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INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E NUDEZ NO MOVIMENTO NATURISTA NA DÉCADA DE 1950 NO BRASIL

CHILDHOOD, EDUCAÇÃO AND NUDITY IN THE NATURIST MOVEMENT IN THE 1950s IN BRAZIL

RESUMO

Analisaram-se representações sobre a infância, a educação e a nudez produzidas pelo movimento naturista no Brasil durante a década de 1950. Foram utilizadas revistas publicadas pelo movimento no Brasil. Analisadas à luz do conceito de representação formulado por Chartier, verificou-se a importância do corpo infantil para o movimento naturista em sua proposta de educar por meio de um retorno à natureza. Para isso, a nudez infantil destacou-se bem como a frequente inquietação dos nudistas com a educação sexual para a construção da sociedade brasileira na década de 1950.

Palavras-chave
Corpo; Nudismo; História da educação

ABSTRACT

Representations about childhood, education, and nudity produced by the naturist movement in Brazil during the 1950s were analyzed. Magazines published by the movement in Brazil were employed. Analyzed in the light of the concept of representation formulated by Chartier, it was verified the importance of the infantile body for the naturist movement in his proposal to educate through a return to nature. For this, child nudity stood out as a regular concern of nudists with sex education for the construction of Brazilian society in the 1950s.

Keywords
Body; Nudism; History of education

Considerações Iniciais

Este trabalho tematiza as representações sobre a educação e a nudez infantis a partir de um movimento cultural característico das primeiras décadas do século XX: o movimento naturista.

O naturismo enfatizou que a nudez humana sinalizaria uma natureza a ser buscada no próprio corpo, justificando o valor de sua exposição também para as crianças, devido ao potencial formativo que acreditavam existir nesse ato. A partir da ótica de seus proponentes, essa ênfase não seria limitada à construção de indivíduos livres de mazelas assumidas como urgentes nas décadas seguintes à passagem ao século XX, mas seria também atuante na construção de uma sociedade mais racional, entre outras coisas, por ter a materialidade corporal dos indivíduos como parâmetro. Estudou-se esse tema utilizando não apenas livros atinentes ao movimento naturista de forma mais ampla: tem-se como base empírica revistas publicadas pelo movimento naturista no Brasil no decorrer da década de 1950. Harp (2014)HARP, S. Au naturel: Naturism, nudism, and tourism in twentieth-century France. Baton Rouge: Louisiana State University, 2014. constata que essas revistas circularam em vários países, gerando polêmicas por exibirem fotos de pessoas nuas (na sua maioria, mulheres, mas, igualmente, com frequentes imagens de crianças). No contexto brasileiro, Herold Junior et al. (2018)HEROLD JUNIOR, C. et al. O corpo a partir do movimento nudista: Rio de Janeiro na década de 1950. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 49-64, 2018. https://doi.org/10.22456/1982-8918.65075
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destacam que essas revistas foram perseguidas, apreendidas e seus editores foram alvos de processos judiciais, sobretudo, no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Para outro estudioso dessas publicações, apesar de elas terem um uma vida curta, restrita à década de 1950, chamaram muita atenção por causa de seu conteúdo, principalmente, visual (JUNIOR, 2009JUNIOR, G. Pelada ficava sua vó. Revista Trip, 2009 Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/pelada-ficava-a-sua-vo. Acesso em: 9 jan. 2019.
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). O autor estima a existência de aproximadamente dez títulos diferentes circulantes no período. Neste estudo, 11 fascículos da revista Saúde e Nudismo foram localizados e avaliados, sendo que seis números foram textualmente citados na construção das análises que se seguem.

O estudo se detém nas representações sobre a infância e nos impactos por elas perspectivados na educação das crianças que participassem do movimento. Ao buscar apoio teórico na noção de “representação”, pensa-se a construção de uma imagem da infância baseada na naturalidade de sua nudez no “ponto de articulação entre o mundo do texto e o mundo do sujeito” (CHARTIER, 2002CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: Difel, 2002., p. 24). Busca-se a “apropriação dos discursos, isto é, a maneira como estes afectam o leitor e o conduzem a uma nova norma de compreensão de si próprio e do mundo”. Nesse sentido, as reflexões sobre a infância e a educação de sua sexualidade nas revistas naturistas serão tomadas como “‘representantes’ (instâncias colectivas ou pessoas singulares) [que] marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade” (CHARTIER, 2002CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: Difel, 2002., p. 24). Para investigarmos as “configurações intelectuais múltiplas” (CHARTIER, 2002CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: Difel, 2002., p. 23) atinentes ao nosso objeto e evidenciar o “trabalho de classificação e de delimitação” (CHARTIER, 2002CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: Difel, 2002., p. 24) que se suspeita existir nas revistas naturistas, o texto possui dois momentos: o primeiro aborda o panorama histórico e cultural nas primeiras décadas do século XX no que diz respeito ao sexo, à educação sexual e à expansão do naturismo. O segundo avalia as revistas brasileiras durante a década de 1950, para nelas perceber como se “dá [dão] a ler” (CHARTIER, 2002CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: Difel, 2002., p. 17) representações sobre a infância, a nudez e a educação.

