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Efeito da temperatura de sinterização e da adição de fibras poliméricas em cerâmica porosa obtida a partir de resíduos do processo Kraft

Effect of sintering temperature and polymeric fiber addition on porous ceramics obtained from residues of Kraft process

Resumo

O processo Kraft gera resíduos que podem ser aplicados em diversos processos produtivos, substituindo matérias-primas comerciais, como lama de cal e areia, ricos em carbonato de cálcio e sílica, respectivamente. Neste trabalho foi realizado um estudo para obtenção de cerâmicas porosas a partir da valorização desses resíduos, utilizando-se fibras poliméricas para a interconectividade dos poros. Conforme NBR 10004, os resíduos classificaram-se como não perigosos e inertes (classe II-B). Variaram-se três teores de fibras (12, 20 e 28 vol%) e três temperaturas de queima (1100, 1130 e 1160 ºC). As cerâmicas porosas confeccionadas apresentaram porosidade total de 39% a 53%, resistência à compressão de 15 a 52 MPa e tamanho médio de poros de 2,0 a 7,5 µm. Classificaram-se como cerâmicas para microfiltração, abrangendo filtração de água e gases quentes (aerossóis). A formulação com teor de 28 vol% de fibras e sinterizada a 1160 ºC apresentou melhor relação porosidade/resistência mecânica.

Palavras-chave:
cerâmicas porosas; valorização de resíduos; fibras; porosidade

Abstract

The Kraft process generates several wastes that can be applied in various production processes, replacing commercial raw materials, like lime mud and sand, riches in calcium carbonate and silica, respectively. In this work, a study was carried out to obtain porous ceramics from the valorization of such waste, using polymeric fibers to promote the interconnectivity of pores. According to NBR 10004, the wastes were classified as non-hazardous and inert waste (class II-B). Three fiber contents (12, 20 and 28 vol%) and three different firing temperatures (1100, 1130 and 1160 °C) were tested. The porous ceramics showed a total porosity of 39% to 53%, compressive strength of 15 to 52 MPa, and average pore size of 2.0 to 7.5 μm. They were classified as microfiltration ceramics for the filtration of water and hot gases (aerosols). The formulation with a content of 28 vol% of fibers and sintered at 1160 °C showed the better porosity/compressive strength relation.

Keywords:
porous ceramics; waste valorization; fibers; porosity

INTRODUÇÃO

O Brasil em 2016 consolidou-se na segunda posição entre os países produtores de celulose, subindo duas posições no ranking em comparação com o ano de 2015, e ocupa a oitava posição dentre os países produtores de papel 11 A. Ibá, Indústria brasileira de árvores, 4ª ed., IBÁ, Brasília (2017).. O processo de obtenção de celulose mais utilizado atualmente no país é o método químico Kraft, que corresponde a cerca de 95% do total de celulose extraída da madeira 22 H.M. Reis, R.J. Silva, J.C.F. Macedo, Blucher Chem. Eng. Proc. 1, 2 (2015) 14594.. A indústria de papel e celulose é dependente de recursos naturais, como fibras vegetais, energia e água, e é um expressivo gerador de resíduos, considerado o terceiro maior poluidor industrial de água, ar e solo 33 R.K. Das, S.K. Brar, M. Verma, J. Clean. Prod. 112, 5 (2016) 4435.. Os resíduos são produzidos através do processo químico Kraft, que utiliza álcalis (NaOH e Na2S) para digestão e separação de celulose e lignina 44 R. Modolo, V.M. Ferreira, L.M. Machado, M. Rodrigues, I. Coelho, Waste Manage. 31, 2 (2011) 370.. O processo é dividido em seis etapas principais: polpação, lavagem, evaporação, combustão, clarificação e caustificação. São considerados resíduos a casca da árvore, a lama de cal, os dregs, os grits, os lodos de ETE (primário e secundário), a cinza e a areia provenientes da queima na caldeira de biomassa 55 H. Nurmesniemi, R. Pöykiö, R.L. Keiski, Waste Manage . 27, 12 (2007) 1939.. Na etapa de clarificação são formados os grits. A lama de cal e os dregs são formados na etapa de caustificação 66 R. Pöykiö , H. Nurmesniemi , T. Kuokkanen, P. Perämäki, Environ. Chem. Lett. 4 (2006) 37.. No âmbito do processo Kraft, o processo de águas residuais (ETA) gera os lodos e as unidades de geração de energia geram as cinzas e a areia 44 R. Modolo, V.M. Ferreira, L.M. Machado, M. Rodrigues, I. Coelho, Waste Manage. 31, 2 (2011) 370.. O uso racional dos recursos naturais aliado com a responsabilidade ambiental busca a valorização dos resíduos como alternativa para minimizar os impactos ambientais, possibilitando a renovação dos recursos, a produção mais limpa e os ganhos econômicos 44 R. Modolo, V.M. Ferreira, L.M. Machado, M. Rodrigues, I. Coelho, Waste Manage. 31, 2 (2011) 370.. A valorização dos resíduos representa uma opção para a destinação final, ao invés da disposição em aterros sanitários e industriais, levando em consideração suas potencialidades 77 C. Martínez, T. Cotes, F.A. Corpas, Fuel Process. Technol. 103 (2012) 117.), (88 L. Simão, J. Jiusti, N.J. Lóh, D. Hotza, F. Raupp-Pereira, J.A. Labrincha, O.R.K. Montedo, Process Saf. Environ. 109 (2017) 106.. Alguns resíduos, como a lama de cal e os grits, são ricos em carbonato de cálcio e a areia e as cinzas de biomassa ricas em sílica, enquanto que o lodo de ETE é rico em matéria orgânica 44 R. Modolo, V.M. Ferreira, L.M. Machado, M. Rodrigues, I. Coelho, Waste Manage. 31, 2 (2011) 370.), (99 J. Qin, C. Cui, C. Yang, X. Cui, B. Hu, J. Huang, J. Clean. Prod. 113 (2016) 355.)- (1212 J.A. Cusidó, L.V. Cremades, C. Soriano, M. Devant, Appl. Clay Sci. 108 (2015) 191.. Visto isso, esses resíduos apresentam potencial para substituir matérias-primas usualmente utilizadas na indústria cerâmica, reduzindo assim o custo de produção 1313 L.D. Poulikakos, C.P. Papadaskalopoulou, B. Hofko, F. Gschösser, A.C. Falchetto, M. Bueno, M. Arraigada, J. Sousa, R. Ruiz, C. Petit, M. Loizidou, M.N. Partl, Resour. Conserv. Recy. 116 (2017) 32.. Milak 1414 G.B. Milak, “Cerâmicas porosas obtidas a partir da substituição parcial de matérias-primas por resíduos da indústria de papel e celulose e utilização de fibras poliméricas para aumento de permeabilidade”, Diss. Mestr., Un. Extremo Sul Catarinense (2018). estudou estes resíduos e os classificou quanto à sua periculosidade seguindo a norma NBR 10004 1515 NBR 10004, “Resíduos sólidos - classificação”, Ass. Bras. Norm. Técn., Rio Janeiro (2004)., avaliando-se inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade. Nenhum dos resíduos analisados apresentou inflamabilidade. Os resíduos areia e lama de cal foram classificados como não corrosivo e não reativo. O ensaio de lixiviação 1616 NBR 10005, “Procedimento para obtenção de lixiviado de resíduos sólidos”, Ass. Bras. Norm. Técn., Rio Janeiro (2004). não identificou nenhum parâmetro com valor acima do especificado, caracterizando os resíduos como não tóxicos. No ensaio de solubilização 1717 NBR 10006, “Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos”, Ass. Bras. Norm. Técn., Rio Janeiro (2004)., os resíduos apresentaram resultados abaixo do valor de referência, sendo classificados como resíduo inerte. Baseado nos resultados apresentados, os resíduos estudados foram classificados como resíduo não perigoso e inerte (classe II-B).

