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Falhas contábeis e manipulação de resultados: o caso da CVC S.A.

Errores contables y manipulación de resultados: el caso de CVC S.A.

Resumo

O caso de ensino relata a situação real de uma companhia com atuação no ramo de turismo, que foi fundada em 1972 e teve sua primeira agência localizada no município de Santo André, SP. O dilema dá-se em torno de uma situação causada por possíveis falhas contábeis que elevaram os resultados da companhia CVC S.A. e geraram o pagamento de remuneração variável aos ex-executivos. Espera-se que o caso contribua para a discussão sobre possíveis estímulos que geram conflito de interesses, bem como para a identificação de ferramentas de controle interno que minimizem a exposição a fraudes contábeis. A construção do caso envolveu a coleta de dados na internet por meio de reportagens de jornais, análise das notas explicativas, dos formulários de referência, do relatório das demonstrações financeiras auditadas e do relatório de auditoria independente não auditado, disponíveis nos sites da companhia e da B3. Recomenda-se a sua aplicação em cursos de graduação ou pós-graduação em Administração e Contabilidade, assim como sua utilização em disciplinas que abordem os tópicos “conflito de interesses” e “gerenciamento de resultados”, tais como Governança Corporativa, Finanças Corporativas, Auditoria, Fraude Corporativa ou Análise das Demonstrações Financeiras.

Palavras-chave:
Falha contábil; Conflito de interesse; Gerenciamento de resultados; Remuneração variável

Resumen

El caso didáctico relata la situación real de la empresa CVC S.A., del ramo de turismo, que fue fundada en 1972 y cuya primera agencia estaba ubicada en el municipio de Santo André, SP. El dilema gira en torno a una situación provocada por posibles errores contables que incrementaron los resultados de dicha empresa y generaron el pago de compensación variable a los exejecutivos. Se espera que el caso contribuya a la discusión sobre posibles estímulos que generan conflictos de interés y la identificación de herramientas de control interno que minimicen la exposición al fraude contable. La construcción del caso implicó la recolección de datos, a través de internet, de reportajes periodísticos, análisis de notas explicativas, formularios de referencia, informe de los estados financieros auditados e informe de auditoría independiente no auditado, disponibles en los sitios web de la empresa y de la Bolsa de Valores B3. Se recomienda que se utilice en cursos de grado o posgrado en Administración y Contabilidad, así como en disciplinas que aborden los temas de conflicto de intereses y gestión de resultados, como Gobernanza Corporativa, Finanzas Corporativas, Auditoría, Fraude Corporativo o Análisis de Estados Financieros.

Palabras clave:
Error contable; Conflicto de intereses; Gestión de resultados; Remuneración variable

Abstract

This teaching case reports the real situation of CVC S.A., a company operating in the tourism industry. The company was founded in 1972, with its first agency located in the Brazilian city of Santo André (SP). The dilemma of the case refers to accounting failures that boosted the company’s results. and led to payment of bonuses to former executives. This teaching case aims to contribute to the discussion about possible incentives that generate conflicts of interest and the identification of internal control tools that minimize exposure to accounting fraud. The construction of the case involved data collection from the Internet through newspaper reports, analysis of explanatory notes, reference forms, report of audited financial statements, and unverified independent audit reports, available on the company’s and B3’s websites. This teaching case is recommended for undergraduate or graduate programs in Administration and Accounting, in courses addressing conflict of interest and earnings management, such as Corporate Governance, Corporate Finance, Auditing, Corporate Fraud, or Analysis of Financial Statements.

Keywords:
Accounting fraud; Conflict of interest; Earnings management; Variable remuneration

INTRODUÇÃO

A companhia CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A., a primeira empresa de turismo do Brasil e a pioneira em fretar aviões, era, no ano de 2020, com 48 anos de mercado, a maior empresa de turismo da América Latina. Possuía 1.250 lojas franqueadas e mais de 12.000 agências independentes ligadas a outras operações (na modalidade Business To Business - B2B) e destacava-se mundialmente no segmento de atuação. Além disso, foi homenageada pela contribuição ao desenvolvimento do turismo mundial.

