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Aspectos teóricos e práticos sobre a resistência mecânica de porcelanas

Theoretical and practical aspects on the mechanical strength of porcelains

Resumos

As propriedades finais de uma porcelana tradicional, incluindo sua resistência mecânica, são conseqüência do processamento cerâmico que lhe deu origem, desde as matérias-primas e suas características, processo de conformação e temperatura, tempo, tipo e atmosfera de queima. Estes fatores determinam a complexidade da microestrutura, a partir do desenvolvimento de fases que promovem. São na sua maioria variáveis de difícil controle, tornando difícil a previsão das propriedades finais e, dentre essas, a resistência mecânica do corpo cerâmico. Desde o século passado, várias teorias surgiram na tentativa de se explicar os fenômenos que governam a resistência mecânica. Algumas dessas foram recentemente revisadas devido à disponibilidade de novas técnicas analíticas. Este trabalho apresenta um overview da literatura sobre resistência mecânica de porcelanas, utilizando trabalhos de vários pesquisadores e acrescendo dados de investigações próprias e recentes sobre o tema.

cerâmica; porcelana; resistência mecânica


The properties of traditional porcelain, including its mechanical strength, are a consequence of the ceramic processing that formed the piece, and then, raw materials and their characteristics, forming process, firing atmosphere, time and temperature. These parameters determine the complexities of microstructure and phase development, which are difficult to be controlled and makes almost impossible to predict porcelain final properties. Since the last century, many theories have been developed to explain the strength of porcelain, and some have recently been revised and improved due to the development of new analytical techniques. This work shows an overview on the literature, which comprises new discussions and theories about porcelain strength, including authors´ own investigations.

ceramics; porcelain; mechanical strength


Aspectos teóricos e práticos sobre a resistência mecânica de porcelanas

Theoretical and practical aspects on the mechanical strength of porcelains

S. R. Bragança; C. P. Bergmann

Laboratório de Cerâmicos - LACER Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Av. Osvaldo Aranha, 99/705c. Porto Alegre, RS, 90035 -190 saulorb@ufrgs.br

RESUMO

As propriedades finais de uma porcelana tradicional, incluindo sua resistência mecânica, são conseqüência do processamento cerâmico que lhe deu origem, desde as matérias-primas e suas características, processo de conformação e temperatura, tempo, tipo e atmosfera de queima. Estes fatores determinam a complexidade da microestrutura, a partir do desenvolvimento de fases que promovem. São na sua maioria variáveis de difícil controle, tornando difícil a previsão das propriedades finais e, dentre essas, a resistência mecânica do corpo cerâmico. Desde o século passado, várias teorias surgiram na tentativa de se explicar os fenômenos que governam a resistência mecânica. Algumas dessas foram recentemente revisadas devido à disponibilidade de novas técnicas analíticas. Este trabalho apresenta um overview da literatura sobre resistência mecânica de porcelanas, utilizando trabalhos de vários pesquisadores e acrescendo dados de investigações próprias e recentes sobre o tema.

Palavras-chave: cerâmica, porcelana, resistência mecânica.

ABSTRACT

The properties of traditional porcelain, including its mechanical strength, are a consequence of the ceramic processing that formed the piece, and then, raw materials and their characteristics, forming process, firing atmosphere, time and temperature. These parameters determine the complexities of microstructure and phase development, which are difficult to be controlled and makes almost impossible to predict porcelain final properties. Since the last century, many theories have been developed to explain the strength of porcelain, and some have recently been revised and improved due to the development of new analytical techniques. This work shows an overview on the literature, which comprises new discussions and theories about porcelain strength, including authors´ own investigations.

Keywords: ceramics, porcelain, mechanical strength.

INTRODUÇÃO

Após a escolha das matérias-primas, sua formulação e conformação, é durante a queima da porcelana que reações termicamente ativadas se processam no interior da massa cerâmica promovendo a formação das fases que vão determinar a resistência mecânica final do produto cerâmico. Os fenômenos que ocorrem durante a queima foram extensivamente estudadas por diversos autores, em artigos como de Lundin [1], Schüller [2], Mattyasovszky-Zsolnay [3], que levantaram hipóteses para explicar a resistência mecânica daí decorrente. Mais recentemente, com o aprimoramento de algumas técnicas analíticas, onde se destacam a microscopia eletrônica de varredura com a análise química puntual por microssonda e a análise quantitativa de fases por difração de raios-X, novas investigações foram realizadas, procurando-se elucidar o complexo sistema que envolve a estruturação destes materiais cerâmicos. Assim, pode-se salientar os trabalhos publicados de Jackson [4], Kobayashi [5], Carty [6, 7, 8], Iqbal [9, 10], Ohya [11], entre outros. É possível pela análise desses trabalhos encontrar novos subsídios para a compreensão dos fatores que concorrem para a definição da resistência mecânica em porcelanas, e que podem também ser estendidos para a compreensão das variáveis que regem a resistência mecânica de outros produtos triaxiais.

No trabalho de Carty [6], foram destacadas três hipóteses para explicar a resistência mecânica das porcelanas: i) a influência da mulita; ii) o reforço da matriz por compressão da fase vítrea e iii) a presença de partículas dispersas. A esses podem ser acrescidos: iv) relação entre a presença de quartzo e cristobalita, v) efeito da porosidade e vi) influência do tipo de fundente, que serão a seguir analisados.

