Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do processo de limpeza superficial de pós de zircônia

Evaluation of a process for surface cleaning of zirconia powders

Resumos

A conformação dos pós cerâmicos pode ser realizada através de diferentes técnicas as quais determinam as características finais dos produtos. Embora sejam citadas várias técnicas de síntese e de conformação de materiais cerâmicos, a literatura científica apresenta uma carência de informação a respeito da influência destes processos nas características superficiais dos materiais, como por exemplo, contaminações provenientes da rota de síntese. Vários autores já constataram a influência da contaminação, particularmente superficial, nas propriedades finais de vários materiais cerâmicos. A técnica mais utilizada para a remoção de contaminantes superficiais baseia-se em lavagens com água. Neste trabalho é apresentado um novo procedimento de lavagem para um pó de ZrO2 de fabricação nacional. Dois procedimentos de lavagem foram realizados para comparação: um com água deionizada e outro com uma solução de NH4OH a pH = 8,5. O novo procedimento foi estabelecido a partir dos resultados da caracterização eletrocinética da dispersão de ZrO2 em função do pH. Neste caso, as lavagens foram mais eficientes proporcionando a limpeza da superfície do ZrO2. A análise do comportamento eletrocinético também revelou que as lavagens introduzem alterações superficiais significativas.

processamento cerâmico; dispersões cerâmicas; superfícies; zircônia; limpeza; comportamento eletrocinético


The casting of ceramic powders can be realized by using distinct techniques, which determine the final characteristics of the products. Although many synthesis and cast techniques have been quoted, the scientific literature shows a need for information about the influence of these processes on the materials surface features, as an example, contaminations originated from the synthesis route. Several authors have already remarked the influence of the contamination, particularly superficial, on the final properties of many ceramic materials. The most used technique for surface impurities removal is based on washings with water. In this work it is drawn a new cleanliness procedure for a ZrO2 powder of national manufacture. Two washing procedures were carried out for comparison: one with deionized water and another with a NH4OH solution at pH = 8.5. The new procedure was established from the electrokinetic characterization results of the ZrO2 dispersion as a function of the pH. In this case, the washings were more efficient affording the cleanliness of the ZrO2 surface. The electrokinetic behavior analysis also revealed that washings introduce significant surface changes.

ceramic processing; ceramic dispersions; surfaces; zirconia; electrokinetic behavior


Avaliação do processo de limpeza superficial de pós de zircônia

Evaluation of a process for surface cleaning of zirconia powders

P. J. B. Marcos; D. Gouvêa

Laboratório de Processos Cerâmicos, Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica da Universidade de S. Paulo, EPUSP, Av. Prof. Mello Moraes 2463, S. Paulo, SP, Brasil, 05508-900

Endereço para correspondência Endereço para correspondência D. Gouvêa dgouvea@usp.br

RESUMO

A conformação dos pós cerâmicos pode ser realizada através de diferentes técnicas as quais determinam as características finais dos produtos. Embora sejam citadas várias técnicas de síntese e de conformação de materiais cerâmicos, a literatura científica apresenta uma carência de informação a respeito da influência destes processos nas características superficiais dos materiais, como por exemplo, contaminações provenientes da rota de síntese. Vários autores já constataram a influência da contaminação, particularmente superficial, nas propriedades finais de vários materiais cerâmicos. A técnica mais utilizada para a remoção de contaminantes superficiais baseia-se em lavagens com água. Neste trabalho é apresentado um novo procedimento de lavagem para um pó de ZrO2 de fabricação nacional. Dois procedimentos de lavagem foram realizados para comparação: um com água deionizada e outro com uma solução de NH4OH a pH = 8,5. O novo procedimento foi estabelecido a partir dos resultados da caracterização eletrocinética da dispersão de ZrO2 em função do pH. Neste caso, as lavagens foram mais eficientes proporcionando a limpeza da superfície do ZrO2. A análise do comportamento eletrocinético também revelou que as lavagens introduzem alterações superficiais significativas.

Palavras-chave: processamento cerâmico, dispersões cerâmicas, superfícies, zircônia, limpeza, comportamento eletrocinético.

