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Davi versus Golias - A resistência dos não-humanos no processo de tradução: o caso do desinteressamento do novo coronavírus

Resumo

Com base na sociologia da tradução, estudamos o caso extremo do novo coronavírus para explorar o papel dos não-humanos nos processos relacionais. Procuramos compreender como líderes de três países tentaram, num processo de tradução, tomar a voz do novo coronavírus, e como o vírus resistiu à imposição de papéis por parte dos atores humanos do estudo. Por meio da análise de declarações, entrevistas e postagens em mídia social destes líderes, sugerimos o processo de desinteressamento, em quatro movimentos. Como contribuição, mostramos como o agente não humano (i) é ativo em termos de participação no processo de tradução, e (ii) possui recalcitrância, pois resistiu aos papéis que lhe foram impostos.

Palavras-chave:
Atuantes não humanos; Desinteressamento; Pandemia da COVID-19; Sociologia da Tradução

Abstract

Based on the sociology of translation, we studied the extreme case of the new coronavirus to explore the role of non-humans in relational processes. We seek to understand how leaders of three countries tried, in a translation process, to take the voice of the new coronavirus and how the virus resisted the imposition of roles by the human actors of the study. Through the analysis of the leaders’ statements, interviews, and social media posts, we suggested the process of disinteressement, in four movements. As a contribution, we show how the non-human actant (i) is active in terms of participation in the translation process, and (ii) resisted the roles imposed.

Keywords:
Non-human actants; Disinteressement; COVID-19 Pandemic; Sociology of Translation

Resumen

Basándonos en la sociología de la traducción, estudiamos el caso extremo del nuevo coronavirus para explorar el papel de los no humanos en los procesos relacionales. Intentamos entender cómo los líderes de tres países intentaron, en un proceso de traducción, tomar la voz del nuevo coronavirus, y cómo el virus resistió a la imposición de roles por parte de los actores humanos en el estudio. A través del análisis de declaraciones, entrevistas y publicaciones en redes sociales de estos líderes, sugerimos el proceso de desinterés, en cuatro movimientos. Como aporte, mostramos cómo el agente no humano (i) es activo en cuanto a participación en el proceso de traducción, y (ii) es recalcitrante, porque resistió los roles que le fueron impuestos.

Palabras clave:
Actores no humanos; Desinterés; Pandemia de COVID-19; Sociología de la traducción

INTRODUÇÃO

“Isto vai acabar com a humanidade sendo vitoriosa sobre outro vírus, não há dúvida sobre isso” (Bruce Aylward, Consultor Sênior do Diretor-Geral da OMS, 2020).

“A epidemia é mais rápida que a nossa burocracia” (Angelo Borelli, Chefe da Defesa Civil Italiana, 2020).

“Esse vírus não negocia com ninguém. Não dá atenção a ninguém. Todas as pessoas que ficaram no seu caminho foram sobrepassadas pelo vírus” (Luiz Henrique Mandetta, Ex-Ministro da Saúde do Brasil, 2020).

A ação recente do SARS-CoV-2 (novo coronavírus daqui em diante), apesar de trágica em seus efeitos (Ali, 2020Ali, I. (2020). The COVID-19 Pandemic: Making Sense of Rumor and Fear. Medical Anthropology, 39(5), 376-379. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/01459740.2020.1745481
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), é uma oportunidade para investigar a participação de elementos não-humanos nas relações organizativas de diferentes sistemas sociais. Particularmente, o esforço de tradução realizado para estabelecer-lhe um papel e falar em seu nome. Conforme Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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, p. 14), falar em nome de entidades que não possuem uma linguagem articulada (e.g., novo coronavírus), supõe “a necessidade de ajustes e dispositivos de interesse contínuos, infinitamente mais sofisticados”.

O novo coronavírus foi identificado pela primeira vez em 31 de dezembro de 2019 em Wuhan na República da China (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2020Tonelli, D. F. (2016). Epistemological origins and affiliations of the Actor-Network Theory: implications for organizational analysis. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395141596
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). Em 11 de março de 2020, os elevados níveis de disseminação do vírus e a severidade da doença causada por ele, levaram a Organização Mundial de Saúde (OMS daqui em diante) a declarar a COVID-19 (doença respiratória causada pelo novo coronavírus) como uma pandemia (OMS, 2020Tonelli, D. F. (2016). Epistemological origins and affiliations of the Actor-Network Theory: implications for organizational analysis. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395141596
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). Desde então, o novo coronavírus provocou transformações na vida das pessoas, e teve repercussões sociais, econômicas, políticas e culturais nos mais diversos sistemas sociais.

Nos estudos organizacionais, apesar de uma relativa aceitação do papel e da participação de não-humanos (e.g., artefatos, ferramentas, teorias) (Woolgar, Coopmans & Neyland, 2009Woolgar, S., Coopmans, C., & Neyland, D. (2009). Does STS mean business? Organization, 16(1), 5-30. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508408098983
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), os estudos ainda estão essencialmente centrados no ser humano (e.g. ausência de simetria), ou consideram questionável (irreal) a relação entre humanos e não-humanos (e.g., simetria absurda) (McLean & Hassard, 2004McLean, C., & Hassard, J. (2004). Symmetrical absence/symmetrical absurdity: Critical notes on the production of actor-network accounts. Journal of Management Studies, 41(3), 493-519. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2004.00442.x
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). Além disso, os estudos exploraram ingenuamente a participação de não-humanos no processo de ação, para além de seu uso instrumental ou condicionado (Law & Singleton, 2005Law, J., & Singleton, V. (2005). Object lessons. Organization, 12(3), 331-355. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508405051270
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). Como afirma Latour (2000Latour, B. (2000). When things strike back: a possible contribution of ‘science studies’ to the social sciences. The British Journal of Sociology, 51(1), 107-123. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1468-4446.2000.00107.x
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, p. 117), “as coisas são injustamente acusadas de serem apenas ‘coisas’”.

Neste estudo, buscamos entender como líderes de três países (Brasil, Itália e Estados Unidos) tentaram, em um processo de tradução, assumir a voz do novo coronavírus; e como o vírus resistiu aos movimentos de imposição de papéis por parte desses líderes. Latour (1992)Latour, B. (2004). Politics of nature: How to bring the sciences into democracy. Cambridge, MA: Harvard University Press. sugere que fazer o pequeno (e.g., novo coronavírus) mais forte que o grande (e.g., países, governos e macro-atores), não é apenas uma questão de simetria analítica, mas certamente também uma questão moral, assim como na história de Davi e Golias.

Baseados na Teoria Ator-Rede (ANT daqui em diante) (Blok, Farias & Roberts, 2020Blok, A., Farias, I., & Roberts, C. (2020). The Routledge Companion to Actor-Network Theory. Abingdon, UK: Routledge.; Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford, UK: Oxford University Press.), adotamos as lentes da sociologia da tradução, que dá espaço para uma análise mais profunda da participação de não-humanos. Essa perspectiva permite a compreensão do processo de produção e estabilização das entidades não-humanas em sistemas heterogêneos de relações (Alcadipani & Hassard, 2010Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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; Lee & Hassard, 1999Lee, N., & Hassard, J. (1999). Organization unbound: Actor-network theory, research strategy and institutional flexibility. Organization, 6(3), 391-404. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/135050849963002
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).

