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DESENVOLVIMENTISMO, NEOLIBERALISMO E POLÍTICA EXTERNA: implicações para as relações entre o Brasil e os países africanos

DEVELOPMENTISM, NEOLIBERALISM AND FOREIGN POLICY: implications for relations between Brazil and African countries

DÉVELOPPEMENTISME, NÉOLIBÉRALISME ET POLITIQUE ÉTRANGÈRE: implications pour les relations entre le Brésil et les pays africains

Resumos

A análise dos últimos anos das relações políticas e econômicas entre o Brasil e os países africanos mostra tendência para repetição de um padrão presente ao longo de todo o século XX – curtos períodos de aproximação seguidos por períodos maiores de afastamento. É possível notar que o investimento brasileiro nessas relações tem variado conforme a orientação política adotada, se desenvolvimentista ou neoliberal. O intuito deste artigo é compreender de que forma a adoção de políticas desenvolvimentistas, neoliberais e suas versões do século XXI tem repercutido nas relações entre o Brasil e os países africanos. Partimos do entendimento inicial de que a estabilidade e aprofundamento das relações entre o Brasil e os países africanos são amplamente dependentes da ação estatal, cujas variações de atuação decorrem de algumas limitantes inerentes à posição periférica desses países na economia-mundo e das relações internas travadas dentro desses países.

Desenvolvimentismo; Neoliberalismo; Política externa; Brasil; Países africanos


The analysis of recent years of political and economic relations between Brazil and African countries shows a tendency to repeat a pattern present throughout the 20th century – short periods of approximation followed by longer periods of estrangement. It is possible to notice that Brazilian investment in these relations has varied according to the political orientation adopted, whether developmental or neoliberal. The purpose of this article is to understand how the adoption of developmental and neoliberal policies and their versions of the 21st century has affected relations between Brazil and African countries. We start from the initial understanding that the stability and deepening of relations between Brazil and African countries are largely dependent on state action, whose variations in action result from some limitations inherent to the peripheral position of these countries in the world-economy and from the internal relations held within of those countries.

Developmentalism; Neoliberalism; Foreign policy; Brazil; African countries


L’analyse des relations politiques et économiques entre le Brésil et les pays africains au cours des dernières années montre une tendance à répéter un schéma présent tout au long du vingtième siècle - de courtes périodes de rapprochement suivies de plus longues périodes d’éloignement. L’investissement brésilien dans ces relations a varié en fonction de l’orientation politique adoptée, qu’elle soit développementale ou néolibérale. L’objectif de cet article est de comprendre comment l’adoption de politiques développementalistes et néolibérales et leurs versions du 21e siècle ont affecté les relations entre le Brésil et les pays africains. Nous partons de l’idée que la stabilité et l’approfondissement des relations entre le Brésil et les pays africains dépendent en grande partie de l’action de l’État, dont les variations d’action résultent de certaines contraintes inhérentes à la position périphérique de ces pays dans l’économie mondiale et des relations internes à ces pays.

Développementisme; Néolibéralisme; Politique étrangère; Brésil; Pays africains


INTRODUÇÃO

Ao analisar a história das relações entre o Brasil e os países africanos, fica evidente a inconstância das relações nos âmbitos político e econômico. Curtos momentos de aproximação coincidem com períodos em que a política externa brasileira (PEB) se pôs a serviço de projetos de desenvolvimento nacional, cuja ação estatal foi fortemente presente. De modo diverso, a crise dos anos 1980 e o avanço neoliberal fizeram refrear as relações entre os países em desenvolvimento, fazendo com que muitos países adotassem medidas conservadoras e um receituário orientado pelas organizações financeiras internacionais. As primeiras décadas deste século tem sido ilustrativas para confirmar essa dinâmica, com a alternância de governos cujas orientações político-econômicas têm refletido na forma como a agenda africana aparece na PEB.

A guinada da política brasileira de volta ao neoliberalismo a partir de governo Temer (2016-2018) se contrapôs à política empreendida pelos governos de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), na qual a agenda africana tinha espaço privilegiado dentro de um contexto de desenvolvimento induzido pelo Estado. Os governos de viés neoliberal na América Latina, com especial destaque para o caso brasileiro, compuseram seus programas de governos focados na necessidade de melhor desempenho econômico e de controle dos gastos públicos, posicionando-se contrariamente às políticas implementadas pelos governos de esquerda na primeira década deste século – sobretudo ao que concerne à expansão das políticas sociais.

Desenvolvimentismo e neoliberalismo são, assim, vertentes teóricas que pautam as agendas econômicas, mas que, na prática, se espraiam para as demais áreas da política, como a política externa. É interessante ressaltar, no entanto, que nos diferentes períodos essas vertentes ganham novas características; nem o chamado neodesenvolvimentismo do governo Lula guardou as mesmas características das políticas empreendidas no Brasil entre as décadas de 1950 e 1970, nem o neoliberalismo deste século é idêntico ao da década de 1990. Apesar do debate entre o tamanho do Estado versus liberdade de mercado estar presente nos diferentes momentos, para compreender de que forma a adesão a uma ou outra forma de governo impacta nas relações entre o Brasil e os países africanos, é preciso analisar além dos gastos públicos e do desempenho econômico. Os diferentes grupos sociais que passaram a participar diretamente da política doméstica devem ser considerados na formulação das agendas governamentais, o que implica entender a atuação diplomática a partir da conjuntura econômica e política doméstica e suas dimensões de análise – como atores envolvidos, interesses, formas de atuação etc.

O objetivo deste artigo é, portanto, analisar como o modelo de desenvolvimento concebido pelas elites econômicas e políticas tem afetado a agenda africana da PEB. Partimos do entendimento inicial de que a estabilidade e o aprofundamento das relações entre o Brasil e os países africanos são amplamente dependentes da ação estatal, cujas variações de atuação decorrem de algumas limitantes inerentes à posição periférica desses países na economia-mundo e das relações internas travadas dentro desses países. A falta de complementariedade dessas economias, em que a questão da industrialização se torna fundamental, faz necessário o estímulo estatal aos setores privados para a realização de investimentos nesses países, como abertura de linhas de crédito, negociação de acordos – ou seja, criar um ambiente político e econômico favorável, do qual a cooperação para o desenvolvimento, em grande medida, também faz parte.

DIMENSÃO “POLÍTICA” DA POLÍTICA EXTERNA: DESENVOLVIMENTISMO E NEOLIBERALISMO NA FORMULAÇÃO DA AGENDA PÚBLICA

A singularidade atribuída à política externa – sua qualidade de política de Estado – repercutiu na forma como os diversos atores se interessaram pelo assunto ao longo dos anos no Brasil. O chamado “insulamento burocrático” do Itamaraty era percebido como uma qualidade que indicava o afastamento da diplomacia brasileira das pressões políticas ao mesmo tempo em que enaltecia a qualidade da formação do corpo diplomático. Mesmo a competência constitucional atribuída ao Poder Legislativo não foi suficiente para promover maior participação na formulação da política externa.

Esse entendimento é, no entanto, parcialmente verdadeiro se considerarmos que a interferência de diferentes grupos de interesse no processo decisório sempre fez parte da política brasileira. A história do Brasil é repleta de exemplos de como as frações da elite brasileira participaram do aparato político para a satisfação dos seus interesses, utilizando, para tanto, diversos meios – ocupando diretamente cargos públicos, por meio da atuação de lobistas, corrupção, financiamento de campanha eleitoral etc. Apesar disso, a percepção mais recente do “insulamento burocrático” como ausência de democracia somente ganha espaço com o aumento de acadêmicos do campo das relações internacionais e ativistas de movimentos sociais, que, a partir de temas nacionais, passaram a refletir sobre e a pressionar por maior transparência na atuação internacional do Brasil.

Avançar na análise das relações entre o Brasil e países africanos, portanto, requer entendê-la como política pública inserida e subordinada a um plano de governo que, por sua vez, reflete determinada orientação político-ideológica. Sobre o tema, Milani e Pinheiro (2013MILANI, C. R.S.; PINHEIRO, L. Política externa brasileira: os desafios de sua caracterização como política pública. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, p. 11-41, 2013. , p. 24) apontam:

ao assumirmos a política externa como uma política pública, estamos trazendo a política externa para o terreno da politics , ou seja, reconhecendo que sua formulação e implementação se inserem na dinâmica das escolhas de governo que, por sua vez, resultam de coalizões, barganhas, disputas, acordos entre representantes de interesses diversos, que expressam, enfim, a própria dinâmica da política. Em decorrência, estamos retirando a política externa de uma condição inercial associada a supostos interesses nacionais autoevidentes e/ou permanentes, protegidos das injunções conjunturais de natureza político-partidária.

Esse entendimento orienta, dessa forma, a análise da política externa para as variáveis internas que marcam o processo decisório da definição da política, sem desconsiderar os fatores sistêmicos, como apontam Salomón e Pinheiro (2013)SALOMÓN, M.; PINHEIRO, L.. Análise de política externa e política externa brasileira: trajetória, desafios e possiblidades de um campo de estudos. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, DF, v. 56, n. 1, p. 40-59, 2013. . A política externa não é, portanto, qualquer ação externa, mas uma política pública que tem a especificidade de ser implementada fora das fronteiras de um Estado ( Salomón; Pinheiro, 2013SALOMÓN, M.; PINHEIRO, L.. Análise de política externa e política externa brasileira: trajetória, desafios e possiblidades de um campo de estudos. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, DF, v. 56, n. 1, p. 40-59, 2013. ), nem é ela promovida por qualquer ator, em que pese muitos participarem do processo decisório. Enquanto política pública, é um campo transdisciplinar que busca analisar a ação dos governos cujos propósitos e plataformas eleitorais foram traduzidos em programas e ações que produzem resultados no mundo real ( Souza, 2006SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, 2006. ).