ABSTRACT

The casting of ceramic powders can be realized by using distinct techniques, which determine the final characteristics of the products. Although many synthesis and cast techniques have been quoted, the scientific literature shows a need for information about the influence of these processes on the materials surface features, as an example, contaminations originated from the synthesis route. Several authors have already remarked the influence of the contamination, particularly superficial, on the final properties of many ceramic materials. The most used technique for surface impurities removal is based on washings with water. In this work it is drawn a new cleanliness procedure for a ZrO2 powder of national manufacture. Two washing procedures were carried out for comparison: one with deionized water and another with a NH4OH solution at pH = 8.5. The new procedure was established from the electrokinetic characterization results of the ZrO2 dispersion as a function of the pH. In this case, the washings were more efficient affording the cleanliness of the ZrO2 surface. The electrokinetic behavior analysis also revealed that washings introduce significant surface changes.

Keywords: ceramic processing, ceramic dispersions, surfaces, zirconia, electrokinetic behavior.

INTRODUÇÃO

A formação de suspensões cerâmicas estáveis exige que forças repulsivas atuem entre as partículas. A estabilidade pode ser obtida através da criação de cargas elétricas nas superfícies das partículas, o que resulta na repulsão entre as duplas camadas elétricas constituintes (estabilização eletrostática) quando a dispersão é realizada num solvente polar como a água, ou pela adsorção de polímeros onde a interpenetração das camadas poliméricas gera o impedimento espacial ou estérico [1, 2]. A combinação de ambos os mecanismos também é possível. Independente das partículas cerâmicas estarem num meio aquoso ou não-aquoso, o potencial de superfície gerado e a força iônica na solução controlam a densidade de cargas superficiais [3]. A ausência de uma força repulsiva suficientemente intensa fará com que as partículas, através das forças de van der Waals, desenvolvam interações atrativas sempre que colidirem devido ao movimento térmico, formando progressivamente agregados que ao longo do tempo se tornarão cada vez maiores e pesados resultando na sedimentação da suspensão cerâmica.

Portanto, a presença de espécies iônicas adsorvidas é suficiente para alterar a geração de cargas superficiais e modificar as condições de dispersão. Deste modo, a superfície de um material, idealmente, deve estar livre da presença de espécies que possam alterar as suas características intrínsecas, caso contrário não haverá como controlar as interações desenvolvidas entre as partículas e entre estas e o solvente. A contaminação superficial de um pó pode ter várias origens. Podem ser íons provenientes do processo de síntese, contaminantes que ocorrem naturalmente em matérias-primas não sintéticas ou ainda substâncias orgânicas provenientes da atmosfera de calcinação ou da lavagem dos pós [4].

Por este motivo, a utilização de lavagens é proposta como sendo uma técnica alternativa, simples e eficiente para a recuperação de pós contaminados superficialmente por espécies iônicas. Embora o processo de lavagem de pós cerâmicos para remover contaminação iônica superficial seja conhecido há algum tempo em suspensões aquosas de Al2O3 [5] e ZrO2 [6, 7] pouco foi comentado a respeito dos mecanismos envolvidos no processo e, principalmente, as suas conseqüências nas características superficiais finais dos pós. Recentemente, Hatton e Sakka [8] observaram que a presença de Na+ na superfície de pós de ZrO2 seria responsável pela diminuição da estabilidade das suspensões e da taxa de deposição desse material durante a conformação por deposição eletroforética (EPD). Basu et al. [9] adotaram a lavagem como uma etapa necessária para garantir o controle das cargas elétricas superficiais de pós de ZrO2 também em aplicações de EPD. Em comum, tais autores concordam que parte significante das contaminações iônicas deve estar acessível na superfície dos respectivos materiais e que a sua presença é responsável por retardar ou mesmo impedir a defloculação de suspensões destes pós.

As propriedades resultantes da interface sólido-líquido devem ser compreendidas para o controle das forças desenvolvidas entre as partículas. Vários tipos de interações podem ocorrer entre o sólido disperso e o solvente as quais resultam no desenvolvimento das cargas superficiais. A separação de carga existente nas interfaces partículas-solvente origina uma série de fenômenos dinâmicos associados com as partículas dispersas e são conhecidos como efeitos eletrocinéticos [10]. Classicamente existem cerca de quatro efeitos distintos, os quais dependem da maneira pela qual o movimento das partículas é induzido: eletroforese, eletroosmose, potencial de escoamento e potencial de sedimentação (também conhecido como efeito Dorn). A força motriz para estes fenômenos não é a carga superficial em si mas a carga líquida existente na interface entre o líquido que está hidrodinamicamente ligado à superfície da partícula (solvatação) e o volume do fluido solvente. Esta interface é conhecida como plano de cisalhamento e o potencial elétrico desenvolvido nesta interface é denominado de potencial zeta (z). Logo, a determinação do potencial zeta é um fator crítico na caracterização de vários sistemas dispersos e, por esta razão, as medidas das propriedades eletrocinéticas têm sido amplamente utilizadas para sondar os fenômenos de superfície.

