Acessibilidade / Reportar erro

Comprometimento da qualidade de vida por ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Dor crônica acarreta incapacidade funcional e social, impactando emocionalmente os indivíduos. O objetivo deste estudo foi descrever os principais comprometimentos das atividades de vida diária, sintomas ansiosos e depressivos e qualidade de vida em pacientes com dor crônica.

MÉTODOS:

Estudo transversal com pacientes de ambulatório de dor crônica. Análise das variáveis clínicas e sociodemográficas, assim como das atividades de vida diária. Avaliação de dor, de sintomas ansiosos e depressivos pela Hospital Anxiety and Depression Scale, de qualidade de vida pelo questionário Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey e a análise dos dados no programa estatístico SPSS.

RESULTADOS:

Foi evidenciada limitação para o trabalho, movimento, lazer e atividade domiciliar, qualidade de vida abaixo da mediana e pior para os domínios aspectos físicos e emocionais. O sono foi muito comprometido, seguido de dificuldade parcial para apetite e atividade sexual. Embora apresentassem sintomas ansiosos e depressivos, a maioria dos participantes estavam moderadamente satisfeitos com o tratamento.

CONCLUSÃO:

A dor crônica impacta de forma muito significativa na qualidade de vida, comprometendo e limitando as atividades diárias de modo mais intenso nos portadores de sintomas ansiosos e depressivos.

Descritores:
Ansiedade; Depressão; Dor crônica; Qualidade de vida

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic pain causes functional and social disability, resulting in emotional impact. This study’s objective was to describe the main impairments of activities of daily living, anxious and depressive symptoms, and quality of life in patients with chronic pain.

METHODS:

Cross-sectional study with chronic pain outpatients. Analysis of clinical and sociodemographic variables, as well as activities of daily living. Assessment of pain, anxious and depressive symptoms by the Hospital Anxiety and Depression Scale, quality of life by the Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey questionnaire and data analysis by the SPSS statistical software.

RESULTS:

The study observed limitations in work, movement, leisure and home activities, quality of life below the median and worse for the physical and emotional domains. Sleep was very impaired, followed by partial difficulty with appetite and sexual activity. Although they had anxious and depressive symptoms, most participants were moderately satisfied with their treatment.

CONCLUSION:

Chronic pain has a very significant impact on quality of life, impairing and limiting daily activities more intensely in individuals with anxious and depressive symptoms.

Keywords:
Anxiety; Chronic pain; Depression; Quality of life

INTRODUÇÃO

Dor é um sintoma muito prevalente na maioria das doenças, podendo inclusive existir como condição única, tornando-se também uma síndrome específica11 Nicol AL, Hurley RW, Benzon HT. Alternatives to opioids in the pharmacologic management of chronic pain syndromes: a narrative review of randomized, controlled, and blinded clinical trials. Anesth Analg. 2017;125(5):1682-703.

2 Mills S, Torrance N, Smith BH. Identification and management of chronic pain in primary care: a review. Curr Psychiatry Rep. 2016;18(2):22.
-33 Geneen LJ, Moore RA, Clarke C, Martin D, Colvin LA, Smith BH. Physical activity and exercise for chronic pain in adults: an overview of Cochrane Reviews. Cochrane Database Syst Rev. 2017;4(4):24.. Aproximadamente 80% da população mundial procura regularmente os sistemas de saúde com queixas de algum tipo de dor44 de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti D, de Oliveira Junior JO, da Fonseca P, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830.. A dor crônica (DC), além de ser uma doença grave, tem impacto no estado funcional e no retorno ao trabalho55 Steenstra IA, Munhall C, Irvin E, Oranye N, Passmore S, Van Eerd D, et al. Systematic review of prognostic factors for return to work in workers with sub-acute and chronic low back pain. J Occup Rehabil. 2017;27(3):369-81..

