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Acurácia do persistent AKI risk index na predição de injúria renal aguda em pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva por insuficiência respiratória aguda

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a acurácia do persistent AKI risk index (PARI) na predição de injúria renal aguda em 72 horas após a admissão em unidade de terapia intensiva, injúria renal aguda persistente, terapia de substituição renal e óbito, em até 7 dias em pacientes internados por insuficiência respiratória aguda.

Métodos:

Estudo de método-diagnóstico com base em coorte de inclusão consecutiva de pacientes adultos internados em unidade de terapia intensiva de oito hospitais de Curitiba (PR) entre março e setembro de 2020, por insuficiência respiratória aguda secundária à suspeita de COVID-19, com confirmação ou refutação diagnóstica dada pelo resultado de RT-PCR para detecção do SARS-CoV-2. O potencial preditor do PARI foi analisado por curva ROC em relação a delta creatinina, SOFA e APACHE II, para os desfechos injúria renal aguda em 72 horas; injúria renal aguda persistente; terapia de substituição renal e mortalidade em até 7 dias.

Resultados:

Dos 1.001 pacientes da coorte, 538 foram incluídos na análise. A média de idade foi de 62 ± 17 anos, 54,8% eram homens e o APACHE II mediano foi de 12. Na admissão, o SOFA mediano era 3, e 83,3% não apresentavam disfunção renal. Após admissão na unidade de terapia intensiva, 17,1% apresentaram injúria renal aguda em 72 horas e, até o sétimo dia, 19,5% apresentaram injúria renal aguda persistente, 5% realizaram terapia de substituição renal, e 17,1% foram a óbito. O PARI apresentou área sob a curva ROC de 0,75 (0,696 - 0,807) para predição de injúria renal aguda em 72 horas, 0,71 (0,613 - 0,807) para terapia de substituição renal e 0,64 (0,565 - 0,710) para mortalidade.

Conclusão:

O PARI tem acurácia aceitável na predição de injúria renal aguda em 72 horas e terapia de substituição renal em até 7 dias da admissão na unidade de terapia intensiva, porém sem diferença significativa dos demais escores.

Descritores:
Injúria renal aguda; Insuficiência respiratória; Terapia de substituição renal; Prognóstico; Morte; Mortalidade; Unidades de terapia intensiva; C0VID- 19; Infecção por coronavírus; SARS-CoV-2

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the accuracy of the persistent AKI risk index (PARI) in predicting acute kidney injury within 72 hours after admission to the intensive care unit, persistent acute kidney injury, renal replacement therapy, and death within 7 days in patients hospitalized due to acute respiratory failure.

Methods:

This study was done in a cohort of diagnoses of consecutive adult patients admitted to the intensive care unit of eight hospitals in Curitiba, Brazil, between March and September 2020 due to acute respiratory failure secondary to suspected COVID-19. The COVID-19 diagnosis was confirmed or refuted by RT-PCR for the detection of SARS-CoV-2. The ability of PARI to predict acute kidney injury at 72 hours, persistent acute kidney injury, renal replacement therapy, and death within 7 days was analyzed by ROC curves in comparison to delta creatinine, SOFA, and APACHE II.

Results:

Of the 1,001 patients in the cohort, 538 were included in the analysis. The mean age was 62 ± 17 years, 54.8% were men, and the median APACHE II score was 12. At admission, the median SOFA score was 3, and 83.3% had no renal dysfunction. After admission to the intensive care unit, 17.1% had acute kidney injury within 72 hours, and through 7 days, 19.5% had persistent acute kidney injury, 5% underwent renal replacement therapy, and 17.1% died. The PARI had an area under the ROC curve of 0.75 (0.696 - 0.807) for the prediction of acute kidney injury at 72 hours, 0.71 (0.613 - 0.807) for renal replacement therapy, and 0.64 (0.565 - 0.710) for death.

Conclusion:

The PARI has acceptable accuracy in predicting acute kidney injury within 72 hours and renal replacement therapy within 7 days of admission to the intensive care unit, but it is not significantly better than the other scores.

Keywords:
Acute kidney injury; Respiratory insufficiency; Renal replacement therapy; Prognosis; Death; Mortality; Intensive care units; COVID-19; Coronavirus infections; SARS-CoV-2

INTRODUÇÃO

Estima-se que a injúria renal aguda (IRA) tenha incidência de 20 a 50% na população internada em unidades de terapia intensiva (UTI), com mortalidade estimada de 20%.(11 Case J, Khan S, Khalid R, Khan A. Epidemiology of acute kidney injury in the intensive care unit. Crit Care Res Pract. 2013;2013:479730.) No ambiente da terapia intensiva, esses valores podem representar até 60% das complicações naqueles com síndrome respiratória aguda grave (SRAG),(22 Darmon M, Clec’h C, Adrie C, Argaud L, Allaouchiche B, Azoulay E, et al. Acute respiratory distress syndrome and risk of AKI among critically ill patients. Clin J Am Soc Nephrol. 2014;9(8):1347-53.) tornando a identificação precoce dessas disfunções orgânicas crucial para o manejo clínico dos pacientes, seja para auxiliar nas decisões para prevenir potenciais danos, seja para aperfeiçoar condutas clínicas e/ou para estimar prognósticos.

