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Influência da composição e das variáveis de processamento de formulações à base de argilas - uso em materiais refratários

Influence of composition and processing variables of clay-based formulations - use in refractory materials

Resumo

As argilas são componentes fundamentais das massas para produção de materiais cerâmicos tradicionais, pois garantem plasticidade na etapa de conformação e resistência mecânica após a queima; também podem ser utilizadas nas formulações de cerâmicas refratárias devido ao desenvolvimento da fase mulita em temperaturas elevadas. O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da composição, tempo de maturação e temperatura de queima em formulações à base de argilas para uso na fabricação de materiais refratários. As argilas foram caracterizadas por análise granulométrica, análise química, refratariedade, difração de raios X, análise térmica diferencial e termogravimétrica. As formulações contendo caulim mais ball clay e caulim mais esmectita foram submetidas à maturação por um período de 1 a 4 semanas. Em seguida, as massas foram conformadas por prensagem uniaxial obtendo-se corpos de prova, que foram submetidos a tratamento térmico em 1200, 1300 e 1400 °C, e, posteriormente, analisados quanto às propriedades: absorção de água, retração linear de queima e resistência à flexão em três pontos. Os resultados obtidos evidenciaram que as formulações em estudo apresentaram após queima fases de quartzo, cristobalita e mulita como fase majoritária. A temperatura de queima foi o parâmetro que apresentou maior influência nas propriedades avaliadas, com maior efeito da temperatura mais alta (1400 °C).

Palavras-chave:
argilas; composição; refratário

Abstract

Clays are key components of mass for traditional ceramic materials production because they ensure plasticity in the shaping step and mechanical resistance after firing. They can also be used in refractory ceramic formulations due to the development of mullite phase at high temperatures. The objective of this study was to evaluate the effect of composition, maturation time, and firing temperature on clay formulations for use in manufacturing refractory materials. The clays were characterized by particle size analysis, chemical analysis, refractoriness, X-ray diffraction, as well as differential thermal and thermogravimetric analyses. Formulations containing kaolin with ball clay and kaolin with smectite were submitted to a maturation period of 1 to 4 weeks. Next, the masses were shaped by uniaxial pressing to obtain test specimens, which were then subjected to heat treatment at 1200, 1300 and 1400 °C, and the following properties were subsequently analyzed: water absorption, linear firing shrinkage, and three-point flexural strength. The results showed that after firing the samples had quartz, cristobalite and mullite phases, with the latter as the major phase. The firing temperature was the parameter that had the greatest influence on the evaluated properties, with the highest temperature (1400 °C) exerting the most influence.

Keywords:
clay; composition; refractory

INTRODUÇÃO

A caulinita é composta principalmente por alumina e sílica, sendo esta última em maior proporção. Quando submetida ao processo de tratamento térmico sofre uma série de reações, nas quais estes óxidos se combinam favorecendo a nucleação e crescimento dos cristais de mulita, fase de grande influência nas propriedades mecânicas11 M.V.M. Magliano, V.C. Pandolfelli, Cerâmica 56 (2010) 368.. Nesse sentido alguns trabalhos22 A.H. Aza, X. Turrillas, M.A. Rodriguez, T. Duran, P. Pen, J. Eur. Ceram. Soc. 34, 5 (2014) 1409.), (33 K. Boussois, N. Tessier-Doyen, P. Blanchart, J. Eur. Ceram. Soc. 34, 1 (2014) 119. buscaram agregar valor aos caulins através de sua incorporação em formulações cerâmicas para a produção de porcelanas, corpos mulíticos e refratários44 Z. Zhou, G. Jin, H. Liu, J. Wu, J. Mei, Appl. Clay Sci. 97-98 (2014) 110.. Muitas pesquisas foram desenvolvidas utilizando o caulim como precursor principal em suas composições, entretanto, a caulinita é considerada como um argilomineral com baixa plasticidade em comparação com as ball clays e as esmectitas55 M.S. Zbik, Y.F. Song, R.L. Frost, J. Colloid Interface Sci. 349 (2010) 86.. Em66 G. Lecomte-Nana, A. Mokrani, N. Tessier-Doyen, H. Boussois, H. Goure-Doubi, Ceram. Int. 39, 8 (2013) 9047. destaca-se que é necessária a adição de pequenas quantidades de argila mais plásticas (entre 5 e 10%) para conferir trabalhabilidade à massa e assegurar uma boa coesão em corpos cerâmicos a verde, além de permitir baixar a temperatura de sinterização, devido à presença de cátions alcalinos e alcalino-terrosos (agentes fundentes), como é o caso das argilas esmectíticas também denominadas de bentonitas.

As propriedades mecânicas dos produtos de materiais refratários são dependentes da composição das argilas e das condições de processamento empregados. Em77 W.M.N. Nour , H.M. Awad , J. Aust. Ceram. Soc. 44 (2008) 27. foi investigado o efeito da adição de MgO (até 4% em massa) em três argilas de diferentes localidades sobre a morfologia da mulita desenvolvida bem como as propriedades físicas e mecânicas quando sinterizadas entre 1200 e 1400 °C. Foi relatado que as principais fases mineralógicas após tratamento térmico foram mulita, quartzo e cristobalita; contudo, são necessários cerca de 4% de MgO para o desenvolvimento de cordierita. Ficou evidenciado através do MEV que a adição de MgO promoveu crescimento de grãos de mulita e a formação de cordierita pseudo-hexagonal77 W.M.N. Nour , H.M. Awad , J. Aust. Ceram. Soc. 44 (2008) 27.. Com relação ao tempo de maturação, alguns trabalhos na literatura tratam da influência desta variável na utilização de caulim. Em88 F.G. Bell, Eng. Geology 42 (1996) 223., verificou-se que o tempo de maturação influenciou no módulo de Young de uma mistura de caulim e cal, sendo avaliados os tempos de 0, 7, 14 e 28 dias. Em99 J.B. Azevedo, I.F. Leite, V.M. Sudério, G.A. Neves, H.L. Lira, L.N.L. Santana, Anais do 47° Congr. Bras. Cerâm. (2003) 283. foi avaliado o efeito do teor de umidade associado ao tempo de maturação da massa sobre as propriedades de placas cerâmicas laminadas. Os resultados evidenciaram que os teores de umidade associados ao tempo de maturação influenciaram nas propriedades das placas cerâmicas. Porém, neste trabalho foi utilizado tempo de maturação pequeno (4, 8 e 12 dias) e não foi realizada uma análise estatística. No presente trabalho foi avaliado um tempo de maturação de até quatro semanas e realizada uma análise estatística para verificar a significância desta variável nas propriedades físico-mecânicas.