No Brasil, a DC é considerada um problema de saúde pública, pois aproximadamente 76,2% da população apresenta DC recorrente ou com duração de, pelo menos, seis meses66 Carvalho RC, Maglioni CB, Machado GB, Araújo JE, Silva JR, Lourenço M. Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: a national internet-based survey study. BrJP. 2018;(4):331-8.. A DC é considerada uma doença decorrente de disfunção do sistema somatossensorial e provoca alterações multifatoriais importantes especialmente quando associada com sintomas depressivos, podendo interferir sobremaneira na qualidade de vida (QV) do indivíduo77 Gómez Penedo JM, Rubel JA, Blättler L, Schmidt SJ, Stewart J, Egloff N, et al. The complex interplay of pain, depression, and anxiety symptoms in patients with chronic pain: a network approach. Clin J Pain. 2020;36(4):249-59..

Estudos têm relatado a prevalência de distúrbios psíquicos em associação com DC, incluindo a depressão, que está presente na maioria dos pacientes com DC de modo muito mais frequente do que na população geral88 Rapti E, Damigos D, Apostolara P, Roka V, Tzavara C, Lionis C. Patients with chronic pain: evaluating depression and their quality of life in a single center study in Greece. BMC Psychol. 2019;21;7(1):86.

9 Ben Tekaya A, Mahmoud I, Hamdi I, Hechmi S, Saidane O, Tekaya R, et al. Depression and anxiety in spondyloarthritis: prevalence and relationship with clinical parameters and self-reported outcome measures. Turk Psikiyatri Derg. 2019;30(2):90-8.

10 Adilay U, Guclu B, Goksel M, Keskil S. The Correlation of SCL-90-R Anxiety, Depression, Somatization Subscale Scores with Chronic Low Back Pain. Turk Neurosurg. 2018;28(3):434-438.

11 Sheng J, Liu S, Wang Y, Cui R, Zhang X. The Link between Depression and Chronic Pain: Neural Mechanisms in the Brain. Neural Plast. 2017;9724371.
-1212 Lee HJ, Choi EJ, Nahm FS, Yoon IY, Lee PB. Prevalence of unrecognized depression in patients with chronic pain without a history of psychiatric diseases. Korean J Pain. 2018;31(2):116-24.. A ansiedade também está presente na maior parte dos portadores de DC quando comparados àqueles sem essa condição clínica1313 Siqueira-Campos VME, Da Luz RA, de Deus JM, Martinez EZ, Conde DM. Anxiety and depression in women with and without chronic pelvic pain: prevalence and associated factors. J Pain Res. 2019;16;12:1223-33..

A DC afeta a vida pessoal e profissional dos pacientes, piorando a QV devido à incapacidade física, interferência no trabalho e lazer com a família, afastamento do convívio social e sofrimento psíquico, tornando estas relações complexas e difíceis de serem compreendidas1414 Husky MM, Ferdous Farin F, Compagnone P, Fermanian C, Kovess-Masfety V. Chronic back pain and its association with quality of life in a large French population survey. Health Qual Life Outcomes. 2018;26;16(1):195..

Este estudo teve como objetivo descrever os principais comprometimentos das atividades de vida diária, sintomas ansiosos e depressivos e QV dos pacientes com DC.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal que incluiu 164 pacientes portadores de DC atendidos no Ambulatório de Dor da Universidade Federal da Bahia (UFB). A coleta de dados foi realizada por um médico, dois psicólogos e dois estudantes de medicina dos últimos anos de graduação após devido treinamento para garantir maior concordância entres as respostas. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos e faixa etária entre 18 e 80 anos e excluídos sujeitos com dificuldade em compreender os objetivos do estudo, que não concluíram o protocolo e pacientes com dor oncológica.