Como apontam Milani e Pinheiro (2013)MILANI, C. R.S.; PINHEIRO, L. Política externa brasileira: os desafios de sua caracterização como política pública. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, p. 11-41, 2013. , nas últimas décadas do século XX, da complexificação de fatores incidentes nas relações internacionais – tais como o fim da competição bipolar, a diversificação das coalizões, os processos de globalização e a liberalização econômica, as crises financeiras de natureza sistêmica, a revolução tecnológica na área de informação e a ação transnacional de redes de ativismo e movimentos sociais – decorreu a necessidade de reflexão sobre o papel do Estado e a prática da política externa, com novas possibilidades de ação internacional e novos constrangimentos. Esses fatores promoveram maior abertura do campo político, no qual diferentes atores passaram a influir de forma mais incisiva, ainda que assimétrica, na formulação de políticas públicas. Particularmente, Amaury Souza (2008SOUZA, A. Agenda internacional do Brasil revisitada: percepções da comunidade brasileira de política externa. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Relações Internacionais, 2008. , p. 15) nos traz a ideia de “comunidade brasileira de política externa” como “o universo constituído por pessoas que participam do processo decisório e/ou contribuem de maneira relevante para a formação da opinião no tocante às relações internacionais do país”, abrangendo autoridades governamentais, congressistas, representantes de grupos de interesse, líderes de organizações não governamentais, pesquisadores acadêmicos, jornalistas e empresários com atuação na esfera internacional. Mesmo que em posições assimétricas no processo decisório, a participação desses atores retirara a pretensa exclusividade, mas não a centralidade das elites diplomáticas do Itamaraty na formulação da PEB.

Assim, tanto o alargamento dos temas de relações internacionais como a maior diversidade de atores envolvidos tem exigido novas perspectivas de análise que abarquem esses fatores. A consolidação do campo disciplinar de “Análise de Política Externa”, por exemplo, fortalece a importância que os fatores domésticos passam a ter na análise da política externa, em evidente alinhamento à tradição liberal. Este trabalho, portanto, alinha-se à necessidade de analisar variáveis internas para compreender sua influência sobre a definição de uma agenda externa, em particular, como os modelos de desenvolvimento, concebidos pelas elites e colocados em ação pelos governos, têm impactado na agenda africana da política externa brasileira.

Diferentes governos, diferentes lealdades? Desenvolvimentismo e neoliberalismo na política externa brasileira

O século XX foi rico em tentativas de implementação de planos de desenvolvimento no Brasil. Pedro Fonseca (2015) aponta que o termo desenvolvimentismo já era linguagem corrente entre os economistas desde a década de 1950, mas, mesmo antes desse período, a política implementada por Getúlio Vargas marca o início do ciclo desenvolvimentista brasileiro. Como não é objetivo deste artigo se aprofundar no tema do desenvolvimento, mas trazer elementos que ajudem a compreender a influência desse modelo e do neoliberalismo para a atuação internacional do Brasil, faremos uma breve conceituação das tendências políticas e sua relação com a política externa brasileira.

Fonseca (2015), ao se debruçar sobre o tema, encontra como variáveis comuns a diversos autores a ideia de desenvolvimentismo a partir de a) um projeto deliberado tendo como objeto a nação ou seu futuro; b) a intervenção consciente e determinada do Estado para viabilizar o projeto; e c) a industrialização como caminho para acelerar o crescimento econômico, a produtividade e a difusão do progresso técnico, sendo atributos a intencionalidade (consciência do subdesenvolvimento) e sua circunscrição ao sistema capitalista, motivo pelo qual as economias socialistas não serem consideradas desenvolvimentistas. Celso Furtado (2009)FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. chama atenção para o fato de o “desenvolvimentismo” se configurar como uma ideologia do “desenvolvimento nacional”, considerando que exige um processo de diferenciação nacional no quadro da economia mundial; ou seja, a individualização advém da necessidade de autonomia na capacidade de decisão e, como o principal centro de decisões é o Estado, cabe a ele o papel básico na promoção do desenvolvimento.

Assim, o caminho brasileiro para o almejado desenvolvimento nesses termos começa com a política de industrialização de Getúlio Vargas, diante do contexto da crise de 1929, caracterizada como uma grande aliança composta por setores agrários voltados para o mercado interno e novos setores emergentes, que resultaram na manutenção de alguns setores agrários no poder e garantia de não realização da reforma agrária (Fonseca, 2015). Apesar de em sua origem o governo de Vargas representar uma coalisão formada por latifundiários excluídos da aliança café-com-leite da República Velha (1889-1930) e de outros setores mais tecnocratas, sua atuação não se restringiu a preservar as vantagens desses setores, mas, diferentemente, tratou de intervir nos diversos setores da economia por meio de regulamentação e criação de barreiras alfandegárias, bem como pela atuação empresarial do Estado, com a criação de empresas estatais em áreas estratégicas como o aço e o petróleo. A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) proporcionou, por sua vez, o financiamento para as melhorias necessárias a infraestrutura do país.

Nas décadas seguintes, o modelo idealizado para o desenvolvimento brasileiro consistia na passagem do modelo de substituição de importações para uma etapa de produção de bens de capital que permitisse diversificar os sistemas produtivos e, por conseguinte, levasse a uma fase de desenvolvimento autossustentado. Para tanto, seriam pressupostos para a evolução de fases a existência de um mercado interno, uma base industrial, fonte de divisas e uma taxa satisfatória de formação interna de capitais, centrando-se a política de desenvolvimento na absorção de novas tecnologias e na realização de investimentos, por meio do Estado, para a criação de uma infraestrutura que favorecesse essa diversificação ( Cardoso; Faletto, 1970CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1970. ).

Ressalte-se que a política externa do período refletia as necessidades do projeto desenvolvimentista, mesclando o alinhamento às potências com a defesa dos interesses nacionais nos fóruns internacionais. Desde o modelo de industrialização por “substituição de importações”, iniciada a partir do primeiro governo de Getúlio Vargas, a política externa foi utilizada para contestar as regras internacionais de comércio, para incrementar as relações comerciais e abrir novos mercados ( Lafer, 2009LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. ). Com intensidades diferentes e em variados momentos históricos, a diplomacia serviu para estreitar relações comerciais com países desenvolvidos ou em desenvolvimento, conforme a estratégia de aumento de exportações e diversificação de mercados.

Cervo e Bueno (2012)CERVO, A. L.; BUENO, C. História da política exterior do Brasil. 4. ed. Brasília, DF: Editora UnB, 2012. ressaltam que, apesar das mudanças de governo, não houve quebra de continuidade da política externa brasileira, considerando que era informada por um conjunto de ideias oriundas do desenvolvimentismo do período. Talvez a tradução mais acabada da relação entre a política nacional-desenvolvimentista e a política externa tenha sido a Política Externa Independente do governo Jânio Quadros e João Goulart, que evidenciava a posição independente do Brasil na busca pela concretização dos seus dois principais objetivos: a preservação da paz mundial e a promoção do desenvolvimento econômico ( Dantas, 2011DANTAS, S. T. Política externa independente. Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 2011. ).

Na procura desses objetivos primordiais o Brasil será levado, graças à posição independente em que se colocou, a tomar atitudes e participar de iniciativas, que ora o aproximarão de determinados Estados, ora poderão alinhá-lo com Estados de orientação diferente. Em nenhum caso, essas atitudes resultarão de uma vinculação ou dependência em relação a Estados ou grupos de Estados, mas exclusivamente da procura do interesse nacional e do melhor meio de atingir os objetivos visados ( Dantas, 2011DANTAS, S. T. Política externa independente. Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 2011. , p. 22-23).

Mesmo com o esgotamento do modelo de substituição de importações, o legado desenvolvimentista presente na atuação do Itamaraty permaneceu, tendo em vista que o desenvolvimento almejado pelas elites da época ainda estava por se realizar. No entanto, como ressalta Lima (2005)LIMA, M. R. S. A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, DF, v. 48, n. 1, p. 24-59, 2005. , os padrões de desenvolvimento são trajetória dependente de condicionalidades internacionais e domésticas. Nota-se que o alcance e a natureza desse vetor podem ser observados de forma diversificada ao longo do século XX e início do presente século nos diferentes espaços – ora a política externa se volta para a intensificação das relações comerciais com os Estados Unidos e países europeus, ora se volta para coalizões com países em desenvolvimento para contestar as regras internacionais de comércio, bem como para abrir novos mercados consumidores dos produtos brasileiros – fato este que ficará bastante evidente nas relações do Brasil com os países africanos.

Da mudança de conjuntura já na década de 1970, com as crises do petróleo e o rompimento do Acordo de Bretton Woods, resultou em uma crise econômica mundial sem precedentes, sobretudo para os países em desenvolvimento. O fim do Acordo de Bretton Woods, que desatrelou a conversibilidade do dólar em ouro (desvalorizando o dólar, portanto) e as duas crises do petróleo (1973 e 1979) estão na origem do processo inflacionário que atingiu a economia de muitos países e provocou a recessão da atividade econômica mundial. Para conter a inflação e evitar maior desvalorização do dólar, uma das medidas realizadas pelos Estados Unidos foi a alta da taxa de juros que, para os países em desenvolvimento, teve o efeito de aumentar o endividamento em razão dos empréstimos contraídos para a realização de investimentos.

Se ao longo da década de 1970 o “milagre econômico” era possível graças ao endividamento público e ao arrocho salarial, a década seguinte foi marcada pela total perda da capacidade de investimentos do Estado. Essa conjuntura favoreceu o aparecimento de críticas sobre os gastos do Estado (fundamentalmente ao Estado de bem-estar social), propiciando que as políticas neoliberais ganhassem campo político em muitos países.

Fundada na ideia de que o Estado deve garantir as liberdades individuais por meio dos direitos individuais de propriedade privada, estabelecimento de regras legais e instituições de livre funcionamento do mercado e comércio, a teoria neoliberal desenvolvida ao longo da primeira metade do século XX é impulsionada pelos governos de Augusto Pinochet (Chile), Margareth Thatcher (Reino Unido) e Ronald Regan (Estados Unidos), culminado com o Consenso de Washington (1989), no qual um conjunto de medidas foi formulado para orientar os países com instituições como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial ( Harvey, 2005HARVEY, D. A brief history of neoliberalism. New York: Oxford University Press, 2005. ). A partir desse momento, o neoliberalismo começa a se espraiar pelo mundo, com destaque para as políticas implementadas nos países em desenvolvimento, cuja crença de que a pobreza poderia ser eliminada assegurando-se o livre mercado e livre comércio foi amplamente difundida.