Naturismo, Nudez e Infância: o Sexo como Problema

Retomando o contato com a natureza: a nudez

Na virada ao século XX, correntemente, dava-se conta de uma degeneração social. Nesses diagnósticos colocava-se a natureza como parâmetro de correção a ser buscado por meio de discursos e práticas variadas. Postura marcante na França e na Alemanha, principalmente. Ross (2005)ROSS, C. Naked Germany: Health, Race and the Nation. Oxford: Berg, 2005. verifica que o desconforto causado pelo “declínio alemão” impulsionou uma Lebensreform (reforma da vida), na qual é difícil encontrar dimensões culturais ignoradas, sendo a alimentação, a saúde, a exposição ao sol, a aparência corporal, a nudez e o sexo os principais alvos dessa inquietação reformadora. Nesse conjunto, Ross (2005,p. 3)ROSS, C. Naked Germany: Health, Race and the Nation. Oxford: Berg, 2005. destaca o naturismo pelo impacto na luta contra uma “degeneração que se originava no corpo”.

A exposição do corpo nu era avaliada como um estímulo à construção da saúde e da beleza corporal. Ao mesmo tempo em que levava a uma diminuição do erotismo nos praticantes, fomentava-se o “engajamento dos participantes em um poderoso processo de constante observação e mútua avaliação que, ao mesmo tempo, deserotizava o corpo nu e o colocava na base para a escolha do parceiro” (ROSS, 2005ROSS, C. Naked Germany: Health, Race and the Nation. Oxford: Berg, 2005., p. 3).

Sexo, infância e discursos educacionais

A “sociedade europeia no alvorecer do século XX foi consumida com o sexo e a sexualidade” (ROSS, 2005ROSS, C. Naked Germany: Health, Race and the Nation. Oxford: Berg, 2005., p. 144). Tornando essa situação ainda mais inquietante, Zimmerman (2015, p. 117)ZIMMERMAN, J. Too hot to handle: A global history of sex education. Princeton: Princeton University, 2015. nota que havia, nas primeiras décadas do século XX, “desconforto e discordância sobre a sexualidade infantil”. No destaque a essa problemática, Freud foi influente, dando conta de as crianças serem naturalmente sexuais, considerando os termos da psicanálise. Zimmerman (2015, p. 301)ZIMMERMAN, J. Too hot to handle: A global history of sex education. Princeton: Princeton University, 2015. menciona a resistência de setores conservadores, para quem “[...] sexo nunca poderia ser reduzido a uma questão de saúde, ciência ou conhecimento”. A esse temor de reduzir a sexualidade a mais uma função corporal da natureza humana, aliava-se “a crença de que inocência sexual infantil poderia ser danificada por muita informação sobre sexo” (Zimmerman, 2015ZIMMERMAN, J. Too hot to handle: A global history of sex education. Princeton: Princeton University, 2015., p. 737).

No Brasil, desde o início do século XX ocorreu a “fabricação do sexo das crianças” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, C. A emergência histórica da sexualidade infantil no Brasil. Revista Epos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2011000200003. Acesso em: 19 fev. 2019.
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, p. 9). Essa ocorrência levou a “um barulho enorme em torno da questão sexual” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, C. A emergência histórica da sexualidade infantil no Brasil. Revista Epos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2011000200003. Acesso em: 19 fev. 2019.
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, p. 10), o que era amplificado por “um conjunto muito heterogêneo de forças, a despeito das divergências”, voltando suas atenções “para o problema da pedagogização do sexo, sobretudo o sexo da criança” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, C. A emergência histórica da sexualidade infantil no Brasil. Revista Epos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2011000200003. Acesso em: 19 fev. 2019.
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, p. 9).