Foi utilizado o questionário de dados sociodemográficos e clínicos, composto por quesitos referentes à caracterização social e demográfica dos sujeitos, assim como informações referentes à dor e suas repercussões. A dor foi avaliada pela escala visual numérica (EVN), que consiste em uma linha graduada de zero a 10, em que zero representa ausência dor e 10 a pior dor que se possa imaginar1515 Noble B, Clark D, Meldrum M, Ten Have H, Seymour J, Winslow M, et al. The measurement of pain, 1945-2000. J Pain Symptom Manage. 2005;29(1):14-21.. Os valores obtidos foram categorizados da seguinte forma: zero = ausência de dor; 1, 2 e 3 = dor leve; 4, 5 e 6 = dor moderada; 7, 8 e 9 = dor intensa; e 10 = dor insuportável. Também foi utilizada a Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), que possui 14 questões, sendo sete para ansiedade e sete para depressão, tendo como pontos de corte oito para ansiedade e nove para depressão1616 Botega NJ, Pondé MP, Medeiros P, Lima MG, Guerreiro CAM. Validação da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD) em pacientes epiléticos ambulatoriais. J Bras Psiquiatr. 1998;47(6):285-9.. Por fim, a QV foi avaliada pelo Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey (SF-36), instrumento genérico que avalia as seguintes dimensões: Capacidade Funcional (capacidade de cuidar de si mesmo e de desempenhar atividades de vida diária); Aspectos Físicos (impacto da saúde física para desempenhar suas atividades); Dor (nível de dor para o desempenho de suas atividades diárias); Estado Geral de Saúde (como o indivíduo percebe sua saúde); Vitalidade (vigor físico); Aspectos Sociais (impacto das condições físicas sobre sua vida social); Aspectos Emocionais (o emocional interferindo em suas atividades diárias) e Saúde Mental (interferência do estado de humor sobre sua vida). Para analisar as oito dimensões da escala, utilizaram-se escores de zero (mais comprometido) a 100 (nenhum comprometimento) 1717 Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):146-150..

Os indivíduos foram incluídos na pesquisa após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), obedecendo as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, segundo a resolução nº 466/12 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde (ANVISA, 2004).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com CAAE número 49909615.8.0000.0049 e parecer número 1.446.343.

Análise estatística

Para análise e tabulação dos dados foi utilizado o programa estatístico SPSS versão 17.0. As variáveis quantitativas foram expressas em médias e desvio padrão e as variáveis categóricas em frequências simples, absoluta e relativa. As variáveis da EVN e da SF-36 foram consideradas variáveis ordinais (escores) e apresentadas sob a forma de mediana e intervalo interquartílico. Os valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

A média de idade foi de 50 anos, sendo destes 89,6% do sexo feminino, com maior prevalência de pacientes que têm religião, escolaridade até ensino médio e desempregados (63,4%).

Em relação ao diagnóstico clínico, o mais prevalente foi referente a doenças degenerativas (68,9%), como lombalgia, artrose, artrite, hérnia discal, radiculopatia, entre outras. Quanto à intensidade, a dor variou de moderada a intensa. Os analgésicos (93,3%), seguidos dos antidepressivos (70,7%), foram os fármacos mais usados. Outros tratamentos utilizados foram: atividade física (41,5), bloqueios anestésicos (39,6), fisioterapia (34,8) e acupuntura (34,8). A maior parte dos indivíduos referiu melhora com o tratamento.

Em relação às limitações relacionadas às atividades diárias, foram encontradas dificuldades parciais nos itens movimento, lazer e atividade domiciliar. Foi encontrada maior frequência de limitação total no item relacionado ao trabalho (Tabela 1).

Tabela 1
Limitações diárias dos pacientes com dor crônica

Em relação aos comprometimentos referentes às atividades diárias, foi evidenciada dificuldade significativa referente ao sono, dificuldade parcial com relação ao apetite e atividade sexual, dificuldade moderada com a autoestima e satisfação pessoal. Não houve comprometimento da higiene pessoal. Sintomas ansiosos e depressivos estiveram presentes na maior parte dos sujeitos avaliados (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2
Comprometimento das atividades dos pacientes
Tabela 3
Avaliação da Qualidade de Vida dos pacientes com dor crônica

