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Disestesia do escalpo. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A disestesia do escalpo caracteriza-se pela presença de diversos sintomas localizados ou difusos, como queimação, dor, prurido ou sensações de picada, sem achados objetivos no exame fisico do paciente que possam explicar e ligar os sintomas existentes à alguma outra etiologia. O objetivo deste estudo foi descrever um caso de disestesia de escalpo, desde a sua investigação clínica e laboratorial, até a conduta adotada.

RELATO DO CASO:

Paciente do sexo masculino, 38 anos. Primeiramente foi ao serviço de Dermatologia com queixa de prurido em couro cabeludo há cinco anos. Na consulta do Serviço de Dor, o paciente queixava-se de sensações disestésicas como: formigamento e prurido em região biparieto-occipital que piora com o calor, associada à dor de forte intensidade, diária, intermitente e em queimação na região cervical No exame fisico, foram encontradas evidências de escoriações ligadas a esse prurido. O paciente recebeu tratamento farmacológico conservador, com melhora importante do sintoma após 3 meses.

CONCLUSÃO:

São necessários maiores estudos prospectivos para caracterizar ainda mais a patogênese da disestesia do escalpo, gerar otimização das opções terapêuticas disponíveis e, consequentemente, melhora na atenção prestada aos pacientes acometidos. Este relato corroborou alguns achados já descritos na literatura, como a associação com alterações cervicais e a melhora por meio do uso de antidepressivos em baixas doses e de anticonvulsivantes como a gabapentina.

Descritores:
Dor; Parestesia; Tratamento farmacológico

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Scalp dysesthesia is characterized by the presence of several localized or diffuse symptoms, such as burning, pain, pruritus or stinging sensations, without objective findings in the physical examination of the patient that can explain and link the existing symptomatology to some other etiology. The aim of this study was to describe a case of scalp dysesthesia, from its clinical and laboratory investigation and the conduct adopted.

CASE REPORT:

A 38-year-old male patient, first assigned to the Dermatology Service, with complaints of pruritus in the scalp for 5 years. In the consultation at the Pain Service, the patient complained of daily, intermittent and burning dysesthetic sensations, such as tingling and pruritus in the bipariethoccipital region, worsening with heat and associated with severe pain in the cervical region. Upon physical examination, evidence of excoriations associated with this pruritus was found. The patient received conservative pharmacological treatment, with significant improvement of the symptomatology after 3 months.

CONCLUSION:

Larger prospective studies are needed to further characterize the pathogenesis of scalp dysesthesia, to generate optimization of the available therapeutic options and consequently improve the care that is given to patients. This report corroborates with some findings already described in the literature, such as the association with cervical alterations and the improvement through the use of low-dose antidepressants and anticonvulsants such as gabapentin.

Keywords:
Pain; Paresthesia; Pharmacological treatment

INTRODUÇÃO

A disestesia de escalpo (DE), descrita pela primeira vez em 199811 Hoss D, Segal S. Scalp dysesthesia. Arch Dermatol. 1998;134(3):327-30., é classificada como uma das várias síndromes de dor cutânea crônica. Caracteriza-se pela presença de diversos sintomas localizados ou difusos, como queimação, dor, prurido ou sensações de picada, na ausência de uma desordem cutânea primária22 Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3.,33 Sarifakioglu E, Onur O. Women with scalp dysesthesia treated with pregabalin. International J Dermatol. 2012;52(11):1417-8.. É por muitas vezes subdiagnosticada e confundida com a dermatite seborreica44 Kinoshita-Ise M, Shear NH. Diagnostic and therapeutic approach to scalp dysesthesia: a case series and published work review. J Dermatol. 2019;46(6):526-30.. Pode ser causada por condição psiquiátrica, lesão nervosa, tensão muscular ou lesão cirúrgica direta. Representa um tipo de síndrome de dor crônica com sensações disestésicas transmitidas via fibras C amielinizadas aferentes55 Rakowska A, Olszewska M, Rudnicka L. Trichoscopy of scalp dysesthesia. Postepy Dermatol Alergol. 2017;34:245-7.. Entretanto, não há consenso quanto à fisio-patologia, em parte pela grande complexidade anatômica e de todos os componentes da região do couro cabeludo, como a microflora, o sebo de produção regional e os circuitos neurais, que podem exercer influência sobre as manifestações de possíveis alterações na região3. O manuseio da DE não é padronizado, considerando que não existem estudos maiores11 Hoss D, Segal S. Scalp dysesthesia. Arch Dermatol. 1998;134(3):327-30.,22 Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3..

