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Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo

Participation and representation in managing councils and in participative budget

Participation et représentation, au sein des conseils de gestion et pour un budget participatif

Resumos

O debate contemporâneo, no campo da teoria democrática, vem desafiando o desenvolvimento de estudos e reflexões acerca das relações entre participação e representação no interior das práticas e experiências participativas. Tendo em vista que, de maneira geral, a participação ocorre através da representação, o trabalho objetiva analisar, a partir de experiências brasileiras, duas dimensões referentes ao grau de especificidade da representação no interior de modelos participativos, quais sejam: (i) frente ao modelo de representação eleitoral; e (ii) no interior de experiências participativas, notadamente as relativas a dois modelos paradigmáticos de representação: conselhos gestores e orçamento participativo.

participação; representação; conselhos gestores; orçamento participativo


The contemporary debate, in the field of the democratic theory, is challenging the development of studies and reflections concerning the relations between participation and representation inside participative practices and experiences. In view that, in a general way, the participation happens through representation, this paper aims to analyze, starting from Brazilian experiences, two dimensions regarding the degree of specificity of the representation in participative models, which are: (i) confronting to the model of electoral representation; and (ii) inside participative experiences, especially the ones relative to two paradigmatic representation models: managing councils and participative budget.

participation; representation; managing councils; participative budget


Dans le champ de la théorie démocratique, le débat contemporain est un véritable défi pour le développement des études et des réfléxions concernant les relations entre la participation et la représentation, au sein des pratiques et des expériences participatives. Etant donné que la participation se fait en général par le biais de la représentation, ce travail se veut d'analyser, à partir d'expériences brésiliennes, deux dimensions qui se rapportent au degré de spécificité de la représentation au sein de modèles participatifs, c'est-à-dire : (i) face au modèle de représentationélectorale et (ii) au sein d'expériences participatives, notamment celles relatives à deux modèles pragmatiques de représentation: les conseils de gestion et le budget participatif.

participation; représentation; conseils de gestion; budget participatif


DOSSIÊ

Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo1 1 Este artigo é resultado parcial da pesquisa "Participação e exclusão nos Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos/SC" (CNPQ/Funpesquisa).

Participation and representation in managing councils and in participative budget

Participation et représentation, au sein des conseils de gestion et pour un budget participatif

Lígia Helena Hahn Lüchmann

Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP. Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Campus Universitário Trindade, Florianópolis - Santa Catarina - Brasil. ligia@cfh.ufsc.br

RESUMO

O debate contemporâneo, no campo da teoria democrática, vem desafiando o desenvolvimento de estudos e reflexões acerca das relações entre participação e representação no interior das práticas e experiências participativas. Tendo em vista que, de maneira geral, a participação ocorre através da representação, o trabalho objetiva analisar, a partir de experiências brasileiras, duas dimensões referentes ao grau de especificidade da representação no interior de modelos participativos, quais sejam: (i) frente ao modelo de representação eleitoral; e (ii) no interior de experiências participativas, notadamente as relativas a dois modelos paradigmáticos de representação: conselhos gestores e orçamento participativo.

Palavras-chave: participação, representação, conselhos gestores, orçamento participativo.

ABSTRACT

The contemporary debate, in the field of the democratic theory, is challenging the development of studies and reflections concerning the relations between participation and representation inside participative practices and experiences. In view that, in a general way, the participation happens through representation, this paper aims to analyze, starting from Brazilian experiences, two dimensions regarding the degree of specificity of the representation in participative models, which are: (i) confronting to the model of electoral representation; and (ii) inside participative experiences, especially the ones relative to two paradigmatic representation models: managing councils and participative budget.

Keywords: participation, representation, managing councils, participative budget.

RÉSUMÉ

Dans le champ de la théorie démocratique, le débat contemporain est un véritable défi pour le développement des études et des réfléxions concernant les relations entre la participation et la représentation, au sein des pratiques et des expériences participatives. Etant donné que la participation se fait en général par le biais de la représentation, ce travail se veut d'analyser, à partir d'expériences brésiliennes, deux dimensions qui se rapportent au degré de spécificité de la représentation au sein de modèles participatifs, c'est-à-dire : (i) face au modèle de représentationélectorale et (ii) au sein d'expériences participatives, notamment celles relatives à deux modèles pragmatiques de représentation: les conseils de gestion et le budget participatif.

Mots-clés: participation, représentation, conseils de gestion, budget participatif.

INTRODUÇÃO

A crise do modelo de representação política que ocorre no contexto internacional apresenta, em nosso país, algumas especificidades locais. No plano internacional, e acompanhando análise de Miguel (2003) acerca das mudanças no caráter da representação política, algumas evidências parecem sustentar a idéia de crise de representação: o declínio do comparecimento eleitoral, a ampliação da desconfiança dos cidadãos com relação às instituições políticas e o esvaziamento dos partidos políticos, através, entre outros, da burocratização de suas estruturas internas e da crescente interferência da mídia junto ao processo eleitoral.

Elementos dessa crise também são registrados na sociedade brasileira que, em combinação com certos padrões tradicionais do fazer política, vêm justificando um conjunto de demandas direcionadas à criação de instituições participativas (que encontram guarida na Constituição de 1988). Os Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos (OPs) passam a se constituir em referências centrais de experiências participativas no país, dando impulso ao desenvolvimento de um debate teórico sobre participação política e democracia, o que amplia, sobremaneira, uma concepção de política voltada estritamente para o campo de ação exclusivo dos representantes políticos que orientam as suas estratégias e escolhas políticas a partir do jogo eleitoral.

