Acessibilidade / Reportar erro

Cal produzida a partir de cinza de biomassa rica em cálcio

Lime produced from calcium-rich biomass ash

Resumo

Neste artigo propõe-se a obtenção de cal hidratada a partir da cinza de lenha de algaroba (Prosopis juliflora), biomassa rica em cálcio. Devido à concentração expressiva de potássio na cinza de algaroba, uma etapa de lavagem se fez necessário uma vez que age como um fundente, impedindo a formação de estruturas de óxido de cálcio reativas na temperatura de decomposição do carbonato de cálcio. Assim, o processo de beneficiamento consistiu na coleta, peneiramento em malha ANBT NBR n° 200 (0,074 mm), lavagem em água quente (100 °C) para redução da concentração do potássio, calcinação e hidratação. A cal de cinza de algaroba produzida foi caracterizada pelas seguintes técnicas: análise granulométrica por difração a laser, fluorescência de raios X, difração de raios X e análise termogravimétrica TG/DTG. Após caracterização, os resultados da cal de cinza de algaroba foram comparados com os da cal CHI comercial e a norma ABNT. Os resultados obtidos evidenciaram que a cal de cinza de algaroba produzida apresentou propriedades físico-químicas e mineralógicas correspondentes às da cal comercial e composição química com 78% de hidróxido de cálcio (CaOH2), além de atender às especificações químicas e finura recomendada pela ABNT, sendo classificada assim como uma cal CHI do tipo cálcica.

Palavras-chave:
biomassa rica em cálcio; algaroba; cal; cinza; potássio

Abstract

In this paper, it is proposed to obtain hydrated lime from the woody ash of algaroba (Prosopis juliflora), rich in calcium. Due to the expressive concentration of potassium in the algaroba ash, a washing step became necessary since it acts as a flux, preventing the formation of reactive calcium oxide structures at the decomposition temperature of the calcium carbonate. Thus, the beneficiation process consisted in the collection, sieving in ANBT NBR mesh n° 200 (0.074 mm), washing in hot water (100 °C) to reduce the concentration of potassium, calcination and hydration. The lime produced from algaroba ash was characterized by the following techniques: granulometry analysis by laser diffraction, X-ray fluorescence, X-ray diffraction and TG/DTG thermogravimetric analysis. After characterizations, the results of the algaroba lime were compared to the commercial CHI lime and the ABNT standard. The results showed that the lime of algaroba had physical-chemical and mineralogical properties corresponding to commercial lime, chemical composition with 78% of calcium hydroxide (CaOH2), and chemical specifications and fineness recommended by the ABNT standard, thus being classified as a CHI lime of the calcitic type.