O objetivo deste relato foi descrever um caso de DE, desde a sua investigação clínica e laboratorial até a conduta adotada.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 38 anos. Primeiramente foi ao Serviço de Dermatologia do hospital com queixa de prurido no couro cabeludo há 5 anos. O exame dermatoscópico afastou dermatite se-borreica, psoríase, prurido pós-herpético e outras afecções de couro cabeludo. O paciente foi, então, encaminhado ao Serviço de Dor. Durante a consulta no serviço o paciente se queixava de sensações disestésicas, como formigamento e prurido em região biparieto-oc-cipital, que piorava com o calor, associados à dor intensa diária, intermitente e com queimação na região cervical. Após novo exame físico foram encontradas evidências de escoriações ligadas a esse prurido. Solicitou-se ressonância nuclear magnética (RNM) da região cervical e do crânio para avaliar possíveis alterações anatômicas que pudessem explicar o quadro. Iniciou-se o tratamento clínico com ga-bapentina (300mg) a cada 12h, associado à amitriptilina (12,5mg) em dose única diária por via oral.

A RNM evidenciou retificação fisiológica da coluna cervical, osteófi-tos periféricos com formação de sindesmófitos nos corpos vertebrais de C6 e C7, redução de altura e desidratação de seus respectivos discos vertebrais, caracterizada por hipossinal em T2, complexo dis-co-osteofitário posterior a C6-C7, com redução da amplitude das neuroformações correspondentes e pequena protrusão focal central ao nível de C3-C4.

Após instituição do tratamento, realizou-se estudo eletroneuromio-gráfico com teste de limiar sensitivo em regiões parietais, temporais, frontais e occipitais, estando o limiar de sensibilidade simétrico bilateral dentro dos padrões de normalidade. Com o ajuste para doses diárias de gabapentina (900mg) e amitriptilina (25mg), em três meses o paciente apresentou melhora importante do prurido e parestesia em região occipital, apenas com episódios esporádicos associados à exposição solar da região relacionada à sua atividade laboral.

DISCUSSÃO

A DE é descrita como uma das várias síndromes de dor cutânea crônica, que incluem a da boca ardente, da vulvodínia, da escrotodinose e da dor facial atípica11 Hoss D, Segal S. Scalp dysesthesia. Arch Dermatol. 1998;134(3):327-30.

2 Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3.
-33 Sarifakioglu E, Onur O. Women with scalp dysesthesia treated with pregabalin. International J Dermatol. 2012;52(11):1417-8.. Não tem preferência por raça ou sexo, tampouco é considerada uma doença grave, porém apresenta inúmeros impactos negativos na qualidade de vida do paciente66 Shumway NK, Cole E, Fernandez KH. Neurocutaneous disease: neurocutaneous dysesthesias. J Am Acad Dermatol. 2016;74(2):215-28..

É caracterizada clinicamente por presença de diversos sintomas localizados ou difusos, como queimação, dor, prurido ou sensações de picada, sendo que podem estar presentes mais de uma sensação disestésica na mesma área44 Kinoshita-Ise M, Shear NH. Diagnostic and therapeutic approach to scalp dysesthesia: a case series and published work review. J Dermatol. 2019;46(6):526-30.. Para realizar o diagnóstico, que é essencialmente clínico, é necessária a ausência de uma desordem cutânea primária, sendo que na literatura alguns padrões dermatoscópicos são propostos em pacientes com esta síndrome. Na tricoscopia, os mais comuns foram a tricoptilose e a cobertura das lesões por cabelos pequenos e uniformes em tamanho, sendo que alguns deles tinham características de tricorrexia nodosa, com achados que indicam lesão mecânica55 Rakowska A, Olszewska M, Rudnicka L. Trichoscopy of scalp dysesthesia. Postepy Dermatol Alergol. 2017;34:245-7.. No caso reportado não houve, à primeira consulta, achados no exame físico, somente após novo exame foram encontradas leves escoriações.