Nesse cenário, não obstante a necessidade e a importância de classificar a IRA conforme amplamente estabelecida na literatura por meio do Acute Kidney Injury-Kidney Disease: Improving Global Outcomes (AKI-KDIGO),(33 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO clinical practice guideline for acute kidney injury. Kidney Int Suppl. 2012;2(1):1-138.) o conceito de angina renal ganha relevância, pois suscita a identificação precoce do paciente sob risco de desenvolver a lesão renal - similar à angina cardíaca, a qual precede o infarto agudo do miocárdio - por meio de escores preditivos e/ou biomarcadores.(44 Goldstein SL, Chawla LS. Renal angina. Clin J Am Soc Nephrol. 2010;5(5):943-9.)

A angina renal foi inicialmente abordada na população pediátrica na segunda década desse século, como maneira de predizer a evolução para IRA, e, com isso, surgiram escores como o renal angina index (RAI), na tentativa de quantificar a probabilidade de evolução para IRA e a persistência da lesão.(55 Basu RK, Zappitelli M, Brunner L, Wang Y, Wong HR, Chawla LS, et al. Derivation and validation of the renal angina index to improve the prediction of acute kidney injury in critically ill children. Kidney Int. 2014;85(3):659-67.) Na população adulta, o conceito de angina renal foi pouco explorado até o momento.(66 Ortiz-Soriano V, Kabir S, Claure-Del Granado R, Stromberg A, Toto RD, Moe OW, et al. Assessment of a modified renal angina index for AKI prediction in critically ill adults. Nephrol Dial Transplant. 2022;37(5):895-903.

7 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.
-88 Basu RK, Kaddourah A, Goldstein SL; AWARE Study Investigators. Assessment of a renal angina index for prediction of severe acute kidney injury in critically ill children: a multicentre, multinational, prospective observational study. Lancet Child Adolesc Health. 2018;2(2):112-20.) Na tentativa de aproximar o conceito da angina renal da população adulta em cuidados intensivos, foi desenvolvido o persistent AKI risk index (PARI), o qual foi validado com base em um banco de dados japonês de pacientes críticos utilizando pequenas variações da creatinina sérica, além de condições clínicas na admissão, como presença de hiperbilirrubinemia, sepse e suporte ventilatório/hemodinâmico. O objetivo do escore é predizer o desenvolvimento e a persistência da IRA (ou seja, por mais de 72 horas), a necessidade de terapia de substituição renal (TSR) e até mesmo o óbito.(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.)

Apesar do PARI ser um escore promissor, ele carece de validação para outros diagnósticos e condições clínicas de internamento na UTI, bem como de sua acurácia para a identificação de IRA o mais precocemente possível. Nesse contexto, realizamos um estudo do tipo método-diagnóstico para avaliar, em pacientes internados por insuficiência respiratória aguda, a acurácia do escore PARI na predição de IRA em 72 horas após a admissão na UTI, bem como de IRA persistente, TSR e óbito até o sétimo dia da admissão.

MÉTODOS

Estudo de método-diagnóstico realizado com base em dados de uma coorte prospectiva de inclusão consecutiva de pacientes adultos internados com insuficiência respiratória aguda em UTI de oito hospitais de Curitiba (PR), entre 11 de março e 13 de setembro de 2020. Compuseram essa coorte pacientes internados tanto via Sistema Único de Saúde (SUS) quanto do Sistema de Saúde Suplementar.

O estudo de coorte foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Neurologia de Curitiba, sob protocolo 3.000.353, em 17 de setembro de 2018, e a necessidade de consentimento informado foi dispensada, devido ao desenho do estudo não intervencionista e à coleta de dados apenas em prontuários, sem contato com os participantes. Todos os procedimentos de pesquisa foram conduzidos de acordo com os padrões éticos do Comitê de Ética local e com a Declaração de Helsinki de 1975, revisada em 2000. As diretrizes Standards for Reporting of Diagnostic Accuracy (STARD) foram usadas para orientar a escrita deste estudo.