Influência da mulita

Zoellner (em [6]) postulou que a resistência mecânica só dependia do intertravamento (como feltro) de finas agulhas de mulita. Versões posteriores indicavam que a resistência mecânica aumentava com o aumento da quantidade de mulita (Cook, 1951; Mattyasovszky-Zsolnay, 1957, em [6]). Em temperaturas mais elevadas, a mulita tornar-se-ia mais espessa, levando a um menor número de grãos (maiores) de mulita que não se entrelaçariam tão bem e a resistência mecânica decresceria. Assim, a temperatura e quantidade de mulita seriam fundamentais para se alcançar a resistência desejada. A mulita secundária, devido à forma acicular e ao menor diâmetro da agulha, deveria aumentar mais a resistência que a primária. A Fig. 1 ilustra a morfologia da mulita primária e da secundária.


Investigando por difração de raios X, Sane e Cook [13] concluem que as amostras de maior resistência mecânica estavam correlacionadas com a maior quantidade de mulita e de fase vítrea. Amostras queimadas em temperaturas superiores (1240 ºC-1280 ºC) mostraram um maior teor de vidro, o que não levou, no entanto, a um acréscimo na resistência mecânica. Maiores temperaturas de queima são favoráveis à formação de mulita, dependendo esta ainda da granulometria das matérias-primas e da presença de fundentes fortes. Estes, juntamente com a redução de granulometria, levam a maior formação de fase vítrea e diminuição da quantidade de mulita.

Embora tenha sido mencionado por Carty, o trabalho de Mattyasovszky-Zsolnay [3] deixa claro na conclusão que "a resistência de porcelanas depende de sua fase vítrea, não sendo observado nenhum efeito do teor de mulita". Este autor salienta, porém, a importância do tamanho de partícula do quartzo como fator predominante na resistência mecânica de porcelanas. Considerando principalmente as diferenças entre a expansão térmica da matriz e da partícula, o mesmo autor é defensor da teoria da pré-tensão. Mesmo que esta teoria não seja aceita de forma unânime, os resultados experimentais são inquestionáveis, de modo que as relações de tamanho de partícula e quantidade de quartzo dissolvido são de grande valia.

P. Rado [14] observou que aumentando a quantidade de fases cristalinas, tem-se um aumento da resistência mecânica e uma redução na translucidez. O aumento da dissolução de quartzo acentua a reação entre a fase líquida e a mulita, levando ao consumo desta. Como conseqüência, tem-se a diminuição da resistência mecânica, já que o autor considera a mulita primária a principal responsável pela resistência mecânica.

As reações entre a fase vítrea e a mulita foram estudadas por Schüller [2], variando a composição de fundentes, granulometria do quartzo e temperatura de queima. O autor postulou que o teor de mulita pode variar bastante em porcelanas, pois a intensidade de sua reação com a fase vítrea pode variar, dependendo das condições experimentais. Os principais fatores que afetam a intensidade dessa reação são a temperatura, a granulometria das matérias-primas, o teor de quartzo e a composição química dos feldspatos. Estes parâmetros determinam diretamente a composição da fase líquida que, por sua vez, afeta diretamente a microestrutura [2]. Por conseguinte, a resistência mecânica está interligada a estes parâmetros. O ataque da mulita pela fase líquida é uma conseqüência da dissolução do quartzo, pois o enriquecimento de sílica deixa o líquido ávido por alumina, para restaurar o equilíbrio de todo sistema [15]. Amostras sem sílica não apresentaram reação entre a fase líquida e a mulita e somente em fase líquida rica em sílica a mulita (secundária) é dissolvida durante a queima. Feldspatos sódicos aumentam o ataque da mulita primária em maiores temperaturas [2].

Condizente com o trabalho de Schüller, mas utilizando análise quantitativa de fases por difração de raios X, Becker et al. [16] concluíram que a formação de mulita (total) é diretamente relacionada com a quantidade de quartzo que permanece na amostra, existindo uma forte relação da dissolução do quartzo com a dissolução da mulita.

O trabalho de Kobayashi [5], valendo-se de técnicas posteriores à época do estudo de Mattyasovszky-Zsolnay, registrou que para o intervalo de temperatura de 1150-1350 ºC, como mostra a Fig. 2, o teor de mulita (sem distinção entre primária e secundária) pouco varia, não podendo ser relacionado com a resistência mecânica em seus experimentos. No entanto, neste trabalho, o autor não menciona o tamanho de grão da fase. Por outro lado, assume que a influência do teor de quartzo tem uma importância bem maior do que o teor de mulita, tendo-se, portanto, que se avaliar cuidadosamente a presença desta fase.


Resultados semelhantes foram encontrados por Carty [8]. Este afirma que após a saturação da sílica na fase vítrea que se completa em duas horas a 1260 ºC, não há mais dissolução de quartzo e o teor de mulita é constante entre 1150 ºC e 1400 ºC. Baseado em resultados experimentais por difração de raios X de pós, o autor propõe que a fase vítrea para porcelanas comercias é a mesma, e a razão álcali/alumina é constante entre 1150 ºC e 1400 ºC. A quantidade de fase vítrea, no entanto, depende da temperatura e do teor de fundente, não sendo alterada após um tempo crítico de patamar (um mínimo de duas horas, no trabalho do autor). As conclusões do trabalho de Carty podem ser consideradas bastante questionáveis, embora sejam baseadas em dados experimentais.

