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A roda da escravidão moderna: uma nova abordagem teórica

Resumo

Algumas pesquisas sobre a escravidão moderna mostraram como esse fenômeno prospera e persiste, apesar das pressões institucionais contra práticas desumanas na vida social. Para analisar esse fenômeno do ponto de vista institucional e responder à pergunta sobre quais são os principais fatores no campo institucional que sustentam a escravidão moderna, foram coletados dados qualitativos no contexto brasileiro, já que o país é amplamente reconhecido por suas ações significativas contra práticas de escravidão. Este estudo é baseado em dados primários e secundários, coletados por meio de entrevistas em profundidade e observação participante em conferências sobre o tema, bem como documentos cujos conteúdos foram analisados usando o software NVivo. O estudo sugere que certas condições contextuais legitimam as práticas organizacionais de empresas formais e informais, o que é chamado de deflexão institucional. Como contribuição aos padrões de gestão da escravidão moderna, este artigo apresenta a “Roda da Escravidão Moderna” a partir dos resultados, definida como um ciclo dinâmico que incorpora e sistematiza os elementos que sustentam o fenômeno. Os mecanismos da roda, quais sejam as condições favoráveis, a recorrência, o aliciamento e o “sistema de barracão” (truck system) contribuem para as práticas de escravidão moderna e sua manutenção ao longo do tempo. Além disso, sugerimos que esses mesmos mecanismos também podem ser a solução para romper o círculo vicioso da Roda da Escravidão Moderna.

Palavras-chave:
Campo institucional; Escravidão Moderna; Deflexão institucional

Abstract

A few research papers on modern slavery have outlined how this phenomenon flourishes and persists despite institutional pressures against inhumane practices. In order to analyze slavery from an institutional perspective and answer the question of the main factors in the institutional field that sustain modern slavery, qualitative data were collected in the Brazilian context, where the country is widely recognized for its significant actions against modern slavery practices. This study draws on primary and secondary data collected through in-depth interviews and participant observation at conferences, as well as content analysis of documents using NVivo software. The study suggests that certain contextual conditions legitimize organizational practices of formal and informal firms, called institutional deflection. As a contribution to modern slavery management patterns, this article presents the “modern slavery wheel” based on the results of a dynamic cycle that incorporates and systematizes the elements that support the phenomenon. Wheel mechanisms such as favorite conditioning, recurrence, enticement, and truck system seem to contribute to modern slavery practices and their maintenance over time. Moreover, we suggest that these same components may also contribute to breaking the modern slavery wheel

Keywords:
Institutional field; Modern Slavery; Institutional Deflection

Resumen

Algunas investigaciones sobre la esclavitud moderna han evidenciado cómo este fenómeno prospera y persiste pese a las presiones institucionales contra las prácticas inhumanas en la vida social. Para analizar este fenómeno desde una perspectiva institucional y responder a la pregunta de cuáles son los principales factores en el campo institucional que sostienen la esclavitud moderna, se recopilaron datos cualitativos en el contexto brasileño, ya que el país es ampliamente reconocido por sus acciones significativas contra las prácticas de esclavitud. Este estudio se basa en datos primarios y secundarios, recopilados por medio de entrevistas en profundidad y observación participante en conferencias sobre el tema, así como documentos cuyo contenido se analizó utilizando el software NVivo. El estudio sugiere que ciertas condiciones contextuales legitiman las prácticas organizacionales de las empresas formales e informales, lo que se denomina deflexión institucional. Como aporte a los patrones de gestión de la esclavitud moderna, este artículo presenta la “Rueda de la esclavitud moderna” a partir de los resultados de un ciclo dinámico que incorpora y sistematiza los elementos que sustentan el fenómeno. Los mecanismos de la rueda, tales como las condiciones favorables, la recurrencia, la incitación y el “sistema de trueque” (truck-system) contribuyen a las prácticas modernas de esclavitud y su manutención a lo largo del tiempo. Además, sugerimos que estos mismos componentes también pueden ser la salida para romper con el ciclo vicioso de la rueda de la esclavitud moderna.

Palabras clave:
Campo institucional; Esclavitud moderna; Deflexión institucional.

INTRODUÇÃO

Aos nove anos de idade, a criança começou a trabalhar. Ela cortava cana em Nazaré da Mata, Pernambuco. Não havia mais nada que seu pai e sua mãe pudessem fazer pela família. A família trabalhava das 4:00 da manhã às 9:00 da noite. Ela aparava, nivelava a terra e empilhava a cana. Durante sua infância, seu pai chamava a enxada de caneta de estudo. Eles permaneceram analfabetos. A comida era a farinha de casa ou alguma refeição do barracão, onde aqueles que tomavam conta dos escravos - os “gatos” - vendiam café, comida e outros materiais. Entretanto, a comida do barracão era deduzida do salário de seu pai. Ela observava sua mãe grávida trabalhar o dia inteiro1 1 A entrevista 15 foi feita com um antigo escravizado na lavoura de cana de açúcar, em 2016. . Esta é uma das muitas histórias de pessoas em situação de escravidão moderna, na agricultura, pecuária, indústria têxtil, construção civil e trabalho doméstico. Entretanto, apesar dos dados e evidências, é uma situação que se manifesta de muitas maneiras, e que talvez seja considerada natural e justificada por outros rótulos no dia a dia dos brasileiros.

O Brasil abriga mais de 190.000 escravos, e há 40,3 milhões de pessoas escravizadas no mundo (Walk Free Foundation, 2018Walk Free Foundation. (2018). Global Slavery Index 2018. Retrieved from https://www.globalslaveryindex.org/resources/downloads/
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), por meio de relações de trabalho insustentáveis, com falta de liberdade, condições de trabalho degradantes, longas jornadas de trabalho e assédio físico, moral e psicológico (Cooke, 2002Cooke, B. (2002). Management’s denial of slavery. Manchester, UK: University of Manchester.; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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). A partir da revisão da literatura, três fatores fomentam a escravidão moderna: explosão populacional associada à vulnerabilidade socioeconômica; violação de regras sociais por ganância, corrupção e violência; e modernização agrícola através de cadeias de abastecimento internacionais (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; Crane, 2013; Flynn, 2020Flynn, A. (2020). Determinants of corporate compliance with modern slavery reporting. Supply Chain Management: An International Journal, 25(1), 1-16. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-10-2018-0369
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; Gold, Trautrims, & Trodd, 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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; Robb & Michailova, 2022Robb, B., & Michailova, S. (2022). Multinational enterprises’ narratives about and approaches to modern slavery: an exploratory study. Review of International Business and Strategy. Retrieved from https://doi.org/10.1108/RIBS-10-2021-0128
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; Stevenson & Cole, 2018Stevenson, M., & Cole, R. (2018). Modern slavery in supply chains: a secondary data analysis of detection, remediation and disclosure. Supply Chain Management, 23(2), 81-99. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-11-2017-0382
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).

Em primeiro lugar, existe a necessidade urgente de entender a gestão das práticas da escravidão moderna, o que revela a falta de interesse dos pesquisadores e a negação da existência do problema por parte de algumas empresas e governos (Araújo & Carneiro, 2020Araújo, C. C. S., & Carneiro, E. Jr. (2020). A bibliometric analysis of the intellectual structure of studies on slavery in the 21st century. International Journal of Professional Business Review, 5(1), 105-127. Retrieved from https://doi.org/10.26668/businessreview/2020.v5i1.175
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; Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; Burmester, Michailova, & Stringer, 2019Burmester, B., Michailova, S., & Stringer, C. (2019). Modern slavery and international business scholarship: the governance nexus. Critical Perspectives on International Business, 15(2/3), 139-157. Retrieved from https://doi.org/10.1108/cpoib-02-2019-0011
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; Cooke, 2002Cooke, B. (2002). Management’s denial of slavery. Manchester, UK: University of Manchester.; Walk Free Foundation, 2019Walk Free Foundation. (2018). Global Slavery Index 2018. Retrieved from https://www.globalslaveryindex.org/resources/downloads/
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; Voss et al., 2019Voss, H., Davis, M., Sumner, M., Waite, L., Ras, I. A., Singhal, D., … Jog, D. (2019). International supply chains: compliance and engagement with the Modern Slavery Act. Journal of the British Academy, 7(s1), 61-76. Retrieved from https://doi.org/10.5871/jba/007s1.061
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). Infelizmente, este debate é marginal nas ciências sociais, e relativamente ignorado na administração de empresas (Burmester et al., 2019; Cooke, 2003; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Datta & Bales, 2014)Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.. Em 2017, uma pesquisa realizada na Inglaterra, pelo Chartered Institute of Procurement and Supply, constatou que mais de 90% dos gerentes suspeitavam, de alguma forma, que suas cadeias de suprimento estavam contaminadas por práticas da escravidão moderna (UK Government, 2017).

A literatura sobre escravidão moderna em estudos de gestão avançou com Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), que descreveu “a escravidão como uma prática de gestão” - “nova escravidão mundial”, com Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) e Bales, Trodd, e Williamson (2009), ao indicar os elementos econômicos e regulatórios sociais que fomentam a persistência da escravidão moderna; e com Gold et al. (2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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), ao discutir a detecção e redução da escravidão na cadeia de suprimentos através de parcerias com vários stakeholders, abordagens baseadas na comunidade, e desenvolvimento de fornecedores. Ao mesmo tempo, existe uma grande demanda pelo desenvolvimento de novas teorias de gestão sobre a cadeia de abastecimento - SCM (Gold et al., 2015), para facilitar a compreensão, prevenção e eliminação da escravidão moderna. Com foco na resposta, a pesquisa de Benstead, Hendry, e Stevenson (2018Benstead, A. V., Hendry, L. C., & Stevenson, M. (2018). Horizontal collaboration in response to modern slavery legislation. International Journal of Operations & Production Management, 38(12), 2286-2312. Retrieved from https://doi.org/10.1108/IJOPM-10-2017-0611
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) mostrou o resultado nos setores de moda e têxtil, e sua conexão com o capital relacional (relações com stakeholders), além de mecanismos formais e informais de governança (Benstead et al., 2018Benstead, A. V., Hendry, L. C., & Stevenson, M. (2018). Horizontal collaboration in response to modern slavery legislation. International Journal of Operations & Production Management, 38(12), 2286-2312. Retrieved from https://doi.org/10.1108/IJOPM-10-2017-0611
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; Wilhelm, Kadfak, Bhakoo, & Skattang, 2020Wilhelm, M., Kadfak, A., Bhakoo, V., & Skattang, K. (2020, May). Private governance of human and labor rights in seafood supply chains - The case of the modern slavery crisis in Thailand. Marine Policy, 115, 103833. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.marpol.2020.103833
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). Flynn (2020Flynn, A. (2020). Determinants of corporate compliance with modern slavery reporting. Supply Chain Management: An International Journal, 25(1), 1-16. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-10-2018-0369
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) examinou 350 empresas na bolsa de valores britânica, e constatou que relatos de escravidão moderna eram fortemente relacionados ao tamanho da empresa, compromisso anterior com a responsabilidade social e envolvimento em redes. Outros indicadores, como exposição na mídia, concentração de acionistas e lucratividade não foram significativos.

