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Terapia ocupacional e educação: um estudo documental sobre a formação acadêmica

Resumo

Introdução

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em terapia ocupacional apontam para uma formação voltada para a atuação em diversos campos, o que inclui o campo da educação.

Objetivo

Identificar como se dá a formação do terapeuta ocupacional para atuação no contexto escolar, a partir da análise de documentos de cursos de graduação em terapia ocupacional brasileiros.

Método

Trata-se de um estudo documental realizado por meio da análise de Projeto Político-Pedagógico, Grade Curricular e Ementários de disciplinas de cursos de graduação em terapia ocupacional brasileiros. Os dados foram organizados em planilhas do Excel e analisados descritivamente por meio de abordagem qualitativa.

Resultados

Do total de 61 cursos de graduação em terapia ocupacional no Brasil, foram consultados documentos referentes a 33 deles; destes, apenas metade (n=16) apresenta componentes curriculares específicos voltados para a área de educação, sendo que a maioria deles (n=14) oferece tais conteúdos de forma obrigatória. Em relação aos cursos que oferecem disciplinas específicas sobre a educação, aponta-se para um possível reconhecimento da importância da abordagem destes conteúdos na formação do terapeuta ocupacional, uma vez que, em sua maioria, são disciplinas de caráter obrigatório. Ressalta-se a importância de que sejam realizados investimentos na área, considerando as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais e das recomendações apontadas em Resoluções específicas da área.

Conclusão

Acredita-se que o presente estudo contribui para o avanço das reflexões sobre a formação do terapeuta ocupacional para atuação no contexto escolar e incentiva a realização de novos estudos sobre o tema.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Educação; Instituições Acadêmicas; Formação Professional

Abstract

Introduction

The National Curriculum Guidelines for undergraduate courses in occupational therapy point to training aimed at working in different fields, which includes the field of education.

Objective

To identify how occupational therapists are trained to work in the school context, based on the analysis of documents from undergraduate courses in Brazilian occupational therapy.

Method

This is a documental study carried out through the analysis of the Political-Pedagogical Project, Curricular Grid and Syllabuses of disciplines of graduation courses in Brazilian occupational therapy. Data were organized in Excel spreadsheets and descriptively analyzed using a qualitative approach.

Results

Of the total of 61 undergraduate courses in occupational therapy in Brazil, documents referring to 33 of them were consulted; of these, only half (n=16) present specific curricular components aimed at the area of ​​education, and most of them (n=14) offer such content on a mandatory basis. Regarding the courses that offer specific disciplines on education, it is possible to recognize the importance of approaching these contents in the training of occupational therapists, since, for the most part, they are mandatory disciplines. It emphasizes the importance of investments in the area, considering the guidelines of the National Curriculum Guidelines and the recommendations indicated in specific Resolutions of the area.

Conclusion

It is believed that the present study contributes to the advancement of reflections on the training of occupational therapists to work in the school context and encourages further studies on the subject.

Keyword:
Occupational Therapy; Education; Schools; Professional Training

Introdução

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de terapia ocupacional apontam para uma formação generalista, com conteúdo diversificado, e que forme profissionais aptos a trabalharem em diferentes contextos, como em hospitais gerais, ambulatórios, consultórios, projetos sociais, sistemas prisionais, empresas, comunidades terapêuticas, creches e escolas (Brasil, 2002Brasil. (2002, 19 de fevereiro). Resolução CNE/CES 6, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 12. Recuperado em 5 de dezembro de 2022, de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES062002.pdf
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).

O documento também aponta que o objetivo da formação é de que o profissional adquira competências e habilidades para identificar, entender, analisar e interpretar aspectos relacionados à dimensão ocupacional e cotidiana do ser humano, e utilizar como instrumento de intervenção as diferentes atividades humanas, quais sejam: as artes, o trabalho, o lazer, a cultura, as atividades artesanais, o autocuidado, as atividades cotidianas e sociais, dentre outras, como a educação (Brasil, 2002Brasil. (2002, 19 de fevereiro). Resolução CNE/CES 6, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 12. Recuperado em 5 de dezembro de 2022, de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES062002.pdf
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).

Mais recentemente, foi publicada a resolução n. 650, de 4 de dezembro de 20201 1 Esta Resolução se encontra em processo de validação e ainda deve passar por outras instâncias. , que dispõe sobre as recomendações do Conselho Nacional de Saúde à proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação bacharelado em terapia ocupacional, que aponta no Art. 7º, inciso VI, que a atuação do profissional deve ser embasada no reconhecimento das necessidades humanas nos diversos campos, como o da saúde, assistência social, previdência social, trabalho, cultura, lazer, esporte, educação, justiça e meio ambiente, promovendo o engajamento nas atividades/ ocupações/ cotidianos e possibilitar dignidade no exercício de participação, cidadania e inclusão social (Brasil, 2020Brasil. (2020, 4 de dezembro). Resolução n.º 650, de 4 de dezembro de 2020. Dispõe sobre as recomendações do Conselho Nacional de Saúde à proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação Bacharelado em Terapia Ocupacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 24 de fevereiro de 2022, de http://conselho.saude.gov.br/resolucoes-cns/resolucoes-2020/1502-resolucao-n-650-de-04-de-dezembro-de-2020
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).