Baseando-se nas investigações dos autores citados acima [2, 5, 8, 16], pode-se dizer que as características da fase vítrea determinam as reações com a mulita, principalmente a secundária, mas a quantidade total de mulita pouco varia, considerando-se as limitações de uma análise quantitativa por difração de raios X. É interessante notar que a mulita primária de menor tamanho e maior teor de alumínio em relação a secundária (conforme Iqbal [10]) apresenta menor reação com a fase líquida, dependendo de sua vizinhança. Isto é devido às diferenças nas microrregiões onde se encontram essas fases. A mulita secundária cristaliza justamente na fase vítrea, sendo conhecida a baixa mobilidade iônica na fase vítrea de porcelanas [4]. Portanto, uma porcelana possui propriedades específicas em suas microrregiões, sendo um corpo heterogêneo. Isso leva a crer que, a menos que condições experimentais extraordinárias, como temperaturas muito elevadas e patamares muito longos sejam empregados, o teor total de mulita deve variar pouco na faixa de queima comercial e sua contribuição à resistência mecânica deve ser similar a de uma fase cristalina qualquer.

Khandelwal e Cook [em 9] compararam a resistência mecânica em dois corpos cerâmicos com quartzo e constataram que a amostra de menor teor de mulita apresentou maior resistência mecânica. Os autores concluem que, embora a proposta original de associação entre a mulita secundária e a resistência mecânica fosse plausível, evidências sugerem que a resistência de uma porcelana não é resultado direto só do teor de mulita: de um modo geral, a quantidade de mulita não varia para porcelanas queimadas entre 1150 ºC e 1400 ºC, embora para a resistência mecânica dessas porcelanas, a literatura reporta uma significativa dispersão de valores. O teor de mulita secundária está relacionado com o teor de quartzo dissolvido (saturação de sílica e alumina na fase vítrea), portanto, variações de uma fase estariam associadas à variação de outra e, conseqüentemente, diferenças na quantidade total de fases cristalinas. Então, o fator de maior importância na estimativa da resistência mecânica é a quantidade de fases cristalinas. Assim, o excesso de dissolução de quartzo leva a diminuição da resistência mecânica [5, 17]. Porcelanas elétricas que utilizam alumina, que não se dissolve na fase líquida, possuem resistência bem maior que porcelana comum [18]. Mais, a porcelana de osso ("bone china") possui maior resistência mecânica e significativa maior tenacidade que a porcelana dura, devido ao maior teor de fases cristalinas [19].

Reforço por compressão da matriz

A diferença de expansão térmica entre a matriz (fase vítrea) e as partículas dispersas (quartzo e alumina) ou pelas fases formadas durante a queima (como mulita e cristobalita), produz uma forte tensão compressiva sobre o vidro, o que aumenta a resistência mecânica de porcelanas. Esta teoria, também chamada de teoria da pré-tensão (prestressed theory), foi proposta por Dietzel [em 14] provavelmente em analogia ao concreto protendido. Pode-se ressaltar também que em vidros comerciais, vários métodos para aumentar a resistência mecânica são baseados no aumento da tensão de compressão sobre a superfície, ocorrendo o mesmo para vidrados em pisos e porcelanas [20].

Para uma partícula esférica em um meio isotrópico, a diferença de expansão térmica pode levar à tensão radial e tangencial. A tensão total, na partícula é dada por [21]:

onde s p é a tensão total na partícula, Da a diferença de expansão térmica entre a matriz vítrea e a partícula, DT o intervalo de resfriamento do sistema matriz-partícula, nm o coeficiente de Poisson da matriz, np o coeficiente de Poisson da partícula, Em o módulo de elasticidade da matriz, e Ep o módulo de elasticidade da partícula.

A natureza das trincas em porcelanas depende dos coeficientes de expansão da matriz e das partículas. Se a partícula contrai mais que a matriz, então sp < 0, o que resulta em uma trinca na interface em volta das partículas (Figs. 3 e 4). Este é o caso para a partícula de quartzo em uma matriz de feldspato vítreo, a exemplo do que pode ocorrer em uma porcelana. A tensão gerada associada à trinca pode ser severa devido à transformação do quartzo no resfriamento. Se a matriz contrai mais que a partícula, então sp > 0, o que resulta em trincas radiais que emanam da partícula, que ao se conectarem, baixam a resistência mecânica. Para porcelanas, não há evidências desse fenômeno; uma vez que a matriz é vítrea, contraindo no resfriamento normalmente menos que fases dispersas no seu interior [6, 21].



Em Mattyasovszky-Zsolnay [3], um cálculo da tensão compressiva devido ao quartzo sobre a matriz chegou a valores entre 100 a 400 MPa. A pré-tensão é proporcional à superfície total de todos grãos de quartzo por unidade de volume da porcelana e chega ao máximo quando o raio do grão de quartzo é 3 vezes a espessura da camada de quartzo dissolvido ao redor do grão. Nestas condições, cerca de 70% do quartzo original está dissolvido. O material da matriz tem forte influência sobre a pré-tensão, principalmente no que tange aos fundentes e sua atuação sobre a dissolução de quartzo. São preferidos os fundentes que agem principalmente na temperatura de maturação, enquanto fundentes fortes têm um intervalo de atuação mais restrito.