O estudo de coorte incluiu pacientes maiores de 18 anos internados nas UTIs com insuficiência respiratória aguda secundária à suspeita de infecção respiratória, que tinham disponível resultado de um teste de reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR - reverse transcription polymerase chain reaction) em tempo real para detecção do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) coletado por swab nasofaríngeo. Foram considerados com insuficiência respiratória aguda aqueles pacientes que apresentaram dois ou mais dos seguintes critérios clínicos e radiológicos: (A) pelo menos um sintoma gripal, ou seja, tosse, coriza, febre ou dor garganta; (B) pelo menos dois pontos no quick Sepsis Related Organ Failure Assessment (qSOFA) modificado (pressão arterial sistólica < 100mmHg, frequência respiratória > 22bpm, rebaixamento do nível de consciência com Glasgow < 15 e/ou saturação de pulso de oxigênio < 93%); e/ou (C) tomografia computadorizada de tórax com imagens sugestivas da doença pelo coronavírus 2019 - COVID-19 (opacidade em vidro fosco e lesões periféricas distribuídas em ambos os pulmões) obtidas nas primeiras 48 horas após a admissão.(99 Oliveira MC, Scharan KO, Thomés BI, Stradiotto Bernardelli R, Reese FB, Kozesinski-Nakatani AC, et al. Diagnostic accuracy of a set of clinical and radiological criteria for screening of COVID-19 using RT-PCR as the reference standard. BMC Pulm Med. 2023;23(1):81.)

Os dados foram extraídos sistematicamente dos prontuários eletrônicos dos pacientes, bem como dos registros médicos anotados diariamente em formulário em papel. De todos os dados foram coletadas as características pessoais e clínicas da admissão na UTI, dados clínicos e laboratoriais diários dos primeiros 30 dias de UTI ou até o desfecho (alta ou óbito) na UTI.

Da amostra total da coorte, foram excluídos, nesta análise de método-diagnóstico, os pacientes dos quais não constavam valores de creatinina, diurese e realização ou não de TSR em pelo menos três momentos obrigatórios, que eram na admissão na UTI, 24 horas e 72 horas após admissão; com internamento menor que 72 horas na UTI; que evoluíssem à óbito em menos de 72 horas da admissão na UTI; com creatinina maior que 4mg/dL ou com doença renal crônica previamente conhecida e registrada em prontuário.

A amostra foi caracterizada por sexo, idade, confirmação diagnóstica de COVID-19, presença de comorbidades autorreferidas, além dos seguintes dados das primeiras 24 horas de UTI: Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II), Sequential Organ Failure Assessment Score (SOFA) e sua variação (delta SOFA), uso de droga vasoativa (DVA) e de ventilação mecânica (VM), valores de creatinina e sua variação (delta creatinina), estágio AKI-KDIGO e presença de hiperbilirrubinemia (bilirrubina > 2mg/dL). A utilização de antibióticos nas primeiras 48 horas, bem como de drogas nefrotóxicas (polimixina B, colistina, gentamicina, amicacina, vancomicina e/ou antifúngicos) em até 2 e em até 6 dias após a admissão na UTI, também foi descrita.

O PARI foi calculado com base nas seguintes informações: variação da creatinina nas primeiras 24 horas de UTI (delta creatinina), bilirrubinas totais, necessidade de VM ou DVA e presença ou não de sepse na admissão.(1010 Matsuura R, Srisawat N, Claure-Del Granado R, Doi K, Yoshida T, Nangaku M, et al. Use of the renal angina index in determining acute kidney injury. Kidney Int Rep. 2018;3(3):677-83.) Sepse foi considerada para aqueles pacientes que tivessem aumento do SOFA ≥ 2 em 24 horas(1111 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) e manutenção de antibiótico por ≥ 48 horas. Para realização desse escore, foi atribuída, a cada variável, um peso, da seguinte forma: delta creatinina < 0,2mg/dL pontua 1; ≥ 0,2mg/dL pontua 2, ≥ 0,3mg/dL pontua 4, ≥ 0,4mg/dL pontua 10; presença de hiperbilirrubinemia (Bt ≥ 2mg/dL) e sepse pontuam 2 cada e necessidade de DVA ou VM pontua 4. Caso não haja condição agravante, a pontuação assumida é de 1. O cálculo é por meio da pontuação do delta creatinina multiplicado pela somatória das demais condições, podendo o escore ter os seguintes valores: 1, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 16, 20, 24, 40, 60 e 80.(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.)

A IRA foi definida de acordo com o AKI-KDIGO, da seguinte forma: estágio 1 se elevação da creatinina sérica de 1,5 a 1,9 vez o valor basal ou aumento de ≥0,3 mg/dL em 48 horas ou débito urinário < 0,5mL/kg/hora por 6 a 12 horas; estágio 2 se creatinina sérica 2 a 2,9 vezes o valor basal ou débito urinário < 0,5mL/kg/hora por pelo menos 12 horas; estágio 3 se creatinina sérica 3 vezes o valor basal ou ≥ 4mg/dL, ou débito urinário < 0,3mL/kg/h por pelo menos 24 horas ou anúria por pelo menos 12 horas ou início de TSR.(33 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO clinical practice guideline for acute kidney injury. Kidney Int Suppl. 2012;2(1):1-138.)