Transcorrida mais de uma década de implementação e institucionalização desses espaços participativos, percebe-se, a partir de aproximações empíricas e de uma consulta mais cuidadosa nos diversos textos analíticos, um conjunto de desafios e limites em sua capacidade de promover alterações significativas em direção ao aprofundamento democrático. Dentre um amplo conjunto de questões que tais experiências suscitam, destaco, aqui, a dimensão das relações entre participação e representação, a qual, apenas muito recentemente, vem despertando o interesse e a necessidade de um tratamento analítico mais refinado, uma vez que, grosso modo, as reflexões sobre as relações entre esses dois instrumentos de ação política – participação e representação – têm feito predominar um viés dualista, que guarda separações dadas pelos diferentes modelos democráticos. Assim, obviamente, participação (P) conforma o eixo analítico das teorias da democracia participativa, e representação (R), da democracia representativa eleitoral. Visando a analisar as tensões entre esses dois eixos analíticos, vários estudos têm centrado esforços na avaliação da capacidade que as experiências participativas oferecem para "rebalancear a articulação entre a democracia representativa e a democracia participativa." (Avritzer, 2003).

Para além, entretanto, das tensões entre democracia representativa e democracia participativa,2 2 Sobre essas tensões, ver Silva (1999). Alguns estudos avaliam as tensões entre experiência participativa e outras esferas de poder institucional, como a Câmara de Vereadores (Dias, 2000) e o Executivo (Borba, 1998) as experiências participativas instauram (ou inauguram) novos mecanismos e relações de representação política que, por apresentarem especificidades e diferenças substantivas em relação ao modelo da representação eleitoral (e embora dele sofram vários impactos), desafiam novas abordagens acerca do tema da participação e da democracia.

Tomando como referência dois tipos de gestão participativa implementados no país, nos seus traços e características gerais, este artigo visa a analisar a relação entre participação e representação no interior dessas experiências, da perspectiva das práticas de participação e representação (denominadas aqui p&r),3 3 Para efeito desta análise e no intuito de evitar confusões, estou adotando a sigla p&r como práticas de participação e representação nas experiências chamadas de participativas, sendo que as siglas: P e R indicam, respectivamente, participação direta (P) e representação eleitoral (R). utilizando como suporte analítico, além dos estudos de caso, elementos de regulamentação compostos nas respectivas legislações. A multiplicidade e a diversidade de experiências participativas – por si próprias determinantes para a confusão e complexificação da questão da representação – motivaram a delimitação desta análise em dois modelos participativos, quais sejam: a) os conselhos gestores e, mais especificamente, os da área da saúde, assistência social e criança e adolescente – por apresentarem, embora com suas especificidades e diferenças, um conjunto de características em comum, a exemplo da obrigatoriedade legal, do caráter deliberativo e da composição (paritária e tripartite), formada por entidades representativas da sociedade civil e por representantes governamentais; e b) o orçamento participativo,4 4 Tomando como referência empírica alguns dados socioeconômicos do OP de municípios de Sta. Catarina. por se constituir em modelo que tem orientado outras experiências de participação nas definições dos orçamentos públicos em diversos municípios do país.

A escolha e a delimitação desses modelos estão ancoradas na avaliação de que, embora sistematicamente apontados como exemplos de democracia participativa, apresentam diferenças significativas no que diz respeito à relação entre participação e representação (p&r), diferenças essas que parecem traduzir, em grau de importância nada desprezível, potencialidades, limites e desafios da participação e da democratização.

PARTICIPAÇÃO, REPRESENTAÇÃO E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

Tomando em conta o sentido básico de participação (auto-apresentação) e de representação (tornar presente algo que está ausente) a partir da análise de Pitkin ([1967]), fica claro o peso diferenciado de cada um desses pólos nos diferentes modelos de democráticos. Assim, no modelo representativo, a participação se restringe ao momento da escolha dos representantes, na ocasião do processo eleitoral. Aqui, a legitimidade do sistema democrático é dada pela manifestação eleitoral da vontade dos cidadãos (Novaro, 1995). Em outras palavras, a responsabilidade do processo decisório fica restrita aos representantes escolhidos pelo sufrágio eleitoral.

Já os modelos participativos apresentam, de maneira geral, um critério de legitimidade ancorado na idéia de que as decisões políticas devem ser tomadas por aqueles que estarão submetidos a elas, por meio do debate público. Com efeito, no plano teórico, as diferenças com relação aos mecanismos da democracia representativa são marcantes, já que incorporam a participação da população no processo de discussão e de tomada de decisões políticas. Tendo em vista a inevitabilidade da representação (na participação), a efetividade desse pressuposto participativo vai ocorrer através de diferentes práticas de participação e representação (p&r).