O aumento da carga superficial da partícula tem como conseqüência o aumento de sua mobilidade eletrocinética e, por conseqüência, do potencial zeta. Desta forma, íons ou moléculas carregadas, adsorvidas à superfície do material modificam a carga elétrica superficial e desta forma o potencial zeta.

Em adição aos quatro fenômenos eletrocinéticos clássicos existem os fenômenos eletroacústicos [11]. Se um campo elétrico externo for aplicado a este sistema haverá o desenvolvimento de um movimento relativo oscilatório entre a fase sólida e a parte móvel da camada difusa. Este movimento relativo é provocado pelos sinais opostos das cargas presentes na fase sólida e no solvente e resulta no desenvolvimento de uma onda sonora decorrente da diferença de densidade entre o sólido e o líquido. Este efeito é denominado de Amplitude Sônica Eletrocinética (ESA). Neste trabalho será utilizado o efeito ESA para a caracterização superficial de um pó de ZrO2 e a proposição de uma rota para a sua lavagem. As medidas eletroacústicas oferecem vantagens distintas sobre as técnicas convencionais, como a microeletroforese ou o espalhamento de luz (efeito Doppler), porque tais medidas podem ser feitas em sistemas dispersos ao longo de um amplo intervalo de concentrações desde que a suspensão permaneça fluida.

MATERIAIS E MÉTODOS

O óxido de zircônio utilizado neste trabalho foi proveniente da Usina Piloto de Produção Experimental do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) em S. Paulo, Brasil. Ele apresentou uma área superficial específica de 50,9 m2.g-1 medida por adsorção de nitrogênio (através do método BET com o equipamento Gemini III 2375 Surface Area Analyser, Micromeritics, USA) e tamanho médio de partícula de 26,8 mm determinado por espalhamento laser (Modelo Malvern 2600, Malvern, UK). Neste material foi identificada somente a fase monoclínica através de difração de raios X (Difratômetro D8 Advance, Bruker, AXS). A dispersão deste material (5% em volume) em água deionizada (condutividade de 4 mS.cm-1) apresentou condutividades iônicas elevadas, da ordem de 4000 mS.cm-1 e pH @ 2, indicando a presença de íons contaminantes já que a zircônia é insolúvel em água.

Assim sendo, foram propostas duas rotas de lavagem. A primeira com água deionizada e a segunda em solução de NH4OH (2N) com pH = 8,5. Esta segunda rota foi proposta com base nos resultados da variação de mobilidade eletroforética em função do pH, os quais serão discutidos posteriormente.

O procedimento de lavagem foi realizado da seguinte maneira: preparou-se uma suspensão aquosa de ZrO2 numa concentração de sólidos de aproximadamente 20% em volume. Neste processo, a homogeneização entre o sólido e o solvente foi realizada através de moinho de bolas em recipiente de porcelana durante 1 h com elementos de moagem de ZrO2. Ao final deste, o conteúdo foi vertido para um béquer de vidro onde foi aguardado um determinado período de tempo (variável com o decorrer das lavagens) até que ocorresse a total sedimentação do pó. Quando esta ocorria, uma pequena quantidade da água sobrenadante era retirada e submetida às medidas de pH e de condutividade. Este ciclo foi repetido várias vezes, sendo que a água era trocada em cada lavagem, até que a condutividade não apresentasse variação significativa.