Além da composição e do tempo de maturação, a etapa de conformação é fundamental, uma vez que durante este processo o material adquire a forma e características estruturais pretendidas, podendo ser conformado via plástica, seca ou líquida, sendo os métodos de conformação mais comuns: prensagem1010 D. Kenfaui, D. Chateigner, M. Gomina, J.G. Noudem, J. Appl. Ceram. Technol. 8 (2011) 214.), (1111 M. Romagnoli, M. Lassinantti Gualtieri, A. F. Gualtieri, R. Šliteris, R. Kažys, G. Tari, J. Eur. Ceram. Soc. 33 (2013) 2785., slip casting1212 K. Boussois, S. Deniel, N. Tessier-Doyen, D. Chateigner, C. Dublanche-Tixier, P. Blanchart, Ceram. Int. 39 (2013) 5327. e extrusão1313 K.J. Krakowiak, P.B. Lourenço, F.J. Ulm, J. Am. Ceram. Soc. 94 (2011) 3012.; dentre estes, o processo de prensagem é bastante utilizado na cerâmica tradicional em virtude de sua elevada produtividade, fácil automatização e versatilidade, sendo possível a produção de peças de tamanhos e formas variadas. Além disso, permite a conformação de peças com baixa retração de secagem devido ao uso de baixos teores de umidade e, como consequência, apresentam estabilidade dimensional1414 A. Custódio, M. Custódio, R.P. Coreggio, M. Cargnin, Rev. Técn. Cient. 3, 1 (2012) 215.. Um parâmetro de processamento que influencia fortemente as propriedades mecânicas é a temperatura de queima. Em1515 V.J. Silva, M.F. Silva, W.P. Gonçalves, R.R. Menezes, G.A. Neves, H.L. Lira, L.N.L. Santana, Ceram. Int. 42, 14 (2016) 15471. foram produzidos blocos porosos de mulita a partir de composições contendo caulim e resíduo de alumina utilizando tratamento térmico em forno convencional em temperaturas elevadas. Foi observado que os valores de absorção de água e porosidade aparente diminuíram com o aumento da temperatura, contribuindo para uma maior densificação e aumento na resistência mecânica, que foi relacionado também com as transformações de fases, destacando-se o aumento do teor de mulita, sendo esta fase responsável pela resistência mecânica dos materiais obtidos.

Um material cerâmico à base de mulita é um dos candidatos mais adequados para aplicações refratárias1616 E. Bartonickova, P. Ptacek, T. Opravil, F. Soukal, J. Masilko, R. Novotny, J. Svec, J. Havlica, Ceram. Int. 41, 10 (2015) 14116.. A refratariedade é a propriedade que o material tem de suportar altas temperaturas sem se deformar ou fundir. Dentre as diversas aplicações da mulita em materiais refratários, destacam-se: cadinhos, peças de isolamentos térmicos, revestimentos de fornos e reatores (para altas temperaturas), matriz e reforço de material compósito, componentes de motores de turbina, vedação elástica em altas temperaturas, catalisadores, membranas de filtração, acessórios para aeronaves espaciais e materiais leves, entre outras1717 J. Wu, H. Lin, J. Li, X. Zhan, J. Li, Adv. Eng. Mater. 12, 1-2 (2010) 71.), (1818 A.K. Singh, R. Sarkar, Ceram. Int. 42, 11 (2016) 12937.. Diante desse contexto, este trabalho teve como objetivo avaliar o efeito da composição, tempo de maturação e da temperatura nas propriedades físico-mecânicas de peças cerâmicas obtidas a partir de formulações à base de argilas para uso na fabricação de materiais refratários mulíticos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizados: caulim da empresa Rocha Minérios, localizada no município de Juazeirinho, PB, denominada de argila A; ball clay da indústria Armil Mineração do Nordeste, localizada em Parelhas, RN, sendo oriunda do município de Oeiras, PI, denominada de argila B; bentonita, argila bentonítica natural, policatiônica, proveniente do município de Cubati, PB, denominada de argila C. A caracterização foi efetuada utilizando: análise granulométrica por difração de laser (AG) em um granulômetro Cilas, 1064 LD; análise química por fluorescência de raios X em equipamento EDX720 Shimadzu; difração de raios X (DRX) com difratômetro XRD6000 Shimadzu, com radiação CuKα (40 kV, 30 mA) e velocidade do goniômetro de 2 º/min e passo de 0,02º, com varredura de 5º a 60º; análise térmica diferencial (ATD, RB-300, BP Engenharia), com taxa de aquecimento de 12,5 ºC/min e temperatura máxima de 1000 ºC; e análise termogravimétrica (TG, sistema de análises térmicas TA 60H Shimadzu). Para todas as análises, as amostras apresentaram granulometria inferior à peneira ABNT no 200 (0,074 mm). O valor aproximado do ponto de fusão incongruente das amostras foi calculado a partir da composição química por EDX utilizando a fórmula de Schuen1919 P. Souza Santos, Ciência e tecnologia de argilas, 2a Ed., Edgar Blücher, S. Paulo (1992)., sendo:

T e m e p r a t u r a   d e   f u s ã o   =   360   +   A l 2 O 3   -   R O 0 , 228   e m   º C (A)

onde, Al2O3 é dada pela razão entre o teor de alumina e a soma de teores de alumina e sílica, e RO é a soma dos teores dos outros óxidos (em base calcinada, desconsiderando a fração da perda ao fogo). O valor obtido é aproximadamente igual à refratariedade ou cone pirométrico Orton equivalente da argila, que é definida pela norma ABNT NBR ISO 5282020 Assoc. Brasil Normas Téc., NBR ISO 528., “Produtos refratários - determinação do cone pirométrico equivalente (refratariedade)”, Rio de Janeiro (2014).. O valor de cone pirométrico é adimensional e cada temperatura de fusão corresponde a um cone1919 P. Souza Santos, Ciência e tecnologia de argilas, 2a Ed., Edgar Blücher, S. Paulo (1992)..

Após a etapa de caracterização, foram formuladas duas composições a partir das matérias-primas, procurando-se estabelecer uma proporção de argilas que favorecesse a trabalhabilidade das massas, conforme Tabela I . Em seguida, as massas cerâmicas com teores de umidade adequados para o processo de conformação por prensagem (7% segundo norma ABNT NBR 64572121 Assoc. Brasil. Normas Téc., NBR 6457, “Amostras de solo - preparação para ensaios de compactação e ensaios de caracterização”, Rio de Janeiro (2016).) ficaram em maturação pelos períodos de 1, 2, 3 e 4 semanas, com o objetivo de melhorar a homogeneização da umidade na massa. Os corpos de prova foram conformados pelo processo de prensagem com pressão aplicada de 20,0 MPa por 20 s. Após esta etapa, os corpos de prova foram secos em estufa a 110 ºC por 24 h e, em seguida, submetidos ao processo de queima nas temperaturas de 1200, 1300 e 1400 ºC, com taxa de aquecimento de 5 ºC/min e com permanência de 60 min na temperatura máxima de queima.

Tabela I -
Composição das massas cerâmicas utilizadas.
Table I -
Composition of the ceramic masses used.

Após a etapa de queima, os corpos de prova foram submetidos aos ensaios físico-mecânicos, determinando-se: absorção de água (segundo o princípio de Arquimedes), retração linear de queima e resistência à flexão em três pontos. Para cada ensaio físico-mecânico realizado, foi feita a análise estatística utilizando-se um delineamento inteiramente casualizado em esquema fatorial 4x3 (tempo de maturação: 1, 2, 3 e 4 semanas; e temperatura: 1200, 1300 e 1400 ºC) e dez repetições usando o software estatístico Assistat 7.72222 F.A. Silva, C.A.V. Azevedo, in World Congr. Comput. Agric., 7, Am. Soc. Agric. Biol. Eng., Reno-NV-USA (2009).. Para a comparação entre médias foi aplicado o teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade. As fases formadas e a microestrutura desenvolvida após a queima também foram investigadas por meio de: difração de raios X (DRX), microscopia eletrônica de varredura (MEV) e microscopia eletrônica de transmissão (MET). Para o MEV e MET, foi realizado o tratamento com ácido fluorídrico (HF) a 40% por 10 min, a fim remover a fase vítrea, para posterior análise da morfologia dos cristais de mulita. A caracterização morfológica por MEV foi realizada utilizando um microscópio FEI Quanta 200 FEG, com tensão de 20 kV e ampliação de 60000x, e por MET em um microscópio FEI Morgagni 268D, com tensão de 50 kV e ampliação de até 180000x. Esta técnica foi empregada com o intuito de investigar a morfologia e os tamanhos de partículas das amostras. Os diâmetros das agulhas de mulita foram mensurados através da utilização do programa ImageJ a partir das imagens de obtidas por MET.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização das matérias-primas

Na Tabela II estão relacionados os valores das frações acumuladas abaixo de 2 μm, entre 2 e 20 μm e superior a 20 μm, assim como os valores do diâmetro médio das partículas. A argila A apresentou maior diâmetro médio de partículas (5,58 μm) e a argila C o menor diâmetro de 2,30 µm. Também foi possível observar teor elevado (63,16%) de partículas abaixo de 2 μm (comumente denominado fração argila) para a argila C e menor para argila B (30,00%). No que se refere à faixa de diâmetro de partículas entre 2 e 20 µm, a argila B apresentou maior teor (70,00%) e a argila C a menor fração (36,84%). Em2323 R. Oliveira, A.R. Studart, R. G. Pileggi, V.C. Pandolfelli, Dispersão e empacotamento de partículas, princípios e aplicações em processamento cerâmico, Fazendo Arte Ed., S. Paulo (2000). afirma-se que pós finos apresentam forte tendência à aglomeração, com isso na faixa entre 2 e 20 µm pode conter parte argilosa, ou seja, frações grosseiras podem conter aglomerados da própria argila. A distribuição granulométrica tem grande influência no empacotamento de partículas a verde e na sinterização do produto queimado. Comparando os resultados da distribuição do tamanho de partículas da argila C com argilas bentoníticas de Boa Vista-PB2424 J.M.R. Costa, I.A. Silva, H.S. Ferreira, R.R. Menezes, G.A. Neves, H.C. Ferreira, Cerâmica 58 (2012) 419., Pedra Lavrada-PB2525 I.A. Silva, J.M.R. Costa, R. R. Menezes, H.S. Ferreira, G.A. Neves, H.C. Ferreira, Rev. Esc. Minas 66, 4 (2013) 485. e Sossego-PB2626 I.D.S. Pereira, I.A. Silva, J.M. Cartaxo, R.R. Menezes, L.N.L. Santana, G.A. Neves, H.C. Ferreira, Cerâmica 60, 354 (2014) 223., verificou-se que a argila em estudo apresentou maior quantidade de partículas finas. Conforme2727 C.Y. Chen, W.H. Tuan, Ceram. Int. 27, 7 (2001) 795., quanto menor o tamanho de partícula, maior é a área superficial, sendo esse um fator importante para o aumento da reatividade entre as partículas, acelerando a cinética das reações e favorecendo o processo de difusão que dita as transformações de fase.