No Brasil, a Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, alterou o art. 149 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. (2003). Altera o art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. Brasília, DF. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.803.htm
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, de 7 de dezembro de 1940), e teve uma influência significativa sobre a cadeia de abastecimento (International Labour Organization [ILO], 2010International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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), reconhecendo a escravidão moderna como “condições análogas à escravidão”, ao agregar elementos adicionais: condições degradantes e jornada de trabalho exaustiva. Entre 2003 e 2008, dois planos foram lançados pelo governo junto com organizações não-governamentais - ONGs (ILO, 2009International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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), instituições civis (Ethos e Instituto Observatório Social) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (ILO, 2005International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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). A chamada “lista suja” do Brasil, uma das armas mais potentes do país contra o trabalho escravo, e reconhecida internacionalmente, foi considerada legal e deveria permanecer, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, em 2020 (Supremo Tribunal Federal [STF], 2020Supremo Tribunal Federal. (2020, September 16). Lista suja do trabalho escravo é constitucional. Retrieved from https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=451765&ori=1
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). Como resultado desta lista, os inspetores do trabalho identificaram empresas e indivíduos envolvidos com o trabalho escravo. As empresas que figuram na lista não podem receber crédito ou empréstimos de bancos públicos e privados. Ela é utilizada pelos bancos para avaliar o risco de crédito, e por compradores internacionais preocupados com suas cadeias de fornecimento.

À luz da legislação australiana, que exige que as empresas revelem quais práticas da cadeia de fornecimento são utilizadas para combater o trabalho escravo, Christ e Burritt (2021Christ, K. L., & Burritt, R. L. (2021). Accounting for modern slavery risk in the time of COVID-19: challenges and opportunities. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 34(6), 1484-1501. Retrieved from https://doi.org/10.1108/AAAJ-08-2020-4726
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) discutiram a dimensão do engajamento voluntário à luz da teoria institucional. Os resultados sugerem falta de materialidade nas informações publicadas no website e nos relatórios de sustentabilidade das grandes empresas. O estudo incluiu os relatórios oficiais da OIT, Nações Unidas e acordos internacionais sobre direitos humanos (coercitivos), iniciativas multissetoriais (miméticas), e normas organizacionais e profissionais (normativas), consideradas fontes de pressão institucional (Flynn, 2020Flynn, A. (2020). Determinants of corporate compliance with modern slavery reporting. Supply Chain Management: An International Journal, 25(1), 1-16. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-10-2018-0369
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).

A partir de uma perspectiva institucional, Diab (2022Diab, A. (2022). Modern slavery, accountability and technology: evidence from a West Asian context. Journal of Accounting in Emerging Economies, 12(5), 908-933. Retrieved from https://doi.org/10.1108/JAEE-05-2021-0149
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) estudou o engajamento individual na luta contra o trabalho escravo, no contexto das condições do trabalho doméstico no Líbano. A relação entre migração e baixo status socioeconômico, que leva a problemas humanitários como o trabalho escravo moderno, parece estar claramente documentada. Outro estudo, no contexto da globalização, refere-se à persistência da escravidão moderna. Um dos exemplos é a violação dos direitos humanos citados nos relatórios de empresas multinacionais (Robb & Michailova, 2022Robb, B., & Michailova, S. (2022). Multinational enterprises’ narratives about and approaches to modern slavery: an exploratory study. Review of International Business and Strategy. Retrieved from https://doi.org/10.1108/RIBS-10-2021-0128
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). Geng, Lam, e Stevenson (2022Geng, R., Lam, H. K. S., & Stevenson, M. (2022). Addressing modern slavery in supply chains: an awareness-motivation-capability perspective. International Journal of Operations & Production Management, 42(3), 331-356. Retrieved from https://doi.org/10.1108/IJOPM-07-2021-0425
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) aplicaram o modelo “conscientização-motivação-capacidade”’ para analisar a cadeia de abastecimento e a escravidão moderna. Os resultados sugerem que as empresas da cadeia de abastecimento estão preocupadas com a escravidão moderna quando há mais cobertura da mídia, em países com maior risco de escravidão, e com melhor desempenho de sustentabilidade corporativa. Análises adicionais sugerem que o desempenho financeiro das empresas não está relacionado aos seus esforços para enfrentar a escravidão moderna (Geng et al., 2022Geng, R., Lam, H. K. S., & Stevenson, M. (2022). Addressing modern slavery in supply chains: an awareness-motivation-capability perspective. International Journal of Operations & Production Management, 42(3), 331-356. Retrieved from https://doi.org/10.1108/IJOPM-07-2021-0425
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). Por outro lado, Christ e Burrit (2021Christ, K. L., & Burritt, R. L. (2021). Accounting for modern slavery risk in the time of COVID-19: challenges and opportunities. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 34(6), 1484-1501. Retrieved from https://doi.org/10.1108/AAAJ-08-2020-4726
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) examinaram a invisibilidade adicional da escravidão no contexto da COVID-19, onde a capacidade das empresas de rastrear as vítimas da escravidão moderna nas cadeias de suprimento foi afetada. As conclusões mostraram oportunidades para coletar dados, criar conscientização interna sobre este problema nas cadeias de abastecimento, e reconsiderar o risco operacional e o investimento para reduzi-lo (Christ & Burritt, 2021Christ, K. L., & Burritt, R. L. (2021). Accounting for modern slavery risk in the time of COVID-19: challenges and opportunities. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 34(6), 1484-1501. Retrieved from https://doi.org/10.1108/AAAJ-08-2020-4726
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). Na mesma linha, Meehan e Pinnington (2021Meehan, J., & Pinnington, B. D. (2021). Modern slavery in supply chains: insights through strategic ambiguity. International Journal of Operations & Production Management, 41(2), 77-101. Retrieved from https://doi.org/10.1108/IJOPM-05-2020-0292
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) examinaram cadeias de abastecimento sustentáveis e mostram como as empresas utilizam a ambiguidade da transparência na cadeia de abastecimento - declarações TISC2 2 Na Inglaterra, empresas com renda acima de 36 milhões de libras devem relatar anualmente suas ações para identificar, prevenir e mitigar a escravidão moderna na cadeia de abastecimento. - como um método de ação estratégica para defender o status quo. A declaração TISC parece reduzir sua responsabilidade. Os autores identificaram três técnicas ambíguas: garantia de defesa, transferência de responsabilidade e redução de escopo, que se desviam da intenção política de ação colaborativa (Meehan & Pinnington, 2021Meehan, J., & Pinnington, B. D. (2021). Modern slavery in supply chains: insights through strategic ambiguity. International Journal of Operations & Production Management, 41(2), 77-101. Retrieved from https://doi.org/10.1108/IJOPM-05-2020-0292
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).

Em segundo lugar, a escravidão como prática de gestão tem desdobramentos, dependendo de como as condições institucionais e competitivas apoiam a escravidão moderna na perspectiva da estratégia ESG - ambiental, social e governança (Caruana, Crane, Gold, & LeBaron, 2021Caruana, R., Crane, A., Gold, S., & LeBaron, G. (2021). Modern Slavery in Business: The Sad and Sorry State of a Non-Field. Business and Society, 60(2), 251-287. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0007650320930417
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). Teoricamente, o livre mercado, as forças institucionais, a internacionalização das cadeias produtivas e os sistemas avançados de investimento em escala global da estratégia ESG deveriam influenciar as Redes Globais de Produção - RGP (Gold et al., 2015; Voss et al., 2019Voss, H., Davis, M., Sumner, M., Waite, L., Ras, I. A., Singhal, D., … Jog, D. (2019). International supply chains: compliance and engagement with the Modern Slavery Act. Journal of the British Academy, 7(s1), 61-76. Retrieved from https://doi.org/10.5871/jba/007s1.061
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). A RGP e suas cadeias, como meio de alinhamento dos negócios, iniciariam um processo de adaptação às normas/regras - isomorfismo (DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160. Retrieved from https://doi.org/10.2307/2095101
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; Scott, 1995Scott, W. R. (1995). Institutions and Organizations: ideas, interests, and identities. Los Angeles, CA: Sage.). Em terceiro lugar, existem poucos estudos teóricos e empíricos sobre a teoria institucional relacionada à escravidão moderna (Baptista, Bandeira, & Souza, 2018Baptista, R. M., Bandeira, M. L., & Souza, M. T. S. (2018). The invisibility of the black population in modern slavery: evidence based on conditions of social vulnerability. Organizações & Sociedade, 25(87), 676-703. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1984-9250877
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; Crane, 2013; Mascarenhas, Dias, & Baptista, 2015Mascarenhas, A. O., Dias, S. L. G., & Baptista, R. M. (2015). Elementos Para Discussão Da Escravidão Contemporânea Como Prática De Gestão. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 175-187. Retrieved from https://doi.org/10.1590/S0034-759020150207
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).

A abordagem institucional busca explicar o ambiente social e organizacional em termos de um conjunto de normas que regulam a ação coletiva, sendo estas normas explícitas ou simbólicas. O pressuposto, portanto, é que a criação de uma estrutura normativa para regular a ação humana coletiva seja suficiente para eliminar problemas sociais como a escravidão contemporânea. Neste sentido, há várias iniciativas legislativas, regulamentações e diretrizes formais para mitigar este fenômeno social, entre outros instrumentos de política. Entretanto, observa-se que a prática social muitas vezes está distante das normas, e às vezes a própria norma ou lei parece legitimar práticas prejudiciais ao bem-estar social (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Reckwitz, 2002Reckwitz, A. (2002). Toward a Theory of Social Practices: A Development in Culturalist Theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263. Retrieved from https://doi.org/10.1177/13684310 222225432
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). Em outros casos, a explicação para a recorrência da escravidão contemporânea baseia-se em vulnerabilidades socioeconômicas sustentadas pela dinâmica social (política, cultural, religiosa, etc.).

Esta pesquisa buscou responder a seguinte pergunta de pesquisa: que elementos institucionais sustentam o fenômeno da escravidão contemporânea?

Com base em estudo qualitativo, empregando pesquisa documental e de campo, este artigo propõe um novo modelo analítico, utilizando uma ilustração da roda da escravidão moderna. Sua rotação é explicada pelas condições que favorecem a escravidão moderna, suas práticas e sua manutenção.

A pesquisa vem sendo desenvolvida desde 2011, com um trecho para apresentação desses resultados. A pesquisa empírica foi realizada no Brasil no período de 2011 a 2022 por meio dos signatários Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo - InPACTO, Ministério do Trabalho e Ministério Público do Trabalho. O InPACTO estabelece ações para erradicar o trabalho escravo no Brasil e foi citado como boa prática pela OIT (ILO, 2009International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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). Os dados mostram que as iniciativas de regulamentação do fenômeno são insuficientes para mitigá-lo, e que diversos fatores articulados favorecem condições que perpetuam a escravidão contemporânea. Nossa contribuição teórica estabelece uma nova análise de quadro multinível, incluindo abordagens institucionais, organizacionais e individuais. Especificamente, propomos analisar como as condições institucionais podem assumir uma posição de desvio (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), contribuindo para manter a escravidão moderna mesmo sob condições institucionais (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160. Retrieved from https://doi.org/10.2307/2095101
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; Scott, 1995Scott, W. R. (1995). Institutions and Organizations: ideas, interests, and identities. Los Angeles, CA: Sage.) rotinas, tarefas ou funções ilegítimas. Também discutimos como os operadores de escravos projetam ações, constroem estruturas e ocupam espaços legítimos ou ilegítimos. A rede estrutural denominada “gatos” - operadores de escravos ou recrutadores de escravos tem um particular interesse oculto estabelecido aos proprietários de agricultores que fornecem GPN (InPACTO, 2017a, 2017b). Por fim, o novo modelo discute a percepção e as condições individuais sob os níveis social, cultural e econômico.