Exploramos, teoricamente, um caso de desinteressamento1 1 Para manter o mesmo senso etimológico do termo interessamento (detalhado mais adiante), adaptamos do termo francês désintéressement. , no qual o processo de tradução não ocorre de forma humana ou politicamente bem ajustada, ou ainda, não atinge um “fim” bem estabilizado e convergente como sugerido por Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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). No processo de desinteressamento - em oposição ao interessamento (Akrich, Callon, Latour & Monaghan, 2002Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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) - mostramos como o vírus resistiu relacionalmente às ofensivas de atores humanos na tentativa de impor papéis e identidades a ele.

REVISÃO DE LITERATURA

Na ANT, há uma mudança ontológica de entendimento do social (Lee & Hassard, 1999Lee, N., & Hassard, J. (1999). Organization unbound: Actor-network theory, research strategy and institutional flexibility. Organization, 6(3), 391-404. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/135050849963002
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; Tonelli, 2016Tonelli, D. F. (2016). Epistemological origins and affiliations of the Actor-Network Theory: implications for organizational analysis. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395141596
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), baseada na ideia de que a sociedade é composta, feita, construída, estabilizada, mantida, (re)montada e contestada (ver Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford, UK: Oxford University Press. para uma explicação excepcional). Além disso, o social não pode ser tomado como uma fonte de causalidade que explica a existência e a estabilidade de alguma outra ação ou comportamento (Cavalcanti & Alcadipani, 2013Cavalcanti, M. F. R., & Alcadipani, R. (2013). Organizations as processes and Actor-Network Theory: John Law’s contribution to Organizational Studies. Cadernos EBAPE.BR, 11(4), 556-568. Retrieved from https://doi.org/10.1590/S1679-39512013000400006
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; Law, 1992Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: Ordering, strategy, and heterogeneity. Systems practice, 5(4), 379-393. Retrieved from https://doi.org/10.1007/BF01059830
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). Uma vez que a sociedade não se refere mais a uma substância ou um domínio da realidade (e.g., estrutura, instituição), o centro de atenção sistemático da teoria ator-rede está em unir múltiplos heterogêneos (McLean & Hassard, 2004McLean, C., & Hassard, J. (2004). Symmetrical absence/symmetrical absurdity: Critical notes on the production of actor-network accounts. Journal of Management Studies, 41(3), 493-519. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2004.00442.x
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, Nicolini 2009). Portanto, reconhece-se a participação de humanos e não-humanos em simetria analítica com o objetivo de entender como as relações entre eles são traduzidas, ou seja, como alguns tipos de entidades passam a representar outras (Greener, 2006Greener, I. (2006). Nick Leeson and the collapse of Barings Bank: Socio-technical networks and the ‘Rogue Trader’. Organization, 13(3), 421-441. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406063491
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).

É importante notar que o termo atuante (actant) indica qualquer coisa que atue no sistema relacional, e ator significa “o que é feito como fonte de uma ação” (Latour, 1992Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford, UK: Oxford University Press., p. 177). Ao resgatar os termos em seu sentido semiótico, estes não se limitam apenas a seres humanos e, portanto, não possuem relação com a definição sociológica do termo ator, em oposição a mero comportamento (Latour, 2005Latour, B. (2004). Politics of nature: How to bring the sciences into democracy. Cambridge, MA: Harvard University Press.). Nesse sentido, ao considerar as múltiplas vozes que compõem a tecitura de uma rede relacional, amplia-se a análise para além de uma compreensão antropocêntrica da realidade (Latour, 2004Latour, B. (2000). When things strike back: a possible contribution of ‘science studies’ to the social sciences. The British Journal of Sociology, 51(1), 107-123. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1468-4446.2000.00107.x
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).

Assim, a sociologia da tradução, como uma proeminente linha de estudos da ANT (Wæraas & Nielsen, 2016Wæraas, A., & Nielsen, J. A. (2016). Translation theory ‘translated’: Three perspectives on translation in organizational research. International Journal of Management Reviews, 18(3), 236-270. Retrieved from https://doi.org/10.1111/ijmr.12092
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), auxilia a explicar de maneira inovadora as relações em ambientes desafiadores (Luoma-aho & Paloviita, 2010Luoma-aho, V., & Paloviita, A. (2010). Actor-networking stakeholder theory for today’s corporate communications. Corporate Communications, 15(1), 49-67. Retrieved from https://doi.org/10.1108/13563281011016831
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). Em outras palavras, possibilita um entendimento amplo e simétrico das redes de relações e suas (trans)formações, ao (i) enfatizar a importância da negociação de papéis, de identidades e de interesses (em processos de tradução) e (ii) reconhecer as entidades não humanas como partes essenciais desses processos.

Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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) teorizou o processo de tradução ao analisar as relações entre múltiplos atuantes, como pesquisadores, pescadores, coletores e ostras na Baía de Saint-Brieuc na França. Devido a uma série de deslocamentos imprevisíveis, o autor descreveu sistematicamente o processo de tradução e detalhou o papel de todos os atuantes (humanos e não-humanos) envolvidos como resultado de várias transformações relacionais. Neste sentido, a tradução vai além da simples substituição ou representação de atores (atuantes) por outros atores em que um simplesmente assume o lugar do outro. O processo envolve expressar o que os outros dizem e querem, por que agem da maneira que fazem, e como se associam uns aos outros.

Diante disso, Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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, p. 19) afirma que traduzir “é estabelecer-se como um porta-voz”. Ou simplesmente tornar-se um ator como efeito do processo relacional, no qual as identidades e os interesses dos múltiplos atuantes estão sob constante negociação e em busca da estabilização (Greener, 2006Greener, I. (2006). Nick Leeson and the collapse of Barings Bank: Socio-technical networks and the ‘Rogue Trader’. Organization, 13(3), 421-441. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406063491
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). Embora essa estabilização seja crucial para a estruturação das relações de poder, são as “lutas” sobre identidades e interesses que podem ser estudadas empiricamente (Bergstrom & Diedrich, 2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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).

Detalhando o processo de tradução nos estudos organizacionais

Em função da diversidade de contextos, fenômenos e objetivos, a abordagem da tradução tem se mostrado uma lente analítica versátil para pesquisadores em estudos organizacionais (Cochoy, 2014Cochoy, F. (2014). A theory of ‘agencing’: On Michel Callon’s contribution to organizational knowledge and practice. In P. S. Adler, P. Du Gay, G. Morgan & M. I. Reed (Eds.), The Oxford handbook of sociology, social theory, and organization studies: Contemporary currents (pp. 106-124). Oxford, UK: Oxford University Press.). De maneira ampla, a perspectiva da tradução permite uma abordagem processual de um fenômeno, pois envolve sistematicamente elementos em negociação, mobilização ou transporte.