Tabela II -
Frações granulométricas (%) por tamanho de partículas das matérias-primas.
Table II -
Grain size fractions (%) by particle sizes of raw materials.

Os dados da composição química das matérias-primas estão relacionados na Tabela III. Os principais óxidos foram SiO2, Al2O3, Fe2O3, K2O e MgO, ao passo que CaO e TiO2 estavam presentes apenas em pequenas quantidades. Verificou-se que a quantidade de SiO2 (média de 49,0%) indicou a presença de argilominerais, tais como caulinita e mica, bem como a presença de quartzo livre na amostra. A quantidade de Al2O3 foi relacionada à caulinita, apresentando elevados teores (média de 32,0%) que tende a aumentar a refratariedade da massa argilosa. A razão das frações de alumina e sílica (Al2O3/SiO2) variou de 0,50 para a argila B e 0,86 para a argila A, cujos resultados foram de acordo com os obtidos na literatura66 G. Lecomte-Nana, A. Mokrani, N. Tessier-Doyen, H. Boussois, H. Goure-Doubi, Ceram. Int. 39, 8 (2013) 9047.), (2828 I.K. Oikonomopoulos, M. Perraki, N. Tougiannidis, T. Perraki, H.U. Kasper, M. Gurk, Appl. Clay Sci. 103 (2015) 1.. Quanto aos óxidos alcalinos (K2O e Na2O) e alcalinos terrosos (MgO e CaO), observou-se que a argila B apresentou uma quantidade mais elevada de K2O (3,97%) e a argila C de MgO (2,45%)2929 S. Mahmoudi, A. Bennour, A. Meguebli, E. Srasra, F. Zargouni, Appl. Clay Sci. 127-128 (2016) 78.. A principal função dos álcalis presentes nas amostras é atuar como fundentes, contribuindo para formação de fase vítrea e diminuir a sua refratariedade. Observou-se que a argila A apresentou baixo teor de óxido de ferro (Fe2O3), 0,46%, e teores mais elevados de 2,58% para a argila B e 6,40% para a argila C. Logo, os produtos de queima destas argilas, provavelmente, apresentam cores claras, devido ao baixo teor de Fe2O33030 A.N. Nzeukou, N. Fagel, B.K.A. Njoya, V.R.E. Medjo, U.C. Melo, Appl. Clay Sci. 83-84 (2013) 238.. Os valores de perda ao rubro (PR) variaram entre 7,77 e 13,27% para as argilas B e A, respectivamente, que representaram a perda de água livre, adsorvida, coordenada e perda das hidroxilas dos argilominerais. Os resultados evidenciaram que as argilas possuíram composição química típica de argilas de cerâmica técnica, e valores similares foram observados em outros estudos22 A.H. Aza, X. Turrillas, M.A. Rodriguez, T. Duran, P. Pen, J. Eur. Ceram. Soc. 34, 5 (2014) 1409.), (2929 S. Mahmoudi, A. Bennour, A. Meguebli, E. Srasra, F. Zargouni, Appl. Clay Sci. 127-128 (2016) 78.. Além disso, a argila B apresentou composição química similar às argilas plásticas do tipo ball clay do município de Oeiras no Piauí1919 P. Souza Santos, Ciência e tecnologia de argilas, 2a Ed., Edgar Blücher, S. Paulo (1992)., sendo diferente das ball clays clássicas, visto que o teor de K2O foi elevado.

Tabela III -
Composição química (% em massa) das matérias-primas.
Table III -
Chemical composition (wt%) of the raw materials.

Na Fig. 1 estão apresentados os difratogramas de raios X das argilas A, B e C. Observou-se nas amostras das argilas A e B a presença predominantemente de caulinita (JCPDS 78-2110) e, em menor quantidade, por mica (JCPDS 83-1808) e quartzo (JCPDS 46-1045) como fases cristalinas. A argila B apresentou ainda picos característicos de feldspato (JCPDS 89-8575). Por outro lado, a argila C apresentou picos de esmectita (JCPDS 13-0135), caulinita (JCPDS 79-1570) e quartzo (JCPDS 46-1045). Pôde-se verificar que o Fe2O3 presente na argila C (Tabela III) estava relacionado ao ferro presente na estrutura cristalina do argilomineral do grupo da esmectita, já que não foi observada a presença de goetita, ilita ou outras fases que poderiam ser fontes de óxidos e hidróxidos de ferro. O deslocamento do pico referente ao argilomineral esmectítico foi confirmado após saturação com etilenoglicol, com o aumento da distância interplanar basal de 15 para 17 Å. Os picos característicos dos argilominerais encontrados nas argilas A, B e C foram compatíveis com outros trabalhos22 A.H. Aza, X. Turrillas, M.A. Rodriguez, T. Duran, P. Pen, J. Eur. Ceram. Soc. 34, 5 (2014) 1409.), (66 G. Lecomte-Nana, A. Mokrani, N. Tessier-Doyen, H. Boussois, H. Goure-Doubi, Ceram. Int. 39, 8 (2013) 9047.), (3131 R.R. Menezes, G.A. Neves, H.C. Ferreira, Rev. Eletr. Mater. Proc. 9, 3 (2014) 118..