A utilização de matérias-primas alternativas pela indústria cerâmica vem ganhando espaço. O setor cerâmico está buscando a otimização do processo industrial com o intuito de aprimorar a qualidade de seus produtos e se tornar mais competitivo nos mercados nacional e internacional. Para isso, a preocupação com a energia e o meio ambiente se torna importante 77 C. Martínez, T. Cotes, F.A. Corpas, Fuel Process. Technol. 103 (2012) 117.), (1818 A.R.G. Azevedo, J. Alexandre, G.C. Xavier, L.G. Pedroti, J. Clean. Prod. 192 (2018) 335.. Um setor da indústria cerâmica é o da produção de cerâmicas porosas, que vem apresentando grande potencial nos processos de filtração de gases quentes, refino e purificação, combustão catalítica e recuperação de vapor 1919 C. Vakifahmetoglu, D. Zeydanli, P. Colombo, Mater. Sci. Eng. R 106 (2016) 1.)- (2222 P.S. Liu, G.F. Chen, Porous materials: processing and applications, Tsinghua Un. Press (2014).. Cerâmicas porosas constituem-se componentes-chave para várias aplicações de engenharia, o que resulta em pesquisas intensas sobre novos métodos de processamento que permitam produzir peças com faixas cada vez maiores de morfologia e propriedades. Esses materiais podem ser projetados para possuir as propriedades necessárias para uma aplicação específica, através da modificação e otimização de técnicas de processamento, e podem ser adaptados para possuir as propriedades desejadas através do controle da microestrutura 1919 C. Vakifahmetoglu, D. Zeydanli, P. Colombo, Mater. Sci. Eng. R 106 (2016) 1.), (2323 E.C. Hammel, O.L.R. Ighodaro, O.I. Okoli, Ceram. Int. 40 (2014) 15351.. A aplicação potencial de cerâmica porosa não é apenas governada pela composição química da matriz cerâmica, mas também pelas características de porosidade, como distribuição de tamanho de poro, tortuosidade, área de superfície específica, porosidade aberta (interconectada) e fechada, porosidade alinhada ou graduada, onde todos são determinados pelo processo de fabricação selecionado 1919 C. Vakifahmetoglu, D. Zeydanli, P. Colombo, Mater. Sci. Eng. R 106 (2016) 1.. As aplicações de cerâmicas porosas vêm aumentando devido à combinação de suas características, tais como resistência mecânica, resistência química a ambientes agressivos, inércia térmica e elevada permeabilidade, podendo ser utilizadas como materiais filtrantes, suportes de catalizadores, trocadores de calor e isoladores térmicos 2424 A.G. Gómez-Martín, M.P. Orihuela, J.A. Bacerra, J. Martínez-Fernández, J. Ramírez-Rico, Mater. Des. 107 (2016) 450.)- (2626 D. Vasanth, G. Pugazhenthi, R. Uppaluri, J. Membr. Sci. 379, 1-2 (2011) 154.. Essas membranas são muito caras do ponto de vista técnico-econômico, devido à utilização de matérias-primas de alto valor como alumina, zircônia, titânia e sílica. O desenvolvimento de membranas cerâmicas de menor custo aparece como uma solução eficaz. Devido à compatibilidade química de alguns resíduos com matérias-primas naturais, há a possibilidade de inseri-los na matriz cerâmica, diminuindo o consumo de recursos naturais e o impacto ambiental 2727 I. Jedidi, S. Saïdi, S. Khemakhem, A. Larbot, N. Elloumi-Ammar, A. Fourati, A. Charfi, A.B. Salah, R.B. Amar, J. Hazard. Mater. 172, 1 (2009) 152.), (2828 A. Majouli, S.A. Younssi, S. Tahiri, A. Albizani, H. Loukili, M. Belhaj, Desalination 277, 1-3 (2011) 61.. Cerâmicas porosas devem aliar boa permeabilidade e resistência mecânica, dentre outros aspectos, e isso está diretamente ligado à porosidade. Uma das propriedades mais importantes da cerâmica porosa utilizada como filtro é a permeabilidade sendo fundamental na seleção do meio filtrante. A permeabilidade é dependente do tamanho e continuidade dos poros. Está associada à interação entre o meio poroso e o fluido passante, e não a uma propriedade inerente de cada um 2929 P.K. Mehta, P.J.M. Monteiro, Concrete: microstructure, properties and materials, McGraw-Hill Prof., Nova Iorque (2005).), (3030 A.E. Scheidegger, The physics of flow through porous media, Un. Toronto Press, Toronto (1974)..