Keywords:
biomass rich in calcium; algaroba; lime; ash; potassium

INTRODUÇÃO

A cal é produzida a partir de calcário do tipo cálcico (CaCO3) ou dolomítico (CaCO3.MgCO3), que após sua extração e britagem é aquecido entre 750 e 900 °C, dependendo de sua composição química, produzindo assim cal viva, e caso seja hidratada se transforma em cal extinta ou cal hidratada 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003).)-(33. “BEM: Balanço Energético Nacional 2016”, Ministério das Minas e Energia, Brasília (2016).. A cal é utilizada como corretivo de solos, produção de tintas, material de construção, tratamento de águas, entre outros fins. No entanto, como sua produção envolve a utilização de recursos naturais não renováveis, o emprego de fontes alternativas de carbonato de cálcio, como conchas de ostras 44. G. Li, X. Xu, E. Cheen, J. Fan, G. Xiong, J. Clean. Prod. 91 (2015) 279.), (55. C.H. Lee, D.K. Lee, M.A. Ali, P.J. Kim, Waste Manage. 28 (2008) 2702.), (66. E.I. Yang, S.T. Yi, Y.M. Leem, Cem. Concr. Res. 35 (2005) 2175.), (77. E.I. Yank, M.Y. Kim, M.Y.H.G. Park, S.T. Yi, Constr. Build. Mater. 24 (2010) 758., casca de ovo 88. J.R.M. Ferreira, J.R.M. Louro, A.M. Costa, J.B. Campos, M.H. Prado da Silva, Cerâmica 62 (2016) 386.)-(1010. S. He, Y. Hu, T. Hu, A. Ma, Q. Jia, H. Su, S. Shan, J. Alloys Compd. 701 (2017) 828., cinzas de biomassa ricas em cálcio (CBRC) 1111. J. Cuenca, J. Rodrigues, M. Morales, Z.S. Roldan, M. Zamarano, Constr. Build. Mater. 40 (2013) 702.), (1212. C.B. Cheah, M.H. Samsudin, M. Ramli, W.K. Part, L.E. Tan, J. Clean. Prod. 156 (2017) 114.)-(1414. C. Maschowski, M.C. Zangna, G. Trouvé, R. Gieré, Appl. Geochem. 72 (2016) 88., entre outras, se faz importante. Cal produzida a partir de conchas de ostra foi testada em tijolos não cozidos com cinzas volantes, em substituição parcial de cal comercial nas proporções de 5, 10, 15 e 20%. As conchas foram quebradas, calcinadas entre 850 e 950 °C, moídas e a cal produzida apresentou concentração de cálcio 35% superior ao da cal comercial utilizada. Como resultado, tijolos com cal de conchas de ostras recicladas apresentaram maior resistência e durabilidade 44. G. Li, X. Xu, E. Cheen, J. Fan, G. Xiong, J. Clean. Prod. 91 (2015) 279.. Cal produzida a partir da casca de ovo foi avaliada para tratamento de água. Para isso, as cascas foram moídas, calcinadas a 800 °C e a cal obtida (CaO) foi adicionada a águas residuais. Os resultados demonstraram a viabilidade do uso da cal produzida a partir de casca de ovo calcinada para remover metais pesados, além de contribuir na correção do pH de águas fortemente ácidas 99. H.J. Park, S.W. Jeong, J.K. Yang, B.G. Kim, S.M. Lee, J. Environ. Sci. 19 (2007) 1436.. Neste cenário, a reciclagem de CBRC, como a cinza de lenha de algaroba (Prosopis juliflora) 1313. R. Kumar, N. Chandrashekar, Indian Acad. Wood Sci. 13 (2016) 101., para a produção de cal constitui uma fonte interessante e promissora, uma vez que, segundo o balanço energético nacional do Ministério das Minas e Energia 33. “BEM: Balanço Energético Nacional 2016”, Ministério das Minas e Energia, Brasília (2016)., a biomassa é uma das fontes de energia com grande potencial para os próximos anos, já representando, em 2015, 8% de toda energia consumida no Brasil.

Cinzas de biomassa ricas em cálcio (CBRC) se diferenciam de outras cinzas, tais como cinza de bagaço de cana, cinza de casca de arroz, dentro outras, por, além de apresentarem na sua composição química elevada concentração de cálcio, possuírem reduzida concentração de silício e alumínio, não possuindo portanto as condições necessárias para desenvolver atividade pozolânica 1515. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 12653, “Material pozolânicos - requisitos”, Rio de Janeiro (2014)., dificultando assim sua utilização em sistemas cimentícios. No agreste Pernambucano-Brasil, a lenha de algaroba (Prosopis juliflora) é muito utilizada como combustível para aquecimento de água e produção de vapor nas mais de 200 lavanderias industriais, no processo de beneficiamento do jeans no polo de confecções do estado, gerando cerca de 1100 ton/mês de cinzas de base (bottom ash). A cinza de base, também denominada na literatura como cinza pesada, foi escolhida por ser gerada em um volume cinco vezes maior do que as cinzas volantes (fly ash). A produção de cal a partir da cinza de base de lenha de algaroba apresenta como vantagem a possibilidade de reutilização de um resíduo sólido gerado em grande quantidade e que normalmente não possui destinação adequada sendo efetuado geralmente seu descarte. Adicionalmente, a produção de cal a partir de cinza de algaroba, em comparação com o processo tradicional, não necessita das etapas de mineração, transporte, britagem e moagem, típicas do processo de produção usual da cal a partir do calcário mineral. Essas etapas de alto consumo energético são substituídas pela coleta das cinzas, peneiramento e lavagem. Na sequência, as etapas de calcinação, hidratação e ensacamento permeiam ambos os processos. Nesse cenário, no presente artigo propõe-se a produção de cal a partir de cinza de algaroba, por meio de um processo de beneficiamento calcado na produção do hidróxido de cálcio (cal hidratada) a partir da hidratação da cinza calcinada. No entanto, uma etapa prévia de remoção do potássio foi adicionada ao processo, tomando como referência o trabalho 1616. E.L. Foletto, R. Hoffmann, R.S. Hoffmann, U.L. Portugal, S.L. Jahn, Quím. Nova 64 (2005) 273., no qual é destacada a necessidade da remoção do potássio para a obtenção de sílica amorfa das cinzas de casca de arroz, uma vez que segundo esse trabalho a presença do potássio como impureza faz acelerar a fusão das partículas e a cristalização do SiO2 amorfo para o SiO2 cristalino.