Apesar de seu porte e destaque em seu segmento, o então diretor financeiro da CVC S.A. encontrou indícios de problemas contábeis nas demonstrações financeiras da companhia no início do ano de 2020, o que levou à criação de um comitê independente de auditoria para apuração dos problemas.

O referido comitê encontrou indícios de manipulação em contas contábeis cujo objetivo era expurgar custos, além de omitir deficiências e evidências de ocultação de informações dos exercícios de 2015 a 2019. Estes fatos culminaram em prejuízos estimados em mais de R$ 362 milhões, na renúncia de quatro membros do conselho administrativo e no encerramento do mandato de alguns membros da diretoria estatutária.

Diante de escândalos financeiros como o da CVC S.A., a Association of Certified Fraud Examiners (2020Association of Certified Fraud Examiners. (2020). Report to the nations: 2020 global study on occupational fraud and abuse. Recuperado de https://acfepublic.s3-us-west-2.amazonaws.com/2020-Report-to-the-Nations.pdf
https://acfepublic.s3-us-west-2.amazonaw...
) investigou as consequências geradas por 2.504 fraudes corporativas de 125 países e estimou que os danos causados às organizações podem chegar a 5% da receita total da companhia. Ademais, constatou que as fraudes nas demonstrações financeiras representam 14% dos casos, sendo a fraude nos relatórios contábeis responsável por gerar mais prejuízos financeiros às firmas.

Em face da importância da CVC S.A. para o segmento de turismo da América Latina, foram investigados os problemas contábeis identificados no ano de 2020, com base nas informações colhidas na internet, nos formulários de referência, nas notas explicativas e no relatório das demonstrações financeiras auditadas. Espera-se, desse modo, estimular um debate em sala de aula sobre falhas contábeis cujo objetivo foi elevar os resultados da companhia CVC S.A., com o intuito de gerar o pagamento de remuneração variável aos ex-executivos. Nesse debate, espera-se responder as seguintes questões problematizadoras: quais condicionantes possibilitaram a ocorrência da manipulação das informações? O que fazer para mitigar tais problemas?

Dessa forma, o ensejo é de que o presente caso de ensino contribua para o aprendizado dos alunos de graduação ou pós-graduação em Administração e Contabilidade, assim como espera-se que seja utilizado em disciplinas que abordem os tópicos “conflito de interesses” e “gerenciamento de resultados”, tais como Governança Corporativa, Finanças Corporativas, Auditoria, Fraude Corporativa ou Análise das Demonstrações Financeiras.

ESTRUTURA DO CASO

Antecedentes

Fundada em 1972, por meio da associação de Guilherme Paulus e de Carlos Vicente Cerchiari para abertura de uma agência de turismo, a companhia CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. foi a primeira empresa de turismo do Brasil e a pioneira em fretar aviões, em desenvolver um conceito de atendimento em shoppings e hipermercados e em oferecer passagens com parcelamento em até dez vezes (CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens, 2023CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens. (2023). A empresa. Recuperado dehttps://www.cvc.com.br/institucional/sobre-a-cvc-nossa-historia
https://www.cvc.com.br/institucional/sob...
). A Figura 1 mostra a fachada da primeira agência da CVC instalada no município de Santo André/SP, na região do Grande ABC Paulista.

Figura 1
Fachada da primeira agência da CVC na cidade de Santo André/SP

No ano de 1978, a companhia iniciou o gerenciamento de viagens em grupo, tendo como foco os funcionários das indústrias instaladas no ABC Paulista. Inicialmente organizou viagens com duração de um dia, evoluindo para finais de semana, até oferecer viagens em feriados prolongados e nas férias. A Figura 2 mostra o momento de embarque de passageiros no ônibus da CVC, na década de 1970, organizado por seu fundador, Guilherme Paulus (ao centro).