O paciente apresentou alterações de coluna cervical no exame de imagem, algo que já foi demonstrado como comum, em especial sob a forma de doença degenerativa de disco. A patogenia dessa anormalidade no exame de imagem de cervical pode ser associada, como dito já descrito, à tensão muscular crônica colocada nos músculos pericranianos e na aponeurose do couro cabeludo, secundária à doença da coluna mostrada em imagem22 Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3.,88 Laidler NK, Chan J. Treatment of scalp dysesthesia utilising simple exercises and stretches: a pilot study. Australas J Dermatol. 2018;59(4):318-21.. Pode estar associada ou não a distúrbios psiquiátricos, sendo os transtornos mais comuns o depressivo persistente, ansiedade generalizada e somatização22 Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3.,66 Shumway NK, Cole E, Fernandez KH. Neurocutaneous disease: neurocutaneous dysesthesias. J Am Acad Dermatol. 2016;74(2):215-28.. Apesar dos achados corroborarem com as teorias etiológicas encontradas na literatura, não há consenso quanto origem da DE.

Não há consenso sobre o tratamento da DE, mas existem algumas opções na literatura que demonstraram boa resposta. Como a DE é uma síndrome associada a alterações de fibras finas, trata-se como neuropatia e, portanto, utiliza-se a gabapentina associada a antide-pressivos tricíclicos em baixas doses, no caso a amitriptilina, alcançando resultados satisfatórios. A maioria dos casos já relatados na literatura, assim como este, demonstraram boa resposta e até ausência por completo dos sintomas clínicos relatados11 Hoss D, Segal S. Scalp dysesthesia. Arch Dermatol. 1998;134(3):327-30.

2 Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3.

3 Sarifakioglu E, Onur O. Women with scalp dysesthesia treated with pregabalin. International J Dermatol. 2012;52(11):1417-8.
-44 Kinoshita-Ise M, Shear NH. Diagnostic and therapeutic approach to scalp dysesthesia: a case series and published work review. J Dermatol. 2019;46(6):526-30.. Dentre as outras formas de tratamento, existe a associação de fármacos, ainda não disponível no Brasil, feita de amitriptilina, cetamina e lidocaína44 Kinoshita-Ise M, Shear NH. Diagnostic and therapeutic approach to scalp dysesthesia: a case series and published work review. J Dermatol. 2019;46(6):526-30., além de exercícios físicos e fisioterapia, já que a DE pode estar diretamente relacionada a problemas cervicais e de coluna88 Laidler NK, Chan J. Treatment of scalp dysesthesia utilising simple exercises and stretches: a pilot study. Australas J Dermatol. 2018;59(4):318-21..

Esta síndrome se caracteriza como uma condição desafiadora e fTus-trante para o paciente e para o médico, pois não possui patogênese nem tratamentos bem estabelecidos ou mesmo baseados em evidências. É necessária uma uniformização na conduta terapêutica por meio da realização de mais estudos sobre o tema, como a melhor via de administração, dose e fármaco.

CONCLUSÃO

Este relato corroborou alguns resultados já descritos na literatura como a associação com alterações cervicais e a melhora por meio do uso de antidepressivos em baixas doses e de anticonvulsivantes como a gabapentina.

REFERENCES

  • 1
    Hoss D, Segal S. Scalp dysesthesia. Arch Dermatol. 1998;134(3):327-30.
  • 2
    Thornsberry LA, English JC 3rd. Scalp dysesthesia related to cervical spine disease. JAMA Dermatol. 2013;149(2):200-3.
  • 3
    Sarifakioglu E, Onur O. Women with scalp dysesthesia treated with pregabalin. International J Dermatol. 2012;52(11):1417-8.
  • 4
    Kinoshita-Ise M, Shear NH. Diagnostic and therapeutic approach to scalp dysesthesia: a case series and published work review. J Dermatol. 2019;46(6):526-30.
  • 5
    Rakowska A, Olszewska M, Rudnicka L. Trichoscopy of scalp dysesthesia. Postepy Dermatol Alergol. 2017;34:245-7.
  • 6
    Shumway NK, Cole E, Fernandez KH. Neurocutaneous disease: neurocutaneous dysesthesias. J Am Acad Dermatol. 2016;74(2):215-28.
  • 7
    Bin Saif G, Ericson ME, Yosipovitch G. The itchy scalp--scratching for an explanation. Exp Dermatol. 2011;20(12):959-68.
  • 8
    Laidler NK, Chan J. Treatment of scalp dysesthesia utilising simple exercises and stretches: a pilot study. Australas J Dermatol. 2018;59(4):318-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2019
  • Aceito
    09 Dez 2019
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