Wæraas e Nielsen (2016Wæraas, A., & Nielsen, J. A. (2016). Translation theory ‘translated’: Three perspectives on translation in organizational research. International Journal of Management Reviews, 18(3), 236-270. Retrieved from https://doi.org/10.1111/ijmr.12092
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) identificaram três desdobramentos principais da sociologia da tradução nos estudos organizacionais: (i) teoria ator-rede, (ii) teoria baseada no conhecimento, e (iii) institucionalismo escandinavo. No que se refere a abordagem com bases na teoria ator-rede (ANT), em enfoque no presente estudo, Wæraas e Nielsen (2016)Wæraas, A., & Nielsen, J. A. (2016). Translation theory ‘translated’: Three perspectives on translation in organizational research. International Journal of Management Reviews, 18(3), 236-270. Retrieved from https://doi.org/10.1111/ijmr.12092
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sugerem que a tradução possui três significados (não-excludentes e complementares): (i) o significado político: processo complexo de negociação durante o qual significados, reivindicações e interesses mudam e ganham terreno, frequentemente envolvendo atos de persuasão, jogos de poder e manobras estratégicas; (ii) o significado geométrico: mobilização de atuantes humanos e não humanos em direções diferentes, (iii) o significado semiótico: a transformação do significado que ocorre durante o movimento da rede-ator em questão.

No estudo seminal desta abordagem, Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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) sugere quatro momentos para explicar o processo de tradução, nomeadamente: (i) problematização; (ii) interessamento (interessment); (iii) envolvimento (enrolment); (iv) mobilização. Ao longo deste processo, a identidade dos atuantes, as possibilidades de interação e as margens de manobra são negociadas (Bruce & Nyland, 2011Bruce, K., & Nyland, C. (2011). Elton Mayo and the deification of human relations. Organization Studies, 32(3), 383-405. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840610397478
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).

No momento de problematização, Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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) descreve o primeiro movimento de como atores se tornam indispensáveis na rede da qual fazem parte. Pressupõe-se que há uma alteração na rede de relações induzida/motivada pela (i) participação de novas entidades, (ii) movimento espaço-temporal e/ou mudança geométrica de uma rede já estabelecida, e (iii) necessidade de forjarem-se novas relações. Em virtude desta mudança relacional, um assunto ou uma questão que perturba (ou que passa a perturbar) o sistema relacional precisa ser estabilizado (ainda que provisoriamente) (Luoma-aho & Paloviita, 2010Luoma-aho, V., & Paloviita, A. (2010). Actor-networking stakeholder theory for today’s corporate communications. Corporate Communications, 15(1), 49-67. Retrieved from https://doi.org/10.1108/13563281011016831
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).

Ainda de maneira introdutória, o objetivo desse primeiro momento é estabelecer os atuantes da rede de relações e definir as identidades de cada um em convergência a um ponto de passagem obrigatório (obligatory passage point). Em outras palavras, esse momento refere-se aos esforços de um atuante (ou alguns atuantes) para convencer outros a adotarem a sua visão (Alcouffe, Berland & Levant, 2008Alcouffe, S., Berland, N., & Levant, Y. (2008). Actor-networks and the diffusion of management accounting innovations: A comparative study. Management Accounting Research, 19(1), 1-17. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.mar.2007.04.001
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) e, assim, definir as identidades e os interesses dos outros, os quais se quer envolver e falar em seus nomes (Bergstrom & Diedrich, 2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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).

O segundo momento do processo de tradução refere-se ao interessamento2 2 Callon (1986) justifica a escolha do termo interessamento pelo significado etimológico, ou seja, estar interessado significa ‘estar entre’, ser arquivado. (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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), em que se busca estabilizar a posição dos atores. Neste momento do processo, os atores identificados e os relacionamentos previstos na problematização ainda não foram testados. Ou seja, apesar de haver um cenário relacional pré-planejado (na problematização), este será testado, ajustado ou refutado apenas no interessamento (Akrich et al., 2002Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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). Isso quer dizer que há espaço para que as entidades previamente identificadas (i) possam integrar-se ao plano problematizado, ou (ii) se recusem a participar (total ou parcialmente), do processo de tradução, definindo suas identidades, orientações, motivações e interesses em outras direções (Dambrin & Robson, 2011Dambrin, C., & Robson, K. (2011). Tracing performance in the pharmaceutical industry: Ambivalence, opacity and the performativity of flawed measures. Accounting, Organizations and Society, 36(7), 428-455. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.aos.2011.07.006
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).

O interessamento implica, portanto, em tentativas de um ator (atuante) para convencer os outros de que os interesses que ele definiu para eles estão alinhados com seus próprios interesses (Bergstrom & Diedrich, 2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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). Neste caso, não se trata de um processo direto de aceite ou recusa, e uma variedade de estratégias e mecanismos de persuasão podem ser adotados (Luoma-aho & Paloviita, 2010Luoma-aho, V., & Paloviita, A. (2010). Actor-networking stakeholder theory for today’s corporate communications. Corporate Communications, 15(1), 49-67. Retrieved from https://doi.org/10.1108/13563281011016831
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), uma vez que a identidade e a “geometria” das relações podem ser modificadas ao longo deste momento. Em geral, as ofensivas para interessar os outros devem ser vistas como tentativas de definir e impor formas contingentes de ordem social por um (conjunto de) atuante (s) específico (s) (Callon & Law, 1982Callon, M., & Law, J. (1982). On interests and their transformation: enrolment and counter-enrolment. Social Studies of Science, 12(4), 615-625. Retrieved fromhttps://www.jstor.org/stable/284830
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).

No momento de envolvimento (enrolment), o terceiro do processo de tradução em Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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), busca-se definir e coordenar os papéis dos outros atores. O envolvimento, distanciando-se de um olhar funcionalista, não implica e nem exclui a possibilidade de haver papéis pré-estabelecidos, pois designa um movimento pelo qual um conjunto de papéis inter-relacionados é definido e atribuído aos atores que os aceitam (Bergstrom & Diedrich, 2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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).

O momento de envolvimento (enrolment) está particularmente relacionado a como a ordem provisória, proposta anteriormente, é alcançada (Callon & Law, 1982Callon, M., & Law, J. (1982). On interests and their transformation: enrolment and counter-enrolment. Social Studies of Science, 12(4), 615-625. Retrieved fromhttps://www.jstor.org/stable/284830
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). Os envolvidos (enrolled) são entendidos como aqueles que tiveram seus papéis e interesses construídos ou traduzidos, e então, passaram a entender a situação em conformidade com os termos (e.g., papéis, identidades, interesses, objetivos) que os conectam com a rede de relações (Whittle & Spicer, 2008Whittle, A., & Spicer, A. (2008). Is actor network theory critique? Organization Studies, 29(4), 611-629. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840607082223
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).

O quarto momento refere-se à mobilização de aliados no arranjo relacional. Neste movimento de estabilização, uma série de intermediários e equivalências leva à designação de um porta-voz (Bergstrom & Diedrich, 2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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). Ao tomar a voz e falar em nome dos diversos atuantes, o ator-representante acaba por reforçar os papéis, identidades e objetivos previamente negociados, os quais passam a compor uma questão de indiferença. Assim que for alcançado um consenso, as margens de manobra de cada entidade serão fortemente delimitadas.