Figura 2
Guilherme Paulus (ao centro) embarcando passageiros

As Figuras 1 e 2 destacam que o empreendimento se iniciou de forma simples, sua estrutura de atendimento era modesta (Figura 1). Um ônibus era compartilhado com outra empresa chamada Garcia Turismo e, como propaganda, era utilizada a frase “Conheça o Brasil” (Figura 2). Com o passar do tempo, a CVC estaria em todas as regiões do Brasil, incentivando o turismo nacional e se tornando a principal companhia de turismo da América Latina, conforme apresentado no Quadro 1, que destaca os principais fatos de sua história, por meio de uma linha do tempo.

Quadro 1
Linha do tempo da CVC S.A.

Com base no Quadro 1, verifica-se que o ano de 1981 marcou o início da popularização das viagens de lazer por meio de aviões. Dois anos depois, ocorre a inauguração das primeiras lojas da CVC fora do ABC paulista, localizadas nas cidades de Santos/SP e São José dos Campos/SP. No ano de 1989, a companhia comprou 100 mil passagens aéreas, que representavam 50% de todo o movimento mensal da VASP, e iniciou, no ano de 1992, o fretamento de aviões com destino a Maceió/AL, Natal/RN, Porto Seguro/BA e Serras Gaúchas.

Após seis anos, a companhia inaugurou a primeira loja em shopping, localizada no Shopping Plaza Sul, em São Paulo, tendo como estratégia facilitar o acesso do brasileiro ao turismo, promovendo viagens no varejo. Em 2000, a CVC inaugurou a primeira loja virtual de turismo do Brasil.

Ao longo de 2002, 545 mil brasileiros viajaram com a operadora. No decorrer dos anos, a CVC cresceu quase sete vezes de tamanho, considerando o número de passageiros embarcados em viagens pelo Brasil e exterior. No ano de 2003, a empresa fretou um moderno transatlântico da Europa, chamado de R5 Blue Dream, para permanecer no Brasil durante toda a temporada de verão.

No ano de 2007, a companhia festejou 35 anos de atividades no turismo, período em que realizou o sonho de viagem de mais de dez milhões de brasileiros. Nesse mesmo ano, colocou no ar um novo projeto para o seu site, que ganhou o conceito de portal de serviços, com mais conteúdo sobre destinos turísticos, e lançou novas ferramentas de interatividade para seus clientes.

Após dois anos, a CVC foi homenageada pela valorosa contribuição ao desenvolvimento do turismo mundial. É a única operadora brasileira a receber a condecoração, entre as dez concorrentes mundiais, em cerimônia comandada por Fiona Jeffery, presidente da World Travel Market (WTM), e Boris Johnson, então prefeito de Londres.

No ano de 2010, a companhia entra para a história do turismo brasileiro ao oficializar o maior negócio já realizado em toda a história do segmento: venda de 63,6% do controle da empresa para o fundo Carlyle, considerado um dos maiores fundos de private equity do mundo. A transação contribuiu para que a companhia abrisse o capital na Bolsa de Valores de São Paulo, atual B3, por meio da oferta pública inicial (IPO) em 2012.

A companhia ampliou o seu portfólio de destinos ano após ano, até se tornar o maior grupo econômico de turismo da América Latina, com 1.250 lojas franqueadas e mais de 12.000 agências independentes ligadas ao B2B. Possui, ainda, presença importante na Argentina, por meio da CVC Corp.

A marca CVC é reconhecida nacionalmente e, também, marca top-of-mind em todas as idades e classes sociais. No Brasil, a companhia atua no segmento B2C (Business To Consumer) por meio da CVC.com, do Submarino Viagens e da Experimento; e no B2B, compõe-se de operações da Trend, VHC, Visual, Esferatur e RexturAdvance. Suas marcas são agrupadas em três unidades de negócios, conforme Figura 3.