Figura 1:
Difratogramas de raios X das argilas.
Figure 1:
X-ray diffraction patterns of the clays.

Na Fig. 2 estão apresentadas, simultaneamente, as curvas das análises termodiferenciais (ATD) e termogravimétricas (TG) das amostras analisadas. Pela curva de ATD da argila A, pôde-se observar: um pequeno pico endotérmico com máximo em 92 ºC, caracterizando a presença de água livre; um intenso pico endotérmico a aproximadamente 601 ºC, que foi relacionado à presença de hidroxilas da folha octaédrica; e pico exotérmico com máximo em 975 ºC, característico da nucleação da mulita. De acordo com a curva de ATD da argila B, foram observadas as seguintes transformações térmicas: pico endotérmico com máximo em 108 ºC, característico da presença de água livre; um pico endotérmico a aproximadamente 586 ºC, característico da presença de hidroxilas da folha octaédrica; e pico exotérmico com máximo em 987 ºC, característico da nucleação da mulita. Analisando a curva de ATD da argila C, pôde-se observar: um grande pico endotérmico com máximo em 135 ºC, caracterizando presença de água livre e adsorvida; uma pequena banda endotérmica em torno de 150 ºC, caracterizando presença de água coordenada; pico endotérmico com máximo em 578 ºC caracterizando presença de hidroxilas da folha octaédrica; e pico exotérmico com máximo em 930 ºC característico da nucleação da mulita oriunda de quartzo-β da estrutura amorfa previamente criada. Mediante análise das curvas de TG das argilas A, B e C, observou-se que a perda total de massa foi de 16,13, 10,87 e 23,12%, respectivamente, correspondente às perdas de águas e hidroxilas dos argilominerais. Transformações térmicas semelhantes também foram observadas em3232 M. Issaoui, L. Limousy, B. Lebeau, J. Bouaziz, M. Fourati, C. R. Chim. 19 (2016) 496.), (3333 N. Garg, J. Skibsted, Cem. Concr. Res. 79 (2016) 101..

Figura 2:
Curvas de análise térmica diferencial e termogravimétrica das argilas.
Figure 2:
Differential thermal analysis and thermogravimetry curves of the clays.

Caracterização das massas cerâmicas

Na Tabela IV estão apresentados os resultados das análises granulométricas por difração a laser das massas cerâmicas formuladas. Verificou-se que as massas apresentaram distribuições granulométricas semelhantes; o diâmetro médio das partículas foi de 5,50 μm para a formulação F1 e de 5,27 μm para a formulação F2. Também foi possível observar um elevado percentual de volume acumulado com diâmetro médio abaixo de 2 μm, equivalente a 36,45% para a formulação F1, correspondente à fração argila, e de 37,20% para a formulação F2. No que se refere ao volume acumulado de diâmetro de partículas entre 2 e 20 μm, para ambas as formulações foi em torno de 59%.

Tabela IV -
Frações granulométricas (%) por tamanho de partículas das formulações.
Table IV -
Grain size fractions (%) by particle size of the formulations.

Na Tabela V estão apresentados os dados da composição química das massas cerâmicas formuladas. Observou-se que a quantidade de óxido de silício (SiO2) foi de 45,05% e 44,62% para as formulações F1 e F2, respectivamente. No que diz respeito ao teor de Al2O3 pôde-se observar que a formulação F2 mostrou a maior percentagem, favorecendo a maior relação de Al2O3/SiO2 que foi de 0,86; para a formulação F1 essa relação foi de 0,84. Observou-se pequeno teor de Fe2O3 nas massas que correspondeu a 0,62% para a formulação F1 e 0,78% para a formulação F2. Ambas as formulações apresentaram K2O e MgO na sua composição; estes podem atuar como fundente durante o processo de síntese, que favorece a formação da fase líquida, facilitando a difusão de íons de alumínio, beneficiando a nucleação e o crescimento da fase mulita3434 L.N.L. Santana, J. Gomes, G.A. Neves, H.L. Lira, R.R. Menezes, A.M. Segadães, Appl. Clay Sci. 87 (2014) 28.), (3535 W.P. Gonçalves, V.J. Silva, J. Gomes, R.R. Menezes, G.A. Neves, H.C. Ferreira, L.N.L. Santana, Cerâmica 60 (2014) 316.. Verificou-se que as amostras apresentaram PR de 14,23 e 13,87% para as formulações F1 e F2, respectivamente, o que foi relacionada às perdas de águas e hidroxilas dos argilominerais.

Tabela V -
Composição química (% em massa) das formulações.
Table V -
Chemical composition (wt%) of the formulations.

Tabela VI -
Ponto de fusão incongruente aproximado e cone pirométrico equivalente das massas cerâmicas formuladas.
Table VI -
Approximate incongruent melting point and pyrometric cone equivalent of the formulated ceramic samples.

A partir da composição química das massas cerâmicas formuladas (Tabela V) e da fórmula de Shuen foi calculado o ponto de fusão incongruente aproximado que está apresentado na Tabela VI; na mesma tabela também estão contidos os valores do cone pirométrico (CO) equivalente ou refratariedade. Analisando os valores do cone pirométrico, observou-se que as formulações apresentaram aproximadamente refratariedade de CO 34 (1763 ºC). A refratariedade mínima, ou cone pirométrico mínimo, para que um material possa ser considerado refratário corresponde a CO 15 (1435 ºC). Logo, essas composições possuíram elevada refratariedade, sendo consideradas como silicoaluminosas refratárias.