O terapeuta ocupacional se dedica à compreensão do fazer humano e sua atuação tem foco nas áreas do fazer cotidiano e/ou da ocupação humana, dentre elas, tem-se as atividades relacionadas ao campo da educação, o que aponta para a importância de pensar e refletir sobre a atuação do terapeuta ocupacional nessa área (Gomes et al., 2021Gomes, M. D., Teixeira, L., & Ribeiro, J. (2021). Enquadramento da prática da terapia ocupacional: domínio & processo. Leiria: Politécnico de Leiria.).

Diversos estudos nacionais abordam sobre a atuação do terapeuta ocupacional na área de educação e reforçam sobre as diversas possibilidades da profissão nesta área, bem como os ganhos obtidos por meio dessas intervenções que, em sua maioria, envolvem a viabilização ou facilitação da participação de estudantes nas atividades que compõem a dinâmica escolar, seja por meio de ajustes, adaptações, elaboração de recursos, orientações, capacitações, elaboração de oficinas, acompanhamentos singulares e territoriais, articulação de recursos no campo social, mediação de conflitos, dentre outros (Pan & Lopes, 2022Pan, L. C., & Lopes, R. E. (2022). Ação e formação da terapia ocupacional social com os jovens na escola pública. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e2810. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO21252810.
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; Pan et al., 2022Pan, L. C., Borba, P. L. O., & Lopes, R. E. (2022). Recursos e metodologias para o trabalho de terapeutas ocupacionais na e em relação com a escola pública. In R. E. Lopes & P. L. O. Borba (Orgs.), Terapia Ocupacional, Educação e Juventudes: conhecendo práticas e reconhecendo saberes (pp. 97-126). São Carlos: EdUFSCar.; Souto et al., 2018Souto, M. S. D., Gomes, E. B. N., & Folha, D. R. S. C. (2018). Educação Especial e Terapia Ocupacional: análise de interfaces a partir da produção de conhecimento. Revista Brasileira de Educação Especial, 24(4), 583-600. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382418000500008.
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; Fonseca et al., 2018Fonseca, S. P. D., Sant’Anna, M. M. M., Cardoso, P. T., & Tedesco, S. A. (2018). Detalhamento e reflexões sobre a terapia ocupacional no processo de inclusão escolar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 381-397. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1203.
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; Calheiros et al., 2016Calheiros, D. S., Lourenço, G. F., & Cruz, D. M. (2016). A atuação da terapia ocupacional no contexto escolar: educação inclusiva & perspectiva social. In J. L. Cavalcante Neto & O. O. N. Silva (Orgs.), Diversidade e movimento: diálogos possíveis e necessários (pp. 205-234). Curitiba: Editora CRV.; Rocha, 2007Rocha, E. F. (2007). A terapia ocupacional e as ações na educação: aprofundando interfaces. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 122-127. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v18i3p122-127.
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).

No ano de 2018, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional publicou a Resolução n. 500, de 26 de dezembro de 2018, que reconhece a especialidade da terapia ocupacional no contexto escolar. Esta descreve que o terapeuta ocupacional especialista no contexto escolar é o profissional competente e com formação específica para atuar tanto em contexto de escola regular ou especial, como em outros contextos educacionais em todas as modalidades e níveis educacionais, com o intuito de garantir a inclusão dos estudantes nos espaços de aprendizagem e de formação da comunidade educativa (Brasil, 2018aBrasil. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional - COFFITO. (2018a, 26 de dezembro). Resolução n.º 500, de 26 de dezembro de 2018. Reconhece e disciplina a especialidade de Terapia Ocupacional no Contexto Escolar, define as áreas de atuação e as competências do terapeuta ocupacional especialista em Contexto Escolar e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 27 de janeiro de 2022, de https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=10488
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).