Figura 3
Unidades de negócios da companhia

Dentre as marcas do grupo, destaca-se a CVC Brasil, que possui a maior rede de distribuição de produtos de viagens no varejo e detém não apenas lojas físicas, mas também a plataforma e-commerce CVC.com. A unidade de negócios B2C engloba, ainda, a plataforma on-line Submarino Viagens, que atua nas reservas de viagens de lazer ou de negócios, focando em captar os viajantes mais independentes com o auxílio no planejamento de suas viagens. Já a marca Experimento é a pioneira no segmento de intercâmbio cultural, possuindo parcerias com as melhores instituições educacionais do mundo. Essas marcas, agrupadas no B2C, representaram 55% da receita líquida da companhia no ano de 2021.

Com foco principal nos agentes de viagens e composta pelas marcas RexturAdvance, Grupo Trend, Visual Turismo, Esferatur e VHC, conforme Figura 3, as unidades de negócios B2B geraram uma receita líquida de R$ 255,3 milhões no ano de 2021, equivalente a 31% da receita líquida da CVC S.A., destacando-se as marcas Grupo Trend, com “superportfólio” de mais de 500 mil hotéis localizados no Brasil e no exterior, e a Visual Turismo, formada por mais de 13 mil agências de viagens credenciadas em todo o Brasil.

Existem, ainda, quatro marcas que integram as unidades de negócios Argentina, onde atuam principalmente. Entre elas estão a Avantrip, agência de turismo on-line com foco em lazer, a Biblos, agência on-line de viagens de luxo, voltada a pacotes nacionais e internacionais personalizáveis, líder no segmento de atuação e com forte presença no país vizinho. A Almundo é considerada a marca omnichannel de maior crescimento na América Latina, possuindo plataformas digitais e mais de 100 lojas físicas, e a Ola Transatlántica, considerado um dos maiores grupos de viagens da Argentina com atuação através de agências multimarcas. Todas essas marcas representaram 14% da receita líquida da CVC S.A. no ano de 2021.

RELATO DO CASO

Em fevereiro de 2020, o então diretor financeiro encontrou indícios de problemas contábeis nos demonstrativos da companhia, de forma que foi necessário estabelecer um comitê independente de auditoria para apuração de tais indícios (Andrade, 2020Andrade, A. L. (2020, março 02). CVC divulga fato relevante sobre possíveis erros em balanço de 2015 a 2019. Panrotas. Recuperado de https://www.panrotas.com.br/mercado/operadoras/2020/03/cvc-divulga-fato-relevante-sobre-possiveis-erros-em-balanco-de-2015-a-2019_171452.html
https://www.panrotas.com.br/mercado/oper...
). Durante a auditoria, foram encontrados indícios de manipulação nos relatórios com o objetivo de expurgar custos. Além disso, foram identificadas mudanças feitas manualmente em contas contábeis sem o suporte adequado de documentos, omissão de deficiências identificadas e evidências de ocultação de informações comerciais, inclusive dos auditores externos. Esses fatos geraram prejuízos acima de R$ 362 milhões relacionados aos exercícios de 2015 a 2019 (Juliboni, 2020Juliboni, M. (2020, agosto 03). CVC: erros contábeis somam R$ 362 milhões e empresa vê indícios de fraude. Moneytimes. Recuperado dehttps://www.moneytimes.com.br/cvc-erros-contabeis-somam-r-362-milhoes-e-empresa-ve-indicios-de-fraude/
https://www.moneytimes.com.br/cvc-erros-...
).