Em se tratando de experiências brasileiras, percebemos, embora com múltiplas configurações e orientações, que dois modelos – que me parecem bastante expressivos na constituição diferenciada como p&r – se consolidam. De um lado, o modelo dos conselhos, pautado na idéia de participação coletiva, ou seja, de representação das organizações da sociedade civil. De outro, o orçamento participativo que, apresentando a configuração de uma "esfera pública essencialmente plebéia" (Baierle, 2005, p.19), desenha uma organização que parece apresentar maior combinação entre participação direta (nas assembléias de bairros e regiões) com mecanismos de representação (via escolha delegados e conselheiros), embora também, essa representação esteja, na prática, fortemente informada e mediada pelas organizações sociais. Não obstante compartilhem, de maneira geral, as características acima esboçadas, as diferenças quanto ao peso e à maior ou menor combinação entre a participação e representação (individual e coletiva) constituem, no meu entender, um elemento analítico importante, no que se refere ao debate acerca da legitimidade da representação – seja por mandato, no caso do OP, seja por critérios de expertise ou qualificação, no caso dos conselhos – nos espaços de participação.5 5 Agradeço a Adrián Gurza Lavalle pela leitura criteriosa e pelos comentários a este trabalho, dentre eles, a especificação de algumas diferenças no tipo de representação desses espaços: "Os Conselhos operam com uma representação coletiva de jure, enquanto o OP opera simultaneamente com uma representação coletiva de fato (os sujeitos que lá estão representando alguma entidade nos diferentes ciclos) e com uma representação internamente construída pelo processo institucional (delegados e conselheiros escolhidos por cidadãos "avulsos" e por representantes de entidades). Por fim, os Conselhos alimentam práticas de representação por advocacy ou próximas da idéia de representação virtual, enquanto, no OP, a eventual presença desse tipo de práticas acaba subordinada a alguma modalidade de representação por mandato (isso, desnecessário explicar, não cancela a autonomia e independência dos representantes)".

PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NOS CONSELHOS GESTORES

Os conselhos gestores das políticas públicas são amparados por legislação nacional, apresentam um caráter mais estruturado e sistêmico de política pública e sua atuação está prevista nas três esferas governamentais (Município, Estado e no plano nacional). Apresentam "atribuições legalmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas na respectiva esfera governamental, compondo as práticas de planejamento e fiscalização das ações. São também concebidos como fóruns públicos de captação de demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como uma forma de ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao aparelho de Estado".6 6 Comunidade Solidária/IBAM/IPEA. Estão voltados para a garantia de universalização dos direitos sociais. Entre eles, destacam-se os Conselhos de Saúde, de Assistência Social, de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Com mais de dez anos de atuação, esses diferentes conselhos vêm sendo objeto de estudos,7 7 Recupero vários desses estudos em análise que privilegia a questão do desenho institucional dos conselhos, em Lüchmann, 2002. não apenas por sua proposta – ousada e diferencial – em relação à lógica tradicional de elaboração e deliberação das políticas públicas, como também por terem constituído um "exército"8 8 Expressão retirada da fala de um representante do CNS no Seminário "Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas no Brasil: avanços, limites e possibilidades", promovido pelo Instituto Pólis, Fórum Nacional de Participação Popular e Prefeitura Municipal de Santo André, em novembro de 1999. de conselheiros, o que inaugura novas formas de representação da sociedade civil junto ao campo institucional.

Tomando como referência de análise os conselhos das áreas da saúde, da criança e do adolescente e da assistência social, podemos perceber, embora com diferenças e especificidades locais, regionais, etc., duas características centrais na relação entre participação e representação (p&r): a participação de entidades ou organizações da sociedade civil, e a paridade9 9 No Conselho de Saúde, o peso maior da representação recai cobre o setor dos usuários, que detém 50% de seus assentos. na representação entre sociedade civil e Estado. De acordo com as suas respectivas leis de criação, pode-se observar a dimensão da representação coletiva por meio de entidades não-governamentais10 10 Embora a legislação do conselho de saúde não especifique a representação coletiva, a lista de representantes deixa clara essa dimensão. (Criança e Adolescente) ou organizações representativas (Assistência Social), bem como a questão da paridade, seja entre Estado e sociedade (Criança e Adolescente, Assistência social), seja entre usuários e demais setores (Saúde).

Destaque, portanto, para o tipo de representação social junto aos conselhos. Como veremos a seguir, a representação por entidades – ou organizações da sociedade civil – está difusamente ancorada na legitimidade dessas organizações em promover, de diferentes formas, a defesa das variadas "causas" sociais e de demandas de grupos e setores sociais historicamente excluídos dos processos de decisão política.

Uma regra básica de participação junto aos conselhos diz respeito, portanto, à participação e (ou) representação paritária12 12 Foge aqui a essa regra de paridade o caso dos Conselhos de Saúde, que apresentam uma composição tripartite entre usuários, prestadores de serviços, profissionais de saúde e governo. entre setores da sociedade civil e do Estado. No caso da sociedade civil, essa representação apresenta duas características centrais. Em primeiro lugar, está relacionada a entidades constituídas, e, nesse sentido, não existe espaço para a participação individual, embora a resultante dessa representação por entidades acabe, em muitos casos, em uma participação individual. Em segundo lugar, o termo sociedade civil abriga e homogeneíza – no mesmo pólo – um conjunto bastante diferenciado de organizações, entidades, grupos de interesses: ONGs, entidades filantrópicas, entidades sindicais, organizações empresariais, etc. Esse critério ou princípio de paridade parece decorrente do processo de lutas e articulações da sociedade civil que se forjaram desde o contexto autoritário e que atravessaram a década de 1980, desembocando, no momento da Constituinte, em várias articulações e mobilizações, tendo em vista a implementação de conselhos. Nesse sentido, imbuídos de uma concepção de sociedade civil amplamente ancorada nos movimentos e organizações sociais que apresentavam um teor crítico e democratizante, o formato paritário dos conselhos acaba revelando, como ressalta Tatagiba (2002), certa "ingenuidade" forjada por uma compreensão mais homogeneizadora da sociedade civil, desconsiderando sua fragmentação e heterogeneidade. Pode-se dizer, portanto, seguindo a análise da autora, que essa regra de paridade revela, de certo modo, uma perspectiva maniqueísta entre a sociedade civil e o Estado na constituição original desse modelo participativo.