A utilização de agentes conectores de poros permite a interconexão entre os poros gerados pelo agente porogênico 3131 T. Isobe, Y. Kameshima, A. Nakajima, K. Okada, Y. Hotta, J. Eur. Ceram. Soc. 27, 1 (2007) 53.. Na literatura existem exemplos em que fibras, ou combinação destas, são utilizadas como enchimentos sacrificiais para aumentar a permeabilidade de matrizes cerâmicas. Por exemplo, Corradetti et al. 3232 S. Corradetti, L. Biasetto, M.D.M. Innocentini , S. Carturan, P. Colombo , A. Andrighetto, Ceram. Int. 42, 15 (2016) 17764. utilizaram fibras poliméricas, nylon 6,6 e polipropileno, com o objetivo de produzir canais interconectores capazes de melhorar as constantes de permeabilidade dos materiais produzidos, mantendo alta integridade mecânica. Desta forma, este trabalho estudou a influência do teor de fibras poliméricas na permeabilidade e resistência mecânica de cerâmicas porosas obtidas a partir de resíduos da indústria de papel e celulose. Os resíduos utilizados foram a lama de cal, que atua como agente porogênico, e areia, que atua como elemento estrutural, substituindo o carbonato de cálcio e o quartzo, respectivamente. A fibra polimérica utilizada, nylon 6,6, atua como agente conector de poros. Foram avaliadas a influência da temperatura de sinterização e o teor de fibras no desempenho da cerâmica porosa. Embora sejam classificadas como flexíveis, macroscopicamente homogêneas e apresentarem alta relação entre comprimento e seção transversal, a decomposição das fibras poliméricas causa efeito negativo ao meio ambiente com a liberação de gases tóxicos, isto é, aumentam a pegada de carbono. Uma alternativa sustentável poderia ser obtida com a utilização de fibras vegetais, que são biodegradáveis e atóxicas e provenientes de fontes renováveis. Neste trabalho optou-se por utilizar uma fibra polimérica, por ser dimensionalmente regular e apresentar comportamento térmico bem definido. Entretanto, sugere-se que estudos com fibras naturais sejam realizados posteriormente.

MATERIAIS E MÉTODOS

Caracterização das matérias-primas: os resíduos empregados (areia e lama de cal) foram recebidos in natura, provenientes de uma indústria de papel e celulose, e precisaram passar por etapas de cominuição para redução dos tamanhos de partículas. A areia foi submetida à moagem, primeiramente a seco e em seguida a úmido, em moinho de bolas cilíndrico (CienLab, CE-500/D), para obtenção de partículas com granulometria inferior a 44 mm (325 mesh). A lama de cal foi submetida somente à moagem a úmido. Após a moagem, todas as partículas apresentaram granulometria inferior a 44 mm (325 mesh). As matérias-primas comerciais (caulim e feldspatos, Colorminas Colorífico e Mineração) apresentaram granulometria inferior a 44 mm (325 mesh), não sendo necessário passar por etapa de cominuição. Em seguida, estes materiais foram caracterizados. A análise química foi determinada por espectrometria de fluorescência de raios X (Panalytical, WRFDX Axios Max). As fases cristalinas foram determinadas por difração de raios X (Shimadzu, XRD 6000), com radiação incidente CuKα (1,5406 Å) em um intervalo de leitura 2θ de 3° a 80° e velocidade de 2 º/min. O comportamento térmico foi avaliado por análise termogravimétrica (SDT Analyzer, Q600, 10 ºC/min em ar sintético). A classificação dos resíduos foi estabelecida seguindo a norma NBR 10004:2004 1515 NBR 10004, “Resíduos sólidos - classificação”, Ass. Bras. Norm. Técn., Rio Janeiro (2004)., a qual determina os critérios de classificação e os códigos para a identificação dos resíduos de acordo com suas características.