No Brasil, as políticas neoliberais começam a fazer parte da orientação econômica com o governo Collor de Mello (1990-1992) e a abertura de mercado, mas é no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que o receituário das instituições financeiras é colocado em prática, com destaque para a redução dos gastos públicos, política de privatizações e desregulamentações em setores sociais. Segundo Harvey (2005)HARVEY, D. A brief history of neoliberalism. New York: Oxford University Press, 2005. , a procura por privatização de ativos era justificada: 1) pela ausência clara de direitos de propriedade privada; e 2) pela necessidade de desregulamentação para estimular a competição no livre mercado.

Apesar de a política externa não ter sofrido nenhuma ruptura com a mudança de orientação político-econômica, a inclinação por uma ação mais independente na arena internacional dá lugar à aceitação das grandes potências como as principais promotoras da ordem internacional, decorrendo disso a necessidade de fortalecer laços com esses países a fim de extrair benefícios econômicos ( Leite, 2011LEITE, P. S. O Brasil e a cooperação sul-sul em três momentos de política externa: os governos Jânio Quadros, João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 2011. ). Isso representou uma diplomacia mais conservadora e, portanto, com menor protagonismo nas articulações contestatórias do sistema, com notável afastamento dos países africanos. O multilateralismo passou a ser a via diplomática preferencial para a defesa dos interesses brasileiros, motivo pelo qual esse período ficou conhecido pela busca de autonomia pela participação.

No novo ambiente internacional, dominado por uma grande potência e no qual o poder do Estado brasileiro debilitou-se em termos relativos, a perspectiva institucionalista passou a ser vista como favorável aos interesses brasileiros porque promovia o respeito às regras do jogo internacional, as quais, uma vez estabelecidas, deveriam ser respeitadas por todos, inclusive os países mais poderosos ( VIGEVANI; CEPALUNI, 2011VIGEVANI, T.; CEPALUNI, G. A política externa brasileira: a busca da autonomia, de Sarney a Lula. São Paulo: Edunesp, 2011. , p. 94).

A diplomacia presidencial atuante de FHC, com exceção de algumas agendas, não foi capaz de colocar o país em posição de protagonismo no sistema internacional. Portanto o Itamaraty refletia uma política em que o Estado reduzia sua atuação em algumas áreas e, mais importante, praticava uma política de redução de gastos que atingia o orçamento de todas as instituições do governo. Quanto à agenda africana, esta se resumiu à participação em missões de paz e a criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), gestada desde o governo Sarney.

A eleição do presidente Lula da Silva, em 2003, foi precedida pela insatisfação de diversos setores da sociedade brasileira quanto aos rumos da política neoliberal, cujos efeitos se sentiam das camadas mais populares ao grande empresariado. Reivindicava-se, nesse sentido, uma política que ultrapassasse a estabilização e o ajuste fiscal e incluísse novas prioridades, como o crescimento econômico e geração de emprego associados à formulação de uma nova estratégia de inserção internacional ( Diniz; Boschi, 2007DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. A difícil rota do desenvolvimento: empresários e a agenda pós-neoliberal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. ). Após três derrotas consecutivas nas eleições de 1989, 1994 e 1998, o Partido dos Trabalhadores amenizou seu discurso contrário às forças do capital – em particular, aos acordos com agências internacionais, como FMI e Banco Mundial, e à presença de empresas multinacionais estrangeiras – e incorporou interesses diversos dos tradicionalmente defendidos pelo partido. Segundo André Singer (2012)SINGER, A. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. , essa incorporação, chamada por ele de pacto conservador, resultou no bloqueio de mudanças estruturais, na cooptação dos elementos conservadores pelos dirigentes petistas, condicionada pela não confrontação dos interesses do capital.

A garantia dada pelo candidato Lula da Silva de que as medidas de estabilização econômica continuariam a ser realizadas e os contratos respeitados, mas, no entanto, com o incremento de ações voltadas ao desenvolvimento – expressa na sua “Carta ao povo brasileiro” –, atraiu para sua órbita importantes nomes do empresariado brasileiro que passaram a apoiar abertamente sua candidatura ( Diniz; Boschi, 2007DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. A difícil rota do desenvolvimento: empresários e a agenda pós-neoliberal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. ). Esse pacto realizado com diversos setores da sociedade brasileira deu origem a uma política de manutenção da estabilidade e expansão do mercado interno, capitaneado pelos investimentos em programas de transferência de renda, pelo aumento real do salário mínimo e pelo aumento de crédito, caracterizando-se o Estado como o grande indutor do crescimento, condição esta visibilizada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007 ( Fonseca et al., 2013FONSECA, P. C. D.; CUNHA, A. M.; BICHARA, J. S. O Brasil na era Lula: retorno ao desenvolvimentismo. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 23, n. 2, p. 403-428, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/neco/a/hRXQ6W3JHGXtnbhx36L7xwk/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 15 nov. 2021.
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; Singer, 2012SINGER, A. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ). Essa política puxada por investimentos do Estado ficou conhecida como neodesenvolvimentismo, mas também como social desenvolvimentismo ou neoliberalismo desenvolvimentista ( Saad Filho; Morais, 2018SAAD FILHO, A.; MORAIS, L. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo, 2018. ), guardando importantes diferenças do nacional-desenvolvimentismo do século XX.

Os debates teóricos sobre o neodesenvolvimentismo mostraram um campo problemático, em que os limites e as fronteiras sobre o modelo de desenvolvimento nem sempre parecem evidentes ( Vidal et al., 2019VIDAL, P. et al. Neoliberalismo y neodesarrollismo en Latinoamérica: encuentros y desencuentros ideológicos entre los gobiernos de Bachelet-Piñera y Lula-Dilma Rousseff (2005-2013). In: MOLINA, P. V. (coord.). Neoliberalismo, neodesarrollismo y socialismo bolivariano: modelo de desarrollo y políticas públicas en América Latina. Santiago de Chile: Clacso, 2019. p. 162-187. ). Para Bresser-Pereira (2007BRESSER-PEREIRA, L. C. Estado y mercado em el nuevo desarrollismo. Nueva Sociedad, n. 210, jul.-ago. 2007. Disponível em: https://nuso.org/articulo/estado-y-mercado-en-el-nuevo-desarrollismo/. Acesso em: 16 mar. 2022.
https://nuso.org/articulo/estado-y-merca...
, p. 114, tradução nossa), o neodesenvolvimentismo se situa entre o discurso do nacional-desenvolvimentismo e o discurso do neoliberalismo, chamado por ele de ortodoxia convencional, constituindo “um conjunto de propostas de reformas institucionais e políticas econômicas por meio das quais as nações de desenvolvimento médio buscam, no início do século XXI, alcançar os países desenvolvidos”. Assim, em vez de investir em reformas estruturais, o neodesenvolvimentismo se inclinaria para a articulação com o mercado global, estimulando o investimento privado, a democratização do acesso a crédito e políticas de transferência de renda, com o Estado que busca o crescimento econômico e regula uma economia aberta internacionalmente (Faé; Goulart; Zilio, 2016 apud Vidal et al., 2019VIDAL, P. et al. Neoliberalismo y neodesarrollismo en Latinoamérica: encuentros y desencuentros ideológicos entre los gobiernos de Bachelet-Piñera y Lula-Dilma Rousseff (2005-2013). In: MOLINA, P. V. (coord.). Neoliberalismo, neodesarrollismo y socialismo bolivariano: modelo de desarrollo y políticas públicas en América Latina. Santiago de Chile: Clacso, 2019. p. 162-187. ). Ainda, é importante ressaltar que, no contexto do neodesenvolvimetismo, críticas formuladas dentro do campo da Ecologia Política tem ganhado força nas últimas décadas, complexificando as discussões em torno das relações entre economia-ecologia e, portanto, desenvolvimento, concebendo-o a partir de outra epistemologia.

Diferentemente do desenvolvimentismo das décadas de 1950-1970, as mudanças estruturais que garantiriam certa autonomia econômica ao país deram lugar a reformas institucionais e a uma política econômica na qual a industrialização não assumia papel central. O neodesenvolvimentismo no governo do Partido dos Trabalhadores se caracterizou pela presença do Estado em diversos setores, pela expansão do mercado interno e suas políticas sociais, que, devido ao sucesso na redução da pobreza, transformaram-se em referência mundial.

A coexistência aparentemente bem-sucedida entre o tripé de políticas macroeconômicas neoliberais com políticas novo-desenvolvimentistas (inspiradas no estruturalismo latino-americano, nas teorias keynesianas e novo-keynesianas, na economia política revolucionária e em outras escolas do pensamento heterodoxo) pode ser explicada pelo ambiente externo favorável durante o segundo governo Lula. Nessas circunstâncias, a interação entre políticas econômicas prima facie incompatíveis não só se tornou possível como contribuiu para êxitos significativos, como incluíram a aceleração do crescimento do PIB, a impressionante recuperação do Brasil após a crise global e uma melhoria contínua nos indicadores de emprego, salário, bem-estar e distribuição de renda ( Saad Filho; Morais, 2018SAAD FILHO, A.; MORAIS, L. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo, 2018. , p. 149).

O crescimento econômico mundial puxado pela economia chinesa1 1 Segundo dados do Banco Mundial, o produto interno bruto mundial experimentou um acelerado crescimento, sobretudo entre 2002 e 2014, com médias de crescimento percentuais que se situavam na casa de 4,5% ao ano. A China, por sua vez, apresentava médias de crescimento superiores a 9%, chegando ao ápice de 14,2% em 2007, quando começa a desaceleração do seu crescimento econômico. Ainda assim, a China tem mantido médias superiores à média mundial, mantendo-se acima da casa de 5%. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CN . Acesso em: 25 fev. 2022. favoreceu a exportação de commodities e, portanto, o aumento do produto interno bruto brasileiro e o saldo positivo da balança comercial,2 2 Entre 2002 e 2010, o Brasil manteve uma média de crescimento superior a 3%, com algumas oscilações, atingindo o crescimento de 7,5% em 2010. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG . Acesso em: 25 fev. 2022. criando condições para o aumento da poupança interna para a realização dos investimentos nas políticas planejadas pelo governo. Assim, como nas diversas áreas do governo, a política externa brasileira pôde se beneficiar do aumento dos investimentos públicos, com a abertura e reativação de novas embaixadas3 3 Somente na África foram abertas 19 embaixadas: Nigéria (reativada), República Democrática do Congo, Etiópia, Sudão, Benin, Tanzânia, Camarões, Togo, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Guiné, Botsuana, Zâmbia, Mali, Congo, Burkina Faso, Mauritânia, Serra Leoa e Malauí ( Fundação Alexandre Gusmão, 2021 ). e realização de projetos de cooperação em diversos países, projetando a diplomacia brasileira de forma mais assertiva.