Caracterização das amostras tratadas termicamente

Os difratogramas de raios X da evolução mineralógica das amostras referente às formulações F1 e F2, com tempo de maturação de uma semana, após tratamento térmico de 1200, 1300 e 1400 ºC estão apresentados na Fig. 3. Os resultados para os outros tempos de maturação não são apresentados, pois as amostras referentes às formulações F1 e F2 apresentaram comportamentos semelhantes. Observou-se para todas as amostras a presença das seguintes fases mineralógicas: mulita (JCPDS 79-1276), cristobalita (JCPDS 82-0512) e quartzo (JCPDS 46-1045), com predominância dos picos de mulita. Verificou-se também a presença de uma pequena banda, em 2θ variando de 15 a 30º, principalmente em 1200 ºC, característica da presença de material amorfo, ou seja, fase vítrea devido ao excesso de SiO2, como reportado na literatura1515 V.J. Silva, M.F. Silva, W.P. Gonçalves, R.R. Menezes, G.A. Neves, H.L. Lira, L.N.L. Santana, Ceram. Int. 42, 14 (2016) 15471.), (3535 W.P. Gonçalves, V.J. Silva, J. Gomes, R.R. Menezes, G.A. Neves, H.C. Ferreira, L.N.L. Santana, Cerâmica 60 (2014) 316.), (3636 C.J. McConville, W.E. Lee, J. Am. Ceram. Soc. 88, 8 (2005) 2267.. Nas formulações F1 e F2, pôde-se observar um pico de cristobalita caracterizado pela distância interplanar de 4,04 Å. Para a formulação F1, observou-se que houve intensificação desse pico com o aumento da temperatura de 1200 para 1300 ºC. Segundo3737 H. Cheng, L. Qinfu, J. Yang, S. Ma, R.L. Geada, Thermoch. Acta 545 (2012) 1., forma-se cristobalita devido ao excesso de sílica a partir de 1000 ºC. Em11 M.V.M. Magliano, V.C. Pandolfelli, Cerâmica 56 (2010) 368. explica-se em termos da cinética da reação que a mistura de alumina e sílica gera picos de cristobalita em amostras aquecidas por volta de 1200 ºC devido à cristalização da sílica amorfa. Em 1400 ºC observou-se redução na intensidade desses picos, indicando que ocorreu difusão na cristobalita, formando sílica amorfa; esta por sua vez reagiu com a alumina para formação da mulita11 M.V.M. Magliano, V.C. Pandolfelli, Cerâmica 56 (2010) 368.), (3838 P.C. Yu, Y.W. Tsai, F.S. Yen, W.P. Yang, C.L. Huang, J. Eur. Ceram. Soc. 35 (2015) 673.. A formulação F2, em 1200 e 1400 ºC, apresentou pico de cristobalita mais intenso quando comparado com a formulação F1. Fazendo uma correlação com a composição química, observou-se que a formulação F2 apresentou maior teor de óxidos fundentes; com o aumento da temperatura pode ter acelerado o processo de nucleação da cristobalita, provocando possivelmente o surgimento de uma grande quantidade de fase líquida de baixa viscosidade. Com o aumento da temperatura percebeu-se que os picos de mulita se intensificaram e os de quartzo diminuíram de intensidade, comportamento este observado nas duas formulações, o que pode estar relacionado com a maior interação entre alumina e sílica.

Figura 3:
Difratogramas de raios X das amostras após tratamento térmico a 1200, 1300 e 1400 ºC, com tempo de maturação de uma semana para as formulações F1 (a) e F2 (b).
Figure 3:
X-ray diffraction patterns of the samples after heat treatment at 1200, 1300 and 1400 ºC, with maturation of one week for formulations F1 (a) and F2 (b).

Na Fig. 4 estão apresentadas as micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura (MEV) da formulação F1, com tempo de maturação de uma semana, após tratamento térmico a 1200 e 1400 °C. Pôde-se observar que o tratamento a 1200 ºC proporcionou uma microestrutura caracterizada pela formação de pequenas agulhas de mulita, provavelmente mulita primária, pois segundo alguns pesquisadores3636 C.J. McConville, W.E. Lee, J. Am. Ceram. Soc. 88, 8 (2005) 2267.), (3939 S. Lee, Y.J. Kim, H. Moon, J. Am. Ceram. Soc. 82, 10 (1999) 2841.), (4040 W.E. Lee, G. P. Souza, C.J. Mcconville, T. Tarvornpanich, Y. Iqbal, J. Eur. Ceram. Soc. 28, 2 (2008) 465.), (4141 S. Deniel, N. Tessier-Doyen, C. Dublanche-Tixier, D. Chateigner, P. Blanchart, J. Eur. Ceram. Soc. 30 (2010) 2427. essa é a fase característica dessa faixa de temperatura quando argilas são submetidas a tratamentos térmicos. Com o aumento da temperatura para 1400 °C observou-se a presença de cristais de mulita com maiores dimensões, que foi caracterizada pelo crescimento dos grãos anteriormente formados, tornando-os mais alongados, mantendo a forma do tipo agulhas, provavelmente de mulita secundária. A formação da mulita secundária ocorre da fase líquida transitória, onde acontece a precipitação dos cristais. Além disso, nas micrografias foi perceptível a presença de algumas partículas dispersas provavelmente de quartzo e também de fase vítrea. Não foi observada tendência de alinhamento preferencial, e sim uma estrutura com orientação planar e o entrelaçamento destas agulhas, que é típica do processo de prensagem, o que já era esperado, visto que essas micrografias representam os arranjos de grãos no plano perpendicular ao eixo da pressão aplicada durante a prensagem. Resultados similares foram obtidos em4242 F. Gridi-Bennadji, D. Chateigner, G. Di Vita, P. Blanchart, J. Eur. Ceram. Soc. 29 (2009) 2177., obtendo-se uma textura planar perpendicular ao eixo da pressão aplicada. De acordo com11 M.V.M. Magliano, V.C. Pandolfelli, Cerâmica 56 (2010) 368., as impurezas quando em solução na estrutura de cristal de mulita reduzem a energia de superfície em algumas direções do cristal, conduzindo a um crescimento preferencial em outras direções, resultando na formação de grãos alongados. Portanto, quanto maior a solubilidade de impurezas na mulita mais acicular é o formato cristal. Em4343 D.H. Piva, R.H. Piva, J. Venturini, M.R. Morelli, C.P. Bergmann, Cerâmica 61, 359 (2015) 374. ainda se relata que menores viscosidades da fase líquida aumentam a difusão das espécies envolvidas na cristalização da mulita e, consequentemente, atenuam o crescimento do cristal. Em4444 Y.F. Chen, M.C. Wang, M.H. Hon, J. Eur. Ceram. Soc. 24 (2004) 2389. acrescenta-se que o contínuo crescimento do tamanho dos grãos com o aumento da temperatura indica a possibilidade de transformação da mulita primária em mulita secundária.