Masson (em [14]) foi um dos primeiros autores a contestar a teoria da pré-tensão, enquanto outros pesquisadores defendiam que dependendo do teor de quartzo a teoria poderia ser aplicável ou não. A controvérsia foi devida à constatação experimental de que em uma porcelana dura (elevada temperatura de queima), a resistência mecânica diminuiu para teores crescentes de quartzo no intervalo entre 15% e 25% e aumentou para teores de quartzo acima de 30%.

P. Rado [14] explica em seu artigo que o aumento do teor de quartzo em amostras de elevado teor deste material não promove mais a dissolução do mesmo na fase vítrea devido à saturação de sílica na fase vítrea, de modo que a presença de partículas de quartzo restringe a propagação das trincas de Griffith. No caso de porcelanas de baixo teor de sílica, a resistência mecânica é governada pela presença de mulita. O autor ainda acrescenta que a heterogeneidade da composição química do vidro deixa os cálculos teóricos de pré-tensão quase impossíveis.

Se a teoria de pré-tensão fosse totalmente correta, porcelanas com quartzo (coeficiente de expansão térmica de 22,13 x 10-6 K-1 entre 25 e 700 ºC) apresentariam sempre maior resistência mecânica do que porcelanas com a alumina (coeficiente de expansão linear igual a 8,07 x 10-6 K-1 entre 25 e 700 ºC), o que não acontece na realidade [17]. Austin et al. (em [9]) constatou que quando se acrescentava 20% de alumina em uma cerâmica triaxial, às custas do quartzo, melhoravam as propriedades mecânicas sem afetar a retração, sem grandes modificações na temperatura e ciclo de queima. A troca de quartzo por alumina reduz a diferença do coeficiente de expansão térmica entre a fase vítrea e a fase cristalina. Em conseqüência, a possibilidade de trincamento decresce e a resistência mecânica da porcelana é aumentada.

Face ao que foi apresentado, principalmente em relação ao fato de porcelanas com alumina terem resistência mecânica bem mais elevada que porcelana com quartzo, é possível concluir que o mecanismo de fortalecimento por aumento da tensão compressiva sobre a fase vítrea não é efetivo em porcelanas. A presença de trinca periférica às partículas de quartzo alivia a tensão de compressão. Por outro lado, essa trinca e possível interconexão de trincas geradas pela diferença de expansão térmica entre o quartzo e a matriz é considerado o fator limitante da resistência de porcelanas, dependendo do diâmetro de partícula do quartzo, conforme relatado por diversos autores [5, 6, 11, 22]. O aumento de tensão compressiva sobre o vidro só seria efetivo se atuasse significativamente sobre a superfície de uma porcelana sem trincas, defeitos ou poros que comprometem a resistência do vidro formado.

Presença de partículas dispersas

A presença de partículas cristalinas dispersas na matriz vítrea atua no sentido de barrar a propagação de trincas de Griffith, o que aumenta a resistência mecânica e a energia de fratura. Hasselman [23], em um trabalho experimental, utilizando esferas de alumina em uma matriz vítrea com coeficiente de expansão térmica similar entre as fases, observou que com baixo volume de fase dispersa, a resistência mecânica era função do volume (quantidade) da fase dispersa. Já com alto volume de fase dispersa, a resistência mecânica era função do volume e do diâmetro de partícula da fase dispersa.

Mayte (em [6]) constatou que se substituindo uma quantidade de quartzo por silimanita e, em outro experimento, substituindo-se uma quantidade de feldspato por cordierita (mais refratária), aumentava a resistência mecânica, uma vez que ambos funcionavam como sólidos dispersos. Do mesmo modo, a adição de alumina ou zircônia em porcelanas, segundo Blodgett e Harada (em [6]), também aumentava a resistência mecânica devido ao mecanismo de dispersão.

A relação entre o diâmetro de partícula de quartzo e o tipo de fratura foi estudada por Warshaw e Seider [17]. Estes autores demonstraram que, para partículas de diâmetro de 50 a 150 µm, ocorre fratura periférica no grão ou no seu entorno e fratura interconectada na matriz. Para partículas de diâmetro entre 25 e 50 µm, nota-se fratura periférica menos severa e raramente fratura na matriz. Para partículas de diâmetro menor que 10 µm, raramente ocorre fratura periférica e não foi encontrada fratura interconectada na matriz. A resistência mecânica máxima foi obtida para partículas de 25 µm, pois menor diâmetro leva a excessiva dissolução e conseqüente menor efeito de contenção à propagação de trincas, enquanto diâmetros maiores que 25 µm levam a fraturas interconectadas na matriz, similares às radiais. Portanto, para o diâmetro de partícula 25 µm há uma inflexão na curva de resistência mecânica, como confirmam dados de expansão térmica e absorção de água e pode ser constatado por análise da microestrutura. Salienta-se que, como demonstra a Fig. 5, não ocorre variação significativa na resistência mecânica para tamanho de grão entre 3 µm e 25 µm.


Warshaw e Seider constataram ainda um aumento da resistência mecânica com o teor de alumina, mas observaram que na análise da influência do tamanho de partícula, não há um ponto de inflexão como na curva do quartzo (Fig. 5). A diminuição gradual da resistência mecânica com o aumento do tamanho de partícula da alumina foi imputada à diminuição do número de partículas por unidade de volume. Para partículas pequenas de alumina de aproximadamente 2 µm, ocorre a formação de aglomerados, o que explicaria a diminuição da resistência mecânica para esta faixa granulométrica na Fig. 5.