Neste momento final, “a rede pode atuar como uma única unidade, que pode ser distinguida do seu ambiente como um objeto (ator-rede) com sua própria identidade consistente” (Callon & Law, 1997Callon, M., & Law, J. (1997). After the individual in society: Lessons on collectivity from science, technology and society. Canadian Journal of Sociology, 22(2), 165-182. Retrieved from https://doi.org/10.2307/3341747
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, p. 170). Contudo, sua estabilidade não advém apenas da ligação entre elementos, porque cada entidade constitui uma rede em si, de modo que qualquer mudança nas entidades de uma rede-de-atores gera transformações na própria rede (Sayes, 2014Sayes, E. (2014). Actor-Network Theory and methodology: Just what does it mean to say that non-humans have agency? Social Studies of Science, 44(1), 134-149. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0306312713511867
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). Portanto, mesmo que convergências sejam alcançadas, elas são sempre frágeis, precárias e transitórias (Greener, 2006Greener, I. (2006). Nick Leeson and the collapse of Barings Bank: Socio-technical networks and the ‘Rogue Trader’. Organization, 13(3), 421-441. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406063491
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).

Nem sempre o processo de tradução ocorre da maneira pretendida, ou ainda, após uma tradução (temporariamente) bem-sucedida, algo ou alguém pode romper com a rede. Por exemplo, Bergstrom e Diedrich (2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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) apontaram o movimento de dissidência, em que atuantes não seguiram os caminhos (papéis e identidades) que lhes haviam sido (relacionalmente) imputados. Outras formas de “imperfeição” na tradução são (i) o contra envolvimento (conter-enrolment), baseado em uma disputa para definir a problematização em torno da qual essa rede de relações mobilizar-se-á (Vickers & Fox, 2005Vickers, D., & Fox, S. (2005). ‘Powers in a factory’ in Actor-Network Theory and organizing. In B. Czarniawska & T. Hernes (Eds.), Actor-Network Theory and Organizing(pp. 129-144). Frederiksberg, Denmark: Copenhagen Business School Press.), e (ii) o processo de dissociação (disentanglement), em que após mobilizada a rede de relações, atores (atuantes humanos ou não-humanos) tentam se desassociar da “entidade feita ator” que as mobilizou anteriormente (Greener, 2006Greener, I. (2006). Nick Leeson and the collapse of Barings Bank: Socio-technical networks and the ‘Rogue Trader’. Organization, 13(3), 421-441. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406063491
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).

Por fim, cabe salientar que, ao invés de quatro momentos separados, linearmente sequenciados, a abordagem da tradução considera o desenvolvimento de qualquer rede de relações um processo complexo com progressões múltiplas, cumulativas e conjuntivas de atividades convergentes, paralelas e/ou divergentes (Alcouffe et al., 2008Alcouffe, S., Berland, N., & Levant, Y. (2008). Actor-networks and the diffusion of management accounting innovations: A comparative study. Management Accounting Research, 19(1), 1-17. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.mar.2007.04.001
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) As distinções entre os quatro momentos não são dadas imediatamente a priori e não implicam em uma diferenciação temporal implícita (Bergstrom & Diedrich, 2011Bergström, O., & Diedrich, A. (2011). Exercising social responsibility in downsizing: Enrolling and mobilizing actors at a Swedish high-tech company. Organization Studies, 32(7), 897-919. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840611407019
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). No entanto, como heurísticas analíticas ou conceitos sensibilizadores (Whittle & Spicer, 2008Whittle, A., & Spicer, A. (2008). Is actor network theory critique? Organization Studies, 29(4), 611-629. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840607082223
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), esses momentos ajudam a descrever o processo complexo pelo qual os atores/atuantes foram estruturados em uma rede de relação, levando-os a aceitar o sistema relacional em que vozes são silenciadas, e atores são forjados (Bruce & Nyland, 2011Bruce, K., & Nyland, C. (2011). Elton Mayo and the deification of human relations. Organization Studies, 32(3), 383-405. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840610397478
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).

METODOLOGIA

Nesta investigação, nós buscamos explorar como líderes de três países estabeleceram relações para tomar a voz do novo coronavírus e falar em seu nome, o que Callon (1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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) chamou de ‘desinteressamento’ (interessement). Nesse processo de análise, ficamos atentos, de forma simétrica, à participação do novo coronavírus no processo de tradução. Para cumprir a visão simétrica, (i) tratamos o novo coronavírus como um fato social (Latour, 2000Latour, B. (2000). When things strike back: a possible contribution of ‘science studies’ to the social sciences. The British Journal of Sociology, 51(1), 107-123. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1468-4446.2000.00107.x
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), (ii) abordamos o processo de tradução como uma troca de propriedades entre atuantes humanos e não humanos (Hawkins, 2015Hawkins, B. (2015). Ship-shape: materializing leadership in the British Royal Navy. Human Relations, 68(6), 951-971. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0018726714563810
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), (iii) acompanhamos empiricamente o processo de negociação de papéis e identidades entre os atuantes (Latour, 2005).

O novo coronavírus causou uma pandemia (OMS, 2020Tonelli, D. F. (2016). Epistemological origins and affiliations of the Actor-Network Theory: implications for organizational analysis. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395141596
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) com mais de 5 milhões de pessoas infectadas no mundo até 20 de maio de 2020 e impactou na organização de diferentes sistemas sociais (Gudi & Tiwari, 2020Gudi, S. K., & Tiwari, K. K. (2020). Preparedness and lessons learned from the novel coronavirus disease. The International Journal of Occupational and Environmental Medicine, 11(2), 108-112. Retrieved from https://doi.org/10.34172/ijoem.2020.1977
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). Portanto, devido aos seus efeitos, o novo coronavírus torna-se um caso extremo de participação não humana e, portanto, um espaço privilegiado de teorização. Em termos teóricos, o envolvimento do atuante não humano (i.e., novo coronavírus) desestabiliza relações, identidades e papéis que ficam expostos à teorização (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford, UK: Oxford University Press.), isto é, por sofrer modificações (renegociações), estes podem ser rastreados pelo observador.

Além disso, a escolha de Brasil, Itália e Estados Unidos para compor o conjunto de países em estudo foi motivada (i) pelo número expressivo de casos e óbitos em cada país (OMS, 2020Tonelli, D. F. (2016). Epistemological origins and affiliations of the Actor-Network Theory: implications for organizational analysis. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395141596
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), (ii) pela dificuldade política em tratar a situação do novo coronavírus (Greer, King, Fonseca & Peralta-Santos, 2020Greer, S. L., King, E. J., Fonseca, E. M., & Peralta-Santos, A. (2020). The comparative politics of COVID-19: The need to understand government responses. Global Public Health, 15(9), 1413-1416. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/17441692.2020.1783340
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); (iii) pela ilustração de diferentes realidades, localidades e temporalidades de conhecimento e ação sobre a pandemia da COVID-19 (Pisano, Sadun & Zanini, 2020Pisano, G. P., Sadun, R., & Zanini, M. (2020, March 27). Lessons from Italy’s response to coronavirus. Harvard Business Review. Retrieved fromhttps://hbr.org/2020/03/lessons-from-italys-response-to-coronavirus
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). Portanto, apesar de serem casos extremos de proliferação de vírus, esses casos permitiram uma análise dos sistemas relacionais em (des)arranjo, o que trouxe um potencial de teorização único. As relações anteriores que eram estabilizadas e invisíveis para o observador, agora podem ser abordadas em processos explicativos inovadores.