A revisão da literatura aborda as condições favoráveis à escravidão moderna e suas práticas. Em seguida, apresentamos a metodologia, o modelo de pesquisa, a análise e discussão dos resultados e as considerações finais, incluindo uma agenda para pesquisas futuras.

REVISÃO DA LITERATURA

Uma das preocupações da abordagem institucional é compreender os mecanismos para criar e manter as normas que regulam a ação social. O novo institucionalismo enfatiza as forças de poder predominantes no campo, especialmente o papel dos atores na legitimação dessas normas reguladoras (DiMaggio & Powell, 1999DiMaggio, P., & Powell, W. (1999). El nuevo institucionalismo en el análisis organizacional. (4a ed.). Ciudad de México, MX: Fondo de Cultura Económica.). O campo ou ambiente institucional é entendido como um espaço simbólico com regras, às vezes tácitas, que as organizações devem seguir em troca de apoio e legitimidade. As organizações que valorizam a abordagem institucional utilizam conscientemente estes instrumentos de controle e estrutura para estabelecer valores e regular suas ações. São organizações institucionalizadas, modeladas de acordo com critérios socialmente compartilhados, que as leva ao isomorfismo institucional (Meyer & Rowan, 1977Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, 83(2), 340-363. Retrieved from https://doi.org/10.1086/226550
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). Esta perspectiva é consistente com a orientação de pesquisa predominantemente relacionada às instituições e conceitos que explicam a continuidade das organizações ao longo do tempo (Dacin, Goodstein & Scott, 2002Dacin, M. T., Goodstein, J., & Scott, W. R. (2002). Institutional Theory and Institutional Change: Introduction to the Special Research Forum. The Academy of Management Journal, 45(1), 45-56. Retrieved from https://doi.org/10.2307/3069284
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). Igualmente importante, os processos associados à mudança institucional - institucionalização, desinstitucionalização e reinstitucionalização - se relacionam à legitimidade (Oliver, 1992).

Para Oliver (1992, p. 58), há um colapso resultante da «deterioração gradual da aceitação e uso de práticas institucionais”. Ele associa este colapso à noção de um vácuo institucional, um período em que as normas são redefinidas, o que pode levar a uma ruptura significativa da dinâmica social. Entretanto, Bandeira (2005) observa que, nesse processo, não haveria um vácuo, mas uma desordem institucional, ou uma “ordem” híbrida e plural, na qual diferentes forças institucionais lutariam por legitimidade. Estes processos são realizados por vários atores em um determinado ambiente político; alguns utilizam mecanismos para provocar mudanças institucionais, que nem sempre são imediatamente legitimadas pelos demais atores no campo. Assim, é possível que esta dinâmica, que Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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) chama de ‘deflexão institucional’, possa explicar as disputas no campo e compreender a coexistência híbrida de normas que legitimam certas práticas da vida social, tais como o fenômeno da escravidão contemporânea. Um campo organizacional seria o resultado das atividades de várias organizações e de sua homogeneização, e, consequentemente, de novos usuários das práticas atuais. Esta definição de campo compreende um conjunto de organizações que formam uma área reconhecida da vida institucional. Seus limites incluem os principais fornecedores de bens de consumo, serviços ou recursos, agências reguladoras, e outras organizações que produzem serviços ou produtos similares. Presume-se que as organizações, por pertencerem a um mesmo campo, compartilhem uma racionalidade específica que as orienta em sua estrutura e sistema de valores. Fonseca (2003Fonseca, V. D. (2003). A abordagem institucional nos estudos organizacionais: bases conceituais e desenvolvimentos contemporâneos. >Organizações, instituições e poder no Brasil (58a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV.) concorda com Powell (1991Powell, W. W. (1991). Expanding the scope of institutional analysis. In P. DiMaggio, & W. W. Powell(Ed.), The new institutionalism in organizational analysis. Chicago, IL: University of Chicago Press.), ao afirmar que cada campo organizacional tem um grau diferente de elementos técnicos e institucionais. Esta diversidade depende de vários fatores, portanto pode-se afirmar que a mudança institucional é distinta em cada campo (DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160. Retrieved from https://doi.org/10.2307/2095101
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).

A deflexão institucional é um conceito que engloba as práticas justificadas por discursos de produtividade, redução de custos ou outros temas, e servem aos interesses dos atores do campo institucional. Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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) acrescenta que, em determinados nichos, existe uma “inércia estrutural”, o que significa que as práticas são recorrentes e persistem na dinâmica sociocultural e econômica, sem dúvida devido à complacência e à tradição dessas práticas. O autor confirma que a persistência de bolsões de escravidão ligados à inércia estrutural de nichos resiste a mudanças mais amplas na população e em seu ambiente. Por exemplo, o sistema de barracão (truck system), ou “barracão”, local onde se compram mercadorias (ILO, 2011International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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; Ministério do Trabalho e Emprego [MTE], 2021Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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), é uma prática de controle cujo aspecto oculto é a opacidade contábil (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), em que os trabalhadores são fisicamente vinculados a um emprego por uma dívida falsa, que deve ser paga (Boyd et al., 2018Boyd, D. S., Jackson, B., Wardlaw, J., Foody, G. M., Marsh, S., & Bales, K. (2018). Slavery from Space: Demonstrating the role for satellite remote sensing to inform evidence-based action related to UN SDG number 8. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing, 142, 380-388. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.isprsjprs.2018.02.012
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). O objetivo é garantir que os trabalhadores estejam devendo dinheiro no dia do pagamento, de modo que continuem a trabalhar sem serem pagos, e não possam deixar o local de trabalho.

Assim, várias motivações e interesses podem estar por trás da persistência da escravidão contemporânea. A revisão bibliográfica reuniu os principais elementos identificados em estudos e publicações sobre o tema, responsáveis pela adoção de tais práticas recorrentes em algumas empresas. É possível entender que esses elementos técnicos ou institucionais fazem parte da dinâmica política neste campo. Os aspectos apresentados a seguir estão divididos segundo as condições favoráveis do campo institucional, e que fomentam a escravidão moderna: legais, econômicas, sociais e culturais. Na sequência, apresentamos a dinâmica da escravidão moderna através de suas condições degradantes, jornadas de trabalho exaustivas, violência física e psicológica, e sistema de barracão. Ao final, mostramos a estrutura de manutenção dessa situação: arranjos políticos, articulação empresarial e indivíduos sob pressão social.

Condições que favorecem a escravidão moderna

Geralmente, a pobreza, a vulnerabilidade, o baixo nível educacional e as poucas oportunidades econômicas são consideradas condições férteis para o surgimento de escravos. Elas se conectam por redes invisíveis e pelo crime organizado, que usam aspectos legais, econômicos, sociais e culturais para criar novas formas de escravidão. O controle é feito por aliciamento entre o operador ou recrutador de escravos e os trabalhadores (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; Datta & Bales, 2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.; ILO, 2007).

Legais: das convenções à regulação legal

A OIT e suas Convenções 29 e 105 sobre trabalho forçado são instrumentos cuja ratificação gerou obrigações legais por parte dos países signatários (ILO, 2007, 2009). As Convenções são recomendadas para ratificação pelos países porque orientam políticas e a legislação. Como exemplo, o California Transparency in Supply Chains Act (Lei de Transparência nas Cadeias de Abastecimento da Califórnia) foi regulamentado em 2012. Ele exige que as grandes empresas de varejo e manufatura declarem seus esforços para erradicar o tráfico humano e a escravidão em sua cadeia de abastecimento, e que publiquem as informações em seus websites (New, 2015New, S. J. (2015). Modern slavery and the supply chain: the limits of corporate social responsibility? Supply Chain Management, 20(6), 697-707. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-06-2015-0201
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; Voss et al., 2019Voss, H., Davis, M., Sumner, M., Waite, L., Ras, I. A., Singhal, D., … Jog, D. (2019). International supply chains: compliance and engagement with the Modern Slavery Act. Journal of the British Academy, 7(s1), 61-76. Retrieved from https://doi.org/10.5871/jba/007s1.061
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). Em 2015, o Reino Unido também lançou e regulamentou o Modern Slavery Act (Lei da Escravidão Moderna), com cláusulas sobre a transparência nas cadeias de fornecimento (Gold et al., 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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). Ela exige que as empresas com um faturamento anual acima de £ 36 milhões façam uma declaração sobre escravidão e tráfico humano, indicando que adotam políticas para evitar abusos da escravidão moderna nas RGPs (Redes Globais de Produção) (UK Legislation, 2015UK Legislation. (2015). Modern Slavery Act 2015. Retrieved from http://bit.ly/3bkuqae
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). O Brasil é signatário de ambas as Convenções da OIT desde 1965, e a regulamentação mais avançada citada pela OIT foi o Artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Os quatro elementos do Artigo 149 do Código Penal que caracterizam a escravidão contemporânea são: trabalho forçado - restrição do direito de ir e vir; falsa servidão por dívidas, muitas vezes inventadas; condições degradantes - trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida; e jornada de trabalho exaustiva - levando o trabalhador à exaustão pela intensidade da exploração (Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003). A origem do termo “condições análogas a de escravo” está nas Convenções da OIT, e o conceito brasileiro avançou para a expressão “trabalho análogo à escravidão», onde a dignidade é mais significativa que o status de liberdade. Além disso, o trabalhador pode ser livre, mas as condições de vida e o emprego falsamente decente o levam a aceitar a falsa promessa.

Elementos institucionais formais como as Convenções 29 e 105 da OIT, acordos internacionais de direitos humanos, e o Artigo 149 do Código Penal podem ter graus variados de eficácia. Sanções coercitivas baseadas em fatores institucionais dependem da força da governança dos stakeholders (Burmester et al., 2019Burmester, B., Michailova, S., & Stringer, C. (2019). Modern slavery and international business scholarship: the governance nexus. Critical Perspectives on International Business, 15(2/3), 139-157. Retrieved from https://doi.org/10.1108/cpoib-02-2019-0011
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; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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). A governança representa a qualidade regulatória da legislação, o estado de direito, a estabilidade política, o controle da corrupção, a eficiência governamental e a sociedade civil organizada (Bales & Robbins, 2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). No one shall be held in slavery or servitude: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. Retrieved from https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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; Crane, 2013; ILO, 2009). Um plano de governança contra o trabalho escravo liderado por ações público-privadas pode ser sabotado pela corrupção e por ações para deslegitimar os mecanismos legais contra o trabalho escravo. Por exemplo, no conceito brasileiro de trabalho escravo (Bales & Robbins, 2001), a “lista suja” tem sido fortemente atacada por setores empresariais e formuladores de políticas, embora seja um instrumento reconhecido pela OIT em seus relatórios técnicos. Apesar deste marco normativo, existe uma relativização e ressignificação desta estrutura legal como parte da jurisprudência, o que ilustra a deflexão institucional de Crane (2013). Além disso, há dificuldades em encontrar provas, especialmente quando existem grupos empresariais politicamente fortes, responsáveis pela escravidão moderna (Purkayastha & Qumer, 2019Purkayastha, D., & Qumer, S. M. (2019). DARK SIDE CASE: Nestlé and Modern Slavery. Academy of Management Proceedings, 2019 (1), 12656. Retrieved from https://doi.org/10.5465/AMBPP.2019.12656abstract
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).