Em experimento realizado por Kobayashi [5], foi encontrada uma resistência mecânica máxima para temperaturas de queima de 1200 ºC, apesar da elevada porosidade fechada de 8%. Em temperaturas mais altas, mesmo com a diminuição de porosidade, houve um decréscimo na resistência mecânica. Segundo esse autor, a temperaturas superiores a 1200 ºC, o quartzo residual, que impede a propagação de trinca, é dissolvido, reduzindo a quantidade do mesmo. O autor encontrou que o tamanho ideal da partícula de quartzo foi de 10 a 30 µm. Assim, partículas de grão de quartzo mais grosseiro permitem a expansão por bloating antes de atingir a retração máxima e partículas muito pequenas são dissolvidas em excesso. Matttyazovszky-Zsolnay [3] já demonstrara que partículas de quartzo menores que 25 µm reduziam a resistência mecânica devido à excessiva dissolução, embora o autor atribuísse à diminuição da pré-tensão sobre a fase vítrea. À semelhança do trabalho de Kobayshi, Ece e Nakagawa [22] obtiveram uma resistência mecânica máxima em amostras de porcelana com tamanho de grão de quartzo de 10 a 30 µm, para a queima entre 1300 e 1350 ºC. Esses autores explicaram que a fratura inicia de falhas que eram microtrincas em volta dos grãos de quartzo atuando como conectores entre os poros fechados.

Schüller provou que a tensão radial predomina em porcelanas de baixa quantidade de quartzo, enquanto a tensão tangencial prevalece em elevada quantidade de quartzo. Assim, diferentes conteúdos de quartzo resultam na variação da resistência mecânica. A influência do tamanho de partícula, sendo o tamanho ótimo entre 10-30 µm, poderia ser explicada por esta teoria também [24].

O microscópio eletrônico de transmissão e o monitoramento de emissões acústicas foram utilizados por Ohya e Takahashi [11] na investigação da microestrutura de porcelanas. Esses autores encontraram em micrografias (Figura 6) trincas periféricas ao redor das partículas de quartzo. Com base nessas evidências, afirmaram que estas trincas se formaram em conseqüência da diferença de expansão térmica entre o quartzo e a matriz durante o resfriamento no intervalo de temperaturas entre 900-800 ºC, como indicaram as detecções de emissões acústicas. Assim, a tensão gerada no resfriamento não seria aliviada pela fase vítrea. O trincamento ocorreria nessa faixa de temperatura, antes da transição quartzo-b para quartzo-a , a 573 ºC. Nesta temperatura, o equipamento de emissão acústica não detectou nenhuma descontinuidade, eventualmente pela sensibilidade abaixo da necessária [11].


Pinto e Carty [7] investigaram a tensão residual de grãos de quartzo e de alumina, empregados como filler em porcelanas. Nesse estudo, foi utilizada a técnica de Bragg-Brentano de difração de raios X que permite quantificar a mudança de espaçamento em planos cristalográficos. Os resultados mostraram que utilizando um tamanho de partícula inicial maior de quartzo ou de alumina, a tensão residual também aumentava, chegando ao máximo para partículas de 87 µm para quartzo e 150 µm para alumina (onde inicia o microtrincamento dos grãos, aliviando a tensão), sendo que o quartzo apresentou uma maior tensão residual. Baseados nestes resultados, os autores afirmam que o trincamento ocorre dentro do grão e não na fase vítrea, de modo que a tensão no grão é radialmente trativa e tangencialmente compressiva. Os autores explicaram que as trincas circunferenciais normalmente encontradas nas micrografiais são conseqüência da preparação da amostra ou um erro de identificação da trinca dentro do grão. Reforçam sua teoria pela contagem de emissões acústicas que ocorrem sobre carregamento, atribuindo-as ao microtrincamento dos grãos de quartzo.

Uma limitação da teoria proposta por Pinto e Carty é que se baseia na formação de um vidro pristino, de elevada resistência mecânica, maior que a resistência mecânica do quartzo e também da alumina. Entretanto, os resultados experimentais são interessantes e a quebra de partículas de quartzo deve contribuir para o enfraquecimento do corpo, não sendo descartada a possibilidade de ocorrer propagação da trinca na matriz e simultaneamente a quebra das partículas mais frágeis. Além disso, encontram-se na microestrutura partículas de quartzo já trincadas espontaneamente (Fig. 7), ou seja, antes do carregamento, provavelmente, devido à tensão em conseqüência da anisotropia da expansão térmica ou liberação da tensão induzida na preparação dos materiais. A favor da teoria de quebra das partículas é o fato que porcelanas de quartzo de partículas pequenas (menores que 25 µm) possuírem menor resistência mecânica do que porcelanas de alumina, como ilustrado na Fig. 5, sendo também conhecida a maior tenacidade de porcelanas de alumina.


Para porcelanas que utilizem distribuição de tamanho de partícula de quartzo abaixo de 45 µm (passante em peneira ABNT de abertura 325 mesh), os autores calcularam, por meio da teoria da mecânica da fratura linear elástica, o tamanho de trinca que determina a resistência mecânica. Utilizando-se análise em microscópio eletrônico de varredura foi demonstrado que a referida trinca é formada pela interconexão das trincas originadas ao redor das partículas de quartzo (Figs. 8 e 9). Partículas de quartzo de aproximadamente 45 µm foram encontradas mesmo em temperaturas de queima de 1380 ºC. Portanto, apresentaram baixa dissolução e devem, assim, continuar limitando a resistência mecânica máxima [12, 25]. Assim, para porcelanas que utilizem este tamanho de partícula, o qual é normalmente utilizado nas indústrias, já que menores tamanhos aumentam muito o custo de moagem, a resistência é conseqüência da preparação das amostras. Isto significa a formação de um aglomerado, onde algumas partículas de quartzo estão em contato direto. Em Ece e Nakagawa [22], pode-se observar em micrografias efeito semelhante mesmo para partículas menores.