Inicialmente, para cobrir a trajetória espaço-temporal do vírus, incluímos a República da China em nosso estudo. No entanto, como o Estado controla a mídia e restringe o acesso ao discurso direto de seus representantes nos sites oficiais do governo chinês (ao contrário dos demais países analisados), excluímos esse país de nossa análise.

No que se refere à coleta de dados, analisamos as declarações oficiais do líder de cada país, bem como entrevistas com veículos de comunicação e postagens em suas contas oficiais nas redes sociais. Com base na ANT, entendemos esses representantes como porta-vozes. Portanto, não são atores (no sentido individual, autônomo e voluntarista), mas os efeitos de inúmeras traduções anteriores, que foram (mais ou menos) estabilizadas. Nas palavras de Callon e Latour (1981Callon, M., & Latour, B. (1981). Unscrewing the big Leviathan: How actors macrostructure reality and how sociologists help them to do so. In K. Knorr-Cetina, & A. V. Cicourel (Eds.), Advances in Social Theory and Methodology (RLE Social Theory): Toward an Integration of Micro- and Macro-Sociologies. Abingdon, UK: Routledge.), esses representantes são “micro-atores sentados em muitas caixas pretas” (Callon & Latour, 1981, p. 286), em que múltiplas relações sociotécnicas anteriores se tornaram uma questão indiferente para seus participantes.

Os pronunciamentos oficiais foram acessados por meio dos sites oficiais e contas de mídia social (por exemplo, twitter e youtube) de cada governo, que apresentam vídeos e transcrições das declarações na íntegra. Como critérios de inclusão, consideramos os eventos (postagens, entrevistas e depoimentos) direta e expressamente relacionados aos termos novo coronavírus, pandemia e/ou COVID-19. O período de desenvolvimento do estudo inicia-se em 21 de janeiro de 2020 - com o primeiro diagnóstico da COVID-19 em um dos países pesquisados (Estados Unidos) - e se estende até 20 de maio de 2020, com base na saturação teórica do fenômeno a ser analisado, uma vez que não emergiram novos insights teóricos após este período. A análise de dados com base na ANT é uma forma de engajamento com o mundo (Bussular, Burtet & Antonello, 2019Bussular, C. Z., Burtet, C. G., & Antonello, C. S. (2019). The actor-network theory as a method in the analysis of Samarco disaster in Brazil. Qualitative Research in Organizations and Management, 15(2), 176-191. Retrieved from https://doi.org/10.1108/QROM-04-2017-1520
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), e envolve o reconhecimento do emaranhado de relações que se estabelece entre os atuantes. Por essas razões, não conduzimos análises de dados guiadas por métodos estruturalistas de linguagem (e.g., narrativas ou discurso). Essas técnicas acabam priorizando as falas dos atores humanos, dando pouco espaço para teorizações que reconheçam o não-humano e o efeito mediado de sua participação. Portanto, sem nos limitarmos a uma análise estática e descontextualizada dos depoimentos (ver Rantaraki & Vaara, 2017), estamos interessados em compreender o emaranhado de relações heterogêneas que se expressam por meio deles. Elaboramos no seguinte quadro (Quadro 1), o detalhamento dos dados analisados neste período:

Quadro 1
Fontes de dados (21 jan. 2020 - 20 maio 2020)

Com base no material coletado, a análise dos dados foi conduzida de forma temática e indutiva (e.g., Alcouffe et al., 2008Alcouffe, S., Berland, N., & Levant, Y. (2008). Actor-networks and the diffusion of management accounting innovations: A comparative study. Management Accounting Research, 19(1), 1-17. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.mar.2007.04.001
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), em que as próprias categorias emergem dos dados empíricos ao longo do processo. A partir da ANT, o fluxo de associação (relações) só é rastreável quando está em movimento (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford, UK: Oxford University Press.); portanto, o foco analítico está na transformação e não na estabilidade (Camillis & Antonello, 2016Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016). From translation to enactment: contributions of the Actor-Network Theory to the processual approach to organizations. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). Especificamente, com base na perspectiva da tradução, estivemos particularmente atentos (sensíveis) em (i) entender como os líderes dos países pesquisados procuraram falar em nome do novo coronavírus, (ii) perceber as mudanças na postura e direção dos atores humanos quanto aos papéis e comportamentos previamente enunciados (interessados) ao atuante não humano; (iii) compreender a dimensão da ação/participação do novo coronavírus em detrimento das ofensivas em silenciá-lo (falar em seu nome).

Por fim, realizamos a análise e a teorização em conjunto entre os países, em que nem todos os elementos críticos são necessariamente comparados par a par (ou seja, análise comparativa de casos). Neste estudo, a teorização emergiu da análise sintetizada das alterações articulares nessas localidades devido à participação do não humano (ou seja, novo coronavírus) e ao processo de tradução em curso. Assim, todas as informações coletadas, mesmo as (possivelmente) mais inexpressivas postagens em mídias sociais, por exemplo, nos forneceram uma gama de entidades e relações para explicar os porquês e os motivos dos cursos de ação.

O novo coronavírus em poucas palavras

Os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus foram identificados na província chinesa de Wuhan, capital de Hubei, em dezembro de 2019. A Doença do Corona Vírus - COVID-19 é uma doença viral causada pelo SARS-CoV-2 - Síndrome Respiratória Aguda do Coronavírus 2, e afeta principalmente o sistema respiratório humano. Em 30 de janeiro de 2020, dada a rápida taxa de transmissão, as características de sua propagação e as complicações da doença, a OMS decretou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o maior alerta de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional (OMS, 2020Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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).

Embora o novo coronavírus já estivesse em ampla circulação, foi somente em 11 de fevereiro de 2020 que a doença por ele causada foi tecnicamente classificada e denominada COVID-19. Em 11 de março de 2020, a situação de uma pandemia - a disseminação de uma nova doença em todo o mundo - foi decretada pela OMS. Com o surgimento exponencial de casos confirmados e óbitos em muitos países, a OMS preconizou o distanciamento social como estratégia para conter a disseminação do vírus diante das reais possibilidades de colapso em diversos sistemas de saúde em todo o mundo. Além disso, foram observados efeitos nos sistemas econômicos, esportivos, sociais, políticos e, sobretudo, nos sistemas de saúde (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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).

O primeiro caso italiano da COVID-19 foi registrado em 31 de janeiro de 2020, em Codogno, na Lombardia, região norte do país (Pisano et al., 2020Pisano, G. P., Sadun, R., & Zanini, M. (2020, March 27). Lessons from Italy’s response to coronavirus. Harvard Business Review. Retrieved fromhttps://hbr.org/2020/03/lessons-from-italys-response-to-coronavirus
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). Inicialmente, essa região foi a mais afetada, depois se espalhando para outras cidades italianas. Situação semelhante foi observada nos Estados Unidos, que confirmou seu primeiro caso alguns dias antes, em 24 de janeiro de 2020 (Centers for Disease Control and Prevention [CDC], 2020Tonelli, D. F. (2016). Epistemological origins and affiliations of the Actor-Network Theory: implications for organizational analysis. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395141596
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). Nos dois países, os infectados passaram por Wuhan, o epicentro da pandemia na China. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020, em um homem de 61 anos que visitou a região da Lombardia, Itália (Ministério da Saúde, 2020Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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).