Essa situação culminou na renúncia de quatro membros do conselho administrativo e na demissão de alguns diretores estatutários. Apesar de o atual presidente da companhia afirmar que a renúncia dos quatro membros do conselho de administração da CVC não teve relação com os erros contábeis (Lazarini, 2021Lazarini, J. (2021, fevereiro 10). Conselheiros não saíram por conta da fraude contábil, diz CEO da CVC. Sunos. Recuperado dehttps://www.suno.com.br/noticias/conselheiros-fraude-contabil-cvc-cvcb3/
https://www.suno.com.br/noticias/conselh...
), os acionistas da CVC tomaram a decisão de abrir um processo de arbitragem na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) da B3 contra os ex-membros do conselho administrativo e os ex-diretores estatutários, no intuito de buscar um ressarcimento pelos prejuízos causados à companhia. A causa apresenta um valor mínimo de R$ 67 milhões, montante que poderá aumentar diante de eventuais bônus e dividendos pagos aos ex-executivos (Guimarães, 2021Guimarães, F. (2021, abril 27). Alvos de arbitragem por erros contábeis, ex-presidentes da CVC quebram silêncio. Estadão. Recuperado dehttps://economia.estadao.com.br/noticias/geral,alvos-de-arbitragem-por-erros-contabeis-ex-presidentes-da-cvc-quebram-silencio,70003695472
https://economia.estadao.com.br/noticias...
).

Após tomar conhecimento da abertura do processo de arbitragem, os ex-diretores da companhia pronunciaram-se com a seguinte alegação: “[...] responsabilizá-los significaria punir as pessoas que identificaram a possibilidade de um problema, iniciaram as investigações para apurar suspeitas e informaram ao mercado de forma tempestiva” (Guimarães, 2021Guimarães, F. (2021, abril 27). Alvos de arbitragem por erros contábeis, ex-presidentes da CVC quebram silêncio. Estadão. Recuperado dehttps://economia.estadao.com.br/noticias/geral,alvos-de-arbitragem-por-erros-contabeis-ex-presidentes-da-cvc-quebram-silencio,70003695472
https://economia.estadao.com.br/noticias...
).

Os ex-executivos, em entrevista ao jornal Estadão, disseram “[...] estar indignados com a acusação absurda por parte do novo conselho administrativo da CVC”. Apontaram, ainda, que “[...] o erro contábil identificado passou por todo o sistema de governança e controle da companhia, incluindo o conselho e auditoria externa”. Informaram, também, que uma investigação preliminar não tinha apontado nenhum tipo de manipulação nos dados contábeis (Guimarães, 2021Guimarães, F. (2021, abril 27). Alvos de arbitragem por erros contábeis, ex-presidentes da CVC quebram silêncio. Estadão. Recuperado dehttps://economia.estadao.com.br/noticias/geral,alvos-de-arbitragem-por-erros-contabeis-ex-presidentes-da-cvc-quebram-silencio,70003695472
https://economia.estadao.com.br/noticias...
).

Questionada pela B3 sobre os indícios da falha contábil, a companhia esclareceu que as demonstrações contábeis estavam sendo reconciliadas de maneira indevida, sem a solução de pendências, as quais eram alocadas em contas transitórias de balanço para revisão futura, a interface entre os sistemas operacional e contábil não vinha sendo atualizada e os ajustes mensais não eram revisados ao final de cada trimestre (Isto É Dinheiro, 2020Isto É Dinheiro. (2020, agosto 21). CVC: Em resposta à B3, companhia dá mais detalhes sobre resultados. Recuperado de https://www.istoedinheiro.com.br/cvc-em-resposta-a-b3-companhia-da-mais-detalhes-sobre-resultados/
https://www.istoedinheiro.com.br/cvc-em-...
).

Em complemento à resposta, a companhia listou algumas medidas para corrigir os problemas identificados, dentre elas destacam-se: manutenção dos controles, melhoria na qualidade da conciliação e da análise contábil do balanço de 2019 para os períodos seguintes, desenvolvimento de soluções e automações para efetividade desses controles, definição de responsabilidades para conferir periodicamente a efetividade desses processos e fortalecimento das estruturas de governança corporativa (Isto É Dinheiro, 2020Isto É Dinheiro. (2020, agosto 21). CVC: Em resposta à B3, companhia dá mais detalhes sobre resultados. Recuperado de https://www.istoedinheiro.com.br/cvc-em-resposta-a-b3-companhia-da-mais-detalhes-sobre-resultados/
https://www.istoedinheiro.com.br/cvc-em-...
).