Relação entre a presença de quartzo e cristobalita

A presença de cristobalita em vez de quartzo geralmente aumenta a resistência mecânica, apesar da cristobalita apresentar uma transformação com variação volumétrica maior no resfriamento do que o quartzo. Isto pode ser explicado por três razões: i) o diâmetro de partícula da cristobalita tende a ser bem menor que do quartzo porque a cristobalita cristaliza em uma matriz vítrea ou provém da conversão direta do quartzo; ii) a cristobalita se forma às custas do quartzo, reduzindo a quantidade deste e iii) a faixa de temperatura de conversão da cristobalita é entre 225 e 250 ºC, bem menor que 573 ºC do quartzo. Isto leva a um menor tensionamento durante o resfriamento. Entretanto, esta temperatura mais baixa pode ser um problema potencial para fadiga cíclica em porcelanas aquecidas e resfriadas em uso, como para porcelanas de cozinha [6].

No estudo realizado por Iqbal e Lee [10], a presença de cristobalita só foi verificada para amostras queimadas em temperaturas superiores a 1400 ºC. Os mesmos autores apresentam micrografia mostrando a transformação do a-quartzo em cristobalita, reproduzida aqui na Fig. 10.


As características mineralógicas do quartzo também afetam sua resistência mecânica, pois quartzos de diferentes origens podem apresentar maior ou menor susceptibilidade a trincas, dissolução e transformação a cristobalita. Dietzel (em [15]) demonstrou que os quartzos, que invertem mais facilmente a cristobalita durante a queima, dissolvem-se rapidamente na fase líquida do corpo de porcelana, o que resulta no aumento da translucidez da peça. Além disso, estes quartzos são mais fáceis de moer, o que também acelera a dissolução (partículas menores), aumentando a translucidez.

Efeito da porosidade

A resistência mecânica de porcelanas diminui exponencialmente com a porosidade como confirmaram vários autores [21, 26]. É relatado que o tipo de porosidade é importante. Em particular, poros interconectados, em vez de isolados, são mais deletérios à resistência mecânica. Do mesmo modo, a posição do poro e o formato de poro devem ser analisados, pois poros arredondados não são tão prejudiciais, de um modo geral, e os poros mais próximos da superfície (como uma trinca) são mais críticos. O tamanho de poro é mais importante que a quantidade de porosidade. Por outro lado, dependendo da sua posição, tamanho e forma, o poro pode ter uma influência positiva no comportamento mecânico, como demonstrou Kobayashi [5], citado anteriormente, por influenciar no módulo de elasticidade (que decresce exponencialmente com o aumento da porosidade). Na queima, ocorre a sinterização, a retração e a expansão da peça devido à expansão volumétrica de gases nos poros e a liberação de oxigênio em conseqüência da decomposição do óxido férrico: 3Fe2O3® 2Fe3O4 + ½ O2 (bloating). Este fenômeno geralmente está associado ao aumento de porosidade na queima em temperaturas mais elevadas [5]. Outros autores ainda sugerem a liberação de gases devido à dissolução do quartzo e cristalização de fases [27].

Salienta-se que só em teores elevados de óxido de ferro pode ocorrer o mecanismo proposto de liberação de oxigênio, pois, caso contrário, o óxido de ferro deve ficar ligado à estrutura do vidro, atuando como fundente e não restando óxido de ferro cristalino.

Segundo Evans et al. (em [28]), o poro aumenta a severidade da trinca por duas razões: a trinca passa a agir como uma falha de superfície porque intercepta a superfície de um poro e, segundo, a trinca fica no campo de tensões do poro. Evans propõe um gráfico para o mecanismo de coalescência entre trinca e poros, mas pouco útil para poros e trincas de tamanhos aproximados. Em seu trabalho, Oral [28] concluiu que a resistência mecânica máxima pode não ser obtida na porosidade mínima, porque nesta não se encontra necessariamente o menor diâmetro de poro. Este, por sua vez, tende a crescer com o aumento de temperatura. Portanto, muitas vezes, a resistência mecânica máxima é obtida antes de se atingir a temperatura de porosidade mínima.

Conforme Warshaw e Seider [17], a porosidade apresenta um efeito bem menos deletério à resistência mecânica do que a formação de trincas internas.

Influência do tipo de fundente

Em princípio, o tipo de fundente afeta todos mecanismos citados, seja na reação da fase vítrea com a mulita, nas propriedades do vidro formado, na quantidade de partículas dispersas, no tamanho final da partícula de quartzo e na formação da porosidade. Assim, um fundente forte aumentará a dissolução de quartzo, determinando a quantidade final e tamanho das partículas dispersas [4].