Nesse contexto, exploramos como os líderes desses três países buscaram impor uma identidade e um papel ao novo coronavírus, conforme discutiremos na seção seguinte.

RESULTADOS

Nesta seção, apresentamos uma análise longitudinal dos movimentos e transformações relacionais entre os atores envolvidos na rede, com destaque para as tentativas de governantes do Brasil, Itália e Estados Unidos de assumirem a voz do novo coronavírus (ator mudo em Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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) e falar em seu nome. Essa análise permitiu teorizar sobre o processo de desinteressamento. Nesse processo, detalhamos a dificuldade de negociação dos atores humanos (e as redes relacionais que os sustentam) em impor um papel “estabilizado” ao novo coronavírus e mobilizá-lo.

Observamos quatro movimentos das autoridades estudadas na imposição de um papel definitivo ao novo coronavírus, a saber: (i) subjugação, (ii) domesticação, (iii) acomodação, (iv) incorporação. Ressalta-se que esses movimentos são esforços analíticos (Whittle & Spicer, 2008Whittle, A., & Spicer, A. (2008). Is actor network theory critique? Organization Studies, 29(4), 611-629. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840607082223
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) e, portanto, não estão objetivamente separados na realidade, uma vez que se aninham, se complementam e se impactam.

O primeiro movimento, denominado de subjugação3 3 Adotamos o rótulo de subjugação em referência ao processo em que a liberdade de uma entidade é dirigida de forma restrita e autodisciplinada (ver Knights & Willmott, 1989). , está temporalmente alinhado com a chegada do novo coronavírus em cada país. Nesse momento, poucas pessoas haviam sido infectadas e a ação do vírus (aparentemente) não era problemática. Ou seja, a rede relacional estava (mais ou menos) estabilizada antes da participação do novo coronavírus. No Quadro 2, apresentamos as principais declarações dos líderes nesse primeiro movimento:

Quadro 2
Movimento de Subjugação

No Quadro 2, podemos observar que existe uma tentativa direta (não necessariamente intencional) de silenciar o vírus, falar em seu nome e manter a estabilidade relativa da rede em questão. Os dirigentes tentaram: (i) minimizar a ação do vírus, por exemplo, “outros resfriados mataram mais” ou “é muito mais fantasia”, (ii) impor uma duração (breve) a ele, como na passagem “em abril [...] desaparece milagrosamente”, e (iii) mantém a convergência e estabilidade da rede, como em “os italianos podem levar uma vida normal” ou mesmo “está tudo sob controle”.

O papel de ‘tranquilizar’ e ‘manter a estabilidade’, desempenhado por atores humanos, complementa o movimento de subjugação. Nesse caso, as ofensivas buscam tornar a ação do vírus uma questão de indiferença ou irrelevância e manter a geometria relacional inalterada, com pouco ou nenhum movimento (ação) dos atores humanos.

No entanto, o novo coronavírus manteve sua trajetória de expansão (infecção), com o aumento de sua transmissão local4 1 To maintain the same etymological sense of the term interessement (detailed afterwards), we adapted from the French term désintéressement. e os primeiros casos de óbito. Nesse processo, verificamos o segundo movimento dos líderes, que chamamos de domesticação (ver Quadro 3).

Quadro 3
Movimento de domesticação

Nesse segundo movimento, denominado domesticação em referência ao termo de Callon (ver por exemplo, Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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; Munro, 2012Pan American Health Organization. (2020). Fact Sheet - VOCID-19 (disease caused by the new coronavirus). Retrieved from https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_ content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
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), percebemos que os líderes buscavam demonstrar controle sobre o vírus, ao invés de negar seus efeitos (como no movimento de subjugação). Por meio do Quadro 3 verificamos (i) a tentativa de segmentar a ação do vírus quanto à intensidade de seus efeitos nas pessoas, tais como: “algumas pessoas o terão em um nível muito leve”, “raros são os casos fatais” ou “se estava afetado pelo vírus, [...] não sentia nada ou seria quando muito afetado por um pouco de gripe ou um pouco de resfriado”.

Neste segundo movimento, no que se refere às (re)ações humanas, ao invés de uma questão de indiferença ou irrelevância (como no momento anterior), os dirigentes (ii) têm demonstrado a necessidade de preparação e ação para lidar com o vírus, para exemplo, “Estamos preparados” ou mesmo “[...] adotamos [...] uma linha de extrema cautela”. Dessa forma, ao contrário do movimento de subjugação, há uma necessidade de uma real mobilização de atores humanos para conter o vírus. A ação humana, neste segundo movimento, é apresentada como planejada, racional, programada e então implementada, indicando a total normalidade do discurso dos líderes à lógica racional da resolução de problemas.

Um terceiro elemento que identificamos neste movimento foi (iii) a tentativa de significar o argumento da supremacia humana, no sentido de que, mesmo com efeitos reais, eles (efeitos) estão sendo resolvidos pela ação humana intencional, como, “nós estamos fazendo um ótimo trabalho com isso. E vai embora” ou “vamos produzir um efeito de contenção do vírus”. Ou seja, existe a (tentativa) de domesticação (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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), que se dá pela ação intencional de seres humanos que exercem seu poder sobre os não humanos (e.g., os animais).

Em um terceiro período, o vírus se espalha por transmissão comunitária5, quando não é mais possível rastrear a cadeia de contaminação, e os casos de infecção e morte crescem geometricamente. Nesse processo, identificamos o movimento nomeado como acomodação, que apresentamos no Quadro 4:

Quadro 4
Movimento de Acomodação

Neste terceiro movimento, os líderes não podem mais negar, minimizar ou ter controle total (intencional e não problemático) sobre o novo coronavírus (e.g., movimentos de subjugação e domesticação). Portanto, é necessário acomodá-lo, no sentido de (i) administrar seus (inegáveis) efeitos, como em: “Temos que encontrar uma solução para minimizar as consequências do vírus aqui no Brasil”.

Além disso, percebemos que ao contrário de muitas das declarações feitas por esses mesmos líderes nos movimentos anteriores, (ii) há uma narrativa que começa a destacar a força e o poder do novo coronavírus, como “Isso é um vírus muito contagioso” ou “O vírus é uma realidade, ainda não existe vacina contra ele”. E, consequentemente, (iii) a busca por mostrar uma (re) ação a partir dessa “realidade”, como em “Vamos avaliar medidas extraordinárias” ou “Este é o esforço mais agressivo e abrangente para enfrentar um vírus estrangeiro da história moderna”.

Verificamos ainda que a rede relacional antes da participação do vírus se desestabilizou, exigindo (iv) a mudança nos padrões de comportamento dos indivíduos (seres humanos da rede), por exemplo, “Nossos hábitos precisam mudar, precisam mudar agora, nós todos precisamos abrir mão de alguma coisa”. E, portanto, o movimento de acomodação é caracterizado por inúmeros esforços para conter a ação e propagação do vírus com medo de seu impacto sobre as pessoas e sua rede (e.g., famílias, organizações, governos, populações).