Seguindo as diretrizes de uma política macroeconômica voltada para o desenvolvimento prescrito pela coalizão que compunha o governo, a diplomacia brasileira, dirigida pelo chanceler Celso Amorim e assessorada por Marco Aurélio Garcia, manteve a posição de negociar nos foros multilaterais questões relacionadas à proteção e expansão das relações comerciais. Entretanto a diplomacia do governo Lula buscou novas coalizões, principalmente com países do hemisfério Sul, como estratégia para barganhar melhores condições na economia internacional. Instâncias como o Fórum Índia, Brasil e África do Sul (Ibas) e o Fórum Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), apesar de não apresentarem uma clara agenda comum, agregou importantes países em torno da necessidade de construir uma nova arquitetura internacional na área econômico-financeira, especialmente aprofundada com a criação do Banco do Brics no governo Dilma Rousseff, agora sob comando do chanceler Luiz Alberto Figueiredo.

Outra característica, apontada por Cervo e Bueno (2012)CERVO, A. L.; BUENO, C. História da política exterior do Brasil. 4. ed. Brasília, DF: Editora UnB, 2012. como internacionalização econômica, teve por objetivo formar empresas brasileiras fortes para competir em escala global, com apoio logístico do Estado e financeiro de instituições nacionais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Brasil. Chamadas de “campeãs nacionais”,4 4 Aponta Boito Jr. (2012 apud Saad Filho; Morais, 2018 ) que, entre as principais empresas selecionadas, estavam: Odebrecht (construção), Inbev (bebidas), Gerdau (aço), Itaú e Bradesco (finanças), Embraer (aviação), Vale (mineração) e JBS Friboi (alimentos processados). essas empresas selecionadas tiveram sua expansão e transnacionalização estimuladas por incentivos regulatórios, contratos preferenciais e compras de ações por bancos estatais e fundos de pensão, apoio diplomático e empréstimos subsidiados, com a criação de linhas de crédito específicas para essa internacionalização ( Saad Filho; Morais, 2018SAAD FILHO, A.; MORAIS, L. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo, 2018. ).

Não deveria ser surpresa a declaração de empresas à recente pesquisa da Cepal de que são necessárias políticas públicas para se internacionalizarem. Entre as principais políticas públicas estão uma legislação flexível e estável, que apoie a expansão, a participação maior do Brasil em acordos comerciais e bilaterais com EUA, Europa e outros países do Sul (inclusive aproveitando o acesso a mercados de países que já tem acordo com os grandes mercados), e uma política de crédito afirmativa. Assim, temos dois pilares importantes da ligação entre Estado e empresas: a política externa e a política de crédito ( GARCIA, 2009GARCIA, A. S. Empresas transnacionais brasileiras: dupla frente de luta. In: Instituto Rosa Luxemburg Stiftung et al. (org.). Empresas transnacionais brasileiras na América Latina: um debate necessário. São Paulo: Expressão Popular, 2009. , p. 14).

No período do governo Lula, essa associação Estado-empresas fica evidente, resultando no aumento da presença de empresas brasileiras, sobretudo na América Latina e África. Ressalte-se que, apesar do menor apelo à diplomacia presidencial, o governo de Dilma Rousseff manteve a linha de atuação do seu antecessor, garantindo recursos para a execução de projetos de cooperação5 5 Conforme dados do relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) (2018) , os gastos do governo federal com a Cobradi no governo Dilma Rousseff corresponderam aos seguintes valores correntes: 2011 – R$ 985.253.701; 2012 – R$ 1.004.421.523; 2013 – R$ 857.299.155; 2014 – R$ 449.113.379; 2015 – R$ 366.446.637; 2016 – R$ 3.177.057.336. (com maior aporte em 2016) e de contratos de concessão de crédito do BNDES (com maior número de países contemplados).

O cenário econômico internacional menos favorável com os impactos da crise financeira de 2008 e a desaceleração da economia chinesa, a manutenção dos gastos públicos nas políticas sociais e as investigações de corrupção na Petrobrás, na Operação Lava Jato,6 6 Iniciada em 2014, a Operação Lava Jato deu início à crise político-econômica que se seguiu no Brasil nos anos posteriores. Com o objetivo inicial de investigar o desvio ilegal de recursos da Petrobras que foram “branqueados” em lava-jatos e postos de gasolina, a operação foi ampliada com a realização de oitenta fases, que resultaram no indiciamento de executivos de empreiteiras, operadores financeiros, funcionários da Petrobras e agentes públicos. Lideradas pelo Ministério Público Federal em Curitiba, as investigações geraram muitas críticas pelo indiciamento a partir de delações dos investigados e por sua relação próxima com o juiz Sérgio Moro, cujas implicações políticas foram do impeachment da presidenta Dilma Rousseff à influência do resultado das eleições de 2018, com a inelegibilidade de Lula da Silva. Importante destacar os impactos da Operação para a política interna da Petrobras e para as empresas do setor de infraestrutura, com a redução de suas operações no Brasil e no exterior. No caso particular da presença de empresas brasileiras na África, a venda de todos os ativos da Petrobras no continente e o endividamento da Odebrecht, cujo pedido de recuperação judicial para reestruturação de uma dívida de quase R$ 83 bilhões foi homologado pela Justiça, evidenciam os impactos da Operação para essas grandes empresas. foram pretexto para que as forças conservadoras7 7 Também conhecido por golpe jurídico-parlamentar, a deposição da presidenta Dilma Rousseff foi promovida por setores da elite, como empresários, representantes do setor financeiro, do agronegócio e de igrejas evangélicas com representação no Congresso Nacional, com aquiescência do Supremo Tribunal Federal, cujas acusações do cometimento do suposto crime de responsabilidade não deram seguimento a ação penal nem geraram perda dos direitos políticos da presidenta. vinculadas sobretudo ao capital financeiro iniciassem o processo de impeachment contra a presidenta Dilma por crime de responsabilidade. Assim, em agosto de 2016, finalizava-se o período neodesenvolvimentista para ser retomado o projeto neoliberal iniciado no governo FHC, focado principalmente no controle de gastos públicos com o Projeto de Emenda Constitucional nº 558 8 A PEC nº 55/2016 deu origem à Emenda Constitucional 95 promulgada pelo Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2016, que limita os gastos públicos por 20 anos e determina apenas sua correção por perdas da inflação conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). – chamado de teto dos gastos – e na desregulamentação dos setores trabalhista e previdenciário.

Com a posse de Michel Temer (2016-2018), a política externa brasileira é redirecionada. Com base nas críticas segundo as quais a política desenvolvida ao longo dos governos petistas combinava propósitos publicitários, poucos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos, o novo ministro José Serra, em seu discurso de posse, aponta a necessidade de estabelecer relações prioritárias com parceiros do Norte e da Ásia, especialmente a China, colocando as relações Sul-Sul em outro patamar de importância, assim como as relações com o continente africano. São exemplos dessa nova política tanto a solicitação de ingresso do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como a solicitação de estudo sobre a viabilidade das novas embaixadas na América Latina e na África, criadas nos governos petistas, com indicativo de fechamento. O sucessor, ministro Aloysio Nunes, segue essa orientação, em que pese um discurso de maior reconhecimento da importância comercial da África para o Brasil no qual apontava a manutenção dos projetos de cooperação no continente (Fingermenn, 2019). Apesar desse redirecionamento, é importante registrar que, dentro do contexto do corte de gastos públicos, as despesas do Itamaraty continuaram na tendência de crescimento até 2021 (Tabela 1).

Ressalte-se que, também em 2016, o BNDES suspendeu o desembolso de financiamento para exportação de serviços por empresas de engenharia vinculadas à Operação Lava Jato – Odebrecht, OEA, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutiérrez – com operações em nove países (Angola, Cuba, Venezuela, Moçambique, Argentina, Guatemala, Honduras, República Dominicana e Gana). Considerada uma política fundamental para a internacionalização de empresas brasileiras, as operações do BNDES foram intensamente criticadas pelos opositores que questionavam a falta de transparência dos contratos. Essas críticas sobre a existência de uma “caixa preta” no BNDES continuaram no governo seguinte, o que fez com que operações entre 2005 e 2018 passassem pelo escrutínio de auditoria externa, por meio da empresa Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, na qual foram gastos R$ 48 milhões, sem que nenhuma irregularidade fosse encontrada.9 9 Disponível em: https://noticias.r7.com/economia/bndes-gasta-r-48-mi-com-caixa-preta-e-nao-acha-irregularidade-21012020 . Acesso em: 17 mar. 2022.

A desconstrução da política externa sob o jugo do neodesenvolvimentismo passou por uma radicalização com a eleição de Jair Bolsonaro. Mais do que uma proposta clara da atuação internacional do Brasil, os discursos que se seguiram, fortemente marcados por citações bíblicas e valores da família tradicional, deixavam evidentes a crítica radical à PEB dos governos petistas e o alinhamento aos interesses estadunidenses do governo Donald Trump. Na prática, isso significou uma mudança significativa nas posições do Brasil nos fóruns internacionais sobre diversos temas (notadamente meio ambiente, gênero e direitos humanos) – alinhando-se a governos autoritários –, na forma de atuar da cooperação brasileira e suas prioridades e na reconfiguração das parcerias político-econômicas, o que tem gerado críticas à PEB entre seus próprios apoiadores.