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que a maioria dos pacientes com DC foi do sexo feminino, tal como observado em outros trabalhos1818 Kreling MC, da Cruz DA, Pimenta CA. Prevalência de dor crônica em adultos. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):509-13.,1919 Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Prevalence of chronic pain and associated factors in the population of Salvador, Bahia. Rev Saude Publica. 2009;43(4):622-30.. A justificativa para este fato é que as mulheres possuem menor limiar e tolerância à dor2020 Machado AR, Oliveira IM, Alves AP, Andrade AO. Análise da relação entre parâmetros da onda M e a dor. Rev Dor. 2011;12(4):301-7., além de características anátomo-funcionais como menor estatura, menor índice de massa muscular e óssea, articulações mais frágeis e maiores variações hormonais em relação aos homens, contribuindo para maior sobrecarga mecânica e tornando, consequentemente, mais frequente a ocorrência de dor2121 Theadom A, Cropley M, Humphrey KL. Exploring the role of sleep and coping in quality of life in fibromyalgia. J Psychosom Res. 2007;62(2):145-51..

A intensidade de dor moderada e intensa encontrada está de acordo com a literatura pois em centros de referência são observados escores altos de dor com duração contínua e associada a comorbidades que afetam diretamente a QV, o que gera impacto socioeconômico significativo e, consequentemente, aumento da preocupação dos gestores da saúde pública2222 Latina R, De Marinis MG, Giordano F, Osborn JF, Giannarelli D, Di Biagio E, et al. Epidemiology of chronic pain in the Latium region, Italy: a cross-sectional study on the clinical characteristics of patients attending pain clinics. Pain Manag Nurs. 2019;20(4):373-81..

Neste estudo, a maioria dos sujeitos possuía alguma religião, assim como foi encontrado no estudo2323 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA da ST, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9., o qual detectou que a maioria dos pacientes com queixa de dor intensa tem alguma religião, principalmente católica e evangélica. Há pesquisas que indicam que a religiosidade auxilia na forma de lidar com a dor, aumentando o limiar, pois a prática religiosa ativa o córtex cerebral pré-frontal, além de elevar taxas de neurotransmissores como serotonina, GABA e dopamina, todos diretamente envolvidos com a fisiopatologia da dor2424 Do Lago-Rizzardi, CD, Teixeira, MJ, De Siqueira, SRDT. Espiritualidade e religiosidade no enfrentamento da dor. O Mundo da Saúde. 2010;34(4):483-7..

O estudo identificou que a maior parte dos sujeitos estavam desempregados. Isso decorre do fato de que a amostra foi obtida em um centro de referência para o tratamento da dor e, como o afastamento das atividades laborais muitas vezes faz parte do processo do adoecimento, o desemprego é uma consequência tardia. Estudo2525 Zavarizzi CP, Alencar MCB. Afastamento do trabalho e os percursos terape^uticos de trabalhadores acometidos por LER/Dort. Saúde em Debate. 2018;42(116):113-24. evidenciou o percurso terapêutico de trabalhadores com DC, que começa pela automedicação, submissão aos riscos do trabalho, procura por unidades de saúde de pronto-atendimento e, por fim, afastamento das atividades laborais.

Em relação ao diagnóstico clínico, a maior prevalência foi referente às doenças degenerativas. Dentre estas, a dor lombar é a mais frequente e, quando associada às condições psicossociais e ao ambiente de trabalho, passa a ser uma das principais causas de absenteísmo, tornando-se fator substancial de impacto nos custos econômicos e sociais2626 Hasegawa T, Katsuhira J, Oka H, Fujii T, Matsudaira K. Association of low back load with low back pain during static standing. PLoS One. 2018;13(12): e0208877.,2727 Perolat R, Kastler A, Nicot B, Pellat JM, Tahon F, Attye A, et al. Facet joint syndrome: from diagnosis to interventional management. Insights Imaging. 2018;9(5):773-89..