Condições econômicas e a explosão populacional

O aumento significativo da população não conduz necessariamente à escravidão. Entretanto, aumenta a pressão por recursos, como alimentos e emprego (Bales & Robbins, 2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). No one shall be held in slavery or servitude: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. Retrieved from https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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; Boyd et al., 2018Boyd, D. S., Jackson, B., Wardlaw, J., Foody, G. M., Marsh, S., & Bales, K. (2018). Slavery from Space: Demonstrating the role for satellite remote sensing to inform evidence-based action related to UN SDG number 8. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing, 142, 380-388. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.isprsjprs.2018.02.012
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). A oferta de trabalhadores triplicou nos últimos 30 anos, possibilitando cortar custos na extração de matéria-prima (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.). Isto gerou um fenômeno baseado em valor e otimização de custos nas cadeias produtivas; isso pode intensificar a pobreza, se a produtividade das empresas, que geram oportunidades de trabalho, não acompanhar o crescimento populacional (Gold et al., 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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). Para Bales (2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.), o principal fator causador da escravidão moderna foi o grande crescimento da população, que passou de dois para sete bilhões de pessoas nos últimos 50 anos.

Como resultado das condições socioeconômicas, a oferta de trabalho escravo foi dramaticamente afetada pelo número de pessoas em busca de trabalho e subsistência; com isso, as empresas se voltaram para o mercado mundial para contratar mão de obra intensiva de baixo custo (Gold et al., 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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; New, 2015New, S. J. (2015). Modern slavery and the supply chain: the limits of corporate social responsibility? Supply Chain Management, 20(6), 697-707. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-06-2015-0201
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). Além disso, Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.), Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), New (2015), e Phillips e Sakamoto (2011Phillips, N., & Sakamoto, L. (2011, February). The dynamics of adverse incorporation in global production networks: Poverty, vulnerability and ‘slave labour’ in Brazil(CPRC Working Paper, n. 175). London, UK: Chronic Poverty Research Centre. Retrieved from https://assets.publishing.service.gov.uk/media/57a08acfed915d622c00090d/WP175_Philips-Sakamoto.pdf
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) reconhecem que a disponibilidade de uma população socioeconomicamente desfavorecida, de pouca educação, e o alto índice de desemprego aumentaram as chances de as empresas aderirem amplamente à escravidão. Mas, a oferta de crédito acessível e programas de bem-estar social podem mitigar este problema.

Essa dinâmica ocorre por meio de operadores de escravos, chamados “gatos” no Brasil. Segundo a OIT e o MTE, o trabalhador atraído por falsos empregos sabe que está sob uma promessa leiga, mas geralmente aceita o trabalho porque existe uma consciência involuntária devido à sua condição social e econômica. Isto é o que Bales et al. (2009Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.) afirmam sobre a escravidão, definida como uma relação na qual uma pessoa controla outra (trabalhador) por meio de violência (o recrutador é um “gato”). Com a ameaça de violência e a coerção psicológica, o trabalhador perde seu livre arbítrio e movimento, é explorado economicamente e não recebe nada além da subsistência. Os “gatos” sabem como contratar trabalhadores que são facilmente aliciados pela promessa de falsos bons empregos. Eles sabem como a condição vulnerável pode reduzir a tomada de decisão voluntária. A pobreza cria nichos de pessoas em busca de empregos para sua subsistência.

Aumento da urbanização

A explosão populacional nos últimos 50 anos triplicou o número de habitantes da Terra. Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) e Datta e Bales (2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.) revelaram a correlação entre a incidência da escravidão moderna para fins econômicos com a explosão populacional e o aumento da demanda por produtos e serviços em áreas urbanas (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.; Moser, 1998Moser, C. O. N. (1998). The asset vulnerability framework: Reassessing urban poverty reduction strategies. World Development, 26(1), 1-19. Retrieved from https://doi.org/10.1016/S0305-750X(97)10015-8
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). A característica desta explosão foi o grande movimento de pessoas que deixaram as áreas rurais em direção às áreas urbanas no Brasil (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.). A taxa de urbanização nos anos 1960 foi de 57% na região Sudeste, chegando a mais de 92% em 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2016). População e Indicadores Sociais IBGE. Rio de Janeiro, RJ: Author.). Curiosamente, os estados do Maranhão, Piauí e Pará apresentam os menores índices de urbanização do país: 59%, 67%, e 70%, e geram um grande número de trabalhadores escravizados (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo demográfico IBGE: características da população e dos domicílios. Rio de Janeiro, RJ: Author.). Em princípio, isto intensificou a disponibilidade de pessoas em busca de trabalho, e os salários foram reduzidos, no campo e nos centros urbanos (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.). Este tipo de dilema também foi discutido por Gold et al. (2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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) nas cadeias têxteis, em que a demanda da indústria aumentou, impulsionada pelo crescimento populacional, mas, ao mesmo tempo, não gerou novas oportunidades.

Pobreza social

A análise dos constructos da pobreza abrange privação material, falta de educação, saúde precária, exclusão, vulnerabilidade e falta de representatividade (ILO, 2014International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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; Moser, 1998Moser, C. O. N. (1998). The asset vulnerability framework: Reassessing urban poverty reduction strategies. World Development, 26(1), 1-19. Retrieved from https://doi.org/10.1016/S0305-750X(97)10015-8
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; Phillips & Sakamoto, 2011Phillips, N., & Sakamoto, L. (2011, February). The dynamics of adverse incorporation in global production networks: Poverty, vulnerability and ‘slave labour’ in Brazil(CPRC Working Paper, n. 175). London, UK: Chronic Poverty Research Centre. Retrieved from https://assets.publishing.service.gov.uk/media/57a08acfed915d622c00090d/WP175_Philips-Sakamoto.pdf
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; World Bank, 2000World Bank. (2000). World Development Report 2000/2001: Attacking Poverty. Oxford, UK: Oxford University Press. Retrieved from https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/11856
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). Os indivíduos são desprovidos de oportunidades e escolhas, se estiverem vivendo na pobreza. Este conceito de pobreza é multidimensional, e se refere a uma renda per capita igual ou inferior a US$ 1.500 ou US$ 2.000 por ano (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; World Bank, 2000World Bank. (2000). World Development Report 2000/2001: Attacking Poverty. Oxford, UK: Oxford University Press. Retrieved from https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/11856
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). Embora Banerjee e Duflo (2006Banerjee, A. V., & Duflo, E. (2007). The Economic Lives of the Poor. Journal of Economic Perspectives, 21(1), 141-168. Retrieved from https://doi.org/10.1257/jep.21.1.141
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) discutam o limiar da pobreza entre US$ 1 ou US$ 2 por dia, amplamente utilizado tanto em discussões acadêmicas, quanto em estudos das práticas sobre a pobreza, segundo artigos seminais de Prahalad e coautores (como Prahalad & Hammond, 2002Prahalad, C. K., & Hammond, A. L. (2002, October). What works: Serving the poor, profitably: A private sector strategy for global digital opportunity. Washington, DC: World Resources Institute. Retrieved from https://www.wri.org/research/what-works-serving-poor-profitably
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), a maioria das publicações que fornecem uma definição explícita usam uma renda per capita igual ou inferior a US$ 1.500 ou US$ 2.000 por ano. Por outro lado, alguns autores observam que a pobreza também afeta negativamente o meio ambiente, pois a luta pela sobrevivência pode causar degradação ambiental, sugerindo que a melhoria da situação dos pobres também beneficia o meio ambiente (Boyd et al., 2018Boyd, D. S., Jackson, B., Wardlaw, J., Foody, G. M., Marsh, S., & Bales, K. (2018). Slavery from Space: Demonstrating the role for satellite remote sensing to inform evidence-based action related to UN SDG number 8. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing, 142, 380-388. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.isprsjprs.2018.02.012
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).

A pobreza é um dos “fatores de pressão” mais críticos para a exploração do trabalho, pois cria um ambiente fértil para os piores tipos de exploração (O’Connell, 2012O’Connell, H. A. (2012). The impact of slavery on racial inequality in poverty in the contemporary U.S. South. Social Forces, 90(3), 713-734. Retrieved from https://doi.org/10.1093/sf/sor021
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; Panori, Mora, & Reid, 2019Panori, A., Mora, L., & Reid, A. (2019, November). Five decades of research on urban poverty: Main research communities, core knowledge producers, and emerging thematic areas. Journal of Cleaner Production, 237, 117850. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2019.117850
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; Phillips & Sakamoto, 2011Phillips, N., & Sakamoto, L. (2011, February). The dynamics of adverse incorporation in global production networks: Poverty, vulnerability and ‘slave labour’ in Brazil(CPRC Working Paper, n. 175). London, UK: Chronic Poverty Research Centre. Retrieved from https://assets.publishing.service.gov.uk/media/57a08acfed915d622c00090d/WP175_Philips-Sakamoto.pdf
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).

Analfabetismo

O analfabetismo está associado a uma condição estrutural de inércia relacionada ao isolamento geográfico, menor regulamentação, pobreza, migração, corrupção, falta de educação, um número considerável de pessoas lutando pela sobrevivência, raça e etnia (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; Datta & Bales, 2014Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; ILO, 2013International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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). Além disso, a inércia estrutural parece estar relacionada ao que Bales et al. (2009)Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld. chamam de “pessoas descartáveis” - trabalhadores são “coisas” que podem ser substituídas, devido ao número considerável daqueles que tentam viver e conseguir um emprego (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.).

Sem dúvida, a educação e a conscientização têm um papel fundamental na persistência da escravidão. Além do baixo nível de educação, a falta de conscientização sobre as práticas de escravidão resulta em um aumento da vulnerabilidade entre as potenciais vítimas (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; O’Connell, 2012O’Connell, H. A. (2012). The impact of slavery on racial inequality in poverty in the contemporary U.S. South. Social Forces, 90(3), 713-734. Retrieved from https://doi.org/10.1093/sf/sor021
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), o que limita suas escolhas de trabalho decente. Da mesma forma, a educação deficiente e a falta de conscientização no interior das comunidades locais, nas regiões onde as pessoas escravizadas são aliciadas, dificulta a notificação de incidentes que possam ocorrer.

Vulnerabilidade e baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

A vulnerabilidade é caracterizada pela distância entre a disponibilidade de recursos materiais e o acesso à estrutura de oportunidades sociais. Esta distância pode resultar em desvantagens para o desempenho do trabalhador e para o risco de sua mobilidade econômica e social (Datta & Balles, 2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.). Desastres, terremotos e guerras podem ter efeitos ainda mais extremos sobre os riscos econômicos e sociais para a mobilidade do desempenho (migrações). A análise sobre o considerável risco da distância para a mobilidade econômica e social, usado pelo Global Slavery Index (Walk Free Foundation, 2018Voss, H., Davis, M., Sumner, M., Waite, L., Ras, I. A., Singhal, D., … Jog, D. (2019). International supply chains: compliance and engagement with the Modern Slavery Act. Journal of the British Academy, 7(s1), 61-76. Retrieved from https://doi.org/10.5871/jba/007s1.061
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, p. 14), mostra uma contrapartida: políticas nacionais contra a escravidão moderna, direitos humanos, desenvolvimento econômico, estabilidade política e luta pelos direitos das mulheres. Para Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), é necessário validar a correlação entre as variáveis através de estudos quantitativos que usem métodos acadêmicos rigorosos. Entretanto, parece razoável supor que o crescimento populacional dos últimos 50 anos, a vulnerabilidade, o empobrecimento e a corrupção são condições propícias à escravidão nos países (Crane, 2013Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.). Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) procurou entender a relação entre variáveis como renda per capita, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), níveis de corrupção, abuso político e de direitos humanos, tráfico de pessoas em um país e entre países, e alta densidade populacional. Essas condições interagem e se tornam ameaças à sobrevivência, causando efeitos como a insegurança. O argumento está associado ao estado de vulnerabilidade da vítima, que atinge a condição de escravizado. Phillips (2013Phillips, N. (2013). Unfree labour and adverse incorporation in the global economy: comparative perspectives on Brazil and India. Economy and Society, 42(2), 171-196. Retrieved from https://doi.org/10.1080/03085147.2012.718630
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) e Phillips e Sakamoto (2011) argumentam que a vulnerabilidade e a pobreza parecem ser condições prévias para entender a mão-de-obra escravizada na economia global (Datta & Bales, 2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.). Uma melhor compreensão dessa mão de obra está ligada à perspectiva relacional, à interação circular entre as estruturas sociais vulneráveis, a economia produtiva global e o mercado de trabalho (Gold et al., 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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).