MATERIAIS E MÉTODOS

Materiais: foi utilizada como referência a cal CHI comercial do tipo cálcica, fabricada no município de Limoeiro do Norte, estado do Ceará-Brasil, água mineral com pH 6,5 e 26,55 mg/L de sais solúveis e cinza de algaroba (CBLA). A cinza foi coletada em uma lavanderia industrial representativa, situada no município de Caruaru, Pernambuco-Brasil, que utilizou exclusivamente lenha de algaroba como combustível sem controle de temperatura de queima. Na caldeira, a cinza de base foi coletada de um compartimento fechado sob a grelha onde ocorreu a combustão da lenha.

Produção da cal de cinza de algaroba (CBLA): foram avaliadas quatro amostras com as seguintes denominações: AM01 (cal CHI comercial), AM02 (CBLA), AM03 (CBLA lavada) e AM04 (cal de CBLA- CBLA lavada, calcinada e hidratada). A AM01 (cal CHI comercial) foi utilizada como referência e a AM02 (CBLA) foi passada em peneira ABNT NBR n° 200 (0,074 mm). Antes da obtenção das amostras AM03 e AM04, foram realizados ensaios preliminares, utilizando o processo de calcinação direta da AM02 (CBLA) a 850 °C, sendo obtido um material compacto e não reativo. Segundo 1717. J.E.P. Guimarães, A cal: fundamentos e aplicações na engenharia civil, Ed. Pini, S. Paulo (2002)., essa morfologia de aglomeração dos cristalitos de CaO é típica da transformação da estrutura da cal em temperaturas superiores a 950 °C e a não reatividade está relacionada com a formação de cristais insolúveis por excesso de temperatura na calcinação 1818. S.C. Paiva, E.A.O. Gomes, R.A. Oliveira, Rev. Ciênc. Tecnol. 1 (2007) 1.. Como a calcinação foi realizada a 850 °C, acredita-se que a presença do potássio na cinza agiu como fundente, ratificando o entendimento em 1616. E.L. Foletto, R. Hoffmann, R.S. Hoffmann, U.L. Portugal, S.L. Jahn, Quím. Nova 64 (2005) 273., bem como o que foi observado em 1919. B. Olander, B.M. Steenari, Biomass Bioenerg. 8 (1995) 105. em cinzas de biomassa. Em função disso, foi incluída uma etapa de lavagem para retirada do potássio, obtendo-se a amostra AM03. Esta amostra foi obtida por lavagem em água quente (100 °C) por 30 min segundo metodologia descrita em 22. G. Afrane, Bioresour. Technol. 41 (1992) 101.. A temperatura de 100 °C foi utilizada em função de aumentar a solubilização do potássio, além de garantir a precipitação de hidróxido de cálcio gerado a partir de algum eventual óxido de cálcio que tenha sido solubilizado durante o processo de lavagem. O carbonato de cálcio normalmente não é solúvel em água. Porém, se dissolve na presença de água com anidrido carbônico 2020. J.A. Kleypas, R.W. Buddemeier, D. Archer, J.P. Gattuso, C. Langdon, B.N. Opdyke, Sci. 284 (1999) 118., que poderia estar presente em função da remoção de elementos solúveis da AM02 (CBLA) como carbonato de potássio. No desenvolvimento deste processo, foi realizado estudo para otimização da lavagem, considerando o consumo de água e a eficiência da remoção do potássio. Assim, foram avaliadas as relações 1:4, 1:8, 1:12, 1:16 e 1:20 [massa de AM02 (CBLA):massa de água] e a lavagem foi repetida para as relações: 2x (1:4), 2x (1:6), 2x (1:8) e 2x (1x10). Para a obtenção da amostra AM04, após a lavagem, a CBLA (AM03) foi filtrada, seca em estufa a 105 °C por 24 h, desagregada manualmente, peneirada em malha ABNT NBR n° 50 (0,30 mm) para uniformização do material desagregado e calcinada a 875 °C por 10 h com taxa de aquecimento de 5 °C/min em atmosfera estática. Para hidratação, foram pulverizados 30% de água em relação à massa do material calcinado, segundo 1717. J.E.P. Guimarães, A cal: fundamentos e aplicações na engenharia civil, Ed. Pini, S. Paulo (2002)., e o excesso que não foi quimicamente combinado foi removido pelo aquecimento do material a 105 °C em estufa até equilíbrio de massa, obtendo-se como produto final a cal de CBLA (AM04).