A nova versão do neoliberalismo do século XXI agrega à sua dimensão ideológica valores da extrema direita, demonstrando seu desapreço pela democracia enquanto igualdade de participação política. Em sua análise sobre o neoliberalismo do século XXI, Wendy Brown (2019)BROWN, W. Nas ruídas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019. apresenta algumas “tarefas” desse modelo. Para ela, haveria um destronamento da sociedade, em que o ataque ao social (e a ideia de justiça social) edificaria o poder corporativo, legitimaria a desigualdade e desencadearia o ataque aos mais vulneráveis da sociedade. Esse modelo também promoveria o destronamento da política, cuja limitação e contenção do político, apartado da soberania, possibilitaram a promoção de Estados e instituições despolitizadas nas quais a governança é baseada em princípios de negócios e sujeitos orientados pelo interesse e disciplinados pelo mercado e pela moral. E, por fim, a expansão da proteção da esfera individual, que “consagra como livre expressão todo sentimento histórica e politicamente gerado de arrogação (perdida) baseada na branquitude, masculinidade ou nativismo, […] desatrelando-os de qualquer conexão com a consciência, compromisso ou consequência sociais” ( Brown, 2019BROWN, W. Nas ruídas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019. , p. 58).

No campo econômico, apesar das críticas sobre a efetividade das políticas neoliberais feitas por funcionários do próprio FMI,10 10 Em artigo publicado na revista Finance & Development , do Fundo Monetário Internacional, em 2016, economistas do Fundo reconhecem que as políticas neoliberais aumentaram a desigualdade. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/fmi-diz-que-politicas-neoliberais-aumentaram-desigualdade.html . Acesso em: 25 fev. 2022. a agenda neoliberal continuou a ser implementada em alguns países em desenvolvimento, como no Brasil. As pautas de controle de gastos públicos, necessidade de reformas (principalmente, tributária) e privatizações continuaram preenchendo os discursos do setor econômico. No entanto, a agressividade na defesa da desregulamentação de alguns setores como forma de estímulo ao crescimento econômico, como o trabalhista e ambiental, tem chamado atenção por seus impactos no aprofundamento da desigualdade e no desequilíbrio climático.

Observa-se que a política econômica do governo Bolsonaro segue a tendência do neoliberalismo de cooptação da política por um terceiro que não Estado/mercado. Conforme aponta Colin Crouch (2012CROUCH, C. La extraña no-muerte del neoliberalismo. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2012. , p. 11, tradução nossa), “o neoliberalismo realmente existente – por oposição ao puramente ideológico – não está consagrado ao mercado livre, como se pretende, mas é dedicado ao domínio da vida pública por parte das grandes corporações”. Essas corporações se caracterizariam por serem suficientemente dominante em seu mercado para poder influenciar com suas próprias ações as condições desse mercado, usando sua capacidade organizativa para desenvolver estratégias de domínio (e obter informações privilegiadas, portanto), e por também atuar em mais de uma jurisdição nacional. Disso resultou que, se uma empresa deve atender aos interesses dos acionistas, as decisões da empresa tendem a privilegiá-los em detrimento dos consumidores em situações de domínio de mercado. Nesse sentido, o ministro da Economia Paulo Guedes, como representante das corporações do capital financeiro, vem promovendo medidas que desestruturam o próprio tripé econômico defendido pelo neoliberalismo, com descontrole do câmbio e da inflação, apesar do superávit primário em 2021. A lógica das grandes corporações tem sido imposta até nas empresas públicas, com o favorecimento dos acionistas, como se observa com a Petrobras e a política de preço de paridade de importação, com graves impactos sobre a inflação e, portanto, do poder de compra da população.

A trajetória do desenvolvimentismo, neoliberalismo e de suas respectivas versões do século XXI tem projetado diferentes objetivos para a política externa no Brasil. Apesar de tradicionalmente a política externa ser caracterizada por seu caráter contínuo, mudanças de governo podem alterar o alcance e a natureza do comportamento diplomático conforme o momento histórico. Algumas características têm marcado a ação internacional brasileira como a busca pelo desenvolvimento do espaço nacional, que, conforme visão das elites, estaria ameaçado por suas vulnerabilidades econômicas, e não por questões de segurança; portanto a política externa brasileira teria um forte componente desenvolvimentista ( Lafer, 2009LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. ; Lima, 2005LIMA, M. R. S. A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, DF, v. 48, n. 1, p. 24-59, 2005. ). Segundo Vigevani e Cepaluni (2011)VIGEVANI, T.; CEPALUNI, G. A política externa brasileira: a busca da autonomia, de Sarney a Lula. São Paulo: Edunesp, 2011. , além da questão do desenvolvimento, a busca pela autonomia internacional seria a característica-chave do Brasil desde a década de 1980. Nesse sentido, três seriam as maneiras de buscar a autonomia – pela distância, pela participação e pela diversificação –, que podem ser combinadas e são mais facilmente identificadas em certos períodos históricos que em outros. No caso brasileiro, essas diferentes maneiras “são estratégias que o país adotou para se adaptar às mudanças internacionais e domésticas sem prover fortes rupturas com a tradição diplomática” ( Vigevani; Cepaluni, 2011VIGEVANI, T.; CEPALUNI, G. A política externa brasileira: a busca da autonomia, de Sarney a Lula. São Paulo: Edunesp, 2011. , p. 36).

Mesmo sob governos neoliberais, essas características se mantiveram até a ruptura do governo Bolsonaro, com a gestão de Ernesto Araújo. A “nova política externa” refletiria “o enorme esforço [que] está em curso, por parte do governo brasileiro, para aprovar reformas há muito necessárias, reduzir custos, desregulamentar, facilitar os negócios e o empreendedorismo, abrir a economia”, conforme discurso do Ministro em reunião da OMC ( Araújo, 2020ARAÚJO, E. A nova política externa brasileira: seleção de discursos, artigos e entrevistas do Ministro das Relações Exteriores – 2019. Brasília, DF: Funag, 2020. , p. 56). A manutenção do progressivo aumento das despesas da área de Relações Exteriores – observada desde o governo FHC – ocorreu nos dois primeiros anos do mandato de Bolsonaro, entretanto o corte de recursos defendido por esta política acaba por também afetar a área, correspondendo a um corte de cerca de 50% das despesas liquidadas em 202111 11 A análise das despesas revela o considerável corte de recursos na pasta no ano de 2021. No entanto os anos anteriores da gestão Bolsonaro requerem uma análise mais aprofundada para melhor compreensão da dinâmica do MRE, considerando que a execução do orçamento de 2019 é definida pelo mandato anterior e, em razão da excepcionalidade da pandemia de Covid-19, o MRE teve aumento de despesas para repatriação de brasileiros espalhados por diversos países em 2020. ( Gráfico 1 ).

Gráfico 1
– Despesas liquidadas por função – Relações Exteriores (R$)

Além dessa orientação, a política externa é impregnada por novos valores associados à família e à liberdade, do que decorre a ruptura com posições tradicionais do Brasil nos fóruns internacionais. Nota-se que esses valores que passaram a orientar a política externa refletem valores de grupos religiosos que constituem a base de apoio político do governo e que buscaram ocupar lugares inclusive nas comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara de Deputados e do Senado, tradicionalmente ocupadas por partidos de esquerda e de centro-direita – Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sobretudo. Essa característica terá importantes implicações para a agenda africana da política externa brasileira, como se verá adiante.

O outro lado da moeda: desenvolvimentismo e neoliberalismo em terras africanas

O desmonte do sistema colonial a partir da década de 1960 foi seguido da necessidade de construção da identidade nacional por muitos países africanos que, quando não sucumbiram à guerra civil impulsionada pelas diferenças étnicas e pela Guerra Fria, encontraram dificuldades para romper com os laços coloniais, especialmente no que se refere às suas economias. Os desafios de construção de um Estado a partir de diferentes nações étnicas destroçadas pela ação colonial ainda marcam esses países e diferentes experiências foram vivenciadas nesse sentido, sendo comum a fragilidade em estabelecer um percurso independente.

No período pós-independência, alguns países tentaram estabelecer uma economia de base nacional. Os governos que aderiram ao bloco socialista implementaram uma política de centralização econômica, com a nacionalização de recursos diversos (terra, recursos minerais, indústrias etc.) e planos de industrialização que dependiam da produção de excedente agrícola ou exploração de recursos minerais para financiá-los. Apesar dos esforços para promover o desenvolvimento econômico, os países socialistas do continente africano acabam falhando nesse propósito. A destruição das infraestruturas ocasionada pela guerra civil na maioria desses países junto às intempéries naturais resultaram na grande dependência da cooperação entre aliados do bloco, tanto como para fornecimento de recursos (URSS, com combustível) como para o envio de profissionais aptos a assumirem funções na estrutura do Estado (Alemanha Oriental, com profissionais em diversos setores, e Cuba, com profissionais na saúde e educação).

Os países africanos com suas economias baseadas no modo de produção capitalista não tiveram destino tão diferente ao tentarem implementar planos nacionais de desenvolvimento. A Nigéria, por exemplo, na execução do seu Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (1962-1968), que tinha por objetivo o desenvolvimento dos seus recursos humanos e naturais de forma a suportar a contínua melhoria da qualidade de vida da população, deixava explícita a dependência do país dos investimentos estrangeiros para o financiamento dos projetos nacionais ( Falola; Heaton, 2008FALOLA, T.; HEATON, M. A history of Nigeria. New York: Cambridge University Press, 2008. ). A guerra civil que se iniciou ao final do Primeiro Plano demonstrou os desafios internos que ainda deveriam ser superados, o que transparece no Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (1970-1974), cujos objetivos enfatizavam a necessidade de uma mudança social no país. Apesar do aumento exponencial da produção de petróleo na década de 1970, os objetivos previstos no Segundo Plano não foram alcançados, mas, ao contrário, as receitas geradas pelo petróleo serviram para a acumulação de capital por altos burocratas e oficiais militares. Mesmo com o aumento do preço do petróleo na década de 1970, os empréstimos realizados fizeram saltar a dívida externa do país de US$ 560 milhões, em 1975, para US$ 3,97 bilhões em 1978 ( Eneh, 2017ENEH, O. C. The National development goals: where stands Nigeria? In: ENEH, O. C.; OWO, N. J.; ENEH, A. N. (org.). Expanding education and sustainable development in Nigeria: The unresolved practical issues. Enugu: Welfare and Industrial Promotions (WIPRO) International, 2017. p. 51-64. ).