Destaco aqui algumas dimensões dessa representação coletiva. Em primeiro lugar, o fato de os conselhos gestores se inserirem nesse paradigma de participação institucional através de uma especificidade que, advinda dos vários empreendimentos e lutas coletivas, caracteriza-se pela sua regulamentação legal, o que imprime, portanto, um caráter de obrigatoriedade de participação da sociedade civil. Esse novo estatuto legal apresenta, por sua vez, importantes diferenças quanto ao contexto – mais ou menos mobilizatório e participativo – de implementação local. Como ressalta Dagnino (2002), é necessário se atentar para o fato de que, se a luta pela implementação dos conselhos – tendo em vista que a alteração nos tradicionais padrões das políticas públicas – se tornou possível "graças à correlação de forças presente no nível nacional, durante a formulação da Constituição de 1988 (...), essa correlação de forças está longe de se reproduzir nos contextos localizados e nos momentos em que se dá a instalação dos Conselhos nos vários municípios e estados, e inclusive no nível federal" (2002, p.294). De forma induzida, portanto, a instalação dos conselhos não segue um padrão de mobilização e organização social, o que certamente constitui-se como fator determinante – em vários casos – para a sua existência como mera exigência legal, constituindo-se como "meras estruturas governamentais adicionais" (2002).

Entretanto, mesmo naquelas situações em que os conselhos resultam de uma correlação de forças no sentido de efetivamente constituírem-se como esferas públicas legítimas e autônomas, observa-se que, da sua capacidade mobilizatória de implementação, não decorre uma capacidade de sustentação pautada em uma ampla representatividade e efetiva deliberação.

Em segundo lugar, a combinação da paridade com a representação por entidades apresenta alguns limites quanto à ampliação da participação a um sujeito mais plural. Além dos próprios limites numéricos ou de assentos,13 13 A quantidade de assentos dos diferentes setores, em cada conselho, é relativa à área de atuação e obedece a um padrão de quantidade e qualidade que corresponda ao conjunto de setores governamentais e sociais que atuam ou estão, de alguma forma, relacionados à política em questão. percebe-se uma redução no quadro de sujeitos participativos, a partir da tendência natural de incorporação daqueles setores que apresentam maior "legitimidade" de representação. Assim, no caso dos conselhos de assistência social, as categorias e os profissionais de Serviço Social, por um lado, e as entidades prestadoras de serviços de assistência social, por outro, acabam prevalecendo sobre outros setores sociais (Côrtes, 2002), sendo que situações similares vêm ocorrendo em outras áreas de políticas sociais.

Uma vez que a sociedade civil é uma esfera social caracterizada por diferenças, contradições, conflitos e desigualdades sociais, "a paridade numérica não corresponde a uma paridade política" (Stanisci, 1997), na medida em que se observa – e com bastante freqüência – conflitos de interesses entre os setores que representam a sociedade civil.14 14 Assim como se observam diferentes tipos de combinações ou alianças entre setores da sociedade civil e setores governamentais, tanto tendo em vista a defesa de interesses particularistas, como em defesa de interesses mais universais. Mesmo entre as experiências que não obedecem à regra da paridade, como no caso dos conselhos de saúde, observam-se muitas dificuldades para o estabelecimento de uma representatividade expressiva dos diferentes interesses sociais.

Essa dimensão abre um conjunto de questões relativas aos critérios de escolha e aos mecanismos de autorização desse tipo de representação. Os critérios de escolha dos integrantes dos Conselhos têm sido objeto de questionamentos e reavaliações, e são indicativos, como salienta Moraes (1998), dos diferentes conceitos e entendimentos acerca da sociedade civil, do Estado e da democracia. Várias questões são levantadas. A sociedade civil pode – e deve – ser reduzida a certas organizações ou segmentos sociais? Quais dessas organizações ou segmentos apresentam maior legitimidade para participar junto aos Conselhos? Quais os critérios para essas escolhas?

Os conselhos gestores apresentam diferenças, ou especificidades, que vão do número de assentos, passando pelo perfil dos segmentos representados e dos mecanismos de escolha desses representantes. Alguns setores escolhem seus representantes em assembléias e (ou) fóruns abertos. Outros segmentos já estão de antemão inseridos (pela legislação) na composição dos conselhos.15 15 Como no caso de sindicatos, federações de associações de moradores, entidades profissionais, etc. Em outras palavras, os mecanismos de escolha oscilam de caso a caso: uma única assembléia com a participação de diferentes atores e organizações sociais; fóruns setoriais de políticas públicas; ou indicações de categorias profissionais e segmentos sociais. Mesmo em se tratando da articulação em assembléias e fóruns, apesar da maior organicidade com as "bases", essa representação mantém certos limites circunscritos pela "lógica dos mobilizados", ou de um conjunto de organizações que apresentam uma representação presuntiva (Gurza; Lavalle; Houtzager; Castello, 2006), ancorada na idéia de que a sociedade civil representa (independentemente de mecanismos formais) genuínos interesses sociais.

