmos níveis de dificuldade para qualquer nível de proficiência, pois é de natureza subjetiva.
Por fim, concluiu-se que níveis mais baixos de alfabetismo funcional estavam relacionados a uma percepção pouco detalhada das queixas de DTM em relação à duração da queixa e, principalmente, à associação da dor de cabeça com a queixa de DTMs. Para indivíduos com baixo nível de alfabetismo, a dor na mandíbula justifica a busca de tratamento, pois é menos reconhecida do que a dor de cabeça. Isso significa que, quanto menor a capacidade de detalhar os sintomas, mais chances de erros de diagnóstico podem ocorrer.
REFERENCES
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1Yanez N, De Oliveira R, De Melo UFCG. Alfabetizar Letrando: Reflexões Sobre o Analfabetismo Funcional No Brasil. 2009. 18p.
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2Ribeiro M, Vóvio VCL, Moura M P. “Letramento no Brasil: alguns resultados do indicador nacional de alfabetismo funcional”. Educação e sociedade, Campinas, 2002;23(81):49-70.
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3Parker R. Health literacy: a challenge for American patients and their health care providers. Health Promotion International, 2000;15(4):277-83.
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4Adams RJ, Stocks N P, Wilson DH, Hill CL, Gravier S, Kickbusch I, Beilby JJ. Health literacy--a new concept for general practice? Aust Fam Physician. 2009;38(3):144-7.
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5Weiss BD, Mays MZ, Martz W, Castro KM, DeWalt DA, Pignone M P, Mockbee J, Hale FA. Quick assessment of literacy in primary care: the newest vital sign. Ann Fam Med. 2005;3(6):514-22.
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6Protheroe J, Wallace LS, Rowlands G, DeVoe JE. Health literacy: setting an international collaborative research agenda. BMC Fam Pract. 2009;10(1):51.
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7Andrus MR, Roth MT. Health literacy: a review. Pharmacotherapy. 2002;22(3):282-302.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
18 Set 2023 -
Aceito
28 Nov 2023