Por essa razão, a educação sexual foi bastante discutida nas primeiras décadas do século XX. Zimmerman (2015)ZIMMERMAN, J. Too hot to handle: A global history of sex education. Princeton: Princeton University, 2015. esclarece que, conforme a escolarização das sociedades avançava, com ela a educação sexual se tornava uma questão da época. Aqueles a ela favoráveis viam-na como um modo de monitorar a atividade sexual da juventude usando a ciência para evitar problemas higiênicos, culturais, sociais, políticos e econômicos. Já os contrários a essa educação acreditavam que abordar o sexo nas escolas seria corromper mentes infantis.

No Brasil, “desde os anos 20 insinuava-se uma preocupação com a educação sexual escolar, como estratégia eugênica de aperfeiçoamento da raça” (VIDAL, 2008VIDAL, D. G. Educação sexual: produção de identidades de gênero na década de 1930. In: SOUZA, C. P. História da educação: processos, práticas e saberes. São Paulo: Escrituras, 2008. p. 53-74., p. 57). Isso encetou a produção de “duas estratégias discursivas”: o “discurso religioso” e o “discurso laico”.

Como ilustração do primeiro discurso, vale citar Álvaro Negromonte (1901-1964)NEGROMONTE, A. A educação sexual para pais e educadores. 10. ed. Rio de Janeiro: Edições Rumo S.A. 1961.. Para ele, abordar a educação sexual de um ponto de vista religioso significava fazer frente a considerações viciadas, depravadas e perturbadoras da ordem natural e cristã. Negromonte (1961, p. 26)NEGROMONTE, A. A educação sexual para pais e educadores. 10. ed. Rio de Janeiro: Edições Rumo S.A. 1961. cita a defesa do nudismo como um dos exemplos a serem criticados e evitados como modelo de uma educação sexual almejada: “Temos dificuldades em determinar o que querem certos tratadistas da educação sexual. Quando vemos Forel e Vachet justificando os mais feios vícios, Havelock Ellis defendendo o nudismo...”.

Aproximando-se do “discurso laico”, Arthur Ramos (1903-1949) formulava considerações diferentes, apesar de defender a educação sexual como um problema, como fizera Negromonte. Ramos via como necessário superar a “conspiração do silêncio” em torno da vida sexual da criança. (RAMOS, 1939RAMOS, A. A criança problema. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil, [1939]., p. 262). Para fazer frente a essa situação: “A curiosidade deve ser satisfeita, de modo ordenado” (RAMOS, 1939RAMOS, A. A criança problema. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil, [1939]., p. 307).

Outro intelectual ligado ao “discurso laico” (VIDAL, 2008VIDAL, D. G. Educação sexual: produção de identidades de gênero na década de 1930. In: SOUZA, C. P. História da educação: processos, práticas e saberes. São Paulo: Escrituras, 2008. p. 53-74.) da educação sexual foi José de Albuquerque (1904-1984). Para ele um dos pontos que mais se salientam é a consideração da sexualidade com uma “funcção”, responsável por “garantir a conservação do organismo [...] [e] da espécie”, o que redundaria em uma nova “moral sexual” para fazer frente à “falsa moral sexual”, que via na abordagem a essa questão o despertar de “assumptos immoraes” (ALBUQUERQUE, 1930ALBUQUERQUE, J. Moral sexual. Rio de Janeiro: Typ. Coelho, 1930., p. 21).

Nudez e educação sexual

É interessante observar que, para o “discurso laico” sobre a educação sexual (VIDAL, 1966), a questão da nudez aparece como um “bom senso” justificável em termos históricos, filosóficos e científicos.

Para Flügel (1966)FLÜGEL, J. C. A psicologia das roupas. São Paulo: Mestre Jou, 1966., o prazer que se sente com a nudez seria algo facilmente constatável nas crianças. Representada como um traço característico da infância, nota que essa naturalidade vai sendo posta de lado conforme a criança é inserida nos costumes sociais, entre eles, o uso das roupas.

Em 1934, Scott abordou a relação do nudismo com a sexualidade infantil, ressaltando a importância das crianças para o naturismo e o valor do naturismo para elas, devido ao seguinte problema: “O crescimento da criança representa uma educação gradual para, e o desenvolvimento do nojo e da vergonha sexual” (SCOTT, 1934SCOTT, G. R. The common sense of nudism. London: T Werner Laurie, 1934., p. 80). Em outro livro emblemático sobre o naturismo publicado nos Estados Unidos, Merril e Merril (2013, p. 2029)MERRILL, F.; MERRILL, M. Nudism in the United States. Washington: Westphalia, 2013. citam o prazer do contato do corpo nu com o sol, o vento, a chuva, comparando essas sensações como tão naturais quanto “o impulso das crianças para correr e brincar e gritar”.