Trata-se, portanto, de uma idéia de representatividade que alimenta certa confusão no entendimento acerca dos critérios de legitimidade que esses espaços carregam. Com efeito, estamos tratando de um tipo de representação que, diferentemente do modelo eleitoral que identifica o representado (eleitor), esboça dele uma idéia difusa, podendo tanto ser um segmento (ou vários setores da população) quanto a própria entidade indicada para assumir a representação. O caso da representação das ONGs junto aos conselhos é bastante emblemático, uma vez que, como analisa Sorj (2005), essas organizações apresentam a especificidade dada pelo fato de se constituírem num "ator sem mandato direto de sua base de referência" (p.21). Tendo em vista que muitas organizações são escolhidas muito mais em função do reconhecimento acerca de seu grau de competência e qualificação do que em virtude de seu vínculo com as bases, altera-se sobremaneira o debate acerca das exigências de prestação de contas, responsividade e sanção. Não é de se estranhar, portanto, o perfil dos conselheiros que, de acordo com Santos Junior, Azevedo e Ribeiro (2004), constituem uma espécie de elite de referência, ou de uma comunidade cívica (p.37) portadora de uma cultura associativa, caracterizada por um perfil socioeconômico superior e por maior grau de informação e de capacitação técnica e política, se comparada à média da população em geral.

Como conseqüência geral, a composição dos conselhos conjuga, digamos, participação coletiva (auto-apresentação das entidades escolhidas como tal) com representação coletiva (entidades escolhidas por representarem – por critérios variados – outros setores sociais).

PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

De certa forma, o OP parece indicar maiores probabilidades de incorporação de espaços de participação direta (individual) combinados com mecanismos de representação. Tomemos o modelo de Porto Alegre como referência.

O OP de Porto Alegre apresenta diferentes fases e instâncias de participação, com diferentes graus de institucionalidade, seja no que diz respeito à obediência a um conjunto de normas (escritas), seja no que se refere à maior vinculação com o poder público, e, ainda, ao caráter decisório. Nesse sentido, são as instâncias comunitárias que apresentam menor grau de institucionalização e maior grau de autonomia. Trata-se de um conjunto heterogêneo de espaços e encontros que reúnem cidadãos, organizações comunitárias (associações de moradores, união de vilas, clubes de mães, grupos religiosos, culturais, etc.) que se articulam em bases identitárias distintas, embora prevaleçam as associações com identidade territorial local ou regional (associações de moradores, conselhos populares). São as organizações que mais próximas estão do cotidiano da população, configurando-se, portanto, como articulação de primeiro nível. No que se refere à participação no OP, esses grupos e entidades consultam a população, articulam demandas, organizam encontros e participam das assembléias, fóruns e encontros de maneira geral.

A institucionalidade do OP se estrutura em um conjunto de espaços participativos, em diversos níveis: assembléias (regionais e temáticas),16 16 São as instâncias (duas rodadas por ano) de primeiro nível que reúnem cidadãos, grupos organizados e poder público, tendo em vista a apresentação do OP e dos recursos e gastos do governo para a população, bem como a escolha dos delegados que vão compor os fóruns de delegados (regionais e temáticos). fóruns de delegados17 17 Constituem-se como instância de segundo nível, apresentando um grau intermediário de institucionalização uma vez que, escolhidos diretamente pela população, os delegados apresentam um grau maior de autonomia para definir a sua estrutura organizacional e os critérios de priorização das demandas. e Conselho do Orçamento Participativo.18 18 É a instância de co-gestão que apresenta um maior grau de institucionalização, uma vez que está submetida a um conjunto de normas (Regimento Interno) e configura-se como instância central de decisão acerca da peça orçamentária do município. Eleitos diretamente na 2º rodada de assembléias, os conselheiros reúnem-se semanalmente tendo em vista "planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e a despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre" (PMPA,2001).

As assembléias do OP são os principais espaços de participação direta da população, constituindo-se em uma arena que reúne cidadãos, grupos organizados e poder público, tendo em vista a apresentação do OP e dos recursos e gastos do governo para a população, bem como a escolha dos delegados que vão compor os fóruns de delegados (regionais e temáticos).

Os fóruns de delegados constituem uma instância de segundo nível, com grau intermediário de institucionalização, uma vez que, escolhidos diretamente pela população, os delegados apresentam um grau maior de autonomia para definir a sua estrutura organizacional e os critérios de priorização das demandas.19 19 Algumas regiões elaboraram um regimento interno que normatiza as atividades dos delegados. Embora, em muitos casos, os fóruns sigam os critérios de distribuição dos recursos do COP para orientar a priorização das demandas, alguns fóruns deliberam de acordo com regras próprias, a exemplo da votação por maioria ou pelo consenso. Esse espaço obtém um peso decisório importante, na medida em que os conselheiros devem obedecer às decisões do fórum dos delegados na definição do conjunto de prioridades do OP. Dentre as atribuições dos delegados, destaca-se não apenas a priorização das demandas, mas o acompanhamento de todo o processo, através da participação, junto com os conselheiros do Conselho do Orçamento Participativo (COP), na definição de regras do OP e através da fiscalização de obras, além da participação em encontros, seminários e comissões temáticas que são criadas no processo.