Neste estudo, examinou-se a ligação entre as notícias sobre os erros contábeis e a remuneração dos executivos, analisando-se a política de remuneração do conselho administrativo e da diretoria adotada pela companhia durante o período de 2012 a 2020. Para o que, fez-se uso dos formulários de referência. De modo geral, identificou-se que a companhia baseava-se nas práticas de mercado ao definir a remuneração fixa.

Já para a definição da remuneração variável, a companhia utilizava como referência estudos de mercado, meritocracia e alcance de metas. A respeito destas, no ciclo de 2017, o Programa de Participação nos Resultados (PPR) teve como condição mínima o alcance de 90% do Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization (EBITDA) projetado para a companhia. Ademais, para cálculo do valor a ser pago como remuneração variável, a CVC considerou o target salarial por nível hierárquico e o alcance de metas individuais e da companhia. Por fim, a nota final levou em conta a ponderação entre as metas, ressaltando-se que os pagamentos foram realizados após a apuração das metas do período avaliado.

Diante do conhecimento da política de remuneração adotada pela empresa, verificou-se o montante recebido de remuneração fixa e, principalmente, de remuneração variável, por envolver metas relacionadas ao resultado. Os montantes são apresentados nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Remuneração recebida pelo conselho de administração no período de 2012 a 2020

Na Tabela 1, são evidenciadas as remunerações fixa e variável recebidas pelo conselho de administração. Observa-se que a maior parte da remuneração dos conselheiros administrativos foi fixa. Os ganhos por meio da remuneração variável situaram-se entre 15,4% e 23,2% no período de 2012 a 2014, evidenciando uma queda a partir do ano de 2015 e zerando no ano de 2018. Portanto, diante dos números constantes na Tabela 1, não é possível inferir que os membros do conselho administrativo agiram em benefício próprio.

A Tabela 2 apresenta as remunerações recebidas pela diretoria estatutária. Pode-se perceber que a maior parte da remuneração dos diretores estatutários é variável, perfazendo entre 74,3% e 84,6% no período de 2013 a 2018, com destaque para o ano de 2017, que alcançou 82,5% de participação, evolução de 85% quando se faz a comparação com o ano de 2016. Já no ano de 2018, a renumeração variável ficou em 84,6%, elevação de 22% em relação ao ano anterior.

Tabela 2
Remuneração recebida pela diretoria estatutária no período de 2012 a 2020

Observa-se, ainda, na Tabela 2, uma redução drástica de aproximadamente 84% na remuneração variável do ano de 2019, primeiro ano em que foi realizada auditoria para eventual identificação de erros nos procedimentos contábeis, retornando, no ano de 2020, ao patamar de 73%. Diante dos números apresentados na Tabela 2, verifica-se, nos anos de 2017 e 2018, uma elevação considerável na remuneração variável da diretoria estatutária, anos em que foram detectados os erros contábeis.

Além da análise da remuneração do conselho de administração e da diretoria estatutária, apresentada nas Tabelas 1 e 2, procedeu-se ao exame do relatório da Comissão Especial de Apuração Independente (2020Comissão Especial de Apuração Independente. (2020). CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. e controladas. Recuperado de https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/3170bc85-4692-44d1-a2bd-c1d17ab99839/ead64fe5 -0103- f3f5-31ad-6a1529d78417?origin=1
https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/...
), responsável pela apuração da falha contábil. Essa comissão foi dividida em duas frentes: contábil, que teve como objetivo avaliar de forma independente a ocorrência das distorções e ajustes promovidos pela CVC; investigativa, com o objetivo de identificar as possíveis causas das distorções. Dessa forma, foram identificadas as seguintes evidências na frente investigativa:

  1. . Deficiências nos sistemas, processos e controles relacionados à escrituração contábil da companhia, que contribuíram para a ocorrência das distorções contábeis;

  2. . As deficiências acima foram ocultadas por colaboradores da CVC, até mesmo pelos auditores externos; e

  3. . Indícios, não conclusivos, de que os resultados da CVC podem ter sido intencionalmente manipulados.