Os analgésicos foram os fármacos mais utilizados, seguidos pelos antidepressivos. A maioria das condições dolorosas envolveu vários aspectos diferentes e o uso de analgésico como fármaco único pode não ser adequado para aliviar a DC. Em algumas situações, a associação de analgésicos com dois ou mais fármacos pode resultar em efeitos sinérgicos e proporcionar maior eficácia no alívio da dor, sendo os antidepressivos importantes na estratégia terapêutica2727 Perolat R, Kastler A, Nicot B, Pellat JM, Tahon F, Attye A, et al. Facet joint syndrome: from diagnosis to interventional management. Insights Imaging. 2018;9(5):773-89.,2828 Strom J, Nielsen CV, Jorgensen LB, Andersen NT, Laursen M. A web-based platform to accommodate symptoms of anxiety and depression by featuring social interaction and animated information in patients undergoing lumbar spine fusion: a randomized clinical trial. Spine J. 2019;19(5):827-39..

Outros tratamentos realizados foram a atividade física, bloqueios anestésicos, fisioterapia e acupuntura. A atividade física e a fisioterapia são componentes-chave na reabilitação do ponto de vista biopsicossocial em indivíduos com DC. O exercício contribui para a redução da dor além de melhorar as funções físicas. Quando essa atividade é realizada em alto nível resulta em benefício na QV e no bem-estar emocional2929 Terrier P, Praz C, Joane Le Carré J, Vuistiner P, Léger B, Luthi F. Influencing walking behavior can increase the physical activity of patients with chronic pain hospitalized for multidisciplinary rehabilitation: an observational study. BMC Musculoskeletal Disord. 2019;20(1):188..

A acupuntura, por sua vez, é uma técnica que está inserida na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS (PNPIC), além de ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo consenso do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos como uma prática eficaz, de forma isolada ou adjuvante, em várias comorbidades de saúde, incluindo doenças degenerativas que provocam frequentemente dores crônicas, como fibromialgia e osteoartrite3030 BRASIL. Ministério da saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. Ministério da Saúde. 2015;2:16-9..

Avaliar a resposta do melhor tratamento pode estar relacionado a quanto o indivíduo tem expectativas acerca do que vem realizando. Estudiosos corroboram este dado quando apontam que pacientes com DC de modo geral que se submetem a inúmeras intervenções farmacológicas ou não para o controle da dor precisam manter boa aliança terapêutica e tem suas próprias crenças sobre seu tratamento. Isso faz com que as expectativas possam variar ao longo dos anos de adoecimento, influenciando nas respostas. Como na DC a meta é aumentar a QV e aliviar o sofrimento, contrariando a lógica da cura da dor, as expectativas do paciente podem sofrer mudanças e diferir das expectativas criadas pela equipe de saúde durante todo o processo3131 Pagé MG, Ziemianski D, Martel MO, Shir Y. Development and validation of the treatment expectations in chronic pain scale. Br J Health Psychol. 2019;24(3):610-28..

O presente estudo evidenciou que os pacientes com DC têm uma QV baixa quando comparados com a média da população brasileira em todos os domínios, sendo que os piores escores foram para os aspectos físicos e emocionais. Estudo3232 Laguardia J, Campos MR, Travassos C, Najar AL, Anjos LAD, Vasconcellos MM. Dados normativos brasileiros do questionário Short Form-36, versão 2. Rev Bras Epidemiol. 2013;16:889-97., aplicando o mesmo questionário em mais de 12 mil brasileiros de todas as regiões do Brasil, evidenciou que o valor é em geral mais baixo quando comparado a países como Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha e Austrália. Os valores desses dois domínios têm média expressivamente maior quando comparadas aos valores encontrados nos pacientes com dor.

As limitações relativas ao trabalho para o indivíduo que sofre de DC são muito intensas. Isso está relacionado à pouca produtividade e incapacidade na execução das suas atividades, o que determina prejuízo no seu bem-estar geral e acaba comprometendo a dinâmica dos movimentos para realizar as atividades diárias, culminando com alteração do humor, do lazer, do sono e da QV, além de interferir negativamente nas relações interpessoais3333 Tsuji T, Matsudaira K, Sato H, Vietri J, Jaffe, DH. Association between presenteeism and health-related quality of life among Japanese adults with chronic lower back pain: a retrospective observational study. BMJ Open. 2018;8(6):e021160..