Preparação dos corpos de prova: com base em 2525 L. Simão , R.F. Caldato, M.D.M. Innocentini, O.R.K. Montedo , Ceram. Int. 41, 3 (2015) 4782., selecionou-se a formulação que apresentou o melhor resultado de porosidade, resistência mecânica e permeabilidade para o emprego como filtro cerâmico (Formulação 1, Tabela I). A partir desta formulação, substituiu-se duas matérias-primas, carbonato de cálcio e quartzo, respectivamente, por lama de cal e areia (Formulação 2, Tabela I). A lama de cal, rica em carbonato de cálcio (CaCO3), atuou na formulação como agente porogênico, o caulim funcionou como ligante dos constituintes no estado verde, os feldspatos sódico (albita, NaAlSi3O8) e potássico (KAlSi3O8) foram utilizados como fundentes, com a função de reduzir a temperatura de sinterização, e a areia, rica em sílica (SiO2), foi utilizada como elemento estrutural e redutor de distorção dimensional das peças cerâmicas. A esta formulação adicionaram-se fibras poliméricas para atuar como interconectores de poros, melhorando a porosidade.

Tabela I
Composição da Formulação 1, sem resíduos, e Formulação 2, com resíduos (% em massa).
Table I
Composition of formulation 1, without residues, and formulation 2, with residues (wt%).

As formulações testadas foram definidas a partir de um planejamento estatístico, levando-se em consideração duas variáveis: teor de fibras e temperatura de sinterização. Ambas foram variadas em dois níveis (-1 e +1), de modo a obter-se um planejamento fatorial 2² com um ponto central em triplicata, para aumentar a confiabilidade estatística do modelo matemático obtido 3333 M.W.M. Cunico, M.M. Cunico, O.G. Miguel, S.F. Zawadzki, P. Peralta-Zamora, N. Volpato, Visão Acad. 9, 1 (2008) 23.. O planejamento fatorial é classificado como um método tipo simultâneo, onde as variáveis que influenciam significativamente na resposta são avaliadas ao mesmo tempo. Definiu-se o ponto central para o teor de fibras em 20 vol%, tendo-se como base o trabalho 3232 S. Corradetti, L. Biasetto, M.D.M. Innocentini , S. Carturan, P. Colombo , A. Andrighetto, Ceram. Int. 42, 15 (2016) 17764., e variando-se em 8 pontos percentuais para mais e para menos a fim de se conseguir maior sensibilidade na visualização dos resultados. As temperaturas de sinterização foram determinadas por dilatometria óptica. Para cada corrida experimental foram confeccionados oito corpos de prova, conforme Tabela II.

Tabela II
Planejamento fatorial dos experimentos.
Table II
Factorial design of experiments.

A formulação proposta utilizando resíduos (Formulação 2, Tabela I) foi homogeneizada a úmido em moinho de bolas cilíndrico com esferas de 20 mm (teor de sólidos de 55%). A composição química foi determinada por espectrometria de fluorescência de raios X (Panalytical, WRFDX Axios Max). As fases cristalinas foram determinadas por difração de raios X (Shimadzu, XRD 6000), com radiação incidente CuKα (1,5406 Å) em um intervalo de leitura 2θ de 3° a 80° e velocidade de 2 º/min. O comportamento térmico foi avaliado por análise termogravimétrica (SDT Analyzer, Q600, 10 ºC/min em ar sintético). As temperaturas de sinterização foram obtidas em um dilatômetro óptico (Expert System Solutions, Misura 3 HSM 1600-50, com taxa de aquecimento de 10 ºC/min até 1200 ºC).

Para adição de fibras nas formulações, primeiramente as fibras poliméricas foram dispersas em álcool isopropílico P.A. (Synth), na proporção volumétrica álcool:formulação de 2:1. Como ligante foi utilizada bentonita, no teor volumétrico de 5%, conforme apresentado na Tabela III. Os pós de cada formulação foram umidificados (10% em massa) e prensados a 127 MPa em prensa hidráulica uniaxial (Gabbrielli, GT 0785) em formato de disco (62,3 mm de diâmetro e 2,5 mm de espessura). Após a prensagem, os corpos de prova foram tratados termicamente em forno mufla de acordo com o seguinte plano térmico: aquecimento a 3 ºC/min até 270 ºC e patamar de 1 h, para eliminação completa das fibras de nylon 6,6; aquecimento de 3 ºC/min até a temperatura de 750 ºC e patamar de 1 h, para descarbonatação do carbonato de cálcio; aquecimento de 5 ºC/min até a temperatura máxima, 1100, 1130 ou 1160 ºC, e patamar de 15 min; e resfriamento até a temperatura ambiente. Os corpos de prova sinterizados foram caracterizados por meio da determinação da porosidade, resistência mecânica à compressão e aspectos microestruturais.