Como instância deliberativa central do OP, o COP apresenta um grau de complexidade maior, uma vez que discute e define o conjunto da peça orçamentária municipal. De acordo com Abers (1997), as atribuições dos conselheiros transcendem em muito a sua capacidade de tomar decisões racionais e bem fundamentadas sobre todas as questões, sendo que, na prática, o conselho passa a maior parte do tempo discutindo a distribuição dos investimentos, delegando ao poder público a definição das questões mais amplas da cidade. Nesse sentido, o conselho apresenta um forte caráter ratificador das propostas da administração municipal, embora ocorram algumas controvérsias. Certamente a amplitude e a complexidade de questões a serem tratadas no COP, bem como as diferentes condições de recursos e informações entre os conselheiros e o governo são fatores que limitam a capacidade decisória dos eleitos pela população. Entretanto, há de se considerar que os conselheiros, além de uma trajetória no próprio conselho, o que amplia a sua qualificação (e dos cursos de capacitação de delegados e conselheiros promovidos pela administração municipal), mantêm laços fortes e contínuos com as suas regiões e temáticas, participando de sucessivas reuniões e encontros que contribuem para um processo de capacitação. Isso significa dizer que o COP não é a única instância de discussões, uma vez que elas se dão nos fóruns de delegados e nas entidades comunitárias às quais geralmente estão vinculados. Em pesquisa realizada pela ONG Cidade (1999), os dados relativos ao perfil dos eleitos (delegados e conselheiros) do OP corroboram a íntima articulação entre os eleitos e uma participação junto às organizações da sociedade civil. Entre os 159 delegados pesquisados, 91,2% (145) participam de entidades, e, entre os 39 conselheiros pesquisados, 92,3% (36) participam de alguma entidade.

Mesmo que não esteja prevista no plano regimental, percebe-se aqui, assim como nos conselhos gestores, uma íntima articulação entre representação e associativismo civil. Como vimos, a ampla maioria dos representantes (delegados e conselheiros) participa de organizações civis, com predomínio do associativismo comunitário. Entretanto, o desenho do OP parece promover combinações mais complexas entre participação e representação, na medida em que conjuga – não sem problemas – participação individual e coletiva com representação individual e coletiva. Esse, aliado, evidentemente, às diferentes características ou tipos de políticas públicas em jogo, pode ser um elemento importante para a compreensão do fato de que o perfil geral dos participantes do OP registra importante diferença com relação ao perfil dos representantes junto aos conselhos gestores. No caso do OP, a participação direta dos cidadãos junto às assembléias tem desenhado um perfil mais popular, como pode ser observado na tabela a seguir, a título de exemplo sobre a natureza da participação, que apresenta os dados de escolaridade e renda dos conselheiros de OPs em municípios catarinenses.20 20 Esses dados são resultantes da pesquisa "Participação e exclusão nos Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos/SC" (CNPQ, Funpesquisa). Em Lüchmann e Borba (2008), analisamos alguns fatores para essas diferenças entre os perfis dos representantes de OPs e Conselhos.

Esses dados sobre OP, em municípios de Sta. Catarina, mostram um perfil bem mais popular dos participantes, que se encontram distribuídos, nos três municípios, em todas as faixas de renda e escolaridade, com uma concentração na faixa de 1 a 5 salários mínimos e nas faixas intermediárias de escolaridade. Percebe-se uma relativa distribuição dos números entre os níveis de escolaridade, sobressaindo-se, no caso de Guaraciaba, a porcentagem (66,66%) dos representantes que são somente alfabetizados ou possuem o ensino fundamental incompleto.21 21 O que pode ser explicado pelo quadro geral de escolaridade e renda do município mais baixo, se comparado com os demais. Ressalte-se também a faixa de renda (de 1 a 3 salários mínimos) relativamente predominante nos casos de OP. Verifica-se que, em geral, os OPs conseguem promover a inclusão política dos setores com renda intermediária no município (porém não os sem renda), estando bastante próximos da distribuição média da população. O mesmo vale para a dimensão da escolaridade que, apesar de uma maior variação, está mais próxima do perfil médio da população, diferentemente da média dos conselhos. A citação a seguir, referente à experiência de Porto Alegre, reforça também essa dimensão:

A grande maioria dos participantes do OP pertence às classes populares, são trabalhadores sem qualificação, a maioria mulheres, com escolaridade primária, renda familiar mensal inferior a R$1.000,00 e uma forte presença de negros e de descendentes indígenas, numa cidade onde a grande maioria se considera branca. Mesmo que, para o COP, haja uma certa variação nesse perfil, sobretudo em termos de renda, escolaridade e gênero, já que não se alteram relações seculares pela simples mágica de um novo desenho institucional, o importante é observar as tendências de fundo, a participação crescente das mulheres, o aumento constante do número de participantes e o 'fio terra' que prende os representantes às suas bases regionais e temáticas: o controle dos representantes diretamente pelos representados, podendo os conselheiros ter o seu mandato revogado por decisão do fórum de delegados em reunião especialmente convocada para esse fim. (Baierle, 2005, p.22).

Entretanto, embora amplie os espaços e sujeitos participativos, as experiências de OP apresentam algumas fragilidades, entre elas a baixa capacidade de pluralização da representação política. Embora os dados indiquem que o OP incorpora setores mais pobres da população, se comparados ao perfil dos representantes da sociedade civil junto aos conselhos gestores, a confirmação, de acordo com Navarro (2003), de uma participação "rigidamente delimitada, do ponto de vista socioeconômico" (p.116) é um importante demonstrativo das dificuldades de incorporar outros segmentos e estratos sociais. E ainda, como vimos, o tipo de associativismo predominante nas experiências de OP é o associativismo comunitário. Esse associativismo constitui-se, de maneira geral, em um tipo de associativismo que, pela trajetória histórica do país, pelas especificidades dadas pela demanda e pela base de formação identitária, apresenta uma forte tendência a manter relações personalistas e clientelistas com o poder político-institucional.