Repertório sociocultural e o aspecto geográfico

Bales e Robbins (2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). No one shall be held in slavery or servitude: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. Retrieved from https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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) afirmam que a escravidão moderna tem padrões de expressão; ela se manifesta em culturas enfraquecidas pela pobreza e pela miséria, em comunidades e entre indivíduos. Uma economia moral ainda é necessária - a relação entre o escravizador e o escravizado. Ela se justifica pela emergência da subsistência, a moralidade de se ganhar o pão através das dores do trabalho. O senso de dignidade do sustento é destruído pela gestão de práticas ilegais do trabalho. Além disso, o trabalho na comunidade deve ser digno e estimulado, trazendo sustento e apoio às necessidades básicas. Entretanto, a dignidade deste trabalho não inclui a liberdade, a saúde, as boas condições de trabalho, a comunicação familiar, e até mesmo a proteção da vida do trabalhador (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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). A lógica da economia moral reside na discriminação, de raça ou etnia, religião, diferenças políticas e vulnerabilidades (Datta & Bales, 2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.). Figueira (2004Figueira, R. R. (2004). Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record.) argumenta que raça e etnia nem sempre estão relacionadas à escravidão moderna, porque condições econômicas extremamente frágeis, associadas à baixa escolaridade e à distância geográfica, são suficientes para atrair, gerar e reter os escravizados contemporâneos.

Segundo Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) e Figueira (2004Figueira, R. R. (2004). Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record.), a relação entre ignorância e distância geográfica de grandes cidades contribui para mecanismos de corrupção. Datta e Bales (2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.) mostram que homens, mulheres e crianças às vezes entendem sua situação de escravizados ao interagir com a realidade, que é aliviada por forças institucionais (nível macro) e empresas formais ou informais (nível meso). Este alívio significa que o escravizado pode aceitar sua condição porque isto acaba sendo parte de sua vida diária individual e comunitária (Figueira, 2004Figueira, R. R. (2004). Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record.). A escravidão moderna ocorre na ilegalidade e requer “ignorância” ou um menor nível de educação. A geografia que a isola dos grandes centros também ocorre no nível micro (ILO, 2005International Labour Office. (2005). Aliança global contra trabalho forçado. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Retrieved from http://bit.ly/2OrizNG
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, 2009). A distância impede a fuga do trabalhador e limita o ato voluntário. O isolamento é um instrumento de controle e intensifica a violência psicológica. Este é o ambiente que Le Breton (2003Le Breton, B. (2003). Trapped: modern-day slavery in the Brazilian Amazon. Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers.) observou, sobre a vulnerabilidade dos trabalhadores brasileiros, que são facilmente manipulados e dominados na região amazônica.

A prática de manutenção da escravidão moderna

A prática é o trabalho forçado através da ameaça (ILO, 2007International Labour Office. (2005). Aliança global contra trabalho forçado. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Retrieved from http://bit.ly/2OrizNG
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; MTE, 2020). O controle é feito através de abuso e desumanização. Para Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.), a exploração econômica ocorre pelo pagamento de salários insuficientes, devido à “comoditização” dos seres humanos, com restrições à liberdade de movimento (Bales, 2004; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Datta & Bales, 2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.; ILO, 2009International Labour Office. (2005). Aliança global contra trabalho forçado. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Retrieved from http://bit.ly/2OrizNG
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). No Brasil, a definição de prática ilegal utiliza o termo “condição análoga à escravidão”, que abrange os seguintes elementos: condições degradantes, jornadas de trabalho exaustivas, e violência física e psicológica. A Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2009International Labour Office. (2005). Aliança global contra trabalho forçado. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Retrieved from http://bit.ly/2OrizNG
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) citou a legislação e regulamentação brasileiras para enfrentar o problema. Finalmente, a prática do “barracão” na escravidão moderna é um tipo de mecanismo utilizado para apoiar a violência física e psicológica (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.; MTE, 2012Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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; Philips & Sakamoto, 2011O’Connell, H. A. (2012). The impact of slavery on racial inequality in poverty in the contemporary U.S. South. Social Forces, 90(3), 713-734. Retrieved from https://doi.org/10.1093/sf/sor021
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). O sistema de barracão (ou servidão por dívida) inclui vários atores e organizações que se articulam para organizar a escravidão contemporânea, tais como recrutadores (chamados “gatos” no Brasil), proprietários de hotéis e mercados locais que criam dívidas impagáveis. Ele está ligado à violência, à gestão da dívida, à opacidade contábil e à gestão da cadeia de fornecimento de mão de obra (Bales et al., 2009Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Figueira, 2004Figueira, R. R. (2004). Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record.; Le Breton, 2003Le Breton, B. (2003). Trapped: modern-day slavery in the Brazilian Amazon. Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers.; Phillips & Sakamoto, 2011Phillips, N., & Sakamoto, L. (2011, February). The dynamics of adverse incorporation in global production networks: Poverty, vulnerability and ‘slave labour’ in Brazil(CPRC Working Paper, n. 175). London, UK: Chronic Poverty Research Centre. Retrieved from https://assets.publishing.service.gov.uk/media/57a08acfed915d622c00090d/WP175_Philips-Sakamoto.pdf
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).

Condições degradantes

O trabalho degradante é um elemento associado à supressão da liberdade individual e da dignidade do trabalhador (Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003). Este elemento simboliza o status de dignidade da vítima, ao invés de enfatizar apenas o status de liberdade, baseado no Código Penal Brasileiro, através do Artigo 149, sobre escravidão moderna. Como exemplo, a realidade de trabalhadores em uma fazenda de bois em Paragominas, Pará, onde o relatório do Grupo Móvel de Fiscalização do MTE (2021)Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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descreveu condições degradantes e a frustração de esperar por um emprego que deveria trazer o futuro - 30 trabalhadores foram encontrados dormindo no curral, como animais, onde havia fezes misturadas com alimentos e roupas, por falta de instalações adequadas.

Jornadas de trabalho exaustivas

Referem-se ao trabalho até o limite, ou que excede os limites físicos individuais (Marinho & Vieira, 2019Marinho, M. O., & Vieira, F. O. (2019). A jornada exaustiva e a escravidão contemporânea. Cadernos EBAPE.BR, 17(2), 351-361. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395171623
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). Estas condições de trabalho enfatizam o extremo poder exercido pelos recrutadores, que impõem horas de trabalho desumanas e excessivas (Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003). Por exemplo, de acordo com o MTE (2011Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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, 2012), um caminhoneiro havia dirigido por 23 horas, com um intervalo de apenas 40 minutos. Outro motorista trabalhou de 14 de dezembro de 2014 até 11 de janeiro de 2015, sem um dia de folga - nem mesmo no Natal ou Ano Novo. Além disso, o testemunho de um ex-escravizado descreve sua mãe, grávida, e sua irmã com menos de 14 anos de idade, cortando cana de açúcar das 4h às 21h sem intervalo, comida apropriada, e banheiro. A mãe testemunhou que sua filha morreu atropelada por um caminhão, quando voltava para casa no meio da noite. Neste caso, as crianças estavam sob condições de escravidão moderna.

Violência física e psicológica

O trabalhador é privado de sua liberdade, sob ameaças psicológicas, morais ou armadas, tais como estupro, tortura, açoitamento e espancamento (Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003; ILO, 2010). A violência psicológica é representada pela retórica que torna o trabalhador igual ou pior que um animal, tratado como “coisa” (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.). Outro caso é o de um trabalhador em uma fazenda de bois no Pará, que recebeu trinta marcas de ferro quente em seu corpo porque reclamou do salário atrasado. Mais um caso, de um trabalhador da construção naval, que se sentia como prisioneiro devido à vigilância dos armadores e gerentes. E o trabalhador boliviano, aliciado em La Paz e trazido para uma oficina de costura em São Paulo, ameaçado se não pagasse dívidas ilegais e trabalhasse das 7h às 23h em condições terríveis.

Sistema de barracão (truck system)

É uma estrutura criada por recrutadores de escravos (“gatos”), que fornecem materiais, alimentos, cigarros, bolachas, drogas legais ou ilegais, sabão, luvas de trabalho, botas de trabalho, ferramentas, café, cerveja, remédios e alimentos básicos, em geral contabilizando-os como dívidas dos trabalhadores. Em alguns casos, é uma cantina administrada por um “gato”, que vende esses produtos e materiais, e onde o trabalhador é obrigado a comprar. Também é conhecido como sistema de barracão. Em uma entrevista, o Inspetor do Ministério do Trabalho disse: [...] lá ele não tem água para beber, não tem eletricidade, e o trabalhador permanece nessa condição. O Grupo Móvel de Inspetores de resgate do trabalho escravo encontrou servidão por dívidas e notebooks onde os recrutadores as registram, funcionando como registro contábil (MTE, 2011Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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, 2021). Essa estrutura é chamada de “sistema” devido à organização e controle do estoque de materiais, preços de venda, e registro das dívidas contraídas pelo trabalhador. É o que Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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) chama de opacidade da prestação de contas.

METODOLOGIA

A revisão da literatura foi baseada nas premissas da escravidão moderna como prática de gestão, explorando a dinâmica de um campo institucional que cria condições e capacidades para a exploração humana (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), e os fatores condicionantes como elementos sociais e regras quebradas (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.). Além das condições apresentadas na seção anterior, relacionadas ao fenômeno estudado, este artigo é complementado por pesquisa documental e pesquisa empírica sobre como o campo institucional é configurado para sustentar a escravidão contemporânea. Para alcançar este objetivo, primeiramente consultamos fontes secundárias de dados, entre 2011 e 2022: documentos oficiais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), ONG Repórter Brasil, LASF, FGV EAESP, Índice Global de Escravidão e Instituto Ethos. Os dados foram coletados no InPACTO - Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, através da participação em palestras com atores públicos e privados, em Brasília e São Paulo. Escolhemos o InPACTO por sua representatividade, reunindo mais de 70 empresas e 20 organizações civis (InPACTO, 2017InPACTO. (2017b, August 11). Prevenção e combate ao trabalho escravo - InPacto e seus signatários. Retrieved from https://inpacto.org.br/
https://inpacto.org.br/...
). Os signatários seguem 10 padrões de monitoramento em cadeias produtivas para combater o trabalho escravo no Brasil. As empresas do InPACTO representam 35% do PIB brasileiro.