Apesar do recente reconhecimento da especialidade, a atuação do terapeuta ocupacional na educação já vem sendo comentada há mais de 20 anos. Rocha (2007)Rocha, E. F. (2007). A terapia ocupacional e as ações na educação: aprofundando interfaces. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 122-127. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v18i3p122-127.
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aponta que a atuação do terapeuta ocupacional na educação iniciou por meio da Educação Especial, quando a atuação era mais voltada para a realização de atividades de apoio aos educadores junto aos estudantes com deficiência. No entanto, diversos estudos nacionais recentes apontam que a atuação do terapeuta ocupacional neste campo vem envolvendo não apenas o aluno, como, também, a escola, os professores, a família e a comunidade escolar, ampliando sua atuação para além da Educação Especial (Pan et al., 2022Pan, L. C., Borba, P. L. O., & Lopes, R. E. (2022). Recursos e metodologias para o trabalho de terapeutas ocupacionais na e em relação com a escola pública. In R. E. Lopes & P. L. O. Borba (Orgs.), Terapia Ocupacional, Educação e Juventudes: conhecendo práticas e reconhecendo saberes (pp. 97-126). São Carlos: EdUFSCar.; Fonseca et al., 2018Fonseca, S. P. D., Sant’Anna, M. M. M., Cardoso, P. T., & Tedesco, S. A. (2018). Detalhamento e reflexões sobre a terapia ocupacional no processo de inclusão escolar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 381-397. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1203.
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; Rocha, 2007Rocha, E. F. (2007). A terapia ocupacional e as ações na educação: aprofundando interfaces. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 122-127. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v18i3p122-127.
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; Cardoso & Matsukura, 2012Cardoso, P. T., & Matsukura, T. S. (2012). Práticas e perspectivas da terapia ocupacional na inclusão escolar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 23(1), 7-15. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v23i1p7-15.
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).

Neste sentido, entende-se que a formação do terapeuta ocupacional deve abordar sobre conteúdos teóricos e práticos, e propiciar o desenvolvimento dessas habilidades para compor esse campo de atuação, o que sugere o questionamento sobre como tem se dado a formação dos terapeutas ocupacionais para a atuação no campo da educação.

Folha et al. (2020)Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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realizaram um estudo que abordou sobre a realidade dessa formação e os desafios vivenciados por estudantes de graduação em terapia ocupacional, e apontaram que a oportunidade de realizar estágio em terapia ocupacional neste campo é um avanço na região em relação ao campo da educação, ao mesmo tempo em que reforça a importância de maiores investimentos na área e em estudos sobre o tema. Tais investimentos são necessários, inclusive, em relação a outras regiões do país para que melhore o conhecimento sobre a realidade brasileira, considerando, também, a importância da formação do terapeuta ocupacional para atuação neste campo.

Assim, considerando a lacuna encontrada no conhecimento em relação às pesquisas sobre formação do terapeuta ocupacional no contexto escolar/ educação, bem como a importância de melhor compreender sobre a realidade dessa formação e o recente reconhecimento da especialidade “Terapia ocupacional no contexto escolar”, compreende-se a importância de conhecer sobre como essa formação tem acontecido nos cursos de graduação em terapia ocupacional no Brasil, inclusive, especificamente, em relação à oferta de conteúdos teóricos e práticos da área.

Assim, o presente trabalho pretende identificar como se dá a formação do terapeuta ocupacional para atuação no contexto escolar/ educação com base na análise de documentos de cursos de graduação em terapia ocupacional brasileiros, a fim de conhecer sobre a realidade dos conteúdos teóricos e/ou práticos sobre o tema.

Metodologia

O presente estudo se caracteriza pela pesquisa baseada na análise documental, que se distingue pela utilização de documentos como fonte de pesquisa, o que exige um olhar atento para as informações a serem coletadas de modo que elas respondam aos objetivos da pesquisa (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Projeto de Pesquisa: métodos qualitativos, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed/Bookman.).

De acordo com Gil (2017), aGil, C. A. (2017). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas. pesquisa documental se caracteriza pela utilização de materiais internos à instituição como fonte de dados, e dentre os mais utilizados tem-se os documentos institucionais. Para o autor, a pesquisa é elaborada por meio das seguintes etapas: a) formulação do problema; b) elaboração do plano de trabalho; c) identificação das fontes; d) localização das fontes e obtenção do material; e) análise e interpretação dos dados; e f) redação do relatório.

Inicialmente, foi realizado um levantamento dos cursos de graduação em terapia ocupacional brasileiros, cadastrados no sistema do Ministério da Educação (MEC) (Brasil, 2022), que estivessem ativos, ofertados na modalidade presencial, vinculados a instituições de natureza pública ou privada, e cujos sites das instituições disponibilizassem na rede mundial de computadores, em livre acesso, o Projeto Político-Pedagógico do curso, bem como informações sobre as disciplinas teóricas e práticas oferecidas (matriz/grade curricular e ementas).

Foram excluídos do presente estudo disciplinas que não eram específicas da área de educação, ainda que abordassem sobre algum conteúdo específico, uma vez que não seria possível mensurar a carga horária destinada a conteúdos sobre o tema.

Ressalta-se que foram privilegiadas as informações de documentos com data mais recente. Para a coleta de dados, foi elaborado um formulário que considerou as seguintes informações: nome do curso, localização geográfica, documento consultado (Projeto Político Pedagógico e/ou matriz curricular e/ou ementa), quantidade de disciplinas específicas da área de educação, título das disciplinas relacionadas à área de educação, aplicabilidade (teórica e/ou prática e/ou estágio e/ou extensionista), carga horária total da disciplina e obrigatoriedade (optativa e/ou obrigatória).