Mas foi com Havelock Ellis (1859-1939) que o nudismo foi colocado como prática de grande valor educacional para crianças e jovens. Para ele a nudez seria a condição de uma educação, principalmente, a sexual, pautada na razão. Uma das resultantes mais visíveis do desenvolvimento dos conhecimentos sobre higiene que ocorreu na segunda metade do século XX foi uma “nova atitude em relação à nudez” (ELLIS, 1909ELLIS, H. Sexual education and nakedness. American Journal of Psychology, Illinois, v. 20, n. 3, p. 297-317, 1909. https://doi.org/10.2307/1413363
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, p. 305). Para Ellis, a consideração da nudez era “parte da higiene física e moral, igualmente”. Afinal, “O quê o livre contato do corpo nu com o ar e a água e a luz faz para a saúde do corpo” soma-se outra vantagem de grande alcance: “a familiaridade com a visão do corpo abole as tolas lascívias, habitua o senso de beleza e atua na saúde da alma” (ELLIS, 1909ELLIS, H. Sexual education and nakedness. American Journal of Psychology, Illinois, v. 20, n. 3, p. 297-317, 1909. https://doi.org/10.2307/1413363
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, p. 307).

Ellis depositava nessa consideração formativa da nudez a crença no que ele chamou de “moral positiva” que, sem secundarizar a beleza do corpo nu e sua relação com a sexualidade, poderiam ser consideradas como “forças dinâmicas que quando suprimidas atuam na corrupção e quando usadas sabiamente servem para inspirar e enobrecer a vida” (ELLIS, 1909ELLIS, H. Sexual education and nakedness. American Journal of Psychology, Illinois, v. 20, n. 3, p. 297-317, 1909. https://doi.org/10.2307/1413363
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, p. 316). Essa forma de encarar a nudez ecoava vozes produzidas em outros contextos reverberando na expansão do movimento naturista brasileiro.

O nudismo e a educação das crianças no Brasil

Indícios do movimento naturista no Brasil remontam à década de 1930. Herold Junior et al. (2018)HEROLD JUNIOR, C. et al. O corpo a partir do movimento nudista: Rio de Janeiro na década de 1950. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 49-64, 2018. https://doi.org/10.22456/1982-8918.65075
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elencam naquela década os primeiros registros de ideias e práticas naturistas na imprensa carioca. Mas foi na virada dos anos 1950 que surgiram as publicações difusoras do movimento. Gonçalo Junior (2009)JUNIOR, G. Pelada ficava sua vó. Revista Trip, 2009 Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/pelada-ficava-a-sua-vo. Acesso em: 9 jan. 2019.
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menciona a existência de dez títulos aproximadamente. Na sua maioria, tiveram circulação restrita de poucos anos, embora tivessem causado efervescência na sociedade e nas autoridades policiais de então (HEROLD JUNIOR et al. 2018HEROLD JUNIOR, C. et al. O corpo a partir do movimento nudista: Rio de Janeiro na década de 1950. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 49-64, 2018. https://doi.org/10.22456/1982-8918.65075
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).

Os proponentes brasileiros justificavam a importância da prática do nudismo naturista também por crianças, relacionando-a com o ambiente em que aconteciam essas práticas. Comumente, eram descritos lugares calmos, representados como paradisíacos, explicitando uma ligação entre essa representação da natureza circundante e a natureza infantil:

Nossos campos são verdadeiros paraísos para os pequeninos, que ali encontram diversão em tudo, saciando-se de água, de areia. Em seus sonhos infantis representam-se sempre campos floridos; na sua vida ulterior, reúnem-se intimamente as ideias de sol, descanso e liberdade.

(SAÚDE..., 1953aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 13, 1953a, p. 10).

A prática em “verdadeiros paraísos” visava dupla finalidade, ambas relevantes em termos formativos para as crianças: “[...] famílias inteiras procuram os campos de Nudismo para tratamento da saúde e conservação da espécie dentro da rígida moral e dos puros preceitos cristãos” (SAÚDE..., 1952aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano I, n. 9, 1952a., p. 2). Muitos artigos relacionavam o movimento com a formação de pessoas responsáveis e defensoras de valores tradicionais da sociedade. Interessante no artigo abaixo essa demonstração associar-se ao destaque dado pelos redatores ao fato de eles mesmos serem também pais:

Nós, que temos filhos, que os prezamos e que não lhes desejamos uma vida escondida e tacanha, uma vida recalcada de complexos morais infelicitadores da mente, mas que desejamos aos nossos filhos uma vida sã e mesmo vigorosa, compreensiva e realística, devemos, antes e acima de tudo, educá-los moral, física e intelectualmente.