Caracterização físico-química dos materiais de partida e cais: a qualidade da cal de CBLA (AM04) produzida e da cal CHI comercial (AM01) foi avaliada através dos seguintes parâmetros: a) concentração de anidrido carbônico; b) cálcio e magnésio não hidratados; c) óxidos totais não voláteis; e d) finura, conforme recomendações da ABNT [1]. As amostras AM01 (cal CHI comercial), AM02 (CBLA), AM03 (CBLA lavada) e a AM04 (cal de CBLA lavada, calcinada e hidratada) foram caracterizadas físico, química e mineralogicamente por meio das seguintes técnicas: a) granulometria por difração a laser de dispersões (Cilas, 1064); b) fluorescência de raios X (EDX720, Shimadzu) utilizando amostra prensada, sendo obtidos resultados semiquantitativos; c) difração de raios X (radiação Ka do Cu, 40 kV/30 mA, velocidade do goniômetro de 2 °/min, passo 0,02° e 2θ de 2° a 60°); e d) análise termogravimétrica (TG, RB-3000, BP Engenharia, razão de aquecimento 12,5 °C/min até 1000 °C). Salienta-se que todos os materiais foram previamente peneirados em malha ABNT NBR n° 200 (0,074 mm). Para a granulometria a laser, os pós foram previamente dispersos em 250 mL de água destilada utilizando um agitador Hamilton Beach N5000 na velocidade de 17000 rpm por 10 min.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação da eficiência da lavagem da CBLA

As concentrações de K2O e CaO nas amostras CBLA (AM02) e CBLA lavada (AM03) nas diferentes proporções de massa de cinza:água, com e sem repetição do processo de lavagem, obtidas por fluorescência de raios X (FRX), encontram-se expostas na Fig. 1. Pode ser visto que a amostra no início do processo de lavagem apresentou teor de K2O de 9,73%. Após sucessivas lavagens, observou-se a redução da concentração de potássio alcançando-se valores inferiores a 1% nas proporções 2x (1:8) e 2x (1:10). Salienta-se que estas proporções apresentaram valores de redução do K2O próximos, indicando assim o limite de eficiência do processo para as condições estabelecidas. Desta forma, por redução no consumo de água, optou-se por padronizar o uso da proporção 2x (1:8). Além da remoção/redução dos elementos solúveis, como o potássio, a lavagem gerou o incremento na concentração dos não solúveis como o cálcio, que passou de 78,66% na CBLA (AM04) para 88,66%, considerando o processo 2x (1:8) (Fig. 1). Salienta-se que enquanto a solubilidade do carbonato de potássio aumenta com a temperatura da água de lavagem, o hidróxido de cálcio e o carbonato de cálcio se tornam mais insolúveis, resultando na precipitação e consequentemente na manutenção do óxido de cálcio no sistema durante o processo de lavagem. Esse efeito benéfico permitiu que a concentração de cálcio atingisse níveis comparáveis com uma cal comercial, segundo classificação da norma ABNT 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003)..

Figura 1:
Concentração de K2O e CaO na CBLA (AM02) e CBLA lavada (AM03).
Figure 1:
Concentration of K2O and CaO in CBLA (AM02) and washed CBLA (AM03).