Muitas vezes os indivíduos relatam autopercepção negativa quando interagem socialmente, com frustração e vergonha ao realizar suas atividades cotidianas. Um estudo qualitativo3434 Bailly F, Foltz V, Rozenberg S, Fautrel B, Gossec L. The impact of chronic low back pain is partly related to loss of social role: a qualitative study. Joint Bone Spine. 2015;82(6):437-41. realizado em pacientes com DC evidenciou que os pacientes se sentiam incompreendidos e sem suporte social, sendo que muitos associavam esse sentimento à ausência de sinais clínicos evidentes da doença. Isso gera sofrimento e perda da identidade social, levando a maior dificuldade ou até impossibilidade de desempenhar seu papel social, comprometendo não somente as relações afetivas, mas também a atividade sexual, podendo rebaixar o humor, apetite e padrão do sono.

Em relação aos sintomas ansiosos, estudo3535 Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901. relatou que a ansiedade relacionada à dor pode justificar tratamento especificamente para ansiedade, porquanto esta condição é uma vulnerabilidade em potencial que pode aumentar a sensibilidade à doença e medo da dor, dificultando a efetividade do tratamento. Autores3636 Bair MJ, Wu J, Damush TM, Sutherland JM, Kroenke K. Association of depression and anxiety alone and in combination with chronic musculoskeletal pain in primary care patients. Psychosom Med. 2008;70(8):890-7. constataram que a dor, quando associada à ansiedade e depressão, é mais incapacitante e implica em uma pior QV em relação aos pacientes que apresentam somente dor.

Segundo o estudo3737 Müller MR, Guimarães SS. Impacto dos transtornos do sono sobre o funcionamento diário e a qualidade de vida. Estud Psicol. 2007;24(4):519-28., os prejuízos mais envolvidos com a DC a médio prazo foram problemas com o sono, absenteísmo laboral, problemas de relacionamento e aumento de risco de acidentes. A longo prazo, foram observados piora dos distúrbios de sono com perda de emprego, sequelas oriundas de acidentes, rompimento das relações e surgimento ou agravamento de problemas de saúde. Essa associação entre distúrbios do sono, seus prejuízos e a DC já está bem estabelecida pela literatura3838 Griffin S, Tan J, Perrin PB, Williams AB, Smith ER, Rybarczyk B. Psychosocial underpinnings of pain and sleep disturbance in safety-net primary care patients. Pain Res Manag. 2020;29;2020:5932018..

A principal limitação do presente estudo está relacionada à temporalidade do diagnóstico, uma vez que o estudo foi feito em uma única avaliação, o que não permite avaliar a presença de outros transtornos sobrepostos, por isso a necessidade de seguimento maior. A característica da amostra, heterogeneidade da etiologia da dor e dos dados sociodemográficos não permitiram analisar todas as variáveis incluídas no estudo. Por outro lado, o fato de ter sido realizado em um centro de referência pode ser fator preditivo positivo, pois minimiza eventual viés de erro diagnóstico e abordagem terapêutica das doenças estudadas.

Como recomendações para pesquisas futuras, são indicados estudos de seguimentos longos objetivando acompanhar a resposta ao tratamento indicado e seus resultados efetivos na intensidade da dor e na resposta dos escores da QV do indivíduo, assim como avaliação ativa e cuidadosa da equipe de saúde a fim de entender e valorizar os sintomas do indivíduo que sofre de dor, que vai muito além de uma queixa, assim como compreender sua história e os sofrimentos inerentes ao seu processo de adoecimento.

CONCLUSÃO

Pacientes portadores de DC apresentam baixos escores nos itens relacionados à QV e a presença de sintomas ansiosos e depressivos potencializa o quadro clínico, gerando muitas limitações nas atividades diárias.