Tabela III
Formulações estudadas com adição de fibras e bentonita (% em volume).
Table III
Studied formulations with addition of fibers and bentonite (volume %).

A porosidade total (ε) foi obtida através da relação entre a densidade aparente a seco e a densidade real. A densidade aparente a seco (ϱap) foi determinada pelo método geométrico. No mínimo três medidas foram realizadas para cada dimensão da amostra (diâmetro, d, e espessura, h). A massa da amostra (m) foi determinada em balança digital, com resolução de 0,01 g. A densidade aparente a seco foi determinada conforme Eq. A. A densidade real (ϱreal) foi obtida por picnometria a gás hélio (Quantachrome, Ultrapyc 1200e). A porosidade aberta é o produto entre a absorção de água (AA) e a densidade aparente a seco. As porosidades total (εt) e aberta (εa) foram determinadas através das Eqs. B e C, respectivamente 3434 A. Barba, V. Beltrán, C. Feliu, J. Garcia, F. Ginés, H. Sánches, V. Sanz, Matérias primas para la fabricación de soportes de baldosas cerámicas, 2ª ed., Inst. Tecnol. Cerâm., Castellón (2002).:

ρ ap = m π · d 2 4 · h (A)

ε t = 1 ρ ap ρ real · 100 (B)

ε a = AAρ ap ρ H 2 O = ( m u - m s ) · ρ ap m s ρ H 2 O · 100 (C)

onde mu e ms são as massas úmida e seca da amostra, respectivamente, e ρH2O é a densidade da água. A resistência mecânica das cerâmicas porosas foi determinada através de ensaios de resistência à compressão, em corpos de prova com dimensões de aproximadamente 2,5x2,5x5 mm em uma máquina universal de ensaios mecânicos (Emic, DL 10000), utilizando célula de carga de 1000 kgf, com velocidade da travessa de 1 mm/min. Ao menos 3 corpos de prova foram testados para cada condição experimental. O valor da resistência mecânica à compressão (sc) foi obtido a partir da Eq. D:

σ c = F S o (D)

onde F é a carga de ruptura (N) e So é a área original da seção rompida. A avaliação da microestrutura foi realizada em microscópio eletrônico de varredura (MEV, Zeiss, EVO-MA10). Para analisar os poros e a interconexão gerados pela eliminação da fibra de nylon 6,6, as peças sinterizadas foram cortadas, lixadas e polidas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos materiais: os resultados da análise química dos resíduos empregados (Tabela IV) mostraram muita similaridade com as matérias-primas comerciais, confirmando a potencialidade de substituição. A lama de cal e o carbonato de cálcio possuíram majoritariamente óxido de cálcio (CaO) em suas composições, sendo 53,55% no resíduo e 58,00% na matéria-prima comercial. Também apresentaram elevada perda ao fogo, respectivamente, 42,25% e 43,28%. A areia e o quartzo foram formados praticamente por sílica (SiO2) e apresentaram teores muito próximos, 98,29% e 97,87%, respectivamente. Os difratogramas de raios X da Fig. 1 mostram as fases cristalinas contidas em cada material. O caulim foi constituído principalmente de caulinita [Ka - Al2Si2O5(OH)4, JCPDS 29-1488]. O difratograma também indicou a presença de ilita [Il - K0,7Al2(Si,Al)4O10(OH)2, JCPDS 29-1496] e quartzo (Q - SiO2, JCPDS 46-1045). O feldspato sódico foi formado por albita [Al - (Na,Ca)Al(Si, Al)3O8, JCPDS 41-1480] e quartzo (Q - SiO2). O feldspato potássico foi composto por microclínio (Mi - KAlSi3O8, JCPDS 19-0932), ortoclásio (Or - KAlSi3O8, JCPDS 31-0966) e quartzo (Q - SiO2). A presença de cálcio na lama de cal pôde ser confirmada por difratometria de raios X, que detectou majoritariamente a presença da fase calcita (Ca - CaCO3, JCPDS 5-0586). A areia foi formada basicamente por sílica, evidenciando a presença de fase quartzo (Q - SiO2, JCPDS 46-1045). O restante foi produto dos contaminantes presentes na areia, que não devem ter influenciado significativamente os resultados.

Tabela IV
Composição química (% em massa) das matérias-primas comerciais e resíduos.
Table IV
Chemical composition (wt%) of commercial raw materials and residues.

Figura 1
Difratogramas de raios X dos resíduos e matérias-primas.
Figure 1
XRD patterns of the residues and raw materials.