Assim como a Nigéria, diversos países recém-independentes elaboraram seus planos de desenvolvimento ainda na década de 1960. Carlos Lopes (2013)LOPES, C. 50 years of Development Planning in Africa: retrospect and prospects. South Bulletin, [s. l.], v. 74, 5 Jul. 2013. Disponível em: https://www.southcentre.int/question/50-years-of-development-planning-in-africa-retrospect-and-prospects/. Acesso em: 20 dez. 2021.
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aponta que, nesse período, pelo menos 32 países africanos tinham seu plano de desenvolvimento nacional, que se caracterizaram pela ampla participação do Estado – sendo notável que a maioria dos setores produtivos eram operados por empresas estatais. Para acompanhar esses países no processo de elaboração do planejamento, foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1962, o Instituto Africano para o Desenvolvimento Econômico e Planejamento (Idep, em inglês), vinculado à Comissão Econômica das Nações Unidas para a África, cujo objetivo principal era acompanhar e dar suporte aos países africanos recém-independentes para desenvolver as capacidades dos recursos humanos como prerrequisito necessário para sustentar a independência e promover o desenvolvimento socioeconômico.13 13 Disponível em: https://www.uneca.org/african-institute-economic-development-and-planning-idep . Acesso em: 25 fev. 2022.

Apesar da assistência na elaboração de seus planos nacionais, a verdade é que os planos falharam em seu objetivo de promover desenvolvimento, resultando em um alto grau de endividamento ao final da década de 1980. Lopes (2013)LOPES, C. 50 years of Development Planning in Africa: retrospect and prospects. South Bulletin, [s. l.], v. 74, 5 Jul. 2013. Disponível em: https://www.southcentre.int/question/50-years-of-development-planning-in-africa-retrospect-and-prospects/. Acesso em: 20 dez. 2021.
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indica que uma variedade de razões pode ser atribuída a essa falha: “deficiências nos documentos dos planos, mas também fracasso na sua implementação; formulação ambiciosa de objetivos; fraquezas institucionais e burocráticas; choques exógenos; e fatores políticos”. É certo que os fatores domésticos que contribuíram para que os planos não atingissem seus objetivos têm importância, no entanto a conjuntura internacional e o lugar que esses países ocupavam no sistema tiveram papel preponderante para a dificuldade dos países em desenvolvimento em melhorar seus indicadores econômicos e sociais. Ainda, não se pode deixar de mencionar a instabilidade política provocada pelas potências da Guerra Fria no continente, que, com o objetivo de criar zonas de influência, financiaram os conflitos entre grupos políticos que disputavam o poder pós-independência.

Nesse sentido, a década de 1970 é fundamental para entender a crise da década seguinte e seu efeito catastrófico para muitos países africanos. Os países africanos que, guiados por seus planos de nacionais, tentaram desenvolver suas economias recorrendo a financiamento externo iniciaram a década de 1980 com alto endividamento e, portanto, incapazes de levar seus planos adiante. Esse contexto, aliado aos problemas internos dos países, resultou na acelerada pauperização da população, cuja imagem da fome é até hoje associada ao continente africano – também desse período é resultante a expressão “afro-pessimismo” ( Otavio, 2019OTAVIO, A. Entre potências tradicionais e emergentes: o lugar do Brasil no renascimento africano. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 7., 2019, Belo Horizonte. Anais […]. Belo Horizonte: Abri, 2019. ).

Apesar de seguirem caminhos diferentes, parte dos países capitalistas e socialistas do continente termina a década de 1980 recorrendo às organizações financeiras internacionais, em uma tentativa de reerguer suas economias e restabelecer a credibilidade no mercado internacional. Ressalte-se que, com o esfacelamento do bloco comunista/socialista, a ajuda recebida pelos africanos, sobretudo da URSS e da Alemanha Oriental, deixa de existir, colocando as economias desses países em grande vulnerabilidade. Como resposta à situação desses países, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional propõem um programa de reajustamento estrutural, cujas bases estavam solidificadas no neoliberalismo.

Em agosto de 1981, publicou-se um informe que condensava o cerne da nova linha política. O relatório Berg – como se tornou conhecido – foi a resposta do Banco à deterioração dos indicadores econômicos e sociais da África Subsaariana ao longo da década de setenta. A sua mensagem central era a de que o Estado pós-colonial tornara-se excessivamente grande, ineficiente e intervencionista. O corolário implícito era o de que a estratégia de substituição de importações havia fracassado. Sem mencionar em nome de quais interesses tal trajetória havia sido seguida, o informe indicava como alternativa uma redução significativa do tamanho do Estado, a adoção da ‘recuperação de custos’ (cobrança de taxas) em serviços públicos antes gratuitos e o aumento do controle privado sobre a economia em geral. Em particular, prescrevia-se a realização de uma agenda coerente de reformas nas políticas comercial, cambial e agrícola direcionada à promoção da liberalização comercial e da especialização produtiva voltada à exportação de bens primários. Recomendava-se o aumento da assistência econômica externa à região como forma de alavancar as reformas e catalisar fluxos de capital externo, desde que os governos preparassem os ajustes preconizados pelo Banco e pelo FMI ( Pereira, 2013PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial e a construção política dos programas de ajustamento estrutural nos anos 1980. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 359-381, 2013. , p. 360-361).

O relatório do BM “Desenvolvimento acelerado da África Subsaariana: um plano de ação”, elaborado por Elliot Berg, contrapunha-se ao Plano de Ação de Lagos, elaborado no ano anterior pelos países africanos no âmbito da Organização da Unidade Africana.14 14 A Organização da Unidade Africana passou a se chamar União Africana em 2002. As propostas demonstravam percepções diferentes sobre o caminho a ser seguido para atingir o desejado desenvolvimento; o Plano de Ação de Lagos defendia o aumento da cooperação regional, promovendo o desenvolvimento a partir do próprio continente, enquanto o Plano proposto pelo BM promovia a especialização na exportação de matérias-primas e adoção de uma série de medidas para atração de investimento externo, sendo, portanto, um desenvolvimento de “fora para dentro”.

O fato é que o Plano de Lagos não teve seguimento e o plano do BM foi amplamente adotado, como uma exigência para a concessão de empréstimos pelas organizações financeiras internacionais. João Pereira (2013)PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial e a construção política dos programas de ajustamento estrutural nos anos 1980. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 359-381, 2013. aponta que as medidas exigidas dentro do Programa de Ajustamento Estrutural – como foi chamado – refletiam a aproximação norte-americana, que passou a instrumentalizar o Banco a serviço dos seus interesses na construção de um sistema capitalista desregulado. Assente no pensamento neoliberal da época, o PAE consistia em políticas macroeconômicas para liberalização do comércio, atração de investimentos externos e especialização produtiva com aumento das exportações, sobretudo agrícolas.

No âmbito das políticas sociais e da administração estatal, o ajuste tinha como meta central a redução do déficit público, especialmente por meio de medidas como: a) o corte de gastos com pessoal e custeio da máquina administrativa; b) a redução drástica ou mesmo a eliminação de subsídios ao consumo; c) a redução do custo per capita dos programas, a fim de ampliar o grau de cobertura; d) a reorientação da política social para saúde e educação primárias, mediante a focalização do gasto na parcela da população em condições de “pobreza absoluta” ( Pereira, 2013PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial e a construção política dos programas de ajustamento estrutural nos anos 1980. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 359-381, 2013. , p. 365-366).

Na prática, os PAE tiveram como objetivo assegurar o pagamento do serviço da dívida dos países ao custo da contenção do consumo interno, arrocho salarial, corte de gastos sociais e redução do investimento público ( Pereira, 2013PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial e a construção política dos programas de ajustamento estrutural nos anos 1980. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 359-381, 2013. ). Nesse sentido, Eric Toussaint (2002)TOUSSAINT, E. A bolsa ou a vida – a dívida externa do Terceiro Mundo: as finanças contra os povos. São Paulo: Perseu Abramo, 2002. ressalta que, em vez da ajuda do Norte ao Sul, o período se caracterizava pelas transferências do Sul ao Norte em decorrência do volume do pagamento dos juros das dívidas serem superiores aos valores despendidos a título de ajuda externa. Ainda, segundo Lopes (2013)LOPES, C. 50 years of Development Planning in Africa: retrospect and prospects. South Bulletin, [s. l.], v. 74, 5 Jul. 2013. Disponível em: https://www.southcentre.int/question/50-years-of-development-planning-in-africa-retrospect-and-prospects/. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://www.southcentre.int/question/50-...
, os efeitos dos programas de reajustamento estrutural contam uma triste história no continente africano, considerando que as medidas prescritas pelo FMI e pelo Banco Mundial resultaram em perdas líquidas de emprego, comprometeram a prestação de serviços sociais e o desenvolvimento do capital humano, e, sobretudo, o crescimento econômico anual para África durante a década de 1990 foi em média de apenas 2,1%.

No início dos anos 1990, os programas de reajustamento estrutural não obtiveram o resultado esperado em muitos países africanos, e uma nova iniciativa foi proposta pelos credores. Em 1996, os países credores e as instituições financeiras reconheceram que a situação da dívida externa era extremamente difícil e impedia o desenvolvimento econômico; então, rodadas de negociação foram iniciadas no âmbito do Clube de Paris15 15 O Clube de Paris é um fórum de credores, criado em 1956, que se reúne periodicamente para negociar as dívidas de países com dificuldades econômicas, tendo sua atuação pautada por seis princípios: 1) solidariedade; 2) consenso entre os países credores; 3) compartilhamento de informações sobre os países devedores; 4) decisões tomadas caso a caso; 5) condicionalidade; e 6) comparabilidade de tratamento para outros acordos que não podem ser mais gravosos. Disponível em: https://clubdeparis.org/en/communications/page/the-six-principles . Acesso em: 25 fev. 2022. com o objetivo de aliviar as dívidas dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC, sigla em inglês). Interessante destacar que as negociações junto ao Clube de Paris fecharam o cerco quanto à adoção dos programas das organizações financeiras internacionais – que agora incorporava a privatização em massa, a desregulamentação dos serviços sociais, proteção da propriedade privada e legalização do setor informal da economia –, considerando que, para se tornar elegível para a renegociação da dívida, “o país deve ter um programa atual apoiado por um acordo apropriado com o FMI (Stand-By, Extended Fund Facility, Redução da Pobreza e Crescimento, Policy Support Instrument). O nível de tratamento da dívida é baseado na lacuna de financiamento identificada no programa do FMI”.16 16 Disponível em: https://clubdeparis.org/en/communications/page/hipc-initiative . Acesso em: 25 fev. 2022.