(SAÚDE..., 1952aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano I, n. 9, 1952a., p. 8).

Essa ênfase na natureza para o fortalecimento de valores tidos como familiares manifestava-se na constatação de os problemas sociais terem surgido pela artificialidade da vida social, algo tornado mais sério com o desenvolvimento das indústrias de lazer e entretenimento durante o século XX. Esse desenvolvimento teria exposto a juventude a um “dilúvio constante de imagens e mensagens sexuais vindas da moda, dos filmes e de outras formas populares de entretenimento” (ZIMMERMAN, 2015ZIMMERMAN, J. Too hot to handle: A global history of sex education. Princeton: Princeton University, 2015., p. 575).

Por outro lado, por vezes, as tão criticadas modernidades davam lugar para representações sobre os avanços da “civilização” que se viam em países europeus e nos Estados Unidos, associando-as à aceitação da prática advogada pelas revistas. Europa e os Estados Unidos já teriam aderido ao apelo naturista, pois eles “já atingiram grau elevado de cultura”. O avanço desses países era, ao mesmo tempo, representado como causa e produto daquilo que o nudismo naturista traria como principal consequência: “homens de corpo e alma são”, que “não são fomentadores de contendas”. Na construção dos argumentos que salientavam a importância do naturismo, as crianças eram fundamentais: “Milhares de crianças que formam ao lado dessa camada ilustre de homens sinceros nos seus ideais, serão, amanhã, esteio da humanidade para uma paz duradoura”. Para o Brasil isso era descrito como um passo de grande necessidade, levando a eloquentes exortações: “Compartilhemos também, nós brasileiros, dessa formação que só deseja, alheia aos movimentos políticos e religiosos, mais aproximação à Natureza para o aprimoramento da raça humana” (SAÚDE..., 1953aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 13, 1953a, p. 22).

O naturismo, nessa ótica, seria o fundante de um patriotismo avaliado como justificável também pela natureza da qual os praticantes se aproximavam. Para que fosse alcançado o respeito à Pátria como “deus no coração da infância”, era necessário fazer frente a um “falso pudor” que levava a muitos serem contrários ao naturismo não observando que, assim, ele poderia ser uma “defesa orgânica que a Natureza nos proporciona”. Representava-se o movimento naturista como capaz de colocar as crianças e jovens no caminho da natureza por franquearem-lhes acesso a “segredos biológicos tão necessários [...] respeitando-lhes os princípios religiosos e fazendo-os ter um sentimento mais elevado ainda para com a Família” (SAÚDE..., 1952aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano I, n. 9, 1952a., p. 2).

Para as revistas naturistas brasileiras da década de 1950, o Brasil deveria abraçar as ideias e práticas por eles divulgadas. A urgência dessa adesão era assumida como “alheia aos movimentos políticos e religiosos”, afinal, buscavam uma “paz duradora” pautada no “aprimoramento da raça humana”. Para que essas promessas se concretizassem, insistiam os naturistas que aos homens possuidores desses ideais, deveriam se juntar “milhares de crianças” (SAÚDE..., 1953bSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 13, 1953b, p. 22).

A importância da educação para o naturismo

A exposição da nudez das crianças e o convívio delas com a nudez alheia eram práticas basilares do movimento: “Em certo sentido, a educação das crianças sobre a básica anatomia humana era um constante ponto de argumentação para o naturismo...” (HARP, 2014HARP, S. Au naturel: Naturism, nudism, and tourism in twentieth-century France. Baton Rouge: Louisiana State University, 2014., p. 3043), ou seja, não se tratava apenas de convencer sobre a importância formativa das práticas naturistas para as crianças, mas o seu contrário: as crianças eram importantes para justificar a relevância que os proponentes viam existir no naturismo para toda sociedade.

Nesse duplo esforço, afastar-se do que chamavam de obscenidade e pornografia, que os naturistas viam existir nas grandes cidades e que os não praticantes viam existir nos naturistas, era uma maneira de afirmar que os jovens naturistas seriam colocados em proteção contra as “escolas do crime”, tornando-os competentes em “discernir o bem do mal” (SAÚDE..., 1953a, p. 1).