O comportamento térmico dos materiais, avaliado pela calorimetria diferencial por varredura (DSC) e análise termogravimétrica (TGA), está representado na Fig. 2. Para a lama de cal, identificou-se uma variação exotérmica entre 200 e 500 ºC com uma perda de massa de 2,0% associada à decomposição de matéria orgânica. O pico endotérmico relativo à decomposição da calcita ocorreu em 743 ºC, com perda de massa associada de 39,1%. No total, a perda de massa foi de 43,3%, próximo ao resultado obtido na análise química. Para a areia, verificou-se um pico endotérmico em 573 ºC, onde ocorreu a transformação de quartzo α para β 3434 A. Barba, V. Beltrán, C. Feliu, J. Garcia, F. Ginés, H. Sánches, V. Sanz, Matérias primas para la fabricación de soportes de baldosas cerámicas, 2ª ed., Inst. Tecnol. Cerâm., Castellón (2002).. O caulim apresentou um pico endotérmico por volta de 504 ºC, provavelmente associado à desidroxilação da caulinita, e um pico exotérmico em torno de 960 ºC, possivelmente relacionado à formação da mulita 3434 A. Barba, V. Beltrán, C. Feliu, J. Garcia, F. Ginés, H. Sánches, V. Sanz, Matérias primas para la fabricación de soportes de baldosas cerámicas, 2ª ed., Inst. Tecnol. Cerâm., Castellón (2002).. Verificou-se para o feldspato (albita) um pico endotérmico em torno de 573 ºC que foi associado à transformação do quartzo α para o quartzo β 3434 A. Barba, V. Beltrán, C. Feliu, J. Garcia, F. Ginés, H. Sánches, V. Sanz, Matérias primas para la fabricación de soportes de baldosas cerámicas, 2ª ed., Inst. Tecnol. Cerâm., Castellón (2002).. Também pôde-se observar um pico exotérmico a 985 ºC, possivelmente associado a uma reação do ternário Al2O3-SiO2-K2O, ou seja, início da fusão do feldspato. O feldspato sódico (albita) é caracterizado por apresentar baixo ponto de fusão, em torno de 1170 ºC, e por uma fusão abrupta, bem como retração e fusibilidade dependentes da temperatura 3434 A. Barba, V. Beltrán, C. Feliu, J. Garcia, F. Ginés, H. Sánches, V. Sanz, Matérias primas para la fabricación de soportes de baldosas cerámicas, 2ª ed., Inst. Tecnol. Cerâm., Castellón (2002).), (3535 R.W. Grimshaw, The chemistry and physics of clays and allied ceramic materials, 4a ed., Ernest Benn (1971).. O feldspato potássico apresentou ponto de fusão mais elevado que o feldspato sódico, com fusão completa em cerca de 1500 ºC. A massa fundida proveniente do feldspato potássico apresenta maior viscosidade e, dessa forma, os limites térmicos de trabalho são relativamente mais amplos 3434 A. Barba, V. Beltrán, C. Feliu, J. Garcia, F. Ginés, H. Sánches, V. Sanz, Matérias primas para la fabricación de soportes de baldosas cerámicas, 2ª ed., Inst. Tecnol. Cerâm., Castellón (2002).), (3636 M. Agus, R. Angius, M. Ghiani, R. Peretti, A. Serci, A. Zucca, Dev. Miner. Proc. 13 (2000) C11-17.. Para a fibra de nylon 6,6, Fig. 3, verificaram-se vários picos exotérmicos entre aproximadamente 450 e 550 ºC referentes à degradação e consequente perda de massa.

Figura 2
Curvas de calorimetria diferencial por varredura, DSC (a), e análise termogravimétrica, TGA (b), das matérias-primas e resíduos.
Figure 2
Curves of differential scanning calorimetry, DSC (a), and thermogravimetric analysis, TGA (b), of the raw materials and residues.

Figura 3
Curvas de DSC e TGA para a fibra de nylon 6,6.
Figure 3
DSC and TGA curves for nylon 6.6 fiber.

Caracterização da composição: o resultado da análise química da composição a verde estudada está apresentado na Tabela V. Observou-se a presença majoritária dos óxidos de silício (SiO2) e alumínio (Al2O3), que atuam como óxidos refratários. Observou-se também a presença de agentes de fluxo (CaO+K2O+MgO+Na2O), que influenciam significativamente no comportamento térmico do material, aumentando a retração linear, ou seja, aumentando a sinterabilidade 2525 L. Simão , R.F. Caldato, M.D.M. Innocentini, O.R.K. Montedo , Ceram. Int. 41, 3 (2015) 4782.. O comportamento térmico da composição a verde foi avaliado pela calorimetria diferencial por varredura (DSC) e análise termogravimétrica (TGA), conforme representado na Fig. 4a. Observou-se um pequeno pico exotérmico a aproximadamente 220 ºC, possivelmente referente à decomposição de matéria orgânica. Por volta de 500 ºC verificou-se um pico endotérmico associado à desidroxilação da caulinita presente no caulim. A aproximadamente 705 ºC observou-se um pico endotérmico, com correspondente perda de massa, relacionado à decomposição de calcita presente na lama de cal. Um pico exotérmico em torno de 1000 ºC também foi observado, supostamente relacionado com a formação da mulita proveniente do caulim. Após, verificou-se um pico endotérmico próximo a 1200 ºC relacionado à fusão dos feldspatos. A perda de massa ao final do processo foi de 16%, próximo ao resultado obtido na análise química. A análise dilatométrica resultou na curva de expansão linear da composição estudada em função da temperatura. A Fig. 4b mostra que o material dilatou até aproximadamente 500 ºC. Retração foi observada entre 930 e 1000 ºC, sendo este o intervalo de sinterização do material. A partir de 1000 ºC o material expandiu. Tendo em vista que se desejou obter cerâmicas porosas, as temperaturas de 1100, 1130 e 1160 ºC foram selecionadas para a sinterização, relativas à faixa de expansão, com o intuito de gerar porosidade no material. As fases cristalinas formadas após a sinterização nas três temperaturas selecionadas são mostradas na Fig. 5. Os aluminossilicatos de sódio (albita, A - NaAlSi3O8, JCPDS 9-0466) e de potássio (microclínio, M - KAlSi3O8, JCPDS 19-0932) e o quartzo (Q - SiO2, JCPDS 46-1045) foram as fases cristalinas obtidas, a partir da composição cerâmica empregada. Observou-se que com o aumento da temperatura ocorreu o aumento relativo dos aluminossilicatos em relação ao quartzo, tomando-se como base as alturas relativas dos picos de difração em cada difratograma.