A acurácia do PARI foi avaliada em relação ao delta creatinina e ao SOFA, como no estudo de Matsuura et al.,(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.) além do APACHE II, para predizer o desfecho primário de IRA (AKI-KDIGO 2 ou 3) em 72 horas após a admissão na UTI e os secundários: IRA persistente (AKI KDIGO 2 ou 3 por mais de 72 horas), utilização de TSR e mortalidade, em até 7 dias após a admissão na UTI.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram apresentadas por frequência absoluta e percentual, as quantitativas com distribuição normal por média e desvio-padrão, e as quantitativas sem distribuição normal por média, mediana e intervalo interquartil. As variáveis categóricas foram comparadas entre os grupos com e sem IRA (AKI-KDIGO 2 ou 3) em 72 horas após a admissão na UTI, por meio do teste de qui-quadrado ou teste exato de Fischer, conforme apropriado. As comparações das quantitativas entre grupos foram realizadas utilizando o teste t de Student para amostras independentes, quando os dados apresentavam distribuição normal, e utilizando o teste não paramétrico de Mann-Whitney, quando os dados não apresentavam distribuição normal.

A análise da acurácia do PARI, delta creatinina, SOFA e APACHE II foi realizada por meio do método receiver operator characteristic curve (ROC) aplicada à coorte, como resultados descritos por área sob a curva ROC e seus intervalos de confiança para cada um dos desfechos avaliados. A comparação da área sob a curva ROC do PARI com a do delta creatinina, do SOFA e do APACHE II foi realizada usando o método DeLong. O ponto de corte ótimo do PARI para cada desfecho foi determinado por meio da estatística de Youden e avaliado quanto a seus valores de sensibilidade, especificidade, preditivos positivos e negativos. Por fim, os desfechos foram comparados entre grupos estabelecidos pelo ponto de corte ótimo identificado no estudo, bem como pelo ponto de corte de PARI ≥ 8, encontrado por Matsuura et al.(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.)

As mesmas análises descritas foram realizadas nos subgrupos estabelecidos pela confirmação diagnóstica da COVID-19, subgrupos da COVID-19 e da não COVID-19. As análises foram realizadas no software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 28.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, Estados Unidos). A significância estatística foi estimada em 5%, e não foram imputados valores para correção de dados faltantes em nenhuma variável.

RESULTADOS

Todos os 1.001 pacientes da coorte foram considerados para o estudo. Destes, foram excluídos 463 pacientes (54%) por algum dos critérios de exclusão, sendo amostrados para o estudo 538 pacientes, dos quais 82% tiveram confirmação diagnóstica da COVID-19, e, em 18%, tal diagnóstico foi refutado (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de amostragem.

A amostra tinha média de idade de 62 ± 17 anos, 54,8% eram do sexo masculino, a APACHE II foi mediano de 12, o SOFA mediano de admissão foi 3, 83,3% não apresentavam disfunção renal na admissão, e menos de 5% utilizaram drogas nefrotóxicas nos primeiros 7 dias de UTI. A tabela 1 apresenta estas e demais características da amostra total, bem como a comparação entre os grupos com IRA (AKI-KDIGO 2 ou 3) em 72 horas após a admissão e sem IRA (sem pontuação no AKI-KDIGO ou AKI-KDIGO 1).

Tabela 1
Comparação dos grupos com presença ou ausência de injúria renal aguda (Kidney Disease: Improving Global Outcomes 2 ou 3) em 72 horas

Pacientes com IRA em 72 horas da admissão apresentaram valores significativamente mais altos de PARI, creatinina de admissão, delta creatinina, APACHE II e SOFA, quando comparados aos sem IRA. Ainda, pacientes do grupo IRA em 7 dias permaneceram mais tempo na UTI, tiveram maior taxa de uso de TSR e de mortalidade (Tabela 1).

Os grupos não foram diferentes quanto a sexo, presença de comorbidades, diagnóstico da COVID-19, hiperbilirrubinemia na admissão e uso de antibióticos e drogas nefrotóxicas nas primeiras 48 horas. A idade foi significativamente maior no grupo IRA, que também apresentou maior proporção de pacientes em uso de VM e DVA, com estágios mais elevados de AKI-KDIGO na admissão e mais uso de drogas nefrotóxicos até o sexto dia de UTI (Tabela 1).

Os valores de acurácia do PARI, do delta creatinina, do SOFA na admissão e do APACHE II como preditores de IRA (AKI-KDIGO estágios 2 ou 3) após 72 horas da admissão, IRA persistente, necessidade de TSR e de mortalidade até o sétimo dia estão apresentados na figura 2 e na tabela 2, a qual apresenta também a comparação do PARI com os três demais métodos.