Para avaliar a eficiência da lavagem na remoção de impurezas solúveis da CBLA (AM02), foi realizada análise termogravimétrica comparativa da CBLA (AM02) com a CBLA lavada (AM03). Na análise termogravimétrica da CBLA (AM02), Fig. 2a, percebeu-se que o resíduo apresentou quatro perdas de massa características: a) de 30 a 220 °C, 3% provenientes da água adsorvida; b) de 380 a 480 ºC, 1,5% correspondente à matéria orgânica e à decomposição do Ca(OH)2 em CaO+H2O; c) de 580 a 840 °C, 33% correspondentes predominantemente à decomposição do CaCO3 em CaO+CO2; e d) de 840 a 980 °C, 3% correspondente à decomposição do K2CO3 em K2O+CO2. Estas faixas de temperatura foram similares às indicadas em 2121. M.K. Misra, K.W. Ragland, A.J. Baker, Biomass Bioenerg. 4 (1993) 103.)-(2323. P.S. Santos, Ciência e tecnologias de argilas, vol. 1. Edgard Blucher, S. Paulo (1989).. Na Fig. 2b pode-se observar a análise termogravimétrica da AM03 (CBLA lavada). Verificou-se que na amostra lavada os eventos de perda de massa foram bem mais definidos, indicando maior pureza do material e comprovando, assim, a eficiência do processo de lavagem. Como destaque pode ser observado o aumento da concentração de Ca(OH)2 na AM03 (CBLA lavada), já que se observou maior perda de massa no intervalo entre 410 e 480 ºC associada à decomposição do Ca(OH)2. Outra evidência foi a significativa redução de K2CO3 observada nas temperaturas acima de 840 °C. Assim, comprovou-se a eficiência da lavagem na remoção de impurezas solúveis da amostra AM02 (CBLA). Salienta-se que o incremento no hidróxido de cálcio (Fig. 2b) foi relacionado com a solubilização do carbonato de cálcio, endossando a viabilidade da utilização de 100 °C como temperatura de lavagem.

Figura 2:
Curvas de TG/DTG da AM02 (CBLA) (a) e AM03 (CBLA lavada) (b).
Figure 2:
TG/DTG curves of AM02 (CBLA) (a), and washed AM03 (CBLA) (b).

Avaliação da produção de cal de CBLA (AM02)

Após definição do processo de lavagem, a amostra AM03 (CBLA lavada) foi calcinada e hidratada, sendo observada elevada reatividade com água, devido à grande liberação de calor, bem como foi obtido um produto finamente dividido, ratificando a eficiência da remoção do potássio para a produção de cal a partir da CBLA (AM02). Com relação à hidratação, foi obtido o percentual de 24% de água quimicamente combinada, representando, assim, um rendimento médio na produção da AM04 (cal de CBLA) de 17,19% em relação à massa inicial da amostra AM02 (CBLA). Na Tabela I, pode ser observada a variação de massa em cada etapa do processo de beneficiamento para produção da AM04 (cal de CBLA), tomando como exemplo 1000 g iniciais da AM02 (CBLA) até ser obtido no final 171,9 g da amostra AM04 (cal de CBLA).

Tabela I
Rendimento do processo de beneficiamento.
Table I -
Yield of the beneficiation process.

A qualidade da AM04 (cal de CBLA) produzida foi avaliada em termos químicos, termogravimétrico, cristalográficos e físicos em comparação com a cal comercial e com a norma ABNT 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003).. Quando pertinente, ainda foi comparada com dados de caracterização da CBLA (AM02) e da CBLA lavada (AM03). Na Tabela II está contida a composição química da AM01 (cal CHI comercial), AM02 (CBLA), AM03 (CBLA lavada) e AM04 (cal de CBLA), onde pode ser observado que a AM02 (CBLA) apresentou teor de CaO de 78,66%, seguido pelo K2O de 9,73%. Esta elevada concentração também foi observada em 1313. R. Kumar, N. Chandrashekar, Indian Acad. Wood Sci. 13 (2016) 101., quando foi estudado o processo de combustão da lenha de algaroba (Prosopis juliflora) na Índia, comprovando a característica desta biomassa como fonte de cálcio, mesmo sendo cultivada em regiões diferentes. Em seguida, na AM03 (CBLA lavada) pode ser observada redução do percentual de solúveis e o aumento da concentração de cálcio, fato este mantido na AM04 (cal de CBLA). O somatório dos teores de óxido de cálcio e magnésio para a amostra AM04 (cal de CBLA) foi de 92,07%, sendo classificada como sendo uma cal CHI, conforme preconizações da norma ABNT 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003).. Além disso, como subproduto do processo de beneficiamento tem-se a geração de potássio dissolvido na água de lavagem, que pode ser utilizado como matéria-prima para fertilizantes, material de limpeza, entre outros 2424. M. Nascimento, M.B.M. Monte, F.E.L. Loureiro, “Agrominerais-potassio”, in: A.B. Luz, F.A. Lins, Rochas e minerais industriais, CETEM, Rio de Janeiro (2008).), (2525. B.K. Simpson, J.H. Oldham, A.M. Martin, Agric. Wastes 13 (1985) 69.. Pode ser observado na Tabela II que 9,21% do potássio presente na CBLA foram dissolvidos na água durante o processo de lavagem para obter AM03 (CBLA lavada). Esse percentual corresponde a uma massa de 92,1 g de potássio diluído para cada 1 kg de AM04 (cal de CBLA) produzido, que pode ser concentrado pela evaporação da água 2626. O.E. Taiwo, F.A.O. Osinowo, Bioresour. Technol. 79 (2001) 95.. É importante destacar que o potássio tem um valor comercial agregado maior do que a cal hidratada, contribuindo para a viabilidade de processo de reciclagem do resíduo cinza de algaroba.