A coleta de dados foi realizada em duas etapas: a) levantamento dos cursos de graduação em terapia ocupacional, que foi realizado em 18 de abril de 2022; e b) identificação das disciplinas que abordavam sobre a área de educação/ contexto escolar, realizada nos meses de maio e junho de 2022.

Coleta de dados

A primeira etapa da coleta de dados foi realizada por meio da busca pelos cursos na base de dados disponibilizada pelo sistema de cadastro do e-MEC, do Ministério da Educação. Na ocasião da busca, foram identificados 61 cursos de graduação em terapia ocupacional, de acordo com os critérios definidos para este estudo.

Já na segunda etapa da coleta de dados, após o levantamento das Instituições de Ensino Superior (IES), foi realizada uma busca no site oficial de cada uma das 61 IES, a fim de identificar informações sobre o curso de terapia ocupacional, e apenas 38 disponibilizavam informações gerais. As demais IES (n=23) não disponibilizavam nenhuma informação sobre o curso no site da instituição.

Em seguida, foi realizada a busca pelos documentos do curso nos sites das 38 IES que disponibilizavam informações gerais, a saber: Projetos Políticos Pedagógicos e/ou matriz curricular e/ou ementas, para encontrar informações sobre disciplinas/ componentes curriculares que fossem específicos da área de terapia ocupacional na educação/ contexto escolar. No entanto, apenas 33 IES contavam com, pelo menos, um dos três documentos.

De posse dos documentos citados, foi realizada a busca por componentes curriculares cujos títulos incluíssem alguma das seguintes palavras-chaves: educação, inclusão escolar, contexto escolar, contexto educacional, escola e/ou educação inclusiva.

Após a identificação das disciplinas, foi realizada a leitura das ementas/conteúdos abordados para verificar se a disciplina era específica da área ou se apenas abordava algum conteúdo relacionado à área de educação. Para o presente estudo, foram consideradas apenas as disciplinas específicas da área do contexto escolar/ educação.

Assim, do total de 33 cursos cujos documentos foram consultados, identificou-se que apenas 16 cursos de graduação em terapia ocupacional brasileiros estavam dentro dos critérios definidos para o presente estudo, ou seja, ofereciam disciplinas específicas voltadas para a área de contexto escolar/ educação. Os dados desses cursos foram organizados em planilhas do Excel e apresentados por meio de tabelas e, em seguida, foi realizada a análise dos dados de forma descritiva.

Resultados e Discussões

Os resultados apontaram que, do total de 61 cursos de graduação em terapia ocupacional em atividade no Brasil, a maioria se concentra na região Sudeste (n=29) e a minoria fica na região Centro-Oeste (n=4) (Tabela 1).

Tabela 1
Número de cursos de graduação em terapia ocupacional no Brasil por região.

Do total de 61 cursos, apenas 33 disponibilizavam documentos em livre acesso. Entretanto, do total de 33 que disponibilizavam informações sobre as disciplinas, apenas 16 ofereciam disciplinas específicas da área de educação/ contexto escolar, considerando os critérios do presente estudo2 2 Os links para acesso aos documentos e às informações consultadas estão nas referências ao final do texto (Centro Universitário Goyazes, 2022; Faculdade Guilherme Guimbala, 2022; Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio de Janeiro, 2022; Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2022; Universidade de Brasília, 2009; Universidade de São Paulo, 2022; Universidade de Sorocaba, 2022; Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, 2017; Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2022; Universidade Federal de Pelotas, 2022; Universidade Federal de Santa Maria, 2022; Universidade Federal de São Carlos, 2015; Universidade Federal de São Paulo, 2022; Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2022; Universidade Federal do Triângulo Mineiro, 2020; Universidade Franciscana, 2022). .

A Tabela 2, a seguir, apresenta as IES, os títulos das disciplinas e as outras informações que compuseram a amostra do presente estudo, conforme o formulário elaborado para a coleta de dados descrito na metodologia:

Tabela 2
Conteúdos voltados para a área de educação nos cursos de graduação em terapia ocupacional no Brasil.

Os resultados revelaram que a maioria dos cursos que oferece disciplinas específicas da área de educação está localizada na região Sudeste (n=9), seguida daqueles localizados na região Sul (n=4), Centro-Oeste (n=2) e Nordeste (n=1).

As regiões Sudeste e Sul apresentam um expoente considerável de produção científica sobre o eixo de terapia ocupacional no campo da educação disponível na rede mundial de computadores (Folha et al., 2020Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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). É possível que isto esteja atrelado ao fato de que a região Sudeste concentra o maior número de cursos vinculados a instituições de natureza pública do país, uma vez que a maioria das publicações advém dessas instituições.