As categorias foram criadas por Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), que considera a escravidão moderna uma prática de gestão em um contexto de análise multinível: macro, meso e micro. Além disso, Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) discute elementos como a pobreza e a quebra de regras sociais, que indicam a probabilidade de os trabalhadores serem reduzidos à condição de escravos modernos. A partir dessas suposições, criamos a roda da escravidão moderna, como a principal contribuição desta pesquisa. Ela ilustra o círculo vicioso da escravidão moderna como um conjunto de deflexões institucionais que funcionam como um motor que mantém esta roda em constante movimento. A roda da escravidão tem três componentes principais, que funcionaram como categorias neste estudo: condições que favorecem a escravidão, práticas de escravidão, e estrutura para a manutenção da escravidão. O recrutamento, o aliciamento e o sistema de barracão são elementos utilizados pelos recrutadores de escravos e que movimentam a roda da escravidão, sendo reconhecidos como manifestações de deflexão institucional. As subcategorias legais, culturais, sociais e econômicas são parte das condições que favorecem os recrutadores. As subcategorias ‘condições degradantes’, ‘violência física e psicológica’ e ‘trabalho exaustivo’ são práticas reais encontradas em dados primários e documentos da legislação brasileira - Artigo 149 do Código Penal. As subcategorias “arranjos políticos”, “articulação de empresas” e “indivíduos sob pressão social” fazem parte das ações dos formuladores de políticas, ONGs, instituições, e organizações criminosas informais para lidar com a prática da escravidão moderna. A pesquisa documental permitiu entender as regras e leis adotadas durante muito tempo no Brasil. Em seguida, fizemos 15 entrevistas em profundidade, entre 2011 e 2022, e 30 observações participantes em palestras e reuniões, em São Paulo e Brasília, realizadas em diferentes organizações para destacar e discutir os problemas derivados da escravidão moderna. As declarações dos palestrantes, as entrevistas e os discursos foram transcritos e categorizados, usando o software de análise de texto NVivo (Bazeley & Jackson, 2013Bazeley, P., & Jackson, K. (2013). Qualitative data analysis: with NVIVO (2a ed.). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications Ltd.). O Quadro 1 mostra todas as categorias previamente identificadas.

Quadro 1
Resultados da categorização

Quadro 1
continuação

Quadro 1
continuação

Quadro 1
continuação

MODELO DE PESQUISA

A base do modelo de pesquisa converge para se entender a dinâmica da escravidão moderna como um círculo contínuo e vicioso, representado simbolicamente por uma roda cujo movimento depende da perpetuação de seus três principais componentes: as condições favoráveis, as próprias práticas, e o sistema de manutenção da escravidão moderna. Um contexto de alta vulnerabilidade sociocultural define o primeiro componente da roda - condições que favorecem a escravidão moderna: [...] Venho do Nordeste [...] encontrar uma boa oportunidade de trabalho é raro. [...] Em 2011, foi minha vez de ir para a região Sul. [...] recrutavam pessoas, e o trabalho era em uma grande empresa de construção civil. Depois de dois dias em um ônibus, cheguei em São Paulo. E lá a conversa mudou.

O agente avisou que iria deduzir o valor da viagem do meu salário. [...] muitos tinham que dormir no chão e até mesmo na cozinha. Os banheiros eram sujos e havia uma fila de 20 pessoas para um único chuveiro (Entrevista 15). O status social, econômico, cultural e um ambiente jurídico ambíguo constituem um campo fértil. E é fértil porque está associado ao conhecimento dos recrutadores. Oferecer um emprego com falsas condições de trabalho diminui os custos, atrai trabalhadores e mantém uma estrutura de venda de materiais e alimentos para produzir dívidas falsas. Nas publicações consultadas, as características mais evidentes são: pobreza crônica, baixa escolaridade, desemprego, alta densidade populacional, isolamento geográfico (Bales, 2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.; Boyd et al., 2018Boyd, D. S., Jackson, B., Wardlaw, J., Foody, G. M., Marsh, S., & Bales, K. (2018). Slavery from Space: Demonstrating the role for satellite remote sensing to inform evidence-based action related to UN SDG number 8. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing, 142, 380-388. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.isprsjprs.2018.02.012
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; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Gold et al., 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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b) e quadro regulatório ambíguo (Crane, 2013): [...] nosso conceito (brasileiro) é mais amplo e considera não apenas o problema da restrição da liberdade, mas também as condições degradantes. A ideia desses itens das políticas é se ater ao conceito de trabalho forçado, que, neste caso, é o conceito internacional, e desconsiderar a questão das condições degradantes. Com base no Artigo 149, a abordagem brasileira foi um avanço reconhecido internacionalmente, mas os stakeholders desaprovam essa abordagem.

Além disso, esta condição legal pode levar à ambiguidade e ser um campo potencial para disputas entre formuladores de políticas, auditores, empresas, instituições e trabalhadores: [...] o fato de o trabalhador não ter água, para nós não é tão radical, mas alguns auditores acham que sim, que não ter água configura trabalho degradante. Eu e um grupo de pessoas entendemos de modo diferente.

Este exemplo se refere aos auditores do MTE, reconhecendo a existência de condições legais e condições degradantes durante a inspeção. Há diferenças de interpretação entre os inspetores fiscais quanto à caracterização dos elementos do trabalho degradante, das jornadas de trabalho exaustivas e do trabalho forçado. Estes elementos podem estar ou não associados, mas ainda existe um nível de ambiguidade.

Na prática, essas condições poderiam ser observadas na caracterização da escravidão moderna no Brasil, com base no IDH, IDHM, Coeficiente de GINI, análise do quadro legal, e nas estatísticas dos trabalhadores resgatados pelo MTE (2011)Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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, seu destino e local de residência. Outra medida é o índice de vulnerabilidade desenvolvido pelo InPACTO (2020)InPACTO. (2020, November 18). InPACTO lança índice para empresas criarem políticas de Direitos Humanos. Retrieved from https://inpacto.org.br/inpacto-lanca-indice-para-empresas-criarem-politicas-de-direitos-humanos/
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: índice IVI, uma tecnologia inovadora desenvolvida pelo cruzamento de dados socioeconômicos e demográficos que indica uma escala de risco.

O segundo componente da roda foi chamado de Práticas da Escravidão Moderna, caracterizado pela dinâmica de aliciamento, “Sistema de Barracão”, Jornadas Exaustivas de Trabalho, e Violência Física e Psicológica (entrevista 15 e testemunho de ex-escravizados). A dinâmica do aliciamento depende de recrutadores ou operadores de escravos (“gatos”), como observado nos dados analisados, cada um com sua própria justificativa ética e social para manter esta situação. A entrevista 15 ilustra o “Sistema de Barracão”: “as pessoas que nos levaram não nos pagaram nada, mas meu pai sempre fez compras no barracão, ele sempre recebeu o que comprou, e depois pagou a conta”, o que caracteriza a dependência criada pela opacidade na prestação de contas (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), a servidão por dívidas mencionada por Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.), Bales et al. (2009)Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld., Gold et al. (2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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), e Philips e Sakamoto (2011)O’Connell, H. A. (2012). The impact of slavery on racial inequality in poverty in the contemporary U.S. South. Social Forces, 90(3), 713-734. Retrieved from https://doi.org/10.1093/sf/sor021
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, e as instalações e condições de trabalho, reconhecidamente degradantes. Esta prática também é definida por uma jornada de trabalho exaustiva e violência física e psicológica: “saímos às 4 horas da manhã nos caminhões que vieram nos buscar. Trabalhamos desde as 4 até as 9 da noite. Levamos conosco uma lata de cuscuz”. A teoria foi corroborada pelos resultados de nossa pesquisa, visíveis na entrevista feita pelo ex-escravizado (entrevista 15).

O terceiro componente da roda consiste na manutenção de um sistema de escravidão, fertilidade e reprodução, usando mecanismos subjacentes, que são o relacionamento e os valores dos recrutadores de escravos, operadores e empresas formais/informais que abastecem o principal grupo do setor econômico. Eles mantêm práticas de escravidão moderna enquanto se protegem das forças institucionais. Ao mesmo tempo, a manutenção garante custos mais baixos nas RGPs e retém as pessoas sob condições de escravidão moderna. Dahan e Gittens (2010Dahan, N. M., & Gittens, M. (2010). Business and the public affairs of slavery: A discursive approach of an ethical public issue. Journal of Business Ethics, 92(2), 227-249. Retrieved from https://doi.org/10.1007/s10551-009-0151-8
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) mostram que a ética pública “é, ao invés disso, o constructo social moldado por atores conscientes que tentam promover seus interesses”. A partir desta lógica, este conjunto de articulações é subdividido em três: acoplamentos políticos, empresariais e individuais com seu ambiente sociocultural. As articulações políticas se referem principalmente ao governo e formuladores de políticas, que podem afetar a vida coletiva através de normas e políticas públicas.

No entanto, ela está sujeita a mecanismos ambíguos e subjacentes que potencializam a corrupção e práticas inconsistentes com as necessidades sociais. As articulações empresariais são aquelas em que as empresas se engajam, através de suas redes e alianças estratégicas, para reduzir os custos de produção e aumentar os lucros. Mesmo com provas em contrário (Datta & Bales, 2013Datta, M. N., & Bales, K. (2013). Slavery is Bad for Business: Analyzing the Impact of Slavery on National Economies. The Brown Journal of World Affairs, 19(2), 205-223.), alguns números podem esconder a realidade de que a escravidão moderna gera “lucros”, como é visível no Global Index Slavery. Os escravizados são forçados a trabalhar para o lucro de outros, e são incapazes de ir embora (Bales et al., 2009Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). No one shall be held in slavery or servitude: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. Retrieved from https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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, p. 31). Além disso, as articulações entre o indivíduo e o contexto social e cultural são sustentadas por pressões morais, controle psicológico e violência, por meio de símbolos que representam o seu papel naquele grupo social. A visão psicológica individual está muito mais presente. De alguma forma, ela orienta sua decisão de ser submetido a condições degradantes de trabalho. Em resumo, essas três articulações servem para manter a escravidão moderna e fortalecer as condições que promovem as práticas. A roda da escravidão moderna, como a batizamos, tem a forma apresentada na Figura 1.

Figura 1
Roda da escravidão moderna

A roda que mantém a escravidão moderna em funcionamento é ilustrada por condições que a favorecem, práticas de aliciamento e a capacidade de recrutar pessoas que aceitam ser reduzidas à condição análoga a de um escravizado. No entanto, a manutenção da escravidão se utiliza de um ambiente macro e meso-regulatório. Isso acontece devido a um ambiente ambíguo - uma estratégia de redução de custos e terceirização sem a garantia de um emprego seguro. A deflexão institucional floresce a partir dos atores organizacionais e institucionais (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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). Estas ações contribuem, de alguma forma, para a luta contra a escravidão; no entanto, elas são insuficientes. Podemos correlacioná-las a uma inércia estrutural socioeconômica - pobreza, distância geográfica, baixa escolaridade, e rastreamento de trabalhadores para subsistência. Como resultado, ex-escravizados modernos podem recorrer à atividade escravista. Empresas formais e informais consideradas responsáveis por conduzir trabalhadores à escravidão moderna também adotam práticas de escravidão recorrentes (MTE, 2012Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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, 2021). Estes dois fenômenos foram identificados nos relatórios oficiais do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego, através da chamada “Lista Suja”.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As categorias de análise identificadas na revisão da literatura são as condições que favorecem a escravidão moderna, sua prática e sua manutenção.