Fundentes fortes normalmente baixam a temperatura de queima, mas em contrapartida reduzem o intervalo de queima, podendo aumentar a dispersão de valores de resistência mecânica. Simplificadamente, tem-se uma relação entre ciclo e temperatura de queima, tipo de fundente e granulometria do mesmo, na determinação final da porosidade e microestrutura. Resultados experimentais obtidos por Llorens [29] mostraram o problema de se trabalhar com feldspatos sódicos devido a maior deformação piroplástica.

O efeito de diferentes fundentes como feldspatos sódicos e potássicos e nefelina-sienito, conforme formulações no diagrama ternário sílica-leucita-mulita, foi analisado por Becker et al. [16]. De um modo geral, os autores não encontraram variação significativa de propriedades físicas e da resistência mecânica, variando-se a fração em peso de K/(Na+K). Entretanto, para algumas formulações, como a com a razão feldspato sódico/potássico 1:1, foi constatada uma contração elevadíssima, sendo esta explicada pelo eutético no sistema quaternário Na2O-K2O-Al2O3-SiO 2. Seus resultados demonstraram uma forte ligação entre a composição da formulação e a dissolução do quartzo. Como conclusão final, os autores postulam que a composição química total do corpo triaxial determina a evolução das fases, mas a razão K:Na tem pouca influência.

As propriedades de porcelanas feitas com feldspatos sódicos e potássicos foram analisadas por Mörtel et al. [27] em queima rápida. Os autores concluíram que as propriedades finais são fortemente influenciadas pela viscosidade da fase vítrea formada durante a queima. A utilização de feldspato sódico não proporciona a mesma viscosidade elevada que feldspato potássico, porém, aumentando-se o patamar de queima, o feldspato sódico pode levar a uma viscosidade maior que a obtida com feldspato potássico, devido à dissolução do quartzo. Os autores salientam também que as propriedades de porcelanas, como a deformação em queima rápida, são influenciadas por diferenças na taxa de sinterização em diferentes locais em uma mesma peça. Isto é atribuído a diferenças na densidade de empacotamento e conseqüente diferenças na transmissão de calor da parte externa para o interior do corpo cerâmico durante sua queima, salientando assim a importância da homogeneidade dos corpos cerâmicos antes da queima, para a obtenção de uma microestrutura homogênea no corpo cerâmico após queima.

Na fabricação de uma porcelana utilizando-se pó de vidro soda-cálcico em substituição ao feldspato potássico, não foi possível atingir em trabalho recente a mesma resistência mecânica de uma porcelana tradicional, devido a maior quantidade de porosidade fechada e ausência de quantidade significativa de mulita secundária, como conseqüência do menor aporte de Al2O3 na formulação, em comparação ao feldspato potássico [30].

A utilização de nefelina-sianito normalmente aumenta a resistência mecânica. Esta matéria-prima, além de conter menos quartzo livre, resulta em uma matriz vítrea cujo coeficiente de expansão térmica é mais próximo do quartzo, reduzindo o problema de inversão de fase mineralógica no resfriamento [6].

Para porcelanas com elevado teor de fundentes, ocorre pouca dissolução do quartzo e em temperatura baixa já se forma a quantidade necessária de fase vítrea. Utilizando-se baixo teor de fundentes, a temperatura tem que ser aumentada, obtendo-se uma maior quantidade de quartzo dissolvido, criando-se a mesma quantidade de fase vítrea. Portanto, a quantidade de fase vítrea é função da temperatura de queima e quantidade de álcalis, porém a composição da fase vítrea não variaria, conforme anteriormente abordado, como conclusão a partir das investigações de Carty [8]. A composição química da fase vítrea foi calculada subtraindo-se os equivalentes molares das espécies cristalinas da composição global do corpo cerâmico. Baseado nos resultados experimentais obtidos, o autor sugere que a composição química da fase vítrea é a mesma para todas porcelanas em qualquer temperatura, uma vez atingidas as condições de equilíbrio (saturação de sílica na fase vítrea encerrando a dissolução do quartzo). Por conseguinte, o teor de mulita também é invariável para a faixa de queima entre 1150 ºC-1400 ºC. Mas, se a composição da fase vítrea pouco varia, seria difícil explicar diferentes graus de deformação piroplástica das porcelanas. Então, o autor propõe que a diferença de deformação plástica para diversas porcelanas é devida às microheterogeneidades ou microrregiões de diferentes composições químicas dentro de um corpo de porcelana e conseqüentemente diferente viscosidade nestas microrregiões. Sendo mais importante, assim, a taxa de aquecimento do que o patamar de queima. O autor ainda salienta que para a expansão do poro na sobrequeima (bloating) é mais importante a viscosidade local onde o poro se encontra, do que a viscosidade global do sistema fase vítrea mais partículas [31].

Diferenças na composição química da fase vítrea foram constadas também por Iqbal e Lee [10] por análise de EDS.

Então, referente ao exposto pelos diversos autores, pode-se inferir que o modo como estas variações de composição química na fase vítrea e a presença de microrregiões dentro de uma porcelana influenciam sobre a resistência mecânica é difícil de se quantificar. No entanto, variações de deformação piroplástica certamente devem afetar o comportamento mecânico. Do mesmo modo, microrregiões de diferente condutividade térmica devem influenciar nas tensões térmicas geradas no corpo cerâmico. Estes fatores devem possuir uma influência considerável na dispersão de valores de resistência mecânica de porcelanas, que possuem via de regra um baixo módulo de Weibull. Portanto, mais uma vez, na preparação dos corpos-de-prova é fundamental a homogeneização da composição no corpo cerâmico para a obtenção uma porcelana de qualidade homogênea. A influência do tipo de fundente escolhido será em maior ou menor grau, dependo das propriedades físicas da fase vítrea, como viscosidade e condutividade térmica, o que pode ser razoavelmente previsto pelo diagrama de fases, conforme o trabalho de Becker et al. [16].