Mais do que refletir alinhamentos ideológicos, os partidos políticos na África Subsaariana têm refletido lealdades étnicas, regionais e militares que ainda se relacionam intimamente com o período pós-independência. Assim, a adoção de políticas desenvolvimentistas ou neoliberais aparece como resposta a momentos históricos particulares, nos quais, muitas vezes, os países se veem sem alternativa. O período de pós-independência revelava a necessidade dos países de se desvencilhar dos laços coloniais e, portanto, de construir identidades nacionais e “defender” suas soberanias no sistema internacional. De uma forma ou de outra, países socialistas e capitalistas buscaram reduzir sua dependência de importações e o papel do Estado foi fundamental para isso. No entanto, quando a situação econômica se agravou, restou aos países buscarem instituições que já estavam impregnadas pelo pensamento neoliberal e que, portanto, impuseram um receituário a partir desse marco.

Por outro lado, nota-se que, apesar de muitas medidas neoliberais terem sido adotadas, nem todo receituário prescrito foi seguido. Muitos países mantiveram algumas características como grande número de empresas estatais (como a África do Sul) e, no caso dos países socialistas, a propriedade pública da terra (como Angola e Moçambique), demonstrando uma adesão limitada às medidas propostas.17 17 No relatório Perspectivas econômicas regionais: África Subsaariana , de 2021, o FMI projeta o baixo crescimento econômico da região para os anos de 2021 e 2022 e reafirma a necessidade de reformas estruturais. A aproximação com a China, nesse sentido, tem se apresentado como alternativa às instituições financeiras internacionais para financiamento dos seus projetos fora dos marcos neoliberais prescritos por estas. A China se propõe à concessão de empréstimos sem a exigência de condicionalidades, sobretudo políticas, o que tem sido bem percebido pelos países africanos ( Hong, 2012HONG, Z. China’s evolving aid landscape: crossing the river by feeling the stones. In: CHATURVEDI, S.; FUES, T.; SIDIROPOULOS, E. (org.). Development cooperation and emerging powers: new partners or old patterns? New York: Zed Books, 2012. ).

É nesse contexto político-econômico que as relações entre o Brasil e os países africanos se desenvolveram com pouca prioridade, mas com alguns momentos de aproximação ao longo das décadas. A concentração da atividade econômica de grande parte dos países africanos na agricultura e extração de recursos minerais resultou na pouca diversidade de produtos a serem exportados e, por outro lado, o processo de desindustrialização da economia brasileira também restringiu as possibilidades de mercado, traduzindo-se em economias pouco complexas e complementares que estimulem um considerável aumento do comércio. Apesar disso, o Brasil ainda é percebido como parceiro estratégico que pode reduzir a dependência dos países africanos diante das prescrições das organizações financeiras e mediar importantes pautas comuns aos países em desenvolvimento, principalmente com os países de língua oficial portuguesa.

AGENDA AFRICANA DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NAS DIFERENTES VERTENTES POLÍTICO-ECONÔMICAS

Desde as independências dos países africanos, o movimento de aproximação da diplomacia brasileira é atravessado pelo discurso de proximidade cultural. A incontestável herança africana é sempre reivindicada nas tratativas com os países, do que decorreria uma “proximidade natural” e daí o apoio mútuo para as questões do sistema internacional. Contudo a história entre os diferentes países refuta essa afirmativa, demonstrando que o Brasil e os países do continente experimentaram mais momentos de afastamento desde a segunda metade do século XX do que aproximação com as independências daqueles.

Nota-se que a promoção da aproximação entre os países tem coincidido com políticas desenvolvimentistas e neodesenvolvimentistas que, a partir de conteúdo diferentes ao longo das décadas, tem mantido sua natureza de diversificação de parcerias com objetivo de promoção do desenvolvimento econômico doméstico e projeção internacional. Se no período desenvolvimentista a diversificação de parcerias era estratégica para o escoamento da produção industrial brasileira e para garantia fornecimento energético, dadas as crises do petróleo na década de 1970, no neodesenvolvimentismo, o perfil dos produtos a serem exportados se modifica. A exportação de serviços de engenharia e produtos agroindustriais ganha espaço na pauta comercial entre os países, considerando o processo de desindustrialização vivido pelo Brasil nas últimas décadas.

Tanto o desenvolvimentismo como sua versão do século XXI combinaram política de estímulo às exportações com política de crédito, o que tornou possível a internacionalização de algumas empresas, sendo a diplomacia utilizada para a promoção dessas políticas. Para tanto, foram abertas embaixadas em países africanos, criada a divisão África na estrutura organizacional do Itamaraty, a cooperação promovida e viagens realizadas pelos chanceleres – com especial assento na diplomacia presidencial no neodesenvolvimentismo. Apesar das primeiras ações de aproximação com países africanos só se darem claramente no governo Jânio Quadros, elas foram importantes para o novo espaço a ser ocupado pela África na PEB, a exemplo das primeiras embaixadas brasileiras em países africanos – Gana, Senegal e Nigéria – e mesmo de programas de concessão de bolsas a estudantes africanos para estudo no Brasil, ampliados no governo Lula. Essas ações tiveram continuidade com a viagem de um mês, em 1972, do chanceler à época, Mário Gibson, por Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Zaire, Gabão, República dos Camarões, Nigéria e Senegal, resultando na assinatura de acordos para cooperação técnica na agricultura, no desenvolvimento de mercados comerciais, na engenharia de infraestrutura, em habitação e em educação. Além disso, no governo Geisel, foram concedidas linhas de crédito aos Estados africanos para aquisição de bens manufaturados e de capital brasileiros, bem como instalados escritórios de representação do Banco do Brasil e, talvez, a mais representativa: o reconhecimento das independências dos países africanos de colonização portuguesa ( Dávila, 2011DÁVILA, J. Hotel Trópico: o Brasil e o desafio da descolonização africana, 1950-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2011. ; Leite, 2011LEITE, P. S. O Brasil e a cooperação sul-sul em três momentos de política externa: os governos Jânio Quadros, João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 2011. ).

Sob o neodesenvolvimentismo do governo Lula, essas ações foram aprofundadas. Mais 17 embaixadas foram abertas, as viagens presidenciais e ministeriais se intensificaram, mais recursos foram destinados aos projetos de cooperação – que se tornaram uma importante locomotiva das relações – e comércio teve um considerável incremento, passando a corrente de comércio de U$ 6,1 bilhões, em 2003, para U$ 20,5 bilhões, em 2010. É importante destacar, no entanto, uma diferença entre os períodos: o discurso renovado para o continente africano. Em relação ao discurso, este reflete um contexto social bastante diferente, em que o retorno do regime democrático possibilitou maior participação social na definição das políticas públicas e, em particular, as ações de reparação para população negra tiveram destaque. Assim, havia maior apoio social para construir um discurso de reconhecimento da existência de uma dívida histórica com o continente em razão dos africanos que vieram escravizados para o Brasil.

Muitas ações relacionadas à agenda africana neodesenvolvimentista foram objeto de polarização por parte de partidos opositores de centro-direita e extrema-direita, com destaque para o alívio de dívidas, os recursos aplicados na cooperação e os empréstimos concedidos às empreiteiras pelo BNDES. Sobre o alívio das dívidas, tratava-se de uma medida concertada internacionalmente, como já visto, e que, em muitos casos, foi negociada sob a gestão neoliberal do governo de FHC. Em relação aos recursos da cooperação e dos empréstimos do BNDES, a derrota do projeto neodesenvolvimentista do Partido dos Trabalhadores com o golpe na presidenta Dilma Rousseff acabou por reconfigurar essas ações, extinguindo-as ou alterando-as substancialmente.

Ao deslegitimar a política externa dos governos petistas, o novo projeto neoliberal de extrema direita que assume o governo reformula sua percepção sobre o continente, respondendo aos interesses que compõem sua base de apoio, resumidos no tripé “bala, boi, bíblia”. Esses interesses ficam bem evidentes na viagem realizada pelo chanceler Ernesto Araújo à Cabo Verde, Senegal, Nigéria e Angola, em 2019, acompanhado dos deputados Marco Feliciano e Márcio Marinho, ambos pastores neopentecostais, e Hélio Lopes, apoiador próximo do presidente Jair Bolsonaro. Nessa viagem, algumas tendências são confirmadas: a relação com as empresas do setor de defesa/segurança é destacada com a participação da comitiva no Fórum brasileiro de produtos de defesa, realizado na Nigéria, e do seminário sobre a base industrial de defesa do Brasil, em Luanda, onde representantes de empresas de defesa disponibilizaram informações sobre tecnologia dos produtos brasileiros;18 18 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2019-12/chanceleres-do-brasil-e-de-angola-assinam-acordo-de-seguranca . Acesso em: 25 fev. 2022. a tendência de mudança de perfil da cooperação, com projetos preponderantemente nas áreas de defesa e segurança – em detrimento aos acordos nos setores de saúde e agricultura, “carros-chefes” da cooperação em momentos anteriores –; e a pressão dos interesses de igrejas neopentecostais, sobretudo da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), com a agenda de viagem de Angola, onde o Ministro fez uma defesa pública da Igreja junto a canais da mídia.

Merece considerações à parte a importância das igrejas evangélicas na agenda africana do governo Bolsonaro. Como base de apoio político do governo, as igrejas evangélicas têm atuado como corporações na defesa dos seus interesses no continente, considerando sua importante presença, sobretudo na África Austral. Particularmente, a presença da Iurd tem sido objeto de questionamento em alguns países como África do Sul e Angola. Em 2019, pastores angolanos da Iurd denunciaram a direção da Igreja por obrigá-los a se submeterem a cirurgias de vasectomia e a desviarem os recursos dos fiéis angolanos para o Brasil, em um esquema de quase U$ 120 milhões, além de outros crimes, o que resultou em um processo de Justiça angolana que até o momento retirou o comando dos templos angolanos da direção brasileira, cancelou os vistos de pastores brasileiros, suspendeu as atividades da TV Record no país e ainda processa os pastores líderes por lavagem de dinheiro e associação criminosa.19 19 Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/igreja-universal-lavou-ao-menos-us-120-milhoes-por-ano-em-angola-diz-site/ . Acesso em: 25 fev. 2022. Diante dessa crise, a base evangélica pressionou o governo a intervir, o que fez o presidente Jair Bolsonaro a enviar uma carta a seu correspondente angolano, o presidente João Lourenço, externando suas preocupações sobre o tema e, em seguida, a solicitar uma reunião bilateral entre o vice-presidente Hamilton Mourão (que estava no país para a reunião de cúpula da CPLP) e o presidente angolano para tratar do tema. Ainda sobre a vinculação entre este governo neoliberal e a base evangélica, é importante destacar a indicação do bispo Marcelo Crivella para ocupar o lugar de embaixador na Embaixada brasileira na África do Sul, que, em razão da ausência de resposta do presidente sul-africano, foi retirada no mesmo ano.