Tabela II
Composição química (% em massa) das amostras por FRX: AM01 (cal CHI comercial), AM02 (CBLA), AM03 (CBLA lavada) e AM04 (cal de CBLA).
Table II -
Chemical composition (wt%) of samples: AM01 (commercial CHI lime), AM02 (CBLA), AM03 (washed CBLA), and AM04 (CBLA lime).

Os difratogramas de raios X das amostras AM01 (cal CHI comercial), AM02 (CBLA) e da AM04 (cal de CBLA) encontram-se expostos na Fig. 3. As fases mineralógicas identificadas para a AM02 (CBLA) foram: CaCO3, distância interplanar basal de 2,71 Å (JCPDS 5-0586), Ca(OH)2, distância interplanar basal de 2,24 Å (JCPDS 4-0733), e K2CO3 (JCPDS 71-1466). Para a amostra AM04 (cal de CBLA) os picos foram bem característicos da fase hidróxido de cálcio [Ca(OH)2], além do desaparecimento da fase CaCO3, demonstrando a qualidade do processo de beneficiamento desenvolvido e que permitiu a AM04 (cal de CBLA) apresentar difratograma de raios X praticamente idêntico ao da cal comercial (AM01). No difratograma da AM04 (cal de CBLA), verificou-se a existência de um discreto pico em 32° (2θ), sugerindo a presença de resíduo de carbonato de potássio e indicando que a lavagem não foi 100% eficiente, endossando a presença do potássio (<1%, Fig. 1). Para o difratograma da amostra AM01 (cal CHI comercial), o pico em 29,5° (2θ) foi relativo à presença de resíduo de carbonato de cálcio não decomposto.

Figura 3:
Difratogramas de raios X das amostras AM01 (cal CHI comercial), AM02 (CBLA) e AM04 (cal de CBLA).
Figure 3:
X-ray diffraction patterns of samples AM01 (commercial CHI lime), AM02 (CBLA), and AM04 (CBLA lime).

Análise térmica (curva TG/DTG) da amostra AM04 (cal de CBLA, Fig. 4a), comparativamente a AM01 (cal CHI comercial, Fig. 4b), complementa as análises realizadas para comprovação da eficácia do processo de beneficiamento proposto na produção de cal a partir da AM02 (CBLA). Na Fig. 4a percebe-se que a AM04 (cal de CBLA) apresentou três perdas de massa características: a) de 30 a 220 °C, 3% proveniente da água adsorvida; b) de 380 a 480 ºC, 19% correspondente à decomposição do Ca(OH)2 em CaO+H2O; e c) acima de 600 °C, uma pequena perda decorrente da decomposição de K2CO3 em K2O+CO2. Estas faixas de temperatura foram similares às indicadas em 2121. M.K. Misra, K.W. Ragland, A.J. Baker, Biomass Bioenerg. 4 (1993) 103.), (2222. R.L. Lehman, J.S. Gentry, N.G. Glumac. Thermochim. Acta 316 (1998) 1.), (2323. P.S. Santos, Ciência e tecnologias de argilas, vol. 1. Edgard Blucher, S. Paulo (1989).. Salienta-se que o valor de 19% para a decomposição do Ca(OH)2 em CaO+H2O obtido pela análise termogravimétrica confirmou o percentual de 24% de água combinada obtida durante a etapa de hidratação da AM04 (cal de CBLA, Tabela I), ratificando que a metodologia empregada utilizando hidratação com excesso de água, seguida de secagem em estufa, foi efetiva. Além disso, após lavagem e calcinação, resíduo de K2CO3 foi também observado na curva da AM04 (cal de CBLA, Fig. 3), juntamente com os picos bem característicos do hidróxido de cálcio (Fig. 3). Na Fig. 4b encontra-se a curva termogravimétrica da amostra AM01 (cal CHI comercial) utilizada como referência, onde se observa eventos de perda de massa nas mesmas faixas da AM04 (cal de CBLA), ratificando os resultados obtidos na análise química (Tabela II) e no padrão de DRX (Fig. 3). Assim, comprovou-se a eficácia do processo de beneficiamento proposto na produção de cal a partir da AM02 (CBLA). Entretanto, observou-se que a concentração de hidróxido de cálcio na amostra AM01 (cal CHI comercial) foi maior do que na amostra AM04 (cal de CBLA), correspondendo a 92% e 78%, respectivamente. Os percentuais de hidróxido de cálcio foram calculados em função da perda de massa entre 380 e 480 °C ocorrida nas análises térmicas (Figs. 4a e 4b). Essa diferença era esperada em função da amostra AM01 (cal CHI comercial) utilizada ser de elevada qualidade.