De todo modo, existem estudos pontuais que abordam sobre a atuação do terapeuta ocupacional na área em algumas regiões do país, como na região Sudeste (Fernandes et al., 2019Fernandes, A. D. S. A., Cid, M. F. B., Speranza, M., & Copi, C. G. (2019). A intersetorialidade no campo da saúde mental infantojuvenil: proposta de atuação da terapia ocupacional no contexto escolar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 454-461. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoRE1660.
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; Cardoso & Matsukura, 2012Cardoso, P. T., & Matsukura, T. S. (2012). Práticas e perspectivas da terapia ocupacional na inclusão escolar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 23(1), 7-15. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v23i1p7-15.
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), na região Norte (Folha et al., 2020Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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) e na região Nordeste (Calheiros & Dounis, 2015Calheiros, D. S., & Dounis, A. B. (2015). A formação do Terapeuta Ocupacional perspectiva da educação inclusiva. Educa-Revista Multidisciplinar em Educação, 2(4), 110-129. http://dx.doi.org/10.26568/2359-2087.2015.1627.
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), por exemplo. De forma geral, eles abordam sobre as ações realizadas na escola, sobre formação do terapeuta ocupacional na área, perspectivas do campo, dentre outros.

Neste sentido, aponta-se que a realização de ações na escola, bem como a publicação destas experiências, pode contribuir para a ampliação das discussões sobre a área, bem como das possibilidades da terapia ocupacional no contexto escolar. Aponta-se para a importância da realização de novos estudos sobre o tema nas mais diversas cidades e regiões do país para melhor conhecimento sobre outras realidades.

De acordo com a Tabela 2, não houve cursos da região Norte que estivessem dentro dos critérios deste estudo. Apesar disso, destaca-se que o único estudo identificado nos periódicos nacionais da terapia ocupacional que aborda sobre a formação em terapia ocupacional na área de educação é da região Norte. Ou seja, há um movimento para a realização de formação específica na área de educação nesta região, porém, não foi possível identificar mais detalhes sobre como esta formação tem acontecido por meio dos critérios do presente estudo.

Ainda, os resultados revelaram que a maioria dos cursos que oferecem essas disciplinas o faz em caráter obrigatório (n=14) (Tabela 2), o que supõe a compreensão sobre a importância desse componente no currículo de formação, pois, ao ofertar a disciplina em caráter obrigatório, parece que há uma garantia de que o aluno terá aprendido conteúdos relacionados à área, sobre a atuação do terapeuta ocupacional nesta área e a complexidade do campo.

Neste sentido, no ano de 1994, o Ministério do Estado da Educação e do Desporto, por meio da Portaria n. 1.793, recomendou a necessidade de complementar os currículos de formação dos terapeutas ocupacionais com a inclusão de conteúdos que tratem sobre os aspectos éticos, políticos e educacionais, no intuito de auxiliar o processo de inclusão educacional (Brasil, 1994Brasil. (1994, 2 de dezembro). Portaria nº 1793, de 2 de dezembro de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 28 de julho de 2022, de http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port1793.pdf
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/...
).

Também se destaca que foram encontradas disciplinas específicas da área em apenas, praticamente, metade dos cursos consultados (16 do total de 33 documentos consultados), o que pode apontar para uma possível ausência de conteúdos sobre a área de educação na formação do terapeuta ocupacional. Por outro lado, dadas as limitações do presente estudo, sugere-se que novos estudos se debrucem sobre o tema e utilizem, inclusive, outras fontes para a coleta de dados, a fim de identificar tais lacunas.

Ainda assim, estudos nacionais recentes que abordaram sobre a formação do terapeuta ocupacional para atuação na área de educação revelaram a insuficiência ou inexistência de conteúdos da área, e que os estudantes precisavam buscar alternativas para melhor conhecimento, bem como realizar mais pesquisas sobre a área, a fim de trazer mais evidências sobre a atuação da terapia ocupacional na educação (Folha et al., 2020Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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; Calheiros & Dounis, 2015Calheiros, D. S., & Dounis, A. B. (2015). A formação do Terapeuta Ocupacional perspectiva da educação inclusiva. Educa-Revista Multidisciplinar em Educação, 2(4), 110-129. http://dx.doi.org/10.26568/2359-2087.2015.1627.
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; Cardoso & Matsukura, 2012Cardoso, P. T., & Matsukura, T. S. (2012). Práticas e perspectivas da terapia ocupacional na inclusão escolar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 23(1), 7-15. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v23i1p7-15.
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).