É notável como temas relacionados à defesa/segurança e à religião começam a ter mais projeção ao longo do governo neoliberal de extrema direita. Além desses interesses, o agronegócio também se faz presente, no entanto sua atuação no continente tem um percurso mais sedimentado, só exigindo a atuação diplomática reativa em questões específicas, como a imposição de barreiras à importação de produtos brasileiros. Nota-se, assim, que os interesses sobre o continente tem sua pauta reduzida, o que ainda pode ser demonstrado pelo fechamento de embaixadas – Serra Leoa e Libéria –, após estudos de redução de custos iniciado no governo Temer, e pela restruturação organizacional do Itamaraty, que fundiu a antiga Subsecretaria da África e Oriente Médio à Secretaria de Negociações bilaterais no Oriente Médio, na Europa e na África.

Por fim, ressalte-se que o desinteresse por assuntos africanos que essa política externa vai representar reflete também os novos valores que passam a orientar o governo e sua base política, com sua aversão a políticas identitárias. Ao não reconhecer o racismo no Brasil, como o fez publicamente o vice-presidente Hamilton Mourão20 20 Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/hamilton-mour%C3%A3o-diz-que-n%C3%A3o-existe-racismo-no-brasil/a-55682037 . Acesso em: 25 fev. 2022. – entre outras medidas, como a nomeação para a presidência da Fundação Palmares um crítico ao Dia da Consciência Negra e ao próprio movimento negro –, o governo deslegitima a pauta racial e, com ela, a importância e necessidade histórica de conhecer o continente africano. Assim, mesmo que os discursos não sejam de rompimento, as ações demonstram um deliberado afastamento que refletem uma diferente compreensão do Brasil internamente e na arena internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória do desenvolvimentismo e do neoliberalismo e suas versões do século XXI revelam não somente questões importantes sobre o desenvolvimento dos países, mas também sobre as relações entre eles. Considerando que a política externa é uma prerrogativa do Estado, as concepções sobre sua dimensão tem a capacidade de ditar o alcance de suas políticas. Nesse sentido, a ação estatal se torna central para compreender a relação estabelecida entre os atores do sistema internacional.

No caso da agenda africana, a dinâmica afastamento-aproximação percebida ao longo das décadas reflete esse dimensionamento e seu consequente investimento em políticas que promovam o aprofundamento das relações. Observa-se que o desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo estabeleceram como estratégia a diversificação de parcerias, o que poderia reduzir a dependência econômica e resultar em maior autonomia no sistema internacional. Nesse sentido, a recíproca é verdadeira para os países africanos que, sendo constrangidos a adotar o receituário neoliberal das organizações financeiras, buscam alternativas para reduzir a ingerência dessas organizações e dos doadores de cooperação nas suas políticas.

Por outro lado, o neoliberalismo tem preconizado o alinhamento às grandes potências como forma de ampliação dos ganhos no sistema, utilizando-se do multilateralismo para reivindicar melhores condições, sobretudo do comércio internacional. É certo, portanto, que essa política não favorece as relações com os países em desenvolvimento, na medida em que nem promove o aprofundamento das relações bilaterais com esses países, nem propicia os movimentos contestatórios dentro desse sistema.

No caso das relações entre Brasil e países africanos, vários desafios estruturais e conjunturais dificultam o aprofundamento das relações, evidenciando a manutenção de papéis na divisão internacional do trabalho. A desindustrialização é um fator que atravessa o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo no caso brasileiro, impedindo uma pauta exportadora mais competitiva dos produtos manufaturados brasileiros, com a opção estratégica pela focalização em produtos da indústria agrícola – opção esta também orientada pelas organizações financeiras internacionais aos países africanos. Assim, o fortalecimento da agenda africana na PEB é dependente de uma ação estatal que invista diferentes recursos com esse objetivo.

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  • 1
    Segundo dados do Banco Mundial, o produto interno bruto mundial experimentou um acelerado crescimento, sobretudo entre 2002 e 2014, com médias de crescimento percentuais que se situavam na casa de 4,5% ao ano. A China, por sua vez, apresentava médias de crescimento superiores a 9%, chegando ao ápice de 14,2% em 2007, quando começa a desaceleração do seu crescimento econômico. Ainda assim, a China tem mantido médias superiores à média mundial, mantendo-se acima da casa de 5%. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CN . Acesso em: 25 fev. 2022.
  • 2
    Entre 2002 e 2010, o Brasil manteve uma média de crescimento superior a 3%, com algumas oscilações, atingindo o crescimento de 7,5% em 2010. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG . Acesso em: 25 fev. 2022.
  • 3
    Somente na África foram abertas 19 embaixadas: Nigéria (reativada), República Democrática do Congo, Etiópia, Sudão, Benin, Tanzânia, Camarões, Togo, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Guiné, Botsuana, Zâmbia, Mali, Congo, Burkina Faso, Mauritânia, Serra Leoa e Malauí ( Fundação Alexandre Gusmão, 2021FUNDAÇÃO ALEXANDRE GUSMÃO. Legações e embaixadas do Brasil. Brasília, DF: Funag, 2021. ).
  • 4
    Aponta Boito Jr. (2012 apud Saad Filho; Morais, 2018SAAD FILHO, A.; MORAIS, L. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo, 2018. ) que, entre as principais empresas selecionadas, estavam: Odebrecht (construção), Inbev (bebidas), Gerdau (aço), Itaú e Bradesco (finanças), Embraer (aviação), Vale (mineração) e JBS Friboi (alimentos processados).
  • 5
    Conforme dados do relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) (2018)INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO. Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: levantamento 2014-2016. Brasília, DF: Ipea, 2018. , os gastos do governo federal com a Cobradi no governo Dilma Rousseff corresponderam aos seguintes valores correntes: 2011 – R$ 985.253.701; 2012 – R$ 1.004.421.523; 2013 – R$ 857.299.155; 2014 – R$ 449.113.379; 2015 – R$ 366.446.637; 2016 – R$ 3.177.057.336.
  • 6
    Iniciada em 2014, a Operação Lava Jato deu início à crise político-econômica que se seguiu no Brasil nos anos posteriores. Com o objetivo inicial de investigar o desvio ilegal de recursos da Petrobras que foram “branqueados” em lava-jatos e postos de gasolina, a operação foi ampliada com a realização de oitenta fases, que resultaram no indiciamento de executivos de empreiteiras, operadores financeiros, funcionários da Petrobras e agentes públicos. Lideradas pelo Ministério Público Federal em Curitiba, as investigações geraram muitas críticas pelo indiciamento a partir de delações dos investigados e por sua relação próxima com o juiz Sérgio Moro, cujas implicações políticas foram do impeachment da presidenta Dilma Rousseff à influência do resultado das eleições de 2018, com a inelegibilidade de Lula da Silva. Importante destacar os impactos da Operação para a política interna da Petrobras e para as empresas do setor de infraestrutura, com a redução de suas operações no Brasil e no exterior. No caso particular da presença de empresas brasileiras na África, a venda de todos os ativos da Petrobras no continente e o endividamento da Odebrecht, cujo pedido de recuperação judicial para reestruturação de uma dívida de quase R$ 83 bilhões foi homologado pela Justiça, evidenciam os impactos da Operação para essas grandes empresas.
  • 7
    Também conhecido por golpe jurídico-parlamentar, a deposição da presidenta Dilma Rousseff foi promovida por setores da elite, como empresários, representantes do setor financeiro, do agronegócio e de igrejas evangélicas com representação no Congresso Nacional, com aquiescência do Supremo Tribunal Federal, cujas acusações do cometimento do suposto crime de responsabilidade não deram seguimento a ação penal nem geraram perda dos direitos políticos da presidenta.
  • 8
    A PEC nº 55/2016 deu origem à Emenda Constitucional 95 promulgada pelo Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2016, que limita os gastos públicos por 20 anos e determina apenas sua correção por perdas da inflação conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
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  • 10
    Em artigo publicado na revista Finance & Development , do Fundo Monetário Internacional, em 2016, economistas do Fundo reconhecem que as políticas neoliberais aumentaram a desigualdade. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/fmi-diz-que-politicas-neoliberais-aumentaram-desigualdade.html . Acesso em: 25 fev. 2022.
  • 11
    A análise das despesas revela o considerável corte de recursos na pasta no ano de 2021. No entanto os anos anteriores da gestão Bolsonaro requerem uma análise mais aprofundada para melhor compreensão da dinâmica do MRE, considerando que a execução do orçamento de 2019 é definida pelo mandato anterior e, em razão da excepcionalidade da pandemia de Covid-19, o MRE teve aumento de despesas para repatriação de brasileiros espalhados por diversos países em 2020.
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    A Organização da Unidade Africana passou a se chamar União Africana em 2002.
  • 15
    O Clube de Paris é um fórum de credores, criado em 1956, que se reúne periodicamente para negociar as dívidas de países com dificuldades econômicas, tendo sua atuação pautada por seis princípios: 1) solidariedade; 2) consenso entre os países credores; 3) compartilhamento de informações sobre os países devedores; 4) decisões tomadas caso a caso; 5) condicionalidade; e 6) comparabilidade de tratamento para outros acordos que não podem ser mais gravosos. Disponível em: https://clubdeparis.org/en/communications/page/the-six-principles . Acesso em: 25 fev. 2022.
  • 16
    Disponível em: https://clubdeparis.org/en/communications/page/hipc-initiative . Acesso em: 25 fev. 2022.
  • 17
    No relatório Perspectivas econômicas regionais: África Subsaariana , de 2021, o FMI projeta o baixo crescimento econômico da região para os anos de 2021 e 2022 e reafirma a necessidade de reformas estruturais.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    09 Mar 2022
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