O comportamento eletrocinético dos pós de ZrO2 foi realizado com o analisador eletroacústico ESA-8000 (Matec Applied Sciences, Hopkinton, USA). A análise foi realizada através da titulação potenciométrica com uma solução de KOH (2N), a partir do pH inicial até pH = 13. Neste aparelho, a suspensão é submetida a um campo elétrico alternado (entre dois eletrodos), em freqüências da ordem de 1,0 MHz, o qual cria um movimento relativo entre as partículas cerâmicas e o líquido circundante devido à carga elétrica superficial das partículas. Este movimento resulta numa onda sonora (na mesma freqüência do campo elétrico) a qual é detectada por um transdutor piezelétrico. A energia acústica gerada é proporcional à mobilidade dinâmica das partículas. A correlação entre a mobilidade e os valores de potencial zeta foi estabelecida por O'Brien [12]:

onde md é a mobilidade dinâmica ou eletroforética, h a viscosidade do solvente, e a permissividade dielétrica do solvente, e G(a) um termo que corrige o efeito da inércia das partículas no campo elétrico o qual atua reduzindo a amplitude de velocidade do movimento da partícula para um dado potencial zeta. Portanto, G(a) é dependente da freqüência do campo elétrico aplicado, do raio da partícula, e da viscosidade do solvente. A relação entre a mobilidade dinâmica e o sinal acústico (ESA) medido na suspensão é dada por:

onde f representa a fração volumétrica de sólidos dispersos no solvente, Dr a diferença de densidade entre as partículas e o solvente e c a velocidade do som no solvente.

Uma das versatilidades deste sistema é a medida simultânea de pH, de condutividade, de temperatura, e do sinal acústico (ESA) para cada modificação de pH da dispersão. Os eletrodos de pH e de condutividade foram utilizados adicionalmente para monitorar a evolução das lavagens, como citado anteriormente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Suspensões de ZrO2

A primeira rota de limpeza envolveu a simples homogeneização do pó de ZrO2 em H2O deionizada. Através deste processo esperava-se que os elementos de moagem pudessem atritar a superfície das partículas o suficiente para remover o contaminante. Na Fig. 1 pode ser observada a variação da condutividade e do pH em função do número de lavagens com água deionizada.


Os primeiros pontos do gráfico (tanto para a variação da condutividade como para a variação do pH), correspondentes ao valor "zero", representam as condições do pó de ZrO2 como recebido. A condutividade inicial apresentou um valor significativamente elevado, cerca de 3500 mS.cm-1, já que o ZrO2 é insolúvel. Nesta condição o pH apresentou um valor de 1,4; o que pode ser considerada como uma acidez elevada para uma dispersão desse tipo de pó.

O pH aumentou no decorrer das lavagens, aproximando-se do pH da água (pH = 4). O valor final de condutividade obtido após 14 lavagens foi de 444 mS.cm-1. A partir da 14.a lavagem a variação de condutividade observada foi muito pequena.

Medidas de mobilidade eletroforética de uma suspensão do ZrO2 foram realizadas com uma solução de KOH (2N), a partir do pH inicial (»2) até pH 13. Tanto a mobilidade eletroforética como a condutividade apresentaram um comportamento anômalo no intervalo de pH compreendido entre 2 e 9 (Fig. 2).


A mobilidade dinâmica entre os valores de pH 2 e 9 aumenta (em módulo) inicialmente com a adição da base até um pH em torno de 6 e depois passa a diminuir. Ou seja, na faixa de pH entre 6 e 9 a mobilidade, md, passa a diminuir. Isto significa que existem diminuições das cargas elétricas superficiais, evidenciando a possibilidade de uma reação de substituição iônica.

Um comportamento anômalo também é observado para a variação da condutividade neste intervalo de pH. O comportamento esperado para a variação da condutividade dos íons durante a titulação da superfície de um óxido é de um aumento ligeiro da condutividade durante o início da titulação, pois o íon determinante de potencial deve estar adsorvido na superfície do óxido. Quando a superfície torna-se saturada com o íon de adsorção específica, a condutividade deve aumentar bruscamente, pois a condutividade intrínseca dos íons OH- (ou do íon H+ no caso de uma titulação com um ácido) é muito maior do que a dos demais íons.

Acredita-se que as variações no comportamento da condutividade iônica juntamente com as variações no comportamento da mobilidade eletroforética sejam o indício da reação de troca iônica entre íons contaminantes da superfície e íons OH- da solução. A introdução de íons OH- no sistema diminui inicialmente a condutividade da solução e somente aumentando significativamente a partir de pH » 4. Para pH > 6, a md passa a diminuir, indicando uma provável competição entre os íons contaminantes presentes na superfície e os íons OH- em solução. Em pH aproximadamente 9 a condutividade sofre uma nova variação e md passa a aumentar com o aumento do pH.