Assim, aponta-se para a importância de que os cursos de terapia ocupacional contemplem, em sua matriz curricular, conteúdos da área de educação para garantir espaços de discussões e de ações práticas que são estratégias potentes para o fortalecimento da área e para melhor aprofundamento sobre as possibilidades da profissão (Borba et al., 2021Borba, P. L. O., Pan, L. C., Farias, M. N., Souza, J. R. B., & Lopes, R. E. (2021). “Best practices of occupational therapy in schools” - uma resenha crítica e aportes para terapeutas ocupacionais no setor da educação. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2136. https://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoARF2136.
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; Folha et al., 2020Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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; Calheiros et al., 2016Calheiros, D. S., Lourenço, G. F., & Cruz, D. M. (2016). A atuação da terapia ocupacional no contexto escolar: educação inclusiva & perspectiva social. In J. L. Cavalcante Neto & O. O. N. Silva (Orgs.), Diversidade e movimento: diálogos possíveis e necessários (pp. 205-234). Curitiba: Editora CRV.). Nesse sentido, Borba et al. (2021, pBorba, P. L. O., Pan, L. C., Farias, M. N., Souza, J. R. B., & Lopes, R. E. (2021). “Best practices of occupational therapy in schools” - uma resenha crítica e aportes para terapeutas ocupacionais no setor da educação. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2136. https://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoARF2136.
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. 9) afirmam que “precisam ser fomentados outros estudos e análises que possam reconhecer as diversidades de perspectivas e proposições da área para o setor da educação”, e acredita-se que tais iniciativas podem contribuir para o avanço nas reflexões e nas ofertas de conteúdos sobre a área.

Sobre a aplicabilidade, os resultados apontaram que a maioria das disciplinas são teóricas (n=7), seguida das que são oferecidas de forma teórico-prática (n=4) (Tabela2). Porém, também foram encontradas duas disciplinas que são oferecidas como estágio, e, ainda, uma que é oferecida de forma teórico-extensionista. As demais disciplinas identificadas não especificavam sobre sua aplicabilidade.

Considerando a complexidade e a transversalidade da atuação do terapeuta ocupacional na área de educação, considera-se a importância de que os conteúdos abordados sejam aplicados de forma teórico-prática. Neste sentido, Folha et al. (2020)Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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apontam que é fundamental que os currículos ofereçam oportunidades de contato com a área para que os acadêmicos possam buscar o aprofundamento teórico-prático.

Compreende-se que a articulação entre teoria e prática pode contribuir para melhor apropriação e desenvolvimento das bases teóricas para sustentação das práticas e para maior aproveitamento da disciplina. Além disso, a realização de atividades práticas pode, inclusive, contribuir para o reconhecimento da profissão nestes espaços, bem como para a ampliação das oportunidades de trabalho.

Destaca-se que os resultados do presente estudo trouxeram uma disciplina específica da área que é oferecida de forma teórico-extensionista. Trata-se de uma novidade prevista na Resolução n. 7, de 18 de dezembro de 2018, do Ministério da Educação e Cultura, e que tem o objetivo de aprofundar os diálogos sobre a área e aproximar os estudantes da prática e da atuação profissional, considerando as demandas da região em que a formação é oferecida (Brasil, 2018bBrasil. (2018b, 18 de dezembro). Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto da Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE 2014 - 2024 e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília Recuperado em 28 de julho de 2022, de https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECESN72018.pdf
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).

Tal resultado aponta para uma mudança recente que tem ocorrido nos cursos de graduação, de um modo geral, que tem passado pelo processo chamado de curricularização da extensão, e acredita-se que, considerando as possíveis mudanças que devem ocorrer com base neste processo, a replicação do presente estudo em um futuro breve pode apresentar resultados diferentes dos que estão sendo apresentados nesta oportunidade.

Com relação ao número de disciplinas específicas da área de educação, tem-se que a maioria dos cursos (n=14) oferece apenas uma disciplina específica (Tabela 2), e apenas dois cursos oferecem duas disciplinas específicas da área. Além disso, verificou-se que a maioria das disciplinas (n=11) é composta por mais de 60 horas de carga horária específica (Tabela 2).

Estudos nacionais que abordaram sobre a formação acadêmica do terapeuta ocupacional apontaram para a pouca carga horária dedicada a conteúdos específicos em diversas áreas de atuação da profissão, como educação (Folha et al., 2020Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rb...
), terapia ocupacional social (Pan & Lopes, 2019Pan, L. C., & Lopes, R. E. (2019). La enseñanza de la Terapia Ocupacional social en las instituciones federales de educación superior en Brasil. Revista Chilena de Terapia Ocupacional, 19(1), 23-34. http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2019.53684.
http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2019...
), saúde mental (Lins, 2015Lins, S. R. A. (2015). Formação acadêmica do terapeuta ocupacional no campo da saúde mental (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. Recuperado em 12 de dezembro de 2022, de https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/6901?locale-attribute=es
https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
), gestão de serviços de saúde (Santos & Menta, 2017Santos, R. S., & Menta, S. A. (2017). A formação do terapeuta ocupacional para gestão de serviços de saúde: um estudo em bases curriculares. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 25(1), 43-51. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAO0710.
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) e atenção primária à saúde, por exemplo (Oliver et al., 2012Oliver, F. C., Pimentel, A., Rocha Uchôa-Figueiredo, L., & Nicolau, S. M. (2012). Formação do terapeuta ocupacional para o trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS): contribuições para o debate. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 20(3), 327-340. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2012.033.
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).