Benefícios à saúde e ao fortalecimento moral eram enaltecidos como resultados a serem colhidos por quem se dedicasse ao naturismo. Não é difícil verificar que a convivência “natural” com a nudez, tornaria realizável não apenas o “domínio do homem sôbre si mesmo”, mas, sobretudo, a “educação da criança” (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 40). Essa educação pela nudez traria como outro resultado desejável a saúde, afinal a “saúde mora nos corpos”, preceito tornado realidade caso a criança aprendesse a cultivar a “limpeza corporal” a ser constatada no corpo sem roupas, o mesmo ocorrendo com aquelas que bem se alimentavam. Correção de hábitos, explícita e inegavelmente verificável nos campos e praias naturistas, representada como o oposto do pecado: “Diga-lhe que Deus está onde habita a higiene e a saúde mora nos corpos que se alimentam bem” (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 1). Nessa maneira de ver seria a nudez o que permitiria a todos contemplarem nos homens, mulheres e crianças a obra divina da criação na perfeição, na beleza e na alegria que emanariam dos corpos nus.

No bojo dessas considerações pedagógicas, é possível constatar que a educação das crianças seria, ao mesmo tempo, protegida da “humanidade adulta”, embora fossem, afinal, as crianças que devessem ensinar a pureza de sua humanidade a um mundo já corrompido. Ensino esse baseado e constatado na sua simplicidade e naturalidade, virtudes representadas como resultantes de sua nudez, exposta para seu próprio bem e para o bem daqueles que a viam.

Buscando mitigar contrariedades morais não apenas em relação às imagens em particular, mas ao naturismo de forma geral, a naturalidade da nudez infantil é representada como capaz de mudar perspectivas errôneas dos próprios pais em relação à nudez e ao sexo. Isso deveria tranquilizar os pais sobre os impactos que essa prática pudesse gerar na educação de seus filhos, da mesma maneira que era assegurado que as crianças não comentariam de modo jocoso ou inconveniente sobre sua experiência no movimento naturista: “[...] a criança compreenderá bem depressa que não vale a pena falar nisto, se seus pais souberem aconselhá-la” (NATURISMO..., 1954NATURISMO: Revista de Gimnosofia. n. 15, 1954., p. 60).

Essa crença, por outro lado, não secundarizava que a tal naturalidade estaria em constante risco pelas questionáveis influências dos adultos, plenas de ignorância, de duvidosas intenções, de uma viciada pudicícia e pelas considerações equivocadas sobre a moralidade e sua construção (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 16). Ilustrações sobre esses preceitos pedagógicos eram importantes para avalizar a importância das perspectivas oferecidas. Abaixo lemos uma delas:

Considere-se uma família em lazer junto ao mar. As crianças, ainda livres das ideias de “decência” e “recato”, alegram-se ao tirar a última peça. Sentem-se plenamente felizes. São invejadas pelos pais. Realmente felizes são os pais cujas mentes são livres: - essa boa gente que compreende o quando se pode ganhar do Sol e do ar, e que agora se concentra nesse grande movimento pró-saúde que é o Nudismo. Há um lugar ao Sol para todo cidadão sadio, física e moralmente, lugar esse que conduz a uma saúde melhor, à fraternidade e à plenitude da vida

(SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 34).

O “contacto direto às coisas, à realidade”, era representado como condição moral para se “encarar de frente a verdade das coisas”. A exposição da nudez tornou-se um “baluarte da educação”, destacando dimensões importantes da vida e excluindo a excitação sexual da condição de ser, erroneamente, fortalecida por serem escondidas. Por isso, o “método de educação correto ao assunto” aconteceria se “abríssemos o livro da realidade” saciando nossa natural vontade de “saber o que está além de nossas vistas” (SAÚDE..., 1953aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 13, 1953a, p. 6). Interessante constatar que tanto os problemas a serem contornados – por exemplo, mal conhecer o que é desejado –, como as possibilidades de superá-los – acessando o “livro da realidade” que se escreve nas linhas da nudez –, residiriam na natureza. Dessa forma, é compreensível que a nudez se torne uma das manifestações mais reais dessa natureza e que ela se torne o grande parâmetro, o grande mestre: “O melhor professor é ainda a própria natureza” e este é o ponto defendido pelos naturistas (SAÚDE..., 1953aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 13, 1953a, p. 10).

A importância da nudez para a educação naturista

Para os redatores da revista o uso das fotografias de crianças nuas indicava que “na criança não existe pudor e nem maldade. O pudor só vem com a idade, com os ensinamentos dos pais, as roupas e os costumes. Para uma criança, tudo o que vê no campo de nudismo é a coisa mais natural do mundo” (SAÚDE..., 1952bSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano I, n. 4, 1952b., p. 28).

A nudez, pensada em suas benesses sociais, seria uma “prática de psicologia experimental”, como “uma volta do estágio adulto ao estágio da criança destituída dos preconceitos e do veneno da falsa educação e da perversão do real, do natural”. Esse retorno à natureza caracterizado como uma volta a um estado infantil acabaria com a “falsa educação dada pelos pais” que, inevitavelmente, termina “criando os tarados e demais monstros” (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 16).