Por fim, dada a recalcitrância do novo coronavírus em permanecer em sua trajetória de expansão (aumento de infecções, aglomeração de unidades de saúde e crescimento de óbitos), notamos um quarto movimento em que a ação do vírus se torna incorporado (em referência a Barad, Visão pós-humanista de 2003Barad, K. (2003). Posthumanist performativity: Toward an understanding of how matter comes to matter. Signs, 28(3), 801-831. Retrieved from https://doi.org/10.1086/345321
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) a situações extremas ou incontroláveis, conforme detalhado no Quadro 5:

Quadro 5
Movimento de incorporação

A partir do Quadro 5 podemos notar que (i) ao vírus é atribuído um papel qualificado, como em “temos um inimigo invisível”, ou ainda “o maior desafio da nossa geração”. Além disso, (ii) a situação é descrita pelas circunstâncias da guerra de forma metafórica-comparativa - “É a crise mais difícil [...] depois da Segunda Guerra Mundial”, ou direto - “estamos em guerra”; “nesta guerra que enfrentamos”. A gravidade da situação, representada nestas citações, é agora reconhecida pelos dirigentes perante a impossibilidade de controlar e conter a expansão do não humano (movimentos anteriores), sugerem a necessidade de “resistir [...] para proteger a nós mesmos e as pessoas que amamos”.

Em termos de rede, identificamos que (iii) a transformação do sistema passou a ser atribuída à ação causal do vírus. Ou seja, como a estabilidade relacional foi comprometida, exige-se um esforço, como “fechar em todo o território nacional, toda a atividade produtiva” para chegar a um novo estágio de estabilização (também provisório e frágil). Nesse caso, não é o fim do processo de tradução, mas outra ofensiva de interesse (Akrich et al., 2002Akrich, M., Callon, M., Latour, B., & Monaghan, A. (2002). The key to success in innovation part I: The art of interessement. International Journal of Innovation Management, 6(2), 187-206. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1142/S1363919602000550
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; Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(S1), 196-233. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x
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), que, diante da situação, (iv) exige a participação de forças divinas (por exemplo, “com a graça de Deus”) ou forças sobre-humanas (e.g., “um presidente em tempo de guerra”).

Neste quarto movimento, descrevemos como os atores humanos começaram a incorporar a ação do vírus em fenômenos extremos para justificar suas posições, seus papéis e suas ações. Essa forma de inscrição é uma forma alternativa de interesse quanto à impossibilidade de silenciar o vírus no processo de tradução e sua resistência aos papéis (pré) determinados anteriormente.

Por fim, deve-se enfatizar que o processo teórico de desinteresse não deve ser lido como uma troca ou negociação direta - em termos de causa e consequência - entre humanos (presidentes) e não humanos (o vírus), visto que há uma multiplicidade maior de redes, atuantes e interesses em jogo. No entanto, o caso do novo coronavírus nos fornece elementos para descrever como um micro ator não humano desestabiliza, afronta, desmonta e desautoriza toda uma rede cristalizada em torno de macro atores humanos. Isto é, como em Davi e Golias, metaforicamente; poder, tamanho e força não são suficientes para definir os designados da ação, que ganham caminhos tortuosos, efeitos relacionais inesperados e papéis e identidades indeterminados.

DISCUSSÕES

Por não se interessar pelas ofensivas dos líderes, o novo coronavírus mostrou que, ao desconsiderar a ação de atuantes não humanos (em simetria analítica) na rede, apenas uma compreensão parcial e limitada do fenômeno poderia ser alcançada. No período analisado, essa parcialidade ficou patente no fracasso do processo de tradução em que os líderes tentaram, em múltiplas tentativas, falar em nome do vírus, mas foram forçados (pelas relações desencadeadas pelo próprio vírus), a mudar seus discursos e o curso de suas ações.

A recalcitrância do atuante não humano torna-se evidente quando os atores humanos (aqueles que têm voz na rede) precisam reconsiderar suas falas e ações, e/ou refazer as relações previamente (mesmo que parcialmente) estabilizadas devido à intolerância, desobediência ou permanência (sem qualquer atribuição de intenção ou vontade) dos efeitos do novo coronavírus no sistema relacional. No Quadro 6, detalhamos as tentativas para o interessamento do novo atuante ao longo de sua trajetória na rede. O desinteresse mostra que, apesar das múltiplas ofensivas dos macro atores, a participação do novo atuante não se estabilizou, ou seja, não se tornou uma questão de indiferença.

Quadro 6
Desinteressamento no processo de tradução

Em termos teóricos, o processo de desinteressamento baseia-se na percepção de que o não humano (ou seja, novo coronavírus) (i) é ativo em termos de participação na rede, pois altera até mesmo planos e ações humanas no sistema, e (ii) tem recalcitrância, uma vez que resistiu (por desinteresse) aos papéis que lhe foram impostos. Podemos entendê-lo como dois polos idealísticos de participação (ação) do atuante não humano, pois, na realidade, esses efeitos não são “puros” porque estão alinhados e aninhados com outros efeitos dos múltiplos heterogêneos que conformam a rede em questão. Portanto, esses polos (participação ativa e recalcitrância) foram concebidos em caráter didático e não podem ser tomados como uma capacidade intencional, intrínseca e não problemática do ator não humano. Como nos lembra Lorino (2018, p. 81), “não pode haver teoria da sociomaterialidade sem teoria da ação mediada”. Assim, os efeitos da ação são distribuídos (Rammert, 2012Rammert, W. (2012). Distributed agency and advanced technology: or how to analyze constellations of collective inter-agency. In J. Passoth , B. Peuker , & M. Schillmeier (Eds.), Agency without Actors? New Approaches to Collective Action(pp. 89-112). London, UK: Routledge .; Sayes, 2014Sayes, E. (2014). Actor-Network Theory and methodology: Just what does it mean to say that non-humans have agency? Social Studies of Science, 44(1), 134-149. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0306312713511867
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).

O processo de desinteressamento estende a literatura de tradução que não segue “caminhos bem-comportados” da problematização à mobilização. No Quadro 7, retratamos os processos de tradução “malsucedidos”. O termo malsucedido é utilizado em referência a processos de tradução que não atingiram o estágio de convergência e irreversibilidade indicado para a mobilização de atores (Cochoy, 2014Cochoy, F. (2014). A theory of ‘agencing’: On Michel Callon’s contribution to organizational knowledge and practice. In P. S. Adler, P. Du Gay, G. Morgan & M. I. Reed (Eds.), The Oxford handbook of sociology, social theory, and organization studies: Contemporary currents (pp. 106-124). Oxford, UK: Oxford University Press.).

Quadro 7
Mecanismo de/para traduções malsucedidas

No processo de desinteressamento, mesmo que todos os atores estejam alinhados em torno de um problema, o interessamento por uma maior mobilização nunca é alcançado. Os papéis e a identidade atribuídos ao atuante não humano são anulados por sua recalcitrância em manter seu fluxo de ação, sem aceitar os “pontos de passagem obrigatórios” discursivamente impostos pelos macro atores do estudo.

O mecanismo de desinteressamento difere de outras teorizações em que também há um processo ativo de negociação e manipulação de interesses (e.g., contra-envolvimento), pois, neste caso, é a recalcitrância do atuante não humano que, fora do desinteresse, não desempenha o papel de interessado por atores humanos. Além disso, difere de teorizações que detalham a desestabilização e divergência na rede de relações (e.g., dissociamento e dissidência), uma vez que, neste caso, nenhum acordo ou alinhamento foi alcançado, para que posteriormente pudesse ser desfeito ou desarranjado.