As DCN (Brasil, 2002Brasil. (2002, 19 de fevereiro). Resolução CNE/CES 6, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 12. Recuperado em 5 de dezembro de 2022, de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES062002.pdf
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) apontam que a formação do terapeuta ocupacional deve ser generalista, e envolver conteúdos de diferentes áreas de atuação da profissão, de forma a apresentar as diversas possibilidades da terapia ocupacional; entretanto, de um modo geral, os cursos têm uma carga horária limitada para a oferta desta diversidade de conteúdo. Por isso, compreende-se o quão desafiador é organizar o currículo de modo a garantir a formação generalista preconizada nas DCN, considerando as diversas áreas da profissão, inclusive aquelas que vêm surgindo nos últimos tempos. Ademais, entende-se que uma graduação não é suficiente para envolver todo o conteúdo necessário para que o egresso tenha total segurança na atuação em uma área específica, o que revela a importância da continuidade do processo de formação profissional após a graduação. Porém, reafirma-se a urgência de se pensar sobre esta problemática em vistas a uma formação mais ampliada e que acolha a diversidade que constitui a terapia ocupacional brasileira.

Pereira et al. (2021)Pereira, B. P., Borba, P. L. O., & Lopes, R. E. (2021). Terapia ocupacional e educação: as proposições de terapeutas ocupacionais na e para a escola no Brasil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2072. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO2072.
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investigaram as proposições de terapeutas ocupacionais na e para a escola no Brasil e identificaram quatro eixos temáticos de produção de conhecimento e práticas no campo, sendo eles: inclusão social, inclusão escolar, a criança com deficiência e o diálogo com a terapia ocupacional; recursos e dispositivos para a prática da terapia ocupacional na escola; a educação infantil, o desenvolvimento infantil e sua interface com a terapia ocupacional; e, por fim, infância, adolescência e juventudes em situação de vulnerabilidade social, a escola pública e a terapia ocupacional. Tais resultados refletem a diversidade e a ampliação do campo, traz demandas do campo profissional, e revela um importante alerta para olhar a graduação e pensar as possibilidades de uma formação direcionada para esse campo que vem se delineando.

Nesse sentido, ressalta-se que a escola é um contexto que entremeia o cotidiano de crianças e jovens e que, de fato, precisa ser abordado nos mais diversos conteúdos que compõem a formação em terapia ocupacional, inclusive por se tratar de uma área interdisciplinar e transversal. Sendo assim, buscar suporte teórico na perspectiva da interdisciplinaridade pode desenvolver a integração dos conteúdos, garantir a construção de um conhecimento amplo, rico, e fortalecer e atender às complexidades implicadas neste campo (Farias et al., 2022Farias, M. N., Salazar Rivera, J., Sánchez, P., Chambilla, L., Giorgini, C., Esquivel, E. I. P., López, C., & Massuco, J. (2022). ¿Terapeutas ocupacionales en la educación? Caminos y posibilidades para/en América Latina y Caribe desde una Comunidad de Práctica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e3234. https://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoEN247032343.
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; Folha et al., 2020Folha, D. R. S. C., Tavares, E. B. N. G., & de Souto, M. S. (2020). A formação graduada de terapeutas ocupacionais para o campo da educação em Belém (PA). Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(6), 911-932. https://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto35392.
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). Ainda, é possível que outros componentes curriculares vinculados aos PPP dos cursos consultados abordem sobre estes conteúdos de forma transversal com enfoque na educação, mas cujos documentos não tenham apresentado os critérios definidos para este estudo.

Neste sentido, destaca-se que durante a realização da coleta de dados do presente estudo foram identificadas disciplinas que não eram específicas da área de educação, mas cujas ementas citavam sobre a abordagem de conteúdos relacionados à área. Neste grupo, tem-se como exemplo a disciplina “Terapia ocupacional e as Políticas Públicas de Saúde, Educação e Assistência Social”, da Universidade Federal da Paraíba, e a disciplina “Terapia ocupacional nas alterações do desenvolvimento e contextos escolares”, do Centro Universitário UNIRB, que não foram consideradas para o presente estudo pela impossibilidade de mensurar a carga horária dedicada a conteúdos específicos, bem como os tópicos abordados.

Outro ponto relevante é o fato de que foram poucos os cursos que disponibilizavam informações sobre as disciplinas, que, inclusive, foi um dificultador para a coleta dos dados da presente pesquisa. Além disso, com relação aos PPP acessados, alguns documentos eram antigos, tinham sido publicados há mais de 10 anos e podem não representar a realidade atual destas formações.