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

É bem sabido que a microestrutura (quantidade, tamanho, distribuição de tamanho e forma das diversas fases constituintes de um material) apresenta os fundamentos para o entendimento das propriedades de um material. No estudo da resistência mecânica de porcelanas, o tamanho de defeito intrínseco é o principal fator de seu controle e seu papel na concentração de tensões e sua propagação como uma trinca depende muito da microestrutura. O mais simples defeito pode ser um poro, mas a presença da fase vítrea pode gerar poros praticamente esféricos numa matriz altamente densificada, o que pode aumentar a resistência mecânica. Na ausência de poros que comprometam a resistência mecânica, a resistência será determinada pela presença de trincas pré-existentes.

Na formação da microestrutura durante o processamento cerâmico, os principais fatores que vão afetar a resistência mecânica de uma porcelana são: coeficiente de expansão térmica e propriedades termomecânicas de fases circunvizinhas, homogeneidade da distribuição das partículas, fração de volume das diferentes fases, tamanho de partícula das fases cristalinas e as transformações de fase. Portanto, a resistência mecânica é conseqüência das propriedades intrínsecas das matérias-primas, da preparação dos corpos, sendo que os três últimos fatores dependem da extensão do processo de queima.

Experimentos que utilizavam alumina como filler confirmaram que o principal mecanismo de reforço da resistência mecânica é o aumento da resistência à propagação devido à presença de partículas dispersas (aumento da energia específica de superfície). Como porcelanas com alumina substituindo o quartzo são mais resistentes, a teoria de pré-tensão fica prejudicada, já que o quartzo possui coeficiente de expansão volumétrica maior que a alumina. Em outros experimentos, obteve-se uma maior resistência em presença de alumina, mas sem mulita, de modo que a teoria que considera a mulita como fase determinante da resistência mecânica deve ser revisada.

De um modo geral, deve ser otimizado o tamanho de partícula do quartzo, sendo que o tamanho final deve ficar entre 10-30 µm. Isto pode ser obtido pela otimização do tamanho inicial, sendo este influenciado pela quantidade de quartzo dissolvido na fase vítrea, que por sua vez é conseqüência do ciclo térmico e composição química da batelada, em particular da quantidade dos álcalis. A otimização da composição química deve ser baseada nos diagramas de fase, como diagrama ternário sílica-leucita-mulita, assim, a composição da fase vítrea deve se situar na fronteira da formação de mulita, de modo que o excesso da dissolução de quartzo leve a cristalização da mulita, chegando ao equilíbrio e maximizando a quantidade de fases cristalinas (essa observação deve ser vista com as devidas restrições, devido à imprevisibilidade da cinética do processo, heterogeneidade da composição, difusão, etc). Em alguns casos, deve-se cuidar o excesso de retração que pode ser explicado pelo eutético no sistema quaternário Na2O-K2O-Al2O3-SiO 2.

Para uma porcelana comercial que utiliza uma distribuição de tamanho de partículas de quartzo (geralmente passante na peneira ABNT 325 mesh, partículas menores que 45 µm), a resistência mecânica máxima será limitada por uma trinca formada pela diferença entre a expansão térmica entre matriz e grãos de quartzo. O tamanho desta trinca pode ser uma conseqüência da preparação das amostras, devido à formação de aglomerados, onde várias partículas de quartzo ficam próximas uma das outras. Portanto, aumentar a dispersão do filler dentro da matriz, otimizando o processamento, é a chave para aumentar a resistência mecânica. Porém, devido à severidade da trinca, nunca será obtida a mesma resistência que porcelanas que utilizem menores diâmetros de partícula de quartzo.

Como o principal mecanismo de fortalecimento é a atuação como barreira das partículas cristalinas sobre a propagação das trincas, aumentando a energia de fratura, a quantidade do filler deve ser otimizada. Partículas maiores representam uma menor quantidade de partículas por unidade de volume, enquanto partículas muito pequenas (~ 2 µm) podem formar aglomerados. Partículas muito grandes podem romper espontaneamente devido à anisotropia da expansão térmica. O quartzo é um caso peculiar de filler, pois partículas grandes provocam trincas na matriz devido à diferença de expansão térmica entre quartzo e fase vítrea, podendo ocorrer também bloating antes da retração máxima. Já partículas muito finas de quartzo são dissolvidas em excesso, não restringindo à propagação de trincas. Por outro lado, mudanças na composição da fase vítrea, como a utilização de nefelina-sianito, podem diminuir a diferença de expansão térmica entre quartzo e matriz, fortalecendo a porcelana.

Na ausência de trincas de tamanho crítico, seja pela utilização de filler de tamanho de partícula próximo ao ideal, seja pela otimização do preparo das amostras (garantindo a homogeneização das matérias-primas, ou seja, excelente dispersão das partículas de filler), a resistência passa a ser limitada pela própria resistência dos grãos.

Rec. 22/09/03, Rev. 23/03/04, Ac. 12/04/04

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    12 Abr 2004
  • Revisado
    23 Mar 2004
  • Recebido
    22 Set 2003
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