ESPECIFICIDADES DA REPRESENTAÇÃO NAS EXPERIÊNCIAS DE PARTICIPAÇÃO

Diferentemente do padrão da representação eleitoral, a representação no interior desses modelos apresenta as seguintes características: participação e representação individual e coletiva; participação voluntária (e, portanto, radicalmente diferente da atuação política profissional e com todas as conseqüências dessa implicação); inserção em diferentes espaços participativos; periodicidade diversa (ditada por diferentes regimentos); escolha de representantes através de processos variados (fóruns, eleições, indicações, etc.); e, finalmente, grande maleabilidade (isto é, baixo controle) de entradas e saídas em espaços representativos. No seu conjunto, tais características colocam a dimensão das relações entre representantes e representados (mecanismos de autorização e prestação de contas) em outro patamar, se comparado com o modelo R. Por outro lado, essas especificidades ganham complexidade através da diversidade de formatos de p&r no interior das experiências participativas.

No caso dos conselhos gestores, observamos dois tipos de participação, como auto-apresentação (Princípio P), embora ambos sejam minoritários no interior dessas experiências: por um lado, a participação direta dos cidadãos, que se restringe aos rarefeitos momentos de organização de fóruns ou conferências (municipais, estaduais e federais); e, por outro lado, a participação dos segmentos da sociedade civil escolhidos por critérios de qualificação. Apesar da ocorrência desses instrumentos, esse modelo está predominantemente ancorado em um princípio da representação que ocorre através das organizações da sociedade civil. Com efeito, esse procedimento traz algumas ambigüidades no que se refere às promessas da democracia participativa e deliberativa. Por um lado, a representação por segmentos (ou organizações sociais) reproduz, no espaço institucional, um processo de filtragem que, operacionalizado pela lógica associativa, recorta o campo da representação, por ser eminentemente ocupado pelos setores que apresentam maior nível socioeconômico e cultural. Sabemos que a redução dos sujeitos participativos junto aos processos decisórios é um elemento central de crítica das teorias participacionistas à natureza da representação eleitoral. Por outro lado, as clivagens no campo da sociedade civil (e do Estado) tensionam o ideal de paridade, estimulando reformulações em direção à maior pluralização dos sujeitos e dos setores participativos. Esse parece ser o caso dos Conselhos da área da saúde, que vêm testemunhando, historicamente, alterações importantes no perfil de seus representantes. Talvez essa pluralidade seja a chave (democrática) para a coexistência das diferentes noções de legitimidade – ora de referência aos grupos e entidades que historicamente lideraram as lutas por direitos, ora remetida ao grau de qualificação (técnica e política), ou, ainda, aos públicos por eles representados.

Já o modelo do OP, por prever a participação direta dos cidadãos, independentemente de vínculos associativos, apresenta maior capacidade de inclusão dos setores ou indivíduos com renda mais baixa. Aqui, a representação (via delegados e conselheiros) desenha um sistema que se aproxima de um tipo piramidal de articulação entre a participação da base junto às assembléias regionais (Princípio P) e representação (Fóruns de delegados e COP), através de mecanismos (mandato revogável) que permitem maior controle dos representantes diante dos representados. O perfil socioeconômico dos participantes do OP é um importante indicador da adoção de um critério de legitimidade pautado na idéia de inclusão social, diferentemente, portanto, do desenho ancorado na paridade (nos conselhos), fortemente instruído pelo ideário da sociedade civil.

No seu conjunto, essas experiências trazem à tona algumas novidades – e especificidades – que parecem desafiar o referencial analítico disponível acerca da representação política, entre elas a dimensão da participação e representação coletiva; a importância das relações entre os representados, na medida em que uma representação legítima requer uma participação ativa por parte dos indivíduos, grupos e organizações sociais; a dimensão da formação de opiniões e preferências (para além, portanto, da mera agregação);22 22 Estas três dimensões estão melhor especificadas em Lüchmann, 2007. e, por último, a dimensão referente ao caráter voluntário desse tipo de participação, dimensão essa que parece se constituir num indicador central nas dificuldades de estabelecimento de mecanismos mais exigentes de prestação de contas.

Trata-se, portanto, de um conjunto de elementos que parece desafiar novos olhares para o fenômeno da representação política nos espaços de participação. Assim, as experiências participativas no Brasil, a exemplo dos conselhos gestores e do orçamento participativo (experiências p&r), apontam para um movimento de renovação e de reacomodação desses instrumentos de ação política no interior das práticas institucionais da sociedade brasileira, indicando que, muito menos do que oposição, encontramos combinações e articulações que desenham um processo de concomitante inovação e reprodução das práticas e orientações político-institucionais. As experiências apontam, sobretudo, para o fato de que a participação não substitui, mas reconfigura a representação.

(Recebido para publicação em janeiro de 2008)

(Aceito em março de 2008)

Lígia Helena Hahn Lüchmann

Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), atual Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC. Integra o Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais, desenvolvendo pesquisas (CNPQ e Funpesquisa) na área da participação política e do associativismo civil, com ênfase nos mecanismos de inclusão e de representação política nos espaços institucionais de participação, notadamente Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos. Suas mais recentes publicações, são: Lüchmann, L.H.H.; Borba, J. Participação, desigualdades e novas institucionalidades: uma análise a partir de instituições participativas em Santa Catarina. Ciências Sociais Unisinos, v. 44, 2008; Lüchmann, L.H.H. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova, v. 70, 2007; Lüchmann, L.H.H. e Scherer-Warren, I. Desenvolvimento urbano e organizações populares em Florianópolis In: Sociologia de capitais brasileiras: participação e planejamento urbano. Brasília: Líber Livro, 2006, entre outras.