Tabela 2
Comparação da área sob a curva ROC do PARI com delta creatinina, SOFA e APACHE II na predição de injúria renal aguda (AKI-KDIGO estágios 2 ou 3) em 72 horas, injúria renal aguda persistente, terapia de substituição renal e mortalidade em até 7 dias

Figura 2
Curva ROC do PARI, do delta creatinina, do SOFA e do APACHE II como preditores de: (A) Injúria renal aguda (AKI-KDIGO estágios 2 ou 3) após 72 horas da admissão; (B) injúria renal aguda persistente em até 7 dias; (C) terapia de substituição renal em até 7 dias; (D) mortalidade em até o sétimo dia.

O PARI apresentou valor de área sob a curva ROC maior que os três outros métodos, mas a avaliação do potencial preditor pelo método DeLong demonstrou que, para IRA em 72 horas, o PARI é melhor que o delta creatinina e não é estatisticamente diferente do SOFA ou APACHE II. Quanto à análise de IRA persistente e de TSR em até 7 dias, não houve diferença significativa entre o PARI e os demais métodos avaliados, mesmo com área sob a curva ROC também superior. Em relação à mortalidade em até 7 dias, o PARI mostrou-se melhor preditor que o valor de delta creatinina, porém menos acurado que o SOFA e sem diferença significativa com o APACHE II. (Figura 2 e Tabela 2).

O valor de PARI ≥ 4 foi o melhor ponto de corte para predizer IRA (AKI-KDIGO estágio 2 ou 3) em 72 horas, IRA persistente e mortalidade em até 7 dias, identificado pelo método de Younden, enquanto PARI ≥ 6 foi o ponto que melhor discriminou uso de TSR até o sétimo dia. Na tabela 3, estão apresentados os resultados de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN) e acurácia desses dois pontos de corte e do ponto de corte de PARI ≥ 8, encontrados por Matsuura et al.,(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.) para os três desfechos investigados.

Tabela 3
Sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditor negativo e acurácia dos pontos de corte de PARI ≥ 4, ≥ 6 e ≥ 8 em relação aos desfechos estudados

Destacam-se, na tabela 3, a sensibilidade maior que 73% do PARI ≥ 4 em identificar IRA (AKI-KDIGO 2 e 3) em 72 horas e TSR até o sétimo dia; a especificidade similar do PARI ≥ 6 quanto às quatro características estudas - refletindo inclusive na acurácia > 70% -, mas, principalmente, o elevado VPN para os dois pontos de corte - maiores que 86%.

DISCUSSÃO

O PARI apresentou melhor desempenho na predição de IRA em 72 horas após admissão na UTI do que na predição de IRA persistente em até 7 dias. Isso possibilita a identificação de uma janela terapêutica mais precoce a ser explorada por meio do PARI, com o intuito de reforçar medidas iniciais sugeridas pelo KDIGO.(33 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO clinical practice guideline for acute kidney injury. Kidney Int Suppl. 2012;2(1):1-138.)

A IRA, hoje, é considerada uma forma de lesão complexa com impacto importante na mortalidade dos pacientes internados, principalmente naqueles em UTI, devido à sua elevada incidência de 20 - 40%.(11 Case J, Khan S, Khalid R, Khan A. Epidemiology of acute kidney injury in the intensive care unit. Crit Care Res Pract. 2013;2013:479730.,1212 Chawla LS, Bellomo R, Bihorac A, Goldstein SL, Siew ED, Bagshaw SM, Bittleman D, Cruz D, Endre Z, Fitzgerald RL, Forni L, Kane-Gill SL, Hoste E, Koyner J, Liu KD, Macedo E, Mehta R, Murray P, Nadim M, Ostermann M, Palevsky PM, Pannu N, Rosner M, Wald R, Zarbock A, Ronco C, Kellum JA; Acute Disease Quality Initiative Workgroup 16. Acute kidney disease and renal recovery: consensus report of the Acute Disease Quality Initiative (ADQI) 16 Workgroup. Nat Rev Nephrol. 2017;13(4):241-57.,1313 Kellum JA, Sileanu FE, Bihorac A, Hoste EA, Chawla LS. Recovery after acute kidney injury. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(6):784-91.) As taxas de mortalidade dos doentes que desenvolvem IRA na UTI variam conforme a severidade da lesão (KDIGO 1, 2 ou 3), necessidade de TSR e perfil da população que desenvolve a injúria renal, de tal maneira a aumentar a probabilidade de óbito em até seis vezes, quando há o desenvolvimento de KDIGO 3;(1414 Hoste EA, Bagshaw SM, Bellomo R, Cely CM, Colman R, Cruz DN, et al. Epidemiology of acute kidney injury in critically ill patients: the multinational AKI-EPI study. Intensive Care Med. 2015;41(8):1411-23.) 2 - 3 vezes quando há simultaneamente IRA com disfunção pulmonar e um incremento de 50% na mortalidade quando há IRA em pacientes sépticos, sendo a disfunção orgânica a com maior impacto na mortalidade dessa população.(1515 Griffin BR, Liu KD, Teixeira JP. Critical care nephrology: core curriculum 2020. Am J Kidney Dis. 2020;75(3):435-52.,1616 Levy MM, Macias WL, Vincent JL, Russell JA, Silva E, Trzaskoma B, et al. Early changes in organ function predict eventual survival in severe sepsis. Crit Care Med. 2005;33(10):2194-201.)