REFERENCES

  • 1
    Nicol AL, Hurley RW, Benzon HT. Alternatives to opioids in the pharmacologic management of chronic pain syndromes: a narrative review of randomized, controlled, and blinded clinical trials. Anesth Analg. 2017;125(5):1682-703.
  • 2
    Mills S, Torrance N, Smith BH. Identification and management of chronic pain in primary care: a review. Curr Psychiatry Rep. 2016;18(2):22.
  • 3
    Geneen LJ, Moore RA, Clarke C, Martin D, Colvin LA, Smith BH. Physical activity and exercise for chronic pain in adults: an overview of Cochrane Reviews. Cochrane Database Syst Rev. 2017;4(4):24.
  • 4
    de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti D, de Oliveira Junior JO, da Fonseca P, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830.
  • 5
    Steenstra IA, Munhall C, Irvin E, Oranye N, Passmore S, Van Eerd D, et al. Systematic review of prognostic factors for return to work in workers with sub-acute and chronic low back pain. J Occup Rehabil. 2017;27(3):369-81.
  • 6
    Carvalho RC, Maglioni CB, Machado GB, Araújo JE, Silva JR, Lourenço M. Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: a national internet-based survey study. BrJP. 2018;(4):331-8.
  • 7
    Gómez Penedo JM, Rubel JA, Blättler L, Schmidt SJ, Stewart J, Egloff N, et al. The complex interplay of pain, depression, and anxiety symptoms in patients with chronic pain: a network approach. Clin J Pain. 2020;36(4):249-59.
  • 8
    Rapti E, Damigos D, Apostolara P, Roka V, Tzavara C, Lionis C. Patients with chronic pain: evaluating depression and their quality of life in a single center study in Greece. BMC Psychol. 2019;21;7(1):86.
  • 9
    Ben Tekaya A, Mahmoud I, Hamdi I, Hechmi S, Saidane O, Tekaya R, et al. Depression and anxiety in spondyloarthritis: prevalence and relationship with clinical parameters and self-reported outcome measures. Turk Psikiyatri Derg. 2019;30(2):90-8.
  • 10
    Adilay U, Guclu B, Goksel M, Keskil S. The Correlation of SCL-90-R Anxiety, Depression, Somatization Subscale Scores with Chronic Low Back Pain. Turk Neurosurg. 2018;28(3):434-438.
  • 11
    Sheng J, Liu S, Wang Y, Cui R, Zhang X. The Link between Depression and Chronic Pain: Neural Mechanisms in the Brain. Neural Plast. 2017;9724371.
  • 12
    Lee HJ, Choi EJ, Nahm FS, Yoon IY, Lee PB. Prevalence of unrecognized depression in patients with chronic pain without a history of psychiatric diseases. Korean J Pain. 2018;31(2):116-24.
  • 13
    Siqueira-Campos VME, Da Luz RA, de Deus JM, Martinez EZ, Conde DM. Anxiety and depression in women with and without chronic pelvic pain: prevalence and associated factors. J Pain Res. 2019;16;12:1223-33.
  • 14
    Husky MM, Ferdous Farin F, Compagnone P, Fermanian C, Kovess-Masfety V. Chronic back pain and its association with quality of life in a large French population survey. Health Qual Life Outcomes. 2018;26;16(1):195.
  • 15
    Noble B, Clark D, Meldrum M, Ten Have H, Seymour J, Winslow M, et al. The measurement of pain, 1945-2000. J Pain Symptom Manage. 2005;29(1):14-21.
  • 16
    Botega NJ, Pondé MP, Medeiros P, Lima MG, Guerreiro CAM. Validação da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD) em pacientes epiléticos ambulatoriais. J Bras Psiquiatr. 1998;47(6):285-9.
  • 17
    Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):146-150.
  • 18
    Kreling MC, da Cruz DA, Pimenta CA. Prevalência de dor crônica em adultos. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):509-13.
  • 19
    Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Prevalence of chronic pain and associated factors in the population of Salvador, Bahia. Rev Saude Publica. 2009;43(4):622-30.