Além disso, em simetria analítica, em vez de um processo de tradução bem-sucedido no qual os atores humanos falam em nome de outros - humanos e não humanos (e.g., Hawkins, 2015Hawkins, B. (2015). Ship-shape: materializing leadership in the British Royal Navy. Human Relations, 68(6), 951-971. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0018726714563810
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), nosso estudo demonstrou como o atuante não humano (ou seja, o novo coronavírus) resistiu e desordenou as reivindicações de controlá-lo. Assim, os efeitos decorrentes da participação do ator não humano, por “condições infelizes” (Latour, 2013Latour, B. (2013). An Inquiry into Modes of Existence: An Anthropology of the Moderns. Cambridge, MA: Harvard University Press.), geram trajetórias indesejadas, desconstroem narrativas lineares, mudam comportamentos sociais e impedem aqueles que querem falar em seu nome.

CONCLUSÃO

Utilizamos a sociologia da tradução para compreender os processos relacionais com o propósito de revelar a participação de não humanos nas redes que se estabelecem nesses processos. Na situação de pandemia da COVID-19, em que o novo coronavírus assumiu um papel único para um ator não humano, descrevemos como líderes do Brasil, Itália e Estados Unidos procuraram tomar a voz do novo coronavírus, estabelecer um papel bem-comportado e falar em seu nome.

O período de ruptura da rede relacional coberto por este estudo abordou as tentativas dos atores humanos de assumirem autoridade sobre o “novo entrante”. Independentemente de haver alguma convergência e irreversibilidade (Cochoy, 2014Cochoy, F. (2014). A theory of ‘agencing’: On Michel Callon’s contribution to organizational knowledge and practice. In P. S. Adler, P. Du Gay, G. Morgan & M. I. Reed (Eds.), The Oxford handbook of sociology, social theory, and organization studies: Contemporary currents (pp. 106-124). Oxford, UK: Oxford University Press.) que podem ser alcançadas no futuro, a ruptura já estará transformada pelo processo de desinteressamento que trouxe essa realidade à tona.

Em termos de contribuição, ao sugerir o processo de desinteressamento, estamos agregando novos elementos teóricos aos poucos estudos que tratam da resistência no processo de tradução (como apontado por Whittle & Spicer, 2008Whittle, A., & Spicer, A. (2008). Is actor network theory critique? Organization Studies, 29(4), 611-629. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840607082223
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). Além disso, narramos a participação do ator não humano, sem atribuir a ele capacidades humanas de intencionalidade, liberdade, voluntarismo ou reflexividade (Sayes, 2014Sayes, E. (2014). Actor-Network Theory and methodology: Just what does it mean to say that non-humans have agency? Social Studies of Science, 44(1), 134-149. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0306312713511867
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) e sem legitimar os poderes hegemônicos na atuação (Whittle & Spicer, 2008Whittle, A., & Spicer, A. (2008). Is actor network theory critique? Organization Studies, 29(4), 611-629. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0170840607082223
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). Entretanto, mesmo sem cair em descrições absurdas (McLean & Hassard, 2004McLean, C., & Hassard, J. (2004). Symmetrical absence/symmetrical absurdity: Critical notes on the production of actor-network accounts. Journal of Management Studies, 41(3), 493-519. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2004.00442.x
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), verificamos que o vírus é mais do que “mero objeto” (Latour, 2000Latour, B. (2000). When things strike back: a possible contribution of ‘science studies’ to the social sciences. The British Journal of Sociology, 51(1), 107-123. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1468-4446.2000.00107.x
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), pois ignorou as ofensivas para silenciá-lo, opôs-se às alegações que minimizaram seus efeitos, e recusou-se a interromper sua trajetória diante dos esforços humanos em impor-lhe um determinado papel.

No que diz respeito de uma agenda de pesquisa futura, embora tenhamos tratado explicitamente as declarações dos líderes, o caso traz à análise uma variedade de humanos (por exemplo, agentes da mídia, cientistas, políticos, oportunistas) e não humanos (testes, vacinas, dispositivos de proteção, tecnologias), com efeitos na organização de diferentes sistemas sociais (por exemplo, famílias, empresas, governos). Torna-se então um caso representativo em sua profundidade e extremo em seus efeitos para novas teorizações. Em oposição à coesão dos contextos em estudo, que trouxeram poder explicativo à nossa teorização, esforços futuros poderiam ser direcionados ao estudo do interessamento/desinteressamento do novo coronavírus em contextos nos quais sua participação se traduziu em formas de minimizar (relativamente) seus efeitos.

Por fim, acreditamos que o novo caso de coronavírus pode mobilizar estudos de organização para perspectivas mais processuais e pós-humanistas (ver Blok et al., 2020Blok, A., Farias, I., & Roberts, C. (2020). The Routledge Companion to Actor-Network Theory. Abingdon, UK: Routledge.; Camillis & Antonello, 2016Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016). From translation to enactment: contributions of the Actor-Network Theory to the processual approach to organizations. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). Em particular, ao descentralizar o humano e posicioná-lo entre vários e atuantes heterogêneos, podemos trabalhar a participação não humana e a agência distribuída (Rammert, 2012Rammert, W. (2012). Distributed agency and advanced technology: or how to analyze constellations of collective inter-agency. In J. Passoth , B. Peuker , & M. Schillmeier (Eds.), Agency without Actors? New Approaches to Collective Action(pp. 89-112). London, UK: Routledge .). A deflação humana nas teorias sociais e organizacionais, dado o caso analisado e os resultados apresentados, vai além da questão analítico-simétrica e se torna uma questão moral urgente (Latour, 2000Latour, B. (2000). When things strike back: a possible contribution of ‘science studies’ to the social sciences. The British Journal of Sociology, 51(1), 107-123. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1468-4446.2000.00107.x
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). Muitos tipos diferentes de não humanos participam e representam redes em sistemas organizacionais (Jensen, Sandström & Helin, 2009Jensen, T., Sandström, J., & Helin, S. (2009). Corporate codes of ethics and the bending of moral space. Organization, 16(4), 529-545. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508409104507
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); portanto, ignorá-los em nossos processos teóricos e explicativos parece ser, moralmente, uma forma de ignorar nosso papel como teóricos sociais.

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi parcialmente financiado pelo Código Financeiro 001 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (Eduardo Guedes Villar e Rodrigo Seefeld). Agradecemos também aos membros do Grupo de Pesquisa em Estratégia e Tomada de Decisão da Universidade Federal do Paraná pelas contribuições nas versões anteriores do manuscrito.

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  • 1
    Para manter o mesmo senso etimológico do termo interessamento (detalhado mais adiante), adaptamos do termo francês désintéressement.
  • 2
    Callon (1986) justifica a escolha do termo interessamento pelo significado etimológico, ou seja, estar interessado significa ‘estar entre’, ser arquivado.
  • 3
    Adotamos o rótulo de subjugação em referência ao processo em que a liberdade de uma entidade é dirigida de forma restrita e autodisciplinada (ver Knights & Willmott, 1989).
  • 4
    Quando a contaminação ocorre pelo contato com alguém infectado em outro país (OMS, 2020).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2021
  • Aceito
    05 Jul 2021
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