Os PPP são documentos que devem partir da realidade da IES, informar sobre aspectos relacionados ao curso, como formas de ingresso no curso, perfil profissional, matriz curricular, ementas de disciplinas, atividades complementares, atividades relacionadas à pesquisa, ensino e extensão, dentre outros. Trata-se de informações importantes que abordam sobre detalhamentos do curso, e que podem ser relevantes, inclusive, para futuros acadêmicos. Sendo assim, reforça-se a importância da atualização periódica destes conteúdos para que eles possam acompanhar as mudanças nos diversos contextos e setores de atenção da profissão.

Neste sentido, sugere-se que novos estudos sejam realizados, a fim de aprofundar sobre esta análise envolvendo a participação de discentes, egressos, coordenadores e docentes.

Considerações Finais

O presente estudo permitiu conhecer sobre como se dá a formação do terapeuta ocupacional no Brasil com base na análise dos componentes curriculares específicos da área de educação, disponíveis nos documentos de cursos de graduação em terapia ocupacional.

O estudo buscou ampliar o olhar para a área de educação ao evidenciar aspectos relacionados à formação acadêmica do terapeuta ocupacional, ao apresentar a importância da oferta de disciplinas na área e ao refletir sobre possíveis estratégias de investimento nesta formação durante e após a graduação, dentre elas, o aumento da carga horária das disciplinas, a oferta de disciplinas obrigatórias e/ou optativas, a realização de projetos de pesquisa e de extensão voltados para a área de educação.

Considerando as IES que não disponibilizam informações sobre a formação no site, bem como os documentos de cursos que não explicitam sobre os conteúdos específicos da área de educação no currículo, sugere-se que novos estudos contemplem outras formas de coleta de dados de modo que seja possível identificar tais elementos.

Ao mesmo tempo, é importante ressaltar as limitações do presente estudo no que se refere ao fato de que é possível que existam componentes curriculares que abordem sobre a área de educação, mas que não tenham sido identificados por meio dos métodos utilizados por este estudo. Além disso, é possível que algumas informações estivessem desatualizadas, assim como projetos políticos pedagógicos que, inclusive, poderiam estar em processo de reformulação e cujos dados apresentados nesta pesquisa podem não representar a realidade atual dos cursos.

Ainda como limitação do presente estudo tem-se a realização de uma pesquisa documental, e aponta-se que o envolvimento de outras fontes de informações poderia agregar à discussão e estimular reflexões para melhor aprofundamento das reflexões sobre a formação do terapeuta ocupacional na área de educação. Neste sentido, sugere-se que novos estudos contemplem a participação de coordenadores, docentes, discentes e/ou egressos para melhor compreensão sobre esta realidade.

Longe de apontar os problemas ou expor de alguma forma as instituições de Ensino Superior que oferecem cursos de terapia ocupacional, esta pesquisa buscou fazer a diferença para a formação do terapeuta ocupacional na área de educação ao apresentar dados sobre a realidade atual da oferta de disciplinas específicas da área de educação e da identificação de potencialidades e de lacunas na formação, com base em uma análise documental.

Espera-se que o presente estudo incentive coordenadores de cursos, docentes, discentes, pesquisadores, dentre outros, para o planejamento e a realização das estratégias apresentadas no presente estudo, bem como para apresentação de outras possibilidades que ampliem e avancem nesta formação, inclusive para ensejar a criação de possíveis oportunidades de trabalho na área para os egressos do curso.

  • 1
    Esta Resolução se encontra em processo de validação e ainda deve passar por outras instâncias.
  • 2
    Os links para acesso aos documentos e às informações consultadas estão nas referências ao final do texto (Centro Universitário Goyazes, 2022Centro Universitário Goyazes - UNIGOYAZES. (2022). Terapia Ocupacional. Recuperado em 22 de maio de 2022, de https://unigy.edu.br/terapia-ocupacional/
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    https://www.ufn.edu.br/site/ensino/gradu...
    ).
  • 3
    Não se tem especificado na matriz curricular e/ou ementa sobre a aplicabilidade de disciplina.
  • 4
    Os documentos consultados não especificam sobre a Carga Horária de teoria e de prática, apenas informam a Carga Horária total de 27h e que a disciplina tem 2 créditos.
  • Como citar: Roriz, D. V., Lins, S. R. A., & Farias, M. N. (2023). Terapia ocupacional e educação: um estudo documental sobre a formação acadêmica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3474. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO266434741

Referências

Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Beatriz Prado Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2022
  • Revisado
    12 Jan 2023
  • Revisado
    24 Mar 2023
  • Aceito
    04 Abr 2023
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Terapia Ocupacional Rodovia Washington Luis, Km 235, Caixa Postal 676, CEP: , 13565-905, São Carlos, SP - Brasil, Tel.: 55-16-3361-8749 - São Carlos - SP - Brazil
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