A reação envolvida nas variações observadas pode ser interpretada em termos de uma substituição iônica na superfície do material. No início da titulação, parte dos íons OH- são utilizados para a neutralização do ácido e parte começa a interagir com a superfície do pó. Isto pode ser constatado pela ligeira diminuição inicial da condutividade e também pelo aumento da mobilidade. Este último ocorre até pH » 6. A partir deste pH, a µd se reduz ao mesmo tempo em que a condutividade cresce significativamente. Este comportamento pode estar associado à troca de íons adsorvidos superficialmente por íons OH- (considerando que estes íons contaminantes sejam ânions e apresentem valência superior à da hidroxila). Durante a troca iônica a carga líquida na superfície deve então diminuir, segundo a reação:

sendo n > 1, S a superfície da zircônia e Im a impureza presente na superfície da zircônia. Ou seja, para cada OH- adsorvido a carga superficial deve diminuir de (1-n).

Quando o pH atinge um valor próximo de 9 a superfície volta a se carregar negativamente ao mesmo tempo em que a taxa de aumento da condutividade diminui. A partir de pH = 9 é gerada uma forte carga superficial negativa observada pelo forte aumento de md.

Os íons OH- adicionados devem continuar se adsorvendo especificamente, contudo nestes valores de pH toda impureza deve ter sido retirada da superfície e a mobilidade dinâmica aumenta proporcionalmente com o pH da dispersão. Os valores de pH próximos de 9 devem então ser um limite para o qual toda a impureza superficial deve ser removida e também onde os valores de mobilidade dinâmica são reduzidos o suficiente para que haja a sedimentação do material.

Uma nova rota de lavagem foi então estabelecida em que o pH da solução de lavagem foi modificado para 8,5 através de uma solução de NH4OH (2N). A lavagem foi realizada simultaneamente em duas dispersões e os resultados são apresentados na Fig. 3.


Observa-se que a eficiência de lavagem do pó de ZrO2 é maior em relação à rota proposta anteriormente. Com apenas duas lavagens já foi possível obter valores de condutividade muito próximos do valor final obtido pela rota anterior em 14 lavagens. Os valores finais de condutividade obtidos foram, respectivamente para a primeira e a segunda dispersão, de 8 e 4 mS.cm-1 em 6 lavagens. Isto demonstra que a impureza é deslocada da superfície do pó segundo a equação (C) acelerando a limpeza.

Os pós de zircônia obtidos na Usina Piloto do IPEN são preparados a partir de produtos sulfatados ou à base de carbonatos [13]. Foi verificado que existe a presença de sulfato nos pós de zircônia e que estes são liberados durante o processo de sinterização a altas temperaturas e que levam à formação de porosidade impedindo a total densificação do material [14]. A julgar pelos valores de condutividade a substância contaminante do ZrO2 deve ser o sulfato na forma iônica (SO42-).

Modificações superficiais dos pós

A Fig. 4 apresenta um comparativo do comportamento eletrocinético do ZrO2 como recebido, dos respectivos pós beneficiados através das lavagens e como referência uma curva de um ZrO2 comercial (fabricante Alfa Aesar). Deve ser ressaltado que a mobilidade dinâmica deste último está representada no eixo vertical direito visto que a sua escala é diferente da dos demais pós.


Com a retirada da substância contaminante através da lavagem com H2O, o ZrO2 teve a sua carga superficial reduzida, caracterizada por uma mobilidade quase nula ao longo da faixa que se inicia em pH = 2 até pH » 9, a partir do qual ocorre um aumento de mobilidade devido à adsorção de íons OH- provenientes da titulação. O ponto isoelétrico observado, em torno de pH = 3, é diferente dos valores observados para pós comerciais [4], conforme a Fig. 4.

No caso do ZrO2 lavado com NH4OH a pH = 8,5, o ponto isoelétrico é deslocado para pH » 6, indicando a remoção das espécies adsorvidas à superfície.

CONCLUSÕES

Foram apresentadas metodologias para a recuperação de um pó de ZrO2 cuja superfície estava provavelmente contaminada com íons sulfato. A presença da impureza foi detectada através dos elevados valores de condutividade, baixos valores de pH e o comportamento eletrocinético anômalo em função do pH apresentados pelas suspensões de ZrO2. A ocorrência dos elevados valores de condutividade demonstrou a alta solubilidade do contaminante em água. Por este motivo, as metodologias de recuperação do pó se basearam em lavagens com água: a primeira delas com H2O deionizada e a segunda em solução de NH4OH a pH = 8,5. Esta última foi determinada a partir da caracterização eletrocinética das suspensões de ZrO2, o que permitiu compreender os processos de troca iônica que ocorreram durante a modificação do pH da dispersão.