Dessa forma, um conceito fundamental é o da angina renal,(1717 Vanmassenhove J, Kielstein J, Jörres A, Biesen WV. Management of patients at risk of acute kidney injury. Lancet. 2017;389(10084):2139-51.) que, apesar de não apresentar necessariamente sinais e sintomas clínicos claros, segundo Goldstein et al.,(44 Goldstein SL, Chawla LS. Renal angina. Clin J Am Soc Nephrol. 2010;5(5):943-9.) a pode ser definida por meio de oligúria e/ou alterações de creatinina sérica em contexto clínico pertinente em que há fatores de risco, como idade, diabetes, sepse, cirrose, pós-operatórios e doenças críticas.

Uma vez que a angina renal está perpetuada, há o desenvolvimento da IRA, na qual há comprometimento da função renal - associada ou não à lesão estrutural -, podendo ocorrer de maneira transitória (injúria renal transitória), com duração menor de 72 horas, ou de maneira persistente (injúria renal persistente), com duração ≥ 72 horas, e, com isso, aumentando o risco de se estabelecer uma doença renal aguda com todas suas complicações e impactos na mortalidade, tempo de permanência na UTI, necessidade de TSR e evolução para doença renal crônica.(1818 Perinel S, Vincent F, Lautrette A, Dellamonica J, Mariat C, Zeni F, et al. Transient and persistent acute kidney injury and the risk of hospital mortality in critically ill patients: results of a multicenter cohort study. Crit Care Med. 2015;43(8):e269-75.,1919 Nagata K, Horino T, Hatakeyama Y, Matsumoto T, Terada Y, Okuhara Y. Effects of transient acute kidney injury, persistent acute kidney injury and acute kidney disease on the long-term renal prognosis after an initial acute kidney injury event. Nephrology (Carlton). 2021;26(4):312-8.)

Portanto, é fundamental a busca de ferramentas no ambiente da terapia intensiva para identificar possíveis pacientes com risco de disfunção renal e, assim, auxiliar na avaliação, ao submetê-lo a determinada droga nefrotóxica e a exames contrastados, e também para afastar, com maior segurança e embasamento quantitativos, aqueles com menor risco de perpetuarem a injúria renal a longo prazo.(1313 Kellum JA, Sileanu FE, Bihorac A, Hoste EA, Chawla LS. Recovery after acute kidney injury. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(6):784-91.) Na literatura já existem modelos que levam em consideração as comorbidades prévias e variações de creatinina para estratificação do risco dos pacientes adultos em desenvolver IRA,(2020 Cruz DN, Ferrer-Nadal A, Piccinni P, Goldstein SL, Chawla LS, Alessandri E, Belluomo Anello C, Bohannon W, Bove T, Brienza N, Carlini M, Forfori F, Garzotto F, Gramaticopolo S, Iannuzzi M, Montini L, Pelaia P, Ronco C; NEFROINT Investigators. Utilization of small changes in serum creatinine with clinical risk factors to assess the risk of AKI in critically ill adults. Clin J Am Soc Nephrol. 2014;9(4):663-72.) porém ainda são temas de discussão e nenhum está bem estabelecido.

O desenvolvimento de escores para identificação dos pacientes com risco de perpetuação de angina renal começou na população pediátrica e, depois, passou à população adulta com aumento significativo das publicações sobre o tema na última década, inclusive utilizando biomarcadores como a Kidney Injury Molecule 1 (KIM-1), Liver-type fatty acid-binding protein (L-FABP), as interleucinas (IL) e a lipocalina associada à gelatinase neutrofílica (NGAL- neutrophil gelatinase-associated lipocalin). Porém ainda necessitam de maiores validações em populações heterogêneas.(1919 Nagata K, Horino T, Hatakeyama Y, Matsumoto T, Terada Y, Okuhara Y. Effects of transient acute kidney injury, persistent acute kidney injury and acute kidney disease on the long-term renal prognosis after an initial acute kidney injury event. Nephrology (Carlton). 2021;26(4):312-8.