A aspiração formativa do naturismo era uma formação “fora da libidinagem”, afastada do “falso conceito de moral”, que distanciava “as criaturas da senda do crime e da perversidade”. O alcance desses objetivos pautar-se-ia em um tripé formado por “pureza”, “santidades” e “virgindade”, valores nobres que só seriam concretos de “maneira material” (leia-se, pelo corpo nu), afastando-se das corriqueiras e improdutivas exortações, constituintes da “falsa educação de que somos vítimas” (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 16).

Villaret (2012)VILLARET, S. Naturismo. In: MARZANO, M. (Org.). Dicionário do corpo. São Paulo: Loyola, 2012. p. 707-710. pondera o empenho dos naturistas em convencer a sociedade sobre a importância pedagógica da nudez infantil. Na Europa, os lugares de prática do naturismo proibiam o uso de maquiagem, bem como vetava-se o acesso de celibatários. Ele afirma que “dirigentes naturistas veem na atividade familiar uma solução para os riscos de ‘derrapagem’”. Essa ênfase na presença de famílias nos espaços dá uma especial atenção às crianças sob um duplo aspecto: contribuir na construção de um ambiente menos problemático para a manutenção dos discursos normativos e formativos do naturismo; da mesma maneira, colocar de pé outros discursos de forte teor educacional: “Por um lado, a presença de crianças normaliza e ‘dessexualiza’ as relações entre adultos. De outro, as crianças descobrem naturalmente as respectivas anatomias e evitam, por isso mesmo, as perversões e a obsessão sexuais suscitadas pelas roupas” (VILLARET, 2012VILLARET, S. Naturismo. In: MARZANO, M. (Org.). Dicionário do corpo. São Paulo: Loyola, 2012. p. 707-710., p. 709).

Esses traços formativos eram colocados em evidência pela velocidade com que produziriam resultados. O convívio com a própria nudez e a com a nudez de outras pessoas superaria muitos problemas sociais que passavam a ser vistos como desvirtuamentos na educação sexual: “Aproximando os filhos da natureza, é cuidar da sua educação sexual sem esperar por duas ou três gerações, portanto menos demorada que a ministrada pelos pais ou pela sociedade” (SAÚDE..., 1953dSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano I, n. 10, 1953d, p. 10).

Essa aproximação à natureza aconteceria já com medidas prosaicas do dia a dia infantil, tais como, em casa, habituarem as crianças com os familiares nus. Com essa medida, ficaria “eliminada sua curiosidade sobre as diferenças anatômicas. O mesmo aconteceria com os adultos” (NATURISMO..., 1953NATURISMO: Revista de Gimnosofia. n. 11, 1953., p. 48). Nos Estados Unidos, Merrill e Merrill (2013, p. 597)MERRILL, F.; MERRILL, M. Nudism in the United States. Washington: Westphalia, 2013. também defendiam, com argumentos creditados a “muitos psicólogos”, que seria fundamental para as crianças crescerem em lares onde o convívio se desse com a mútua exposição da nudez entre pais e filhos. Do contrário, conforme o tempo passasse, aconteceria de “a malícia penetrar o seu coração”, tornando mais difícil corrigi-la e esclarecê-la: “Comecemos hoje perguntando-lhes se sabem como vêm ao mundo, como Deus os criou e como Deus os redime”. Infere-se que, desse modo, a nudez seria um retorno a um ponto que “religaria” essas crianças a Deus. Nesse modo de enxergar a educação infantil, afirmava-se que nela deveriam imperar relações pautadas em “carinhos recíprocos”, pautados no “conhecimento” (leia-se a intimidade familiar que não se preocupa com a nudez de seus membros), e na “harmonia dos afetos e carinhos recíprocos entre os casais e destes para com os filhos” (SAÚDE..., 1952aSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano I, n. 9, 1952a., p. 8).

No contexto brasileiro, a vantagem do naturismo era colocada em relevo tanto do ponto de vista médico quanto no que tange à moral. À medida que frequentassem os campos nudistas, todos acabariam “recuperando energias rejuvenescentes, livres das vestes, banhados de sol e enriquecidos de oxigênio”. Além do nudismo, havia a defesa do vegetarianismo, da ginástica, do banho de mar, enfim, “tudo concorre para criar uma nova mentalidade dentro de um núcleo humano sem os preconceitos imorais da sociedade”. A essas reflexões, a presença e a importância da criança davam um apoio lógico e moral de grande valor, uma vez que ela representaria a vida “sem a pornografia de rua, trilhando na escola Naturalista sem nenhuma idéia de pecado, confessado pelos homens” (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 4).