Figura 4:
Curvas TG/DTG da AM04 (cal de CBLA) (a) e AM01 (cal CHI comercial) (b).
Figure 4:
TG/DTG curves of AM04 (CBLA lime) (a), and AM01(commercial CHI lime) (b).

Na sequência foram realizadas análises para verificar se a AM04 (cal de CBLA) tinha potencial para uso comercial. Assim, foi realizada análise desta amostra, em comparação com amostra AM01 (cal CHI comercial) e com a norma ABNT 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003).. Na Tabela III, estão os resultados das características químicas e finura, obtidos para as amostras AM01 e AM04. Como pode ser observado, a amostra AM04 (cal de CBLA) apresentou características químicas e de finura que permitem sua classificação como cal do tipo CHI, conforme ABNT 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003).. Com relação à cal comercial, o menor percentual de anidrido carbônico, bem como de componentes não hidratados, indicou um maior controle da produção, o que já era esperado por estar sendo comparado um processo controlado em laboratório, com um processo de cunho industrial. Além disso, a amostra AM01 (cal CHI comercial) apresentou teor total de óxido de cálcio e óxido de magnésio superior ao da AM04 (cal de CBLA), o que também já era esperado por se tratar de uma cal comercial de elevada pureza (96,11% de CaO e 2,59% de MgO por FRX), conforme Tabela III. Observou-se também que a amostra AM04 (cal de CBLA) apresentou granulometria semelhante ao da amostra AM01 (cal CHI comercial), que pode ser verificada na Fig. 5, onde se observa que as curvas granulométricas da amostra AM04 (cal de CBLA) e da AM01 (cal CHI comercial) praticamente se sobrepõem, o que garante equivalência em aplicações que utilizem cal como corretivo de solos, produção de tintas, materiais de construção, tratamento de águas, entre outros fins.

Tabela III
Comparativo da AM04 (cal de CBLA) com a NBR 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003)..
Table III -
Comparison of AM04 (CBLA lime) with NBR 11. Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003)..

Figura 5:
Curvas de distribuição granulométrica da AM04 (cal de CBLA) e AM01 (cal CHI comercial).
Figure 5:
Granulometric distribution curves of AM04 (CBLA lime) and AM01 (commercial CHI lime).