Figura 4:
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura da formulação F1, com tempo de maturação de uma semana, após tratamento térmico a 1200 °C (a) e 1400 °C (b) (M - mulita, Q - quartzo).
Figure 4:
SEM micrographs of F1 formulation with one week maturation and heat treated at 1200 °C (a) and 1400 °C (b) (M - mullite, Q - quartz).

Tabela VII -
Dimensões das agulhas de mulita.
Table VII -
Dimensions of mullite needles.

Na Fig. 5 estão apresentadas as micrografias obtidas por microscopia eletrônica de transmissão (MET) da formulação F1, com tempo de maturação de uma semana, após tratamento térmico a 1200 e 1400 °C. Observaram-se mulitas primária e secundária na forma acicular, crescendo com o aumento da temperatura resultando na formação de ligações fortes em estrutura com propriedades refratárias que melhoraram as propriedades mecânicas. Determinou-se o comprimento (L) e diâmetro (D) médio das agulhas de mulita identificadas, obtendo-se o valor médio para a razão de aspecto (RA=L/D), que estão apresentados na Tabela VII. As agulhas de mulita apresentaram uma estrutura com orientação planar, observando-se seu entrelaçamento e cristais com tamanho variando de 0,14 a 0,35 µm. Para um material ser considerado nanométrico, no caso da mulita na forma de agulhas, o diâmetro dessas agulhas tem que ser menor ou igual a 100 nm. De acordo com o exposto, considerou-se que o material em estudo foi nanométrico devido ao diâmetro das agulhas ser menor do que 100 nm. As formas, dimensões e razões de aspecto estão alinhadas com as reportadas na literatura4545 J. Cao, X. Dong, L. Li, Y. Dong, S. Hampshire, J. Eur. Ceram. Soc. 34 (2014) 3181..

Figura 5:
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de transmissão da formulação F1, com tempo de maturação de uma semana, após tratamento térmico a 1200 °C (a) e 1400 °C (b).
Figure 5:
TEM micrographs of F1 formulation with one week maturation and heat treated at 1200 °C (a) and 1400 °C (b).

Na Tabela VIII estão contidos os valores médios de absorção de água em função da temperatura e do tempo de maturação para as formulações F1 e F2. Para a formulação F1, observou-se que a amostra da 2a semana apresentou maior absorção de água com temperatura de 1200 °C, correspondente a 15,1%. Para 1300 °C, a amostra da 4a semana apresentou menor absorção de água (4,4%). Já em 1400 °C, não houve influência estatisticamente significativa do tempo de maturação e os valores variaram de 0,09 a 0,20%. Para a formulação F2, observou-se que as amostras da 2a semana apresentaram menor absorção de água nas temperaturas de 1200 e 1300 °C, correspondente a 12,9 e 6,8%, respectivamente. Já para 1400 °C, as amostras da 1a, 2a e 4a semanas apresentaram menor absorção, não havendo diferenças significativas. Verificou-se que a formulação F2, apesar de conter maior quantidade de óxidos fundentes (Fe2O3, K2O, CaO e MgO), apresentou maior absorção de água quando comparada com a formulação F1. Isto pode ter ocorrido devido à formulação F1 conter maior quantidade de K2O (óxido alcalino), que é um dos principais responsáveis pela formação de fase vítrea. Em temperaturas superiores a 1000 °C ocorreu uma reação deste óxido com o SiO2 proveniente da decomposição dos argilominerais formando fase líquida que promoveu, por ação de força de capilaridade, a densificação do materia4646 C.M.F. Vieira, S.N. Monteiro, J.D. Filho, Cerâm. Ind. 6, 6 (2001) 43..Na Tabela IX estão contidos os valores médios de retração linear de queima em função da temperatura e tempo de maturação para as formulações F1 e F2. Para a formulação F1, observou-se em 1200 °C que a retração variou de 7,8 a 9,5%. Em 1300 °C a variação foi de 12,4 a 12,6% para 1a, 2a e 3a semanas; já a 4a semana apresentou maior retração linear de queima correspondente a 13,6%. Em 1400 °C a variação foi de 15,8 a 16,2%, não sendo observadas diferenças significativas para esta temperatura. Para a formulação F2, observou-se que a amostra da 2ª semana apresentou maior retração linear de queima em 1200 °C (9,0%). Entretanto, em 1300 e 1400 °C, não houve influência estatisticamente significativa do tempo de maturação. De forma geral, a formulação F1 apresentou maior média geral de retração (12,5%) do que a formulação F2 (11,9%).