Tabela V
Composição química do compactado a verde (% em massa).
Table V
Chemical composition of green compact (wt%).

Figura 4
Curvas de DSC e TGA (a) e expansão linear (b) para a composição a verde.
Figure 4
Curves of DSC and TGA (a) and linear expansion (b) for green composition.

Figura 5
Difratogramas de raios X dos corpos de prova sinterizados a 1100, 1130 e 1160 ºC.
Figure 5
XRD patterns of sintered specimens at 1100, 1130 and 1160 ºC.

Os resultados de porosidade aberta, fechada e total estão demonstrados na Fig. 6a. Para a composição estudada, as porosidades não mudaram sensivelmente com o aumento da temperatura, no intervalo estudado. Entretanto, as porosidades aumentaram significativamente com o aumento do teor de fibras, especialmente a porosidade aberta, que deve aumentar a permeabilidade. De acordo com o resultado de dilatometria, a porosidade do material deveria aumentar com o aumento da temperatura na faixa estudada. Porém, fenômeno concorrente e oposto ao da expansão ocorreu simultaneamente: o fechamento de poros. Isto pode ser verificado pelo aumento da porosidade fechada com o aumento da temperatura. Embora na faixa de temperatura estudada tenha ocorrido alguma expansão do material, ocorreu redução da porosidade total. Neste trabalho a porosidade total obtida atingiu valor de até 53%, enquanto que Simão et al. 2525 L. Simão , R.F. Caldato, M.D.M. Innocentini, O.R.K. Montedo , Ceram. Int. 41, 3 (2015) 4782. obtiveram valores em torno de 37%, porém sem uso de qualquer agente interconector de poros. A porosidade aberta alcançada no presente trabalho (35,94% a 49,71%) representou 87% a 95% da porosidade total, mostrando que apenas uma pequena parcela de toda a porosidade do material foi do tipo fechada. No trabalho 2525 L. Simão , R.F. Caldato, M.D.M. Innocentini, O.R.K. Montedo , Ceram. Int. 41, 3 (2015) 4782., apenas 85% da porosidade total foi referente à porosidade aberta. Esse aumento foi associado ao emprego das fibras poliméricas, que atuaram como interconectores de poros. Desta forma, o emprego de fibras poliméricas, que aumentou consideravelmente a porosidade aberta, refletiu nos resultados de permeabilidade, que são apresentados a seguir. A porosidade mostrou ser mais sensível ao teor de fibras do que à temperatura de sinterização. Isso pode ser comprovado pelo gráfico de superfície de resposta que representa as influências independentes, teor de fibras e temperatura de sinterização, sobre as propriedades do material. A Fig. 7a mostra que o teor de fibras influenciou positivamente a porosidade, ou seja, quanto maior o teor de fibras, mais poroso foi o material.

Figura 6
Porosidades aberta, fechada e total (a) e resistência mecânica à compressão (b) da composição estudada em função do teor de fibras e da temperatura de sinterização.
Figure 6
Open, closed and total porosity (a), and compressive strength (b) of the studied composition as a function of the fiber content and the sintering temperature.

Figura 7
Superfície de resposta para a porosidade, P (a), e resistência mecânica à compressão, RMC (b).
Figure 7
Response surface for porosity, P (a), and compressive strength, RMC (b).

Os resultados experimentais de resistência mecânica à compressão dos corpos de prova em função do teor de fibras e da temperatura de sinterização estão apresentados na Fig. 6b. Observou-se que com o aumento da temperatura de sinterização aumentou a resistência à compressão, mantendo-se invariável o teor de fibras. O teor de fibras apresentou efeito contrário na resistência. O gráfico de superfície de resposta, Fig. 7b, ilustra a influência do teor de fibras e da temperatura de sinterização na resistência à compressão e mostra que o teor de fibras teve influência negativa sobre a resistência. A resistência à compressão diminuiu com o aumento do teor de fibras. Já com relação ao aumento da temperatura de sinterização, houve um acréscimo na resistência, que deve estar associado à redução da porosidade e à formação de poros mais regulares 3737 S. Meille, M. Lombardi, J. Chevalier, L. Montanaro, J. Eur. Ceram. Soc. 32 (2012) 3959. Embora a resistência mecânica à compressão tenha diminuído significativamente com o aumento do teor de fibras, os valores obtidos foram bem superiores aos valores encontrados na literatura para filtros cerâmicos, por exemplo, que variam entre 0,5 a 2,0 MPa 3838 D. Müller, W. Acchar, G.M.C. Silva, E.A. Moreira, J.R. Coury, M.D.M. Innocentini , D. Hotza , C.R. Rambo, Cerâmica 55, 335 (2009) 318.), (3939 V.R. Salvini, A.M. Pupim, M.D.M. Innocentini , V.C. Pandolfelli, Cerâmica 47, 301 (2001) 13.. Neste trabalho, valores entre 15 e 52 MPa foram obtidos. Simão et al. 2525 L. Simão , R.F. Caldato, M.D.M. Innocentini, O.R.K. Montedo , Ceram. Int. 41, 3 (2015) 4782. obtiveram valores médios de 59 MPa.