CONCLUSÕES

Após estudos com cinza de algaroba para produção de cal, pôde-se chegar às seguintes conclusões: a calcinação direta da cinza de base de lenha de algaroba, AM02 (CBLA), para produção de cal se mostrou inadequada em função da elevada concentração de potássio nesta amostra. O processo de lavagem com água quente (100 °C) da AM03 (CBLA lavada) foi eficiente, tanto na redução de potássio de 9,73% para níveis abaixo de 1%, quanto no incremento da concentração de óxido de cálcio no sistema em função da remoção dos elementos químicos solúveis. A calcinação da AM03 (CBLA lavada) conduziu a um material desagregado e de alta reatividade em água. Foi verificada através das análises de DRX e TG a presença de 78% de hidróxido de cálcio na AM04 (cal de CBLA) e a mesma apresentou características físico-químicas e mineralógicas correspondentes às de uma cal comercial, sendo classificada pela norma ABNT como uma cal CHI.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 7175, “Cal hidratada para argamassas - requisitos”, Rio de Janeiro (2003).
  • 2
    G. Afrane, Bioresour. Technol. 41 (1992) 101.
  • 3
    “BEM: Balanço Energético Nacional 2016”, Ministério das Minas e Energia, Brasília (2016).
  • 4
    G. Li, X. Xu, E. Cheen, J. Fan, G. Xiong, J. Clean. Prod. 91 (2015) 279.
  • 5
    C.H. Lee, D.K. Lee, M.A. Ali, P.J. Kim, Waste Manage. 28 (2008) 2702.
  • 6
    E.I. Yang, S.T. Yi, Y.M. Leem, Cem. Concr. Res. 35 (2005) 2175.
  • 7
    E.I. Yank, M.Y. Kim, M.Y.H.G. Park, S.T. Yi, Constr. Build. Mater. 24 (2010) 758.
  • 8
    J.R.M. Ferreira, J.R.M. Louro, A.M. Costa, J.B. Campos, M.H. Prado da Silva, Cerâmica 62 (2016) 386.
  • 9
    H.J. Park, S.W. Jeong, J.K. Yang, B.G. Kim, S.M. Lee, J. Environ. Sci. 19 (2007) 1436.
  • 10
    S. He, Y. Hu, T. Hu, A. Ma, Q. Jia, H. Su, S. Shan, J. Alloys Compd. 701 (2017) 828.
  • 11
    J. Cuenca, J. Rodrigues, M. Morales, Z.S. Roldan, M. Zamarano, Constr. Build. Mater. 40 (2013) 702.
  • 12
    C.B. Cheah, M.H. Samsudin, M. Ramli, W.K. Part, L.E. Tan, J. Clean. Prod. 156 (2017) 114.
  • 13
    R. Kumar, N. Chandrashekar, Indian Acad. Wood Sci. 13 (2016) 101.
  • 14
    C. Maschowski, M.C. Zangna, G. Trouvé, R. Gieré, Appl. Geochem. 72 (2016) 88.
  • 15
    Assoc. Bras. Nor. Técn., ABNT NBR 12653, “Material pozolânicos - requisitos”, Rio de Janeiro (2014).
  • 16
    E.L. Foletto, R. Hoffmann, R.S. Hoffmann, U.L. Portugal, S.L. Jahn, Quím. Nova 64 (2005) 273.
  • 17
    J.E.P. Guimarães, A cal: fundamentos e aplicações na engenharia civil, Ed. Pini, S. Paulo (2002).
  • 18
    S.C. Paiva, E.A.O. Gomes, R.A. Oliveira, Rev. Ciênc. Tecnol. 1 (2007) 1.
  • 19
    B. Olander, B.M. Steenari, Biomass Bioenerg. 8 (1995) 105.
  • 20
    J.A. Kleypas, R.W. Buddemeier, D. Archer, J.P. Gattuso, C. Langdon, B.N. Opdyke, Sci. 284 (1999) 118.
  • 21
    M.K. Misra, K.W. Ragland, A.J. Baker, Biomass Bioenerg. 4 (1993) 103.
  • 22
    R.L. Lehman, J.S. Gentry, N.G. Glumac. Thermochim. Acta 316 (1998) 1.
  • 23
    P.S. Santos, Ciência e tecnologias de argilas, vol. 1. Edgard Blucher, S. Paulo (1989).
  • 24
    M. Nascimento, M.B.M. Monte, F.E.L. Loureiro, “Agrominerais-potassio”, in: A.B. Luz, F.A. Lins, Rochas e minerais industriais, CETEM, Rio de Janeiro (2008).
  • 25
    B.K. Simpson, J.H. Oldham, A.M. Martin, Agric. Wastes 13 (1985) 69.
  • 26
    O.E. Taiwo, F.A.O. Osinowo, Bioresour. Technol. 79 (2001) 95.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2017
  • Revisado
    18 Out 2017
  • Aceito
    12 Dez 2017
Associação Brasileira de Cerâmica Av. Prof. Almeida Prado, 532 - IPT - Prédio 36 - 2º Andar - Sala 03 , Cidade Universitária - 05508-901 - São Paulo/SP -Brazil, Tel./Fax: +55 (11) 3768-7101 / +55 (11) 3768-4284 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ceram.abc@gmail.com