20 Cruz DN, Ferrer-Nadal A, Piccinni P, Goldstein SL, Chawla LS, Alessandri E, Belluomo Anello C, Bohannon W, Bove T, Brienza N, Carlini M, Forfori F, Garzotto F, Gramaticopolo S, Iannuzzi M, Montini L, Pelaia P, Ronco C; NEFROINT Investigators. Utilization of small changes in serum creatinine with clinical risk factors to assess the risk of AKI in critically ill adults. Clin J Am Soc Nephrol. 2014;9(4):663-72.

21 Chawla LS, Goldstein SL, Kellum JA, Ronco C. Renal angina: concept and development of pretest probability assessment in acute kidney injury. Crit Care. 2015;19(1):93.
-2222 Stanski NL, Wong HR, Basu RK, Cvijanovich NZ, Fitzgerald JC, Weiss SL, et al. Recalibration of the renal angina index for pediatric septic shock. Kidney Int Rep. 2021;6(7):1858-67.)

Neste estudo, utilizamos o PARI para analisar um perfil específico de paciente - aqueles internados em UTI por insuficiência respiratória aguda. Isso porque há um incremento importante de mortalidade na presença de ambas as disfunções (renal e pulmonar)(2323 McNicholas BA, Rezoagli E, Pham T, Madotto F, Guiard E, Fanelli V, Bellani G, Griffin MD, Ranieri M, Laffey JG; ESICM Trials Group and the Large observational study to UNderstand the Global impact of Severe Acute respiratory FailurE (LUNG SAFE) Investigators. Impact of early acute kidney injury on management and outcome in patients with acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med. 2019;47(9):1216-25.) por meio de um complexo mecanismo fisiopatológico envolvendo não somente respostas humorais e celulares, como também citocinas (IL-8, IL-6 e fator de necrose tumoral - TNF), promovendo e perpetuando a inflamação, além de edema hidrostático e não hidrostático no parênquima pulmonar.(2424 Teixeira JP, Ambruso S, Griffin BR, Faubel S. Pulmonary consequences of acute kidney injury. Semin Nephrol. 2019;39(1):3-16.) Assim, há uma via de mão dupla característica, na qual a lesão pulmonar prejudica o funcionamento renal e vice-versa. Outro motivador para análise dessa população foi o fato de, no estudo base para o PARI,(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.) haver uma proporção pequena de pacientes internados por motivo respiratório - aproximadamente 8% da amostra em ambas as coortes -, além da deflagração da pandemia da COVID-19.

Em nossa análise, o PARI com ponto de corte ≥ 4 foi identificado como o que melhor discriminou IRA persistente em pacientes internados em UTI por insuficiência respiratória aguda, inferior ao ≥8 identificado por Matsuura et al.(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.) A menor pontuação no PARI encontrada em nosso estudo poderia significar que a população com insuficiência respiratória aguda tem maior propensão a desenvolver disfunções renais nos 7 primeiros dias após admissão em UTI, reforçando o crosstalk pulmão-rim(2323 McNicholas BA, Rezoagli E, Pham T, Madotto F, Guiard E, Fanelli V, Bellani G, Griffin MD, Ranieri M, Laffey JG; ESICM Trials Group and the Large observational study to UNderstand the Global impact of Severe Acute respiratory FailurE (LUNG SAFE) Investigators. Impact of early acute kidney injury on management and outcome in patients with acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med. 2019;47(9):1216-25.

24 Teixeira JP, Ambruso S, Griffin BR, Faubel S. Pulmonary consequences of acute kidney injury. Semin Nephrol. 2019;39(1):3-16.
-2525 McNicholas BA, Rezoagli E, Simpkin AJ, Khanna S, Suen JY, Yeung P, Brodie D, Li Bassi G, Pham T, Bellani G, Fraser JF, Laffey J; CCCC Consortium. Epidemiology and outcomes of early-onset AKI in COVID-19-related ARDS in comparison with non-COVID-19-related ARDS: insights from two prospective global cohort studies. Crit Care. 2023;27(1):3.) e/ou porque nossa população não era tão grave na admissão da UTI, visto os valores do SOFA e do APACHE II.

Outro fato que pode ter influenciado os resultados encontrados do ponto de corte do PARI e a análise ROC com os demais preditores é que aproximadamente 80% da população estudada tinha diagnóstico da COVID-19, uma vez que não há consenso na literatura entre os estudos relacionando COVID-19 e IRA, inclusive com estudos sugerindo não haver maior predisposição à disfunção renal que outras doenças de equivalente gravidade(2626 Cheng Y, Luo R, Wang K, Zhang M, Wang Z, Dong L, et al. Kidney disease is associated with in-hospital death of patients with COVID-19. Kidney Int. 2020;97(5):829-38.