Os naturistas afirmavam que “coberta de roupas”, a criança perdia a “oportunidade de contemplar o seu corpo”. Por isso, era fundamental “ensinarmos às crianças, desde pequeninos, a andarem sem roupa, mostrando-lhes que nada há de mal nisso”. Uma das justificativas para dar a esse pensamento as bases para que fosse uma verdade, era que “nós somos todos iguais”, algo ensinado e aprendido nos campos naturistas, possibilitando às crianças crescerem “num ambiente sadio” em que “nunca serão atormentados pela ideia de vergonha”, o que os levava a uma conclusão: “Desde pequenos acostumados ao nudismo estão esses meninos e meninas no caminho certo, e levarão uma vida sadia e bela, livres de preconceitos, conhecendo o seu próprio ‘eu’, confiantes em si mesmo” (VIDA..., s.d.VIDA e beleza: gimníca e naturismo, 4. [s.d]., p. 11).

O nudismo praticado pelos naturistas era representado como o ponto de partida de uma mudança formativa que, ao tocar infância e juventude nos seus aspectos morais e físicos, ofereceria um “lugar de honradez e probidade necessárias à confiança dos seus concidadãos”. Nessa visão a nudez também vinha como uma metáfora, cujo intento era tornar a futura geração, literal e figurativamente, “despida de maldade e malícias”. O Brasil teria em suas crianças e em seus jovens um “esteio da nacionalidade”, desde que a elas fosse mostrada a “verdade e não a ficção, a realidade e não a ilusão” (SAÚDE..., 1953cSAÚDE e nudismo: alma sã num corpo são. Ano II, n. 12, 1953c, p. 18). Nessa demonstração, a verdadeira solução para os problemas sociais, culturais e econômicos brasileiros seriam os corpos nus, dados a conhecer sem as assim avaliadas mentiras do mundo de então, que se detectavam em todos seus discursos, seus adornos, seus artifícios.

Considerações finais

Pelo estudo de revistas naturistas publicadas no Brasil da década de 1950, foi verificada atenção dada ao corpo infantil e sua educação. Foram aventadas maneiras pelas quais a ideia de retorno à natureza proposta pelo movimento naturista em todo mundo, no Brasil imprimiu representações sobre a relevância da nudez infantil para a reversão de problemas atinentes à sexualidade, avaliados em sua urgência para a formação moral dos brasileiros.

Ao se lançar mão de uma abordagem histórica, avalia-se que um resultado das análises que se encerram é o destaque ao fato de a convergente preocupação sobre a educação infantil e a sexualidade ser objeto de reflexão circulante já na década de 1950, encadeando-se a um conjunto de debates sobre a importância da educação sexual, cuja formação deu-se desde o início do século XX em diferentes países, entre eles, o Brasil. Para tanto, destacou-se a relevância do movimento naturista e suas proposições em transformar essas dimensões da vida social brasileira em “objetos”, levando à elaboração de publicações, comentários em jornais e, como assinalado, também, a perseguições policiais.

A problemática aqui estudada encontrou na base empírica escolhida condições para se ampliar a discussão entre “discursos religiosos” e “discursos laicos” (VIDAL, 2008VIDAL, D. G. Educação sexual: produção de identidades de gênero na década de 1930. In: SOUZA, C. P. História da educação: processos, práticas e saberes. São Paulo: Escrituras, 2008. p. 53-74.) sobre a educação sexual, agregando representações sobre corpo, educação e infância, tornadas circulantes no bojo das justificativas dadas ao naturismo. Consoante às justificativas formativas emanadas pelo movimento naturista em todo mundo, no Brasil viu-se que a nudez infantil foi alçada à condição de parâmetro natural a guiar uma forma “científica” de abordar a “função sexual”, “dada a ler” (CHARTIER, 2002CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: Difel, 2002.) como ponto incontornável para uma “razão”. Razoabilidade que, ao ter no corpo infantil, visto em todos seus detalhes, a materialização de variados trunfos estético-higiênicos, não daria espaços para contendas sobre o encaminhamento moral das crianças brasileiras nos anos 1950.

  • Comitê Editorial dos Cadernos Cedes/Coordenação deste número: Alessandra Arce Hai e Ana Clara Bortoleto Nery
  • Dossiê organizado por: Carmen Lucia Soares e Heloísa Helena Pimenta Rocha

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2019
  • Aceito
    10 Fev 2020
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