Tabela VIII -
Valores médios de absorção de água (%) em função da temperatura e tempo de maturação (tm).
Table VIII -
Average water absorption values (%) according to temperature and maturation time (tm).
Tabela IX -
Valores médios de retração linear de queima (%) em função da temperatura e tempo de maturação (tm).
Table IX -
Averages values of linear firing shrinkage (%) according to temperature and maturation time (tm).

Na Tabela X estão contidos os valores médios de tensão de ruptura à flexão em função da temperatura e tempo de maturação para as formulações F1 e F2. Para a formulação F1, observou-se que em 1200 °C não houve diferenças estatisticamente significativas entre as amostras da 1a, 3a e 4a semanas, com valores variando de 36,8 a 43,1 MPa, observando uma menor tensão de ruptura para a 2a semana (31,5 MPa). Já em 1300 e 1400 °C as amostras das 3ª e 4ª semanas conduziram maior tensão de ruptura, havendo influência do tempo de maturação dos corpos de prova. Diante do exposto, observou-se que a melhor tensão de ruptura foi de 101,2 MPa alcançada na 4ª semana, submetida a 1400 ºC. Este resultado pode estar relacionado com a cinética de reação, ou seja, uma maior temperatura favoreceu a formação de maior quantidade de mulita, cuja fase é responsável pela resistência mecânica de peças cerâmicas à base de argila, quando submetidas a elevadas temperaturas3434 L.N.L. Santana, J. Gomes, G.A. Neves, H.L. Lira, R.R. Menezes, A.M. Segadães, Appl. Clay Sci. 87 (2014) 28.. Entretanto, de acordo com a formulação F2, verificou-se que não foram observadas diferenças significativas para as variações entre os valores de tempo de maturação para 1200 ºC. Para 1300 e 1400 ºC as amostras da 1ª semana apresentaram maior resistência mecânica, variando de 61,5 a 78,5 MPa, respectivamente. Assim como citado na literatura88 F.G. Bell, Eng. Geology 42 (1996) 223.), (99 J.B. Azevedo, I.F. Leite, V.M. Sudério, G.A. Neves, H.L. Lira, L.N.L. Santana, Anais do 47° Congr. Bras. Cerâm. (2003) 283., o tempo de maturação teve influência nas propriedades físico-mecânicas. Entretanto, não foi detectado um padrão na influência, sendo distintos os resultados quando associados às outras variáveis. Comparando os resultados das formulações F1 e F2, observou-se que a formulação F1 apresentou maior resistência mecânica, o que condiz com os resultados de absorção de água, pois esta foi a que apresentou menores valores, provavelmente por ter menor quantidade de poros, que são concentradores de tensão. Observando a Fig. 3, a formulação F1 apresentou picos de mulita com maior intensidade do que a formulação F2, provavelmente devido à maior quantidade formada. Segundo alguns autores11 M.V.M. Magliano, V.C. Pandolfelli, Cerâmica 56 (2010) 368.), (4444 Y.F. Chen, M.C. Wang, M.H. Hon, J. Eur. Ceram. Soc. 24 (2004) 2389.), (4747 L. Carbajal, F. Rubio-Marcos, M.A. Bengochea, J.F. Fernandez, J. Eur. Ceram. Soc. 27 (2007) 4065., esta fase é responsável pela resistência mecânica dos materiais obtidos a partir de argilas. Conforme também observado na Fig. 3, a formulação F2 apresentou picos de cristobalita com maiores intensidades, provavelmente esta fase atuou como inclusões, que podem comprometer as propriedades mecânicas4848 J.J. Liang, Q.H. Lin, X. Zhang, T. Jin, Y.Z. Zhou, X.F. Sun, B.G. Choi, I.S. Kim, J.H. Do, C.Y. Jo, J. Mater. Sci. Techn. 33, 2 (2017) 204..

Tabela X -
Valores médios de tensão de ruptura à flexão (MPa) em função da temperatura e tempo de maturação (tm).
Table X -
Average flexural breaking stress values (MPa) versus temperature and maturation time (tm).

CONCLUSÕES

As argilas A e B foram compostas predominantemente de caulinita e, em menor quantidade, por mica e quartzo; a argila B apresentou ainda o feldspato. Já a argila C apresentou esmectita, caulinita e quartzo. As formulações em estudo apresentaram após queima quartzo, cristobalita e mulita como fase majoritária. Em termos de propriedades físico-mecânicas, todos os fatores estudados (composição, tempo de maturação e temperatura de queima) conduziram influência significativa estatisticamente para as duas formulações (F1: 90% de argila A e 10% de argila B; e F2: 90% de argila A e 10% de argila C). No que se refere à composição, a formulação F1 apresentou maior resistência mecânica. Para o fator tempo de maturação não foi identificado um comportamento padrão entre os resultados dos ensaios para as duas formulações. Já o fator temperatura de queima foi o que gerou maior alteração nos resultados, com efeito mais significativo da temperatura mais alta (1400 °C) para obtenção dos melhores resultados, além da elevada refratariedade. Portanto, diante dos resultados obtidos verificou-se que a composição química e granulometria das argilas, assim como as variáveis de processamento, influenciaram sobre as propriedades físico-mecânicas. Os valores de refratariedade e resistência mecânica sugerem o uso em algumas aplicações de produtos cerâmicos refratários, podendo-se destacar: tijolos refratários, revestimentos de fornos e cadinhos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES e ao CNPq (309646/2013-8) pelo apoio financeiro. Nossos agradecimentos também ao CETENE (Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste) pela realização da caracterização microestrutural.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2016
  • Revisado
    14 Dez 2016
  • Aceito
    16 Mar 2017
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