A lavagem do ZrO2 com H2O permitiu reduzir a condutividade de quase 4000 mS.cm-1 para 444 em 14 lavagens, enquanto que a lavagem com solução de NH4OH a pH = 8,5 reduziram os valores de condutividade para 4 e 8 mS.cm-1 após 6 lavagens, mostrando-se mais eficiente.

No entanto, independente da metodologia empregada, foi constatada a ocorrência da modificação superficial do pó, o que é comprovado pela diferença de comportamento eletrocinético entre os pós lavados. Especialmente quando da lavagem com ajuste de pH observa-se uma alteração no ponto isoelétrico, o que está associado com a adsorção específica.

AGRADECIMENTOS

Os autores são gratos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro, processos 97/06152-2 e 99/03375-6 e Projeto Multiusuário 96/09604-9

Rec. 23/11/01,

Rev. 13/08/02,

Ac. 01/11/02

  • [1] G. D. Parfitt, "Dispersion of powders in liquids with special reference to pigments", 3rd Ed., Elsevier Applied Science Publishers Ltd., (1986) p. 91-94.
  • [2] I. R. Oliveira, A. R. Studart, R. G. Pileggi, V. C. Pandolfelli, "Dispersão e empacotamento de partículas - Princípios e aplicações em processamento cerâmico", Fazendo Arte Editorial (2000) p. 25.
  • [3] J. N. Israelachvili, "Intermolecular and surface forces", 2nd Ed., Academic Press Inc. (1991) p. 213-254.
  • [4] J. S. Reed, "Principles of ceramics processing", John Wiley & Sons Inc. (1995) p. 54-63.
  • [5] R. E. Mistler, D. J. Shanefield, "Washing ceramic powders to remove sodium salts", Am. Ceram. Soc. Bull. 57, 7 (1958) 689-694.
  • [6] C. E. Scott, J. S. Reed, "Analisys of Cl- ions laundered from submicron zirconia powders", Am. Ceram. Soc. Bull. 57, 8 (1978) 741-743.
  • [7] C. E. Scott, J. S. Reed, "Effect of laundering and milling on the sintering behavior of stabilized ZrO2 powders", Am. Ceram. Soc. Bull. 58, 6 (1978) 587-590.
  • [8] B. D. Hatton, Y. Sakka, "Influence of washing on zirconia powder for electrophoretic deposition", J. Am. Ceram. Soc. 84, 3 (2001) 666-668.
  • [9] R. N. Basu, C. A. Randall, M. J. Mayo, "Fabrication of dense zirconia electrolyte films for tubular solid oxide fuel cells by electrophoretic deposition", J. Am. Ceram. Soc. 84, 1 (2001) 33-40.
  • [10] R. J. Hunter, "Zeta potential in colloid science - Principles and applications", Academic Press Inc. (1981) p. 59-175.
  • [11] A. S. Dukhin, P. J. Goetz, "Acoustic and electroacoustic spectroscopy", Langmuir 12, 18 (1996) 4336-4344.
  • [12] R. W. O'Brien, "Electroacoustic effects in a dilute suspension of spherical particles", J. Fluid. Mech. 190 (1988) 71-86.
  • [13] V. S. Bergamaschi, "Influência de parâmetros de precipitação nas características físicas e químicas do carbonato de zircônio", Dissertação de Mestrado, IPEN-SP (2000) p. 74-152.
  • [14] D. L. Ricci, "Otimização do processo de obtenção de zircônia via precipitação do sulfato básico de zircônio", Tese de Doutorado, IPEN-SP (2002).
  • Endereço para correspondência
    D. Gouvêa
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      02 Nov 2002
    • Revisado
      13 Ago 2002
    • Recebido
      23 Nov 2001
    Associação Brasileira de Cerâmica Av. Prof. Almeida Prado, 532 - IPT - Prédio 36 - 2º Andar - Sala 03 , Cidade Universitária - 05508-901 - São Paulo/SP -Brazil, Tel./Fax: +55 (11) 3768-7101 / +55 (11) 3768-4284 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ceram.abc@gmail.com