  • 20
    Machado AR, Oliveira IM, Alves AP, Andrade AO. Análise da relação entre parâmetros da onda M e a dor. Rev Dor. 2011;12(4):301-7.
  • 21
    Theadom A, Cropley M, Humphrey KL. Exploring the role of sleep and coping in quality of life in fibromyalgia. J Psychosom Res. 2007;62(2):145-51.
  • 22
    Latina R, De Marinis MG, Giordano F, Osborn JF, Giannarelli D, Di Biagio E, et al. Epidemiology of chronic pain in the Latium region, Italy: a cross-sectional study on the clinical characteristics of patients attending pain clinics. Pain Manag Nurs. 2019;20(4):373-81.
  • 23
    Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA da ST, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9.
  • 24
    Do Lago-Rizzardi, CD, Teixeira, MJ, De Siqueira, SRDT. Espiritualidade e religiosidade no enfrentamento da dor. O Mundo da Saúde. 2010;34(4):483-7.
  • 25
    Zavarizzi CP, Alencar MCB. Afastamento do trabalho e os percursos terape^uticos de trabalhadores acometidos por LER/Dort. Saúde em Debate. 2018;42(116):113-24.
  • 26
    Hasegawa T, Katsuhira J, Oka H, Fujii T, Matsudaira K. Association of low back load with low back pain during static standing. PLoS One. 2018;13(12): e0208877.
  • 27
    Perolat R, Kastler A, Nicot B, Pellat JM, Tahon F, Attye A, et al. Facet joint syndrome: from diagnosis to interventional management. Insights Imaging. 2018;9(5):773-89.
  • 28
    Strom J, Nielsen CV, Jorgensen LB, Andersen NT, Laursen M. A web-based platform to accommodate symptoms of anxiety and depression by featuring social interaction and animated information in patients undergoing lumbar spine fusion: a randomized clinical trial. Spine J. 2019;19(5):827-39.
  • 29
    Terrier P, Praz C, Joane Le Carré J, Vuistiner P, Léger B, Luthi F. Influencing walking behavior can increase the physical activity of patients with chronic pain hospitalized for multidisciplinary rehabilitation: an observational study. BMC Musculoskeletal Disord. 2019;20(1):188.
  • 30
    BRASIL. Ministério da saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. Ministério da Saúde. 2015;2:16-9.
  • 31
    Pagé MG, Ziemianski D, Martel MO, Shir Y. Development and validation of the treatment expectations in chronic pain scale. Br J Health Psychol. 2019;24(3):610-28.
  • 32
    Laguardia J, Campos MR, Travassos C, Najar AL, Anjos LAD, Vasconcellos MM. Dados normativos brasileiros do questionário Short Form-36, versão 2. Rev Bras Epidemiol. 2013;16:889-97.
  • 33
    Tsuji T, Matsudaira K, Sato H, Vietri J, Jaffe, DH. Association between presenteeism and health-related quality of life among Japanese adults with chronic lower back pain: a retrospective observational study. BMJ Open. 2018;8(6):e021160.
  • 34
    Bailly F, Foltz V, Rozenberg S, Fautrel B, Gossec L. The impact of chronic low back pain is partly related to loss of social role: a qualitative study. Joint Bone Spine. 2015;82(6):437-41.
  • 35
    Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901.
  • 36
    Bair MJ, Wu J, Damush TM, Sutherland JM, Kroenke K. Association of depression and anxiety alone and in combination with chronic musculoskeletal pain in primary care patients. Psychosom Med. 2008;70(8):890-7.
  • 37
    Müller MR, Guimarães SS. Impacto dos transtornos do sono sobre o funcionamento diário e a qualidade de vida. Estud Psicol. 2007;24(4):519-28.
  • 38
    Griffin S, Tan J, Perrin PB, Williams AB, Smith ER, Rybarczyk B. Psychosocial underpinnings of pain and sleep disturbance in safety-net primary care patients. Pain Res Manag. 2020;29;2020:5932018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br