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  • 1
    Este artigo é resultado parcial da pesquisa "Participação e exclusão nos Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos/SC" (CNPQ/Funpesquisa).
  • 2
    Sobre essas tensões, ver Silva (1999). Alguns estudos avaliam as tensões entre experiência participativa e outras esferas de poder institucional, como a Câmara de Vereadores (Dias, 2000) e o Executivo (Borba, 1998)
  • 3
    Para efeito desta análise e no intuito de evitar confusões, estou adotando a sigla p&r como práticas de participação e representação nas experiências chamadas de participativas, sendo que as siglas: P e R indicam, respectivamente, participação direta (P) e representação eleitoral (R).
  • 4
    Tomando como referência empírica alguns dados socioeconômicos do OP de municípios de Sta. Catarina.
  • 5
    Agradeço a Adrián Gurza Lavalle pela leitura criteriosa e pelos comentários a este trabalho, dentre eles, a especificação de algumas diferenças no tipo de representação desses espaços: "Os Conselhos operam com uma representação coletiva de jure, enquanto o OP opera simultaneamente com uma representação coletiva de fato (os sujeitos que lá estão representando alguma entidade nos diferentes ciclos) e com uma representação internamente construída pelo processo institucional (delegados e conselheiros escolhidos por cidadãos "avulsos" e por representantes de entidades). Por fim, os Conselhos alimentam práticas de representação por
    advocacy ou próximas da idéia de representação virtual, enquanto, no OP, a eventual presença desse tipo de práticas acaba subordinada a alguma modalidade de representação por mandato (isso, desnecessário explicar, não cancela a autonomia e independência dos representantes)".
  • 6
    Comunidade Solidária/IBAM/IPEA.
  • 7
    Recupero vários desses estudos em análise que privilegia a questão do desenho institucional dos conselhos, em Lüchmann, 2002.
  • 8
    Expressão retirada da fala de um representante do CNS no Seminário "Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas no Brasil: avanços, limites e possibilidades", promovido pelo Instituto Pólis, Fórum Nacional de Participação Popular e Prefeitura Municipal de Santo André, em novembro de 1999.
  • 9
    No Conselho de Saúde, o peso maior da representação recai cobre o setor dos usuários, que detém 50% de seus assentos.
  • 10
    Embora a legislação do conselho de saúde não especifique a representação coletiva, a lista de representantes deixa clara essa dimensão.
  • 11
    Trechos retirados das respectivas leis de criação.
  • 12
    Foge aqui a essa regra de paridade o caso dos Conselhos de Saúde, que apresentam uma composição tripartite entre usuários, prestadores de serviços, profissionais de saúde e governo.
  • 13
    A quantidade de assentos dos diferentes setores, em cada conselho, é relativa à área de atuação e obedece a um padrão de quantidade e qualidade que corresponda ao conjunto de setores governamentais e sociais que atuam ou estão, de alguma forma, relacionados à política em questão.
  • 14
    Assim como se observam diferentes tipos de combinações ou alianças entre setores da sociedade civil e setores governamentais, tanto tendo em vista a defesa de interesses particularistas, como em defesa de interesses mais universais.
  • 15
    Como no caso de sindicatos, federações de associações de moradores, entidades profissionais, etc.
  • 16
    São as instâncias (duas rodadas por ano) de primeiro nível que reúnem cidadãos, grupos organizados e poder público, tendo em vista a apresentação do OP e dos recursos e gastos do governo para a população, bem como a escolha dos delegados que vão compor os fóruns de delegados (regionais e temáticos).
  • 17
    Constituem-se como instância de segundo nível, apresentando um grau intermediário de institucionalização uma vez que, escolhidos diretamente pela população, os delegados apresentam um grau maior de autonomia para definir a sua estrutura organizacional e os critérios de priorização das demandas.
  • 18
    É a instância de co-gestão que apresenta um maior grau de institucionalização, uma vez que está submetida a um conjunto de normas (Regimento Interno) e configura-se como instância central de decisão acerca da peça orçamentária do município. Eleitos diretamente na 2º rodada de assembléias, os conselheiros reúnem-se semanalmente tendo em vista "planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e a despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre" (PMPA,2001).
  • 19
    Algumas regiões elaboraram um regimento interno que normatiza as atividades dos delegados. Embora, em
    muitos casos, os fóruns sigam os critérios de distribuição dos recursos do COP para orientar a priorização das demandas, alguns fóruns deliberam de acordo com regras próprias, a exemplo da votação por maioria ou pelo consenso.
  • 20
    Esses dados são resultantes da pesquisa "Participação e exclusão nos Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos/SC" (CNPQ, Funpesquisa). Em Lüchmann
    e Borba (2008), analisamos alguns fatores para essas diferenças entre os perfis dos representantes de OPs e Conselhos.
  • 21
    O que pode ser explicado pelo quadro geral de escolaridade e renda do município mais baixo, se comparado com os demais.
  • 22
    Estas três dimensões estão melhor especificadas em Lüchmann, 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2008
    • Aceito
      Mar 2008
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