A Fig. 8 apresenta micrografias (MEV) de amostras para cada teor de fibra e temperatura de sinterização. As estruturas mostraram aparentemente três tipos de poros: poros arredondados com 20 µm de diâmetro formados pela decomposição da fibra polimérica; poros maiores e irregulares residuais do processo de prensagem; e poros pequenos e arredondados oriundos da descarbonatação do carbonato de cálcio. Para um mesmo teor de fibra, o aumento da temperatura de sinterização deve ter causado o fechamento dos poros pequenos, gerados pela descarbonatação do carbonato de cálcio. Notou-se também que com o aumento no teor de fibras ocorreu maior formação de poros provenientes do processo de prensagem. Isto deve ter ocorrido devido à maior dificuldade de densificação dos pós. Uma possível aplicação de cerâmicas porosas é na filtração. O diâmetro de poros influencia na determinação da aplicação do material para a filtração. Neste estudo, a faixa de tamanho de poros obtida variou entre 2,0 e 7,5 mm, sendo o menor valor para os corpos de prova confeccionados com 12% de fibras e sinterizados a 1100 ºC e o maior valor para 28% de fibras a 1160 ºC. Considerando-se os valores encontrados, as cerâmicas porosas obtidas neste trabalho poderiam ser utilizadas na entrada do sistema de filtração (whole house), uma vez que para esse tipo de aplicação são necessários tamanhos de poros que variam de 2,0 a 50,0 µm. Outra utilização poderia ser a filtração de água de piscina, na qual o tamanho de poros varia de 2,0 a 5,0 µm. Dentro do intervalo de porosidade apresentado, todas as formulações estariam aptas a serem utilizadas para o tipo de filtração citado em relação ao tamanho de poros. O filtro com 12% de fibras apresentaria coleta de partículas menores do que os de 20% e 28% de fibras, podendo até ser utilizados em conjunto, a fim de melhorar a vida útil dos filtros. Segundo Innocentini et al. 4040 M.D.M. Innocentini , V.P. Rodrigues, R.C.O. Romano, R.G. Pileggi, G.C.M. Silva, J.R. Coury, J. Hazard. Mater. 162, 1 (2009) 212., a porosidade típica dos filtros comerciais de gases quentes (aerossóis) é em torno de 40% a 85% e o tamanho de poros varia entre 0,1 e 10 µm. Levando-se isso em consideração, todos os filtros analisados se encaixariam nessas especificações, uma vez que todas as formulações estudadas apresentaram porosidade superior a 39,7%; porém a escolha do filtro depende do tamanho de partículas que se deseja reter. A confirmação das aplicações citadas anteriormente depende do desempenho de filtração, que avalia a capacidade de filtração, eficiência de coleta e vida útil do filtro. Para aplicação como filtros de água, também se faz necessário o ensaio de lixiviação.

Figura 8
Imagens de MEV dos corpos de prova com 12, 20 e 28 vol% de fibras, mostrando poros gerados pela decomposição da fibra “a”, poros residuais decorrentes do processo de prensagem “b”, e poros gerados pela descarbonatação do carbonato de cálcio “c”.
Figure 8
SEM images of the specimens with 12, 20 and 28 vol% of fibers, showing pores generated by fiber decomposition “a”, residual pores resulting from the pressing process “b”, and pores generated by the decarbonation of calcium carbonate “c”.

CONCLUSÕES

Um estudo sobre a substituição de matérias-primas comerciais por resíduos da indústria de papel e celulose na fabricação de cerâmicas porosas, aliada à adição de fibras poliméricas para interconectividade dos poros, foi realizado. Análises química e física realizadas nos resíduos confirmaram a potencialidade de substituição das matérias-primas. A análise estatística dos resultados mostrou que o teor de fibras teve influência mais significativa sobre as propriedades do material do que a temperatura de sinterização. A adição de fibras nas formulações estudadas proporcionou aumento na porosidade aberta. Comparando-se as formulações com 12% e 28% de fibras, aumento de aproximadamente 38% na porosidade foi observado. A resistência mecânica à compressão diminuiu com a adição de fibras, devido ao aumento da porosidade. Porém, os resultados obtidos foram superiores aos valores determinados na literatura. Dentre as formulações estudadas, a que apresentou melhor combinação de resultados para aplicações em filtração foi a formulação com 28% de fibras e sinterizada a 1160 ºC. A mesma apresentou elevada porosidade aberta e boa resistência mecânica à compressão. Portanto, os resíduos utilizados mostraram-se adequados à substituição de matérias-primas comerciais na produção de cerâmicas porosas e as fibras eficazes para a promoção da interconectividade dos poros, refletindo-se em aumento de porosidade. Entretanto, testes de desempenho de filtração precisam ser realizados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq (Processo n. 381826/2016-3) pelo suporte dado ao desenvolvimento deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2018
  • Revisado
    07 Fev 2019
  • Aceito
    07 Mar 2019
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