27 Park BD, Faubel S. Acute kidney injury and acute respiratory distress syndrome. Crit Care Clin. 2021;37(4):835-49.
-2828 Schaubroeck H, Vandenberghe W, Boer W, Boonen E, Dewulf B, Bourgeois C, et al. Acute kidney injury in critical COVID-19: a multicenter cohort analysis in seven large hospitals in Belgium. Crit Care. 2022;26(1):225.) e até uma evolução mais lenta da IRA na insuficiência respiratória aguda causadas pela COVID-19 quando comparada com as demais etiologias. Ademais, fatores étnicos, sociodemográficos e de tratamento(2525 McNicholas BA, Rezoagli E, Simpkin AJ, Khanna S, Suen JY, Yeung P, Brodie D, Li Bassi G, Pham T, Bellani G, Fraser JF, Laffey J; CCCC Consortium. Epidemiology and outcomes of early-onset AKI in COVID-19-related ARDS in comparison with non-COVID-19-related ARDS: insights from two prospective global cohort studies. Crit Care. 2023;27(1):3.) (como, por exemplo, o corticoide no tratamento da COVID-19 poder reduzir o risco de IRA) podem ter contribuído na variação dos resultados do PARI neste contexto clínico específico.

Outro ponto a ser destacado é o VPN encontrado. Os resultados do PARI ≥ 4 para nossa amostra obtiveram valores preditivos negativos maiores que 92%, ou seja: naqueles cuja pontuação foi menor que 4, havia 92,3% de chance de eles não apresentarem IRA em 72 horas após admissão na UTI; 88,7% de chance de não perpetuarem a IRA; 97,7% não necessitarem de TSR nos próximos 7 dias e 92,3% não evoluírem para óbito nesse período. Devido ao PARI ser uma ferramenta de cunho prático a ser instituída beira-leito, os valores aceitáveis de sensibilidade reforçados pelos ótimos valores preditivos negativos fazem dele capaz de identificar com aparente segurança os indivíduos de menor risco de perpetuarem o insulto renal.

Este estudo, porém, possui algumas limitações inerentes ao seu desenho: o potencial de generalização dos resultados do estudo é restrito, visto que abrange uma população de pacientes respiratórios na qual há predomínio do diagnóstico da COVID-19 e que aproximadamente 46% da população foi excluída devidos a critérios semelhantes ao estudo de base de Matsuura et al.(77 Matsuura R, Iwagami M, Moriya H, Ohtake T, Hamasaki Y, Nangaku M, et al. A simple scoring method for predicting the low risk of persistent acute kidney injury in critically ill adult patients. Sci Rep. 2020;10(1):5726.) ou por falta de dados da função renal. Além disso, houve necessidade de considerarmos ao diagnóstico de sepse a utilização de antibióticos por mais de 48 horas da admissão em função do período da pandemia da COVID-19 como fator adicional para distinção dos casos de infecção. Porém vale ressaltar que a amostragem foi consecutiva e contemplou vários hospitais da mesma cidade, prestadores de assistência pública e privada. Ainda, o ponto de corte identificado para o PARI precisa ser validado em outros contextos, para a população admitida em UTI por insuficiência respiratória aguda.

Por fim, ressaltamos que este estudo identificou uma nova possibilidade de desfecho a ser explorada por meio do PARI, além de suscitar que o ponto de corte do escore possa depender do contexto clínico em que é aplicado, indicando a necessidade de mais estudos com diferentes populações com esse desfecho de IRA em 72 horas após a admissão.

CONCLUSÃO

Numa população de pacientes com insuficiência respiratória aguda grave, o PARI apresentou acurácia aceitável para predizer o desenvolvimento de injúria renal aguda em 72 horas e/ou terapia de substituição renal até sétimo dia do internamento, porém obteve desempenho insatisfatório ao predizer injúria renal aguda persistente e mortalidade, não sendo melhor que o SOFA ou o APACHE II. Um valor de corte menor que naquele que validou o PARI foi encontrado, suscitando que talvez existam diferentes pontos de corte para populações específicas e com motivos de internação distintos no ambiente de terapia intensiva.

  • Editor responsável: Leandro Utino Taniguchi

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer à equipe do Centro de Pesquisa Clínica do Centro de Estudos e Pesquisa em Terapia Intensiva (CEPETI), Verônica Barros e Marcelo José Martins Júnior, pelo apoio e pela colaboração em todas as etapas do projeto. Também expressamos nossa gratidão a Karoleen Oswald Scharan, Bruna Isadora Thomé, Chiara Andrade, Luana Caroline Kmita, Rafael Lucio Silva, pelo auxílio na coleta de dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2023
  • Aceito
    11 Ago 2023
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