Condições que favorecem a escravidão moderna

As condições favoráveis à escravidão moderna têm como fundamento a população vulnerável, sem acesso a recursos como alimentação, saúde e abrigo: [...] não havia banheiro. Costumávamos ir muito longe para fazer as necessidades fisiológicas no mato. Não havia nada. Apenas a foice para cortar a palha e a cana [...] um dia minha mãe desmaiou de fome (Entrevista 15). Outro testemunho: [...] os animais não viviam mais no curral, mas nós vivíamos, e as fezes se misturavam com nossa comida (MTE, 2016Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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). Os trabalhadores parecem “coisas” ou “objetos descartáveis”, pois não recebem tratamento digno e quase nenhuma estrutura. Bales et al. (2009Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.) argumentam que o aspecto central para entender quais condições são favoráveis à escravidão é a existência de um ambiente regulatório fraco para pessoas em situação vulnerável. As vítimas geralmente não têm voz, devido à baixa escolaridade e à falta de conscientização sobre seus direitos. Por exemplo, o tráfico de seres humanos é uma porta de entrada para a escravidão moderna, como no caso da construtora Odebrecht, em seu canteiro de obras em Angola, para onde o “gato” atraiu trabalhadores brasileiros sob a falsa promessa de emprego. Bales (2004)Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld. e Bales et al. (2009)Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld. os definiram como “seres humanos invisíveis”. O perfil das pessoas sem voz está ligado ao que Bales (2004)Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld. menciona sobre um ambiente regulatório que não consegue proteger alguns nichos inerciais (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), caracterizados pela pobreza: [...] a ideia e o ideal destes parlamentares é manter o conceito de trabalho forçado, que neste caso é o conceito internacional, e ignorar a questão das condições degradantes (Entrevista 14).

A OIT (ILO, 2009International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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) reconhece que o conceito de “condição análoga à escravidão” no Brasil representa o maior avanço na luta contra o trabalho escravo. No entanto, a realidade da prisão para o Artigo 149 é fraca para a defesa judicial, sendo seu conceito subjetivo ou ambíguo. Os dados apresentados mostram que um fazendeiro foi preso, não por ter trabalhadores escravizados, mas porque seu recrutador (“gato”) não tinha posse legal de arma. O que pode melhorar a luta contra a escravidão é o que o Brasil tem feito, através do Estado de Direito e de vários artigos de lei para punir os detentores de escravos. Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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) argumenta que, para aumentar a eficácia do governo e sua qualidade regulatória, é preciso mudar a definição brasileira de escravidão moderna e implementar a chamada “lista suja”: [...] o comportamento das empresas nem sempre é o mesmo, as empresas se comportam de maneira diferente, portanto uma ferramenta como a Lista Suja é eficaz (Entrevista 14). A lista suja reúne os detentores de escravizados e sua cadeia de suprimentos em um banco de dados, e proíbe o seu financiamento por qualquer banco privado ou público no Brasil. Entretanto, para a condenação pelo crime do trabalho escravo, a Lei e os regulamentos exigem provas de condições degradantes e de trabalho exaustivo: [...] o conceito de degradação é delicado porque envolve a questão das condições em que operam. [...] o fato de o trabalhador não ter água, para nós não é assim tão radical, mas alguns auditores acham que sim, que não ter água é condição degradante. Eu e um grupo de pessoas entendemos de maneira diferente (Entrevista 4).

Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) relaciona corrupção com práticas de trabalho escravo, através do controle de redes de estruturas e disseminação de regras sociais. Os dados revelam que o transporte clandestino e motoristas sem carteira de habilitação são comuns na estrutura oferecida pelos «gatos». Os «gatos» fraudam documentos e contornam as inspeções quando o MTE não emite autorização de transporte, pois as autorizações atestam as boas condições do transporte e do empregador, exigidas pela legislação brasileira. Os dados mostram que os inspetores do IBAMA mantiveram comunicação com os fazendeiros em certas inspeções, antes da chegada do Grupo Móvel de Inspetores do Ministério do Trabalho.

Em alguns casos, eles subornam policiais para proteger as práticas escravagistas. Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) mostra que a corrupção se manifesta pela quebra de uma regra social nos níveis institucional e político. O contexto brasileiro inclui crimes que, juntos ou individualizados, podem caracterizar a escravidão moderna. Crimes ambientais, crimes contra a função social do trabalho, e o perigo à vida pela falta de segurança no trabalho são materialidades que, juntas ou separadas, podem caracterizar o trabalho escravo. Dados indicam práticas degradantes em crimes ambientais nas atividades de extração de madeira e na pecuária. Os resultados confirmam a pesquisa de Boyd et al. (2018Boyd, D. S., Jackson, B., Wardlaw, J., Foody, G. M., Marsh, S., & Bales, K. (2018). Slavery from Space: Demonstrating the role for satellite remote sensing to inform evidence-based action related to UN SDG number 8. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing, 142, 380-388. Retrieved from https://doi.org/10.1016/j.isprsjprs.2018.02.012
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). A OIT reconhece que o conceito brasileiro de trabalho análogo à escravidão foi o avanço mais significativo na luta contra o trabalho escravo. Entretanto, a realidade brasileira de prisões pelo crime do Artigo 149, sobre o trabalho escravo, possui fragilidades no aspecto da defesa dos escravos. Afirma-se que o conceito do Artigo 149 é subjetivo ou ambíguo.

Os dados mostram práticas degradantes relacionadas a crimes ambientais em atividades extrativas de madeira e criação de gado, não apenas no Brasil: [...] devo dizer que não é apenas no Brasil. [...] o trabalho escravo está destruindo a maior floresta da África Central. As partes em perigo na África Central, as aldeias e os vilarejos estão sob ameaça, e muitos foram destruídos pelos donos de escravos (Palestra 2). Crimes ambientais, crimes contra a função social do trabalho, e a ameaça à vida do trabalhador devido à falta de segurança no trabalho são evidências que, juntas ou separadas, tipificam o trabalho escravo. A escravidão moderna lança luz sobre o papel da pobreza em algumas interrelações, no centro do atual sistema de produção em massa e consumo (Gleason & Cockayne, 2018Gleason, K. A., & Cockayne, J. (2018, September). Official Development Assistance and SDG Target 8.7. New York, NY: United Nations University.). Infelizmente, ela mostra que o campo da administração ainda não captou completamente os fundamentos da pobreza, e como as práticas de gestão podem se envolver em sua reprodução e mitigação. Como resultado, tais aspectos frequentemente permanecem ocultos nos debates (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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).

A prática da escravidão moderna

A definição de escravidão moderna está ligada a práticas ilegais, e por isso é necessário que seja compreendida pelas empresas, gestores e sociedade civil: [...] seguir os conceitos da Organização Internacional do Trabalho, quanto à situação de trabalho forçado ou condições degradantes (Entrevista 10). Isso se justifica porque mais de 300 acordos internacionais sobre escravidão foram assinados desde 1815, sob as Convenções 29 e 105 da OIT, mas nenhum definiu escravidão da mesma forma (Bales et al., 2009Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.). Mesmo no Brasil, quando uma nova definição foi aplicada no Artigo 149 do Código Penal, ao usar desde 2003 “condições análogas à escravidão”, ela trouxe avanços para enfrentar o problema. Por exemplo, sob exaustivas horas de trabalho e condições degradantes, trabalhadores ligados aos varejistas de moda trabalhavam de 15 a 22 horas nas oficinas de costura, sem nenhuma pausa. Motoristas operavam na mineração, fazendo viagens de caminhão por 24 horas, sem parar, em Minas Gerais, fazendo as necessidades fisiológicas na estrada. Trabalhadores da lavoura de cana de açúcar operavam as máquinas colheitadeiras com velocidade, durante 24 horas. Outros caminhoneiros da mineração trabalhavam 23 horas e ainda lavavam banheiros. Um trabalhador disse: [...] Eu trabalhei todos os dias das 7 da manhã às 11 da noite. A comida era terrível. O dormitório ficava acima da casa de máquinas (Testemunho recolhido pelo MTE). O trabalho degradante nas oficinas de costura mostra o esforço repetitivo sem descanso como um fator causador de doenças. Bales (2004)Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld. também revelou que as mulheres em Bangladesh trabalhavam longos dias nas fábricas de tijolos. A dinâmica da prática escravista moderna nem sempre envolve violência física, mas apresenta coerção psicológica sob más condições de trabalho associadas à pobreza e nichos populacionais vulneráveis. Isso mostra uma inércia estrutural.

Entretanto, existe um status de controle entre chefes e trabalhadores (Bales et al., 2009Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.). O elemento físico/psicológico diz respeito à ameaça de imigração com permissão de trabalho ilegal, retenção de documentos, guardas armados, posse de armas por ‘gatos’, e 60 marcas de ferro quente no corpo de um trabalhador em uma fazenda de gado. Trabalhadores em lavoura de cana de açúcar tinham que fazer suas necessidades fisiológicas no mato, além de casos de desmaio devido à falta de alimentos, onde uma mãe e dois filhos trabalhavam. Os trabalhadores na pecuária observaram fezes misturadas com alimentos, e 30 trabalhadores dormiam no curral. Este cenário confirma a redução de custos em cadeias específicas até o extremo (Bales, 2004Bales, K., Trodd, Z., & Williamson, A. K. (2009). Modern slavery: the secret world of 27 million people. Oxford, UK: Oneworld.; MTE, 2021Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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). Além disso, Bales e Robbins (2001Bandeira, M. L. (2005). Desordem ou vácuo institucional? Uma análise dos discursos presentes na educação superior peruana (Doctoral Dissertation). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.) descrevem limites de redução de custos ao negar direitos humanos. Ainda outro exemplo é o de homens e mulheres de oficinas de costura que, à noite, dormiam todos juntos em meio ao ruído de máquinas, sem privacidade, em quartos sujos e sem ventilação - “parecia uma prisão”, disse um dos trabalhadores.

O Quadro 2 mostra o número de inspeções e operações para erradicação do trabalho escravo feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE:

Quadro 2
Inspeções e operações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

Quadro 2
continuação

Mesmo durante a pandemia da COVID-19, o trabalho escravo nas cadeias produtivas não parou. Por exemplo, em Minas Gerais e Pará, 21.002 pessoas foram libertadas, e receberam aproximadamente R$ 44 milhões em pagamentos atrasados. As atividades econômicas incluem mineração, pecuária, construção civil e restaurantes. Em alguns casos, o MTE descreve que os trabalhadores só comiam carne quando um boi era atropelado, mesmo trabalhando em setores ricos como agricultura e pecuária no Pará (ver Quadro 1). Eles comiam miúdos de carne bovina descartada, como pulmões e tetas, e café preto com farinha para engrossar. Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) relata que a cadeia de produção de chocolate não fornecia alimentos e alojamento para os trabalhadores em Gana e Costa do Marfim. Os dados revelam o trabalho de crianças no meio da floresta, no frio, cortando árvores, trabalhando sob a chuva, e dormindo debaixo de uma lona amarela em uma barraca sobre terra batida, sem eletricidade. A água do banho era a mesma que eles bebiam. Bales et al. (2009) revelam situações piores ao descrever tigres comendo crianças e homens morrendo na cadeia da pesca, em algumas áreas da África.

Manutenção da escravidão moderna

A manutenção da escravidão moderna persiste em um ambiente ineficiente, no qual políticas, normas e leis tentam enfrentá-la, enquanto não conseguem erradicá-la: [...] as empresas signatárias do InPACTO devem reconhecer a legitimidade da Lista Suja e estabelecer restrições comerciais aos fornecedores [...] promover a regularização das relações de trabalho na cadeia de suprimento. Apoiar a qualificação profissional dos trabalhadores resgatados e vulneráveis, apoiar as relações para a reintegração de trabalhadores demitidos e vulneráveis. Promover atividades de informação e comunicação para evitar o trabalho escravo. Apoiar e participar da articulação, sistematizar a disseminação e intercâmbio de boas práticas, participar do processo de monitoramento, e desenvolver um plano de ação (Palestra 30).

Entretanto, o Coordenador do InPACTO (2022)InPACTO. (2021, January 26). InPACTO lança Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Retrieved from https://inpacto.org.br/inpacto-lanca-campanha-nacional-de-combate-ao-trabalho-escravo
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apresentou evidências de que apenas 72% das empresas signatárias se preocupam com a lista suja. As articulações empresariais, arranjos políticos e indivíduos sob pressão social são a estrutura que mantém a roda da escravidão em movimento, superando as pressões institucionais de políticas anti-escravidão, como as políticas de Responsabilidade Social Corporativa - RSC: [...] toda empresa opera essencialmente em dois níveis, um nível econômico, que deve ser eficiente, gerar resultados, mas também o faz em um contexto ético, e isso é extremamente complexo. Os desafios são enormes [...] somos uma empresa varejista com cerca de 16.000 fornecedores, e todos os seus subcontratados. Não sei quantos milhares, são mais de 70 mil itens, e distribuímos produtos dentro de todas as cadeias de risco (Palestra 27) repetido. Os dados mostram o funcionamento do “sistema de barracão” no Brasil, operado por “gatos” através da chamada cantina ou “barracão”, que possui quatro componentes: estrutura, perfil do recrutador, estrutura móvel, e projeto de gestão (ILO, 2011International Labour Office. (2011). Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Retrieved from http://bit.ly/2GVPjKU
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). Estes são os “mecanismos subjacentes” que levam à redução de custos, melhores margens de lucro e vantagens competitivas. Os dados mostram a disponibilidade de alimentos, álcool, e drogas legais e ilícitas vendidas na floresta amazônica aos trabalhadores, para controlá-los e realizar o “trabalho” (Le Breton, 2000Le Breton, B. (2000). Todas sabiam - A morte anunciada de Padre Josimo. São Paulo, SP: Loyola.; MTE, 2020Ministério do Trabalho e Emprego. (2012). Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: referências para estudos e pesquisas. Retrieved from http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC882013543FDF74540AB/retrospec_trab_escravo.pdf
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).

Estes mecanismos subjacentes de todos os recrutadores de escravos têm respaldo financeiro e logístico, pois abastecem múltiplos setores e estão relativamente livres de pressões institucionais. A lógica desta dinâmica atinge o status de um “sistema”, porque os recrutadores encontram trabalhadores e clientes. Todo o material é comprado por preços mais altos e descontado mensalmente dos salários. Bales (2004Bales, K. (2004). Disposable people: new slavery in global economy. London, UK: University of California Press.) e Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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) não apresentam o fornecimento de drogas ilícitas em certas cadeias como uma forma de práticas gerenciais ilegais. É uma estrutura de vendas de materiais e produtos para uso pessoal, materiais de trabalho e alimentos: sabão, luvas de trabalho, botas de trabalho, café, cerveja, drogas e alimentos em geral. Um dos instrumentos de organização e controle é o notebook, usado para fazer o registro contábil de dívidas ilegais e inventadas, que restringem a liberdade e oprimem, ao que Crane (2013)Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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dá o nome de “opacidade contábil”.

A manutenção da escravidão moderna está ligada ao que temos discutido como mecanismos subjacentes (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), cujo papel pode ocupar espaço legítimo ou ilegítimo: [...] há uma forte ligação entre o trabalho desumano e o desmatamento [...] toda vez que encontramos trabalho escravo em fazendas de soja, as condições são desfavoráveis ao desmatamento [...] o empregado dormindo em uma barraca sobre uma lona, condições muito inadequadas e pouco alimento A boa notícia é que, dos 60 milhões de hectares utilizados na agricultura, a soja representa 28 milhões de hectares, quase metade das terras agrícolas do país (Palestra 16).

Os elementos da subcategoria “arranjos políticos” referem-se à integração dos tomadores de decisão e dos formuladores de políticas; por exemplo, há um grupo que critica a lista negra e o conceito de trabalho análogo à escravidão, e tenta boicotar: [...] apesar das mudanças nos governos Temer e Bolsonaro, a lista suja já foi publicada. Houve discussões na época, mas isso também ocorreu no governo Dilma. Mas a lista ainda existe, e as instituições financeiras que emprestam aos produtores ainda consultam a lista. É um ponto de referência essencial, e é por isso que sempre há discussões acaloradas, porque não é um instrumento para “inglês ver”, a lista é eficaz; em resumo, é considerada uma boa prática em vários fóruns, e muitas tentativas têm sido feitas para copiar esta lista de boas práticas, pois é uma ferramenta que funciona.

As articulações empresariais estão ligadas à integração dos tomadores de decisão com os signatários do pacto. Portanto, aparentemente, ninguém defende a escravidão moderna. Mas a realidade é que ainda existem pessoas e empresas que não ajudam o InPACTO, e há associados que são apenas figurativos ou simbólicos. Além disso, alguns membros do Congresso Nacional são favoráveis ao fim da lista suja, e não utilizam o conceito brasileiro de trabalho escravo, que é o mais avançado do mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contribuição teórica deste artigo amplia a noção de inércia estrutural e deflexão institucional proposta por Crane (2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: Exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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). A deflexão institucional emerge de um ambiente socioeconômico, cultural e político fértil. Por exemplo, a reincidência de trabalhadores escravizados em trabalho indigno, o aliciamento por “gatos” e o “sistema de barracão” em empresas formais ou informais. A inércia estrutural parece justificar os trabalhadores que “aceitam” o trabalho arriscado e imprevisível. As empresas não terceirizam os custos de produção para as cadeias de abastecimento, elas cortam os custos de produção retirando a proteção da vida dos trabalhadores, e não gerenciam o processo de terceirização. Além do poder legal, campanhas publicitárias contra a escravidão, iniciativas políticas pública, resgate de trabalhadores escravizados e processos na Justiça não têm sido capazes de impedir a escravidão moderna.

O modelo da roda da escravidão revela, em parte, que ações e normas não são suficientes para atingir um nível de adequação normativa, ou seja, existe uma deflexão institucional. Os signatários do InPACTO estão monitorando os primeiros elos da cadeia de suprimentos, mas ainda não conseguiram adaptar os sistemas de gestão. Algumas empresas já adotaram o trabalho escravo mais de uma vez. A terceirização está associada à redução de custos e à precariedade dos padrões de gestão de recursos humanos. Esta divergência pode piorar gradualmente a aceitação e aplicação de práticas institucionalizadas, como o corte de custos nas cadeias de fornecimento que comprometem a dignidade dos trabalhadores. Este vácuo institucional está relacionado a rupturas na dimensão social da cadeia de suprimentos - direitos humanos, saúde e segurança. Ele se aproveita de espaços institucionais específicos que sustentam e mantêm a escravidão moderna como uma prática de gestão. As pressões institucionais iniciaram um processo de adaptação às normas e regras - isomorfismo -, mas este movimento não possui legitimidade devido aos espaços de deflexão institucional e nichos específicos inertes.

Os recrutadores de escravos atuam nos microprocessos ligados à inércia organizacional “oculta”. No nível organizacional, são chamados de redes estruturais de grupos para apoiar, cuja demanda é maior nos setores de pecuária, agricultura, minério de ferro e construção civil. Os stakeholders lutam contra as pressões externas e institucionais, enquanto reduzem os trabalhadores a condições análogas à escravidão. Estudos futuros deveriam examinar como a inércia estrutural a nível individual e comunitário interage com empresas em algumas regiões do Brasil: corrupção, estratégia simbólica de RSC, violência, pressão comunitária e degradação ambiental. Esta interação também oferece a oportunidade de aprofundar a mediação e a mitigação por parte das organizações, em ações na cadeia de suprimentos contra a escravidão moderna, discutidas por Gold et al. (2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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) e Voss et al. (2019Voss, H., Davis, M., Sumner, M., Waite, L., Ras, I. A., Singhal, D., … Jog, D. (2019). International supply chains: compliance and engagement with the Modern Slavery Act. Journal of the British Academy, 7(s1), 61-76. Retrieved from https://doi.org/10.5871/jba/007s1.061
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).

Igualmente, ainda são essenciais mais estudos empíricos sobre como a roda da escravidão explora diferentes nichos e espaços organizacionais - grandes e pequenas empresas formalizadas - e organizações informais ou redes de escravagistas. Um exemplo seriam as ações “simbólicas” de alguns signatários do acordo InPACTO. O sistema de manutenção tem uma dinâmica política mediada pela legitimidade, que reúne interesses e recursos. Dessa forma, há três elementos na dinâmica institucional da escravidão moderna incluídos no modelo aqui apresentado: o sistema de barracão, o processo de aliciamento e a recorrência. Estes elementos atuam de forma oculta, e utilizam os mecanismos subjacentes que conectam as várias fases da dinâmica da escravidão moderna. O modelo da roda da escravidão revela as condições favoráveis, sua prática e sua manutenção. Infelizmente, a roda gira por mecanismos ocultos onde a inércia estrutural pavimenta o caminho para a continuação das práticas escravagistas.

Naturalmente, esta é uma das abordagens possíveis para discutir a escravidão contemporânea. Além disso, questões que poderiam ser objeto de pesquisas futuras, e para as quais ainda não há uma resposta satisfatória, dizem respeito às causas culturais e históricas para a persistência deste fenômeno na sociedade moderna. Questionar a diáspora africana e o racismo estrutural também são possibilidades para uma discussão epistemológica sobre a escravidão moderna. Finalmente, as estruturas políticas civis que sustentam a visão da modernidade na administração seriam outra forma de discutir este problema social. Assim, é essencial tornar este assunto visível na administração e priorizá-lo nas agendas políticas das empresas e do governo.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer ao Prof. Dr. Stefan Gold, da Universidade de Kassel, Alemanha, pelo estágio de pós-doutorado, de 2018 a 2020; ao Prof. Dr. Alexander Trautrims e sua equipe da Universidade de Nottingham, Inglaterra; à equipe da ONG Repórter Brasil, à equipe do InPACTO, aos revisores, e ao editor científico, cujos comentários foram valiosos para aprimorar o texto. Os autores também agradecem ao International Center for Development and Decent Work - ICCD, da Universidade de Kassel, ao Centro Universitário FEI, e em especial ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo financiamento por meio do Mack Pesquisa.

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  • 1
    A entrevista 15 foi feita com um antigo escravizado na lavoura de cana de açúcar, em 2016.
  • 2
    Na Inglaterra, empresas com renda acima de 36 milhões de libras devem relatar anualmente suas ações para identificar, prevenir e mitigar a escravidão moderna na cadeia de abastecimento.
  • 13
    [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2022
  • Aceito
    15 Dez 2022
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