Dando prosseguimento à análise com base nas demonstrações financeiras não auditadas de 2019, publicadas em 03 agosto de 2020, a Comissão Especial de Apuração Independente (2020Comissão Especial de Apuração Independente. (2020). CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. e controladas. Recuperado de https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/3170bc85-4692-44d1-a2bd-c1d17ab99839/ead64fe5 -0103- f3f5-31ad-6a1529d78417?origin=1
https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/...
) identificou as seguintes distorções nos demonstrativos contábeis:

  1. .R$ 93.829 mil referentes ao exercício de 2019: causou redução na receita líquida de R$ 74.253 mil na controladora e R$ 88.566 mil no consolidado, bem como aumento da despesa de variação cambial de R$ 5.263 mil na controladora e no consolidado. Essa redução foi substancialmente causada por ajustes nas contas de Adiantamentos a Fornecedores e Contratos a Embarcar Antecipados de pacotes turísticos. Esses ajustes estão incorporados nas demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2019, não ensejando qualquer necessidade de reapresentação (sem prejuízo de reapresentações das Informações Trimestrais [ITRs] de 2019, que serão feitos quando da divulgação das ITRs de 2020);

  2. .R$ 135.109 mil foram alocados ao exercício de 2018: gerou redução na receita líquida em R$ 120.900 mil na controladora e R$ 127.248 mil no consolidado e aumento da despesa de variação cambial em R$ 7.861 mil na controladora e no consolidado. As reduções de receita foram substancialmente causadas por ajustes nas contas de Adiantamentos a Fornecedores, Contratos a Embarcar Antecipados de Pacotes Turísticos e Fornecedores; e

  3. .R$ 133.446 mil referentes aos exercícios anteriores a 2018: causou redução, neste montante, do patrimônio líquido em 1º de janeiro de 2018. Essas reduções foram substancialmente provocadas por ajustes nas contas de Adiantamentos a Fornecedores e Contratos a Embarcar Antecipados.

Uma vez que os números divulgados do exercício de 2019 contemplavam os ajustes identificados pela comissão para o respectivo exercício, assim como uma das metas da companhia estava atrelada ao atingimento de 90% do EBITDA, analisou-se o impacto dos ajustes no EBITDA dos anos de 2017 e 2018, conforme cálculos apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação do EBITDA de 2017 e 2018 após ajustes necessários detectados pela comissão

Conforme já citado na descrição do caso, a companhia informou que a saída dos executivos não teve relação com os erros contábeis. Entretanto, a abertura do processo de arbitragem contra os ex-executivos, visando uma reparação pelo dano causado à companhia, a elevação da remuneração variável da diretoria estatutária nos anos que ocorreram os erros contábeis e os indícios de que os resultados da companhia “podem ter sido intencionalmente manipulados”, conforme relatório da Comissão Especial de Apuração Independente (2020Comissão Especial de Apuração Independente. (2020). CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. e controladas. Recuperado de https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/3170bc85-4692-44d1-a2bd-c1d17ab99839/ead64fe5 -0103- f3f5-31ad-6a1529d78417?origin=1
https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/...
), são evidências que comprometem as decisões dos ex-executivos e que, possivelmente, levaram à renúncia dos membros do conselho de administração e ao encerramento do mantado de alguns membros da diretoria estatutária.

Diante de tal situação, espera-se um debate em sala de aula sobre o dilema, possíveis falhas contábeis para elevar os resultados da companhia CVC S.A. e gerar pagamento de remuneração variável aos ex-executivos. O objetivo do debate é responder as seguintes questões problematizadoras: quais condicionantes possibilitaram a ocorrência da manipulação das informações? O que fazer para mitigar tais problemas?

NOTAS DE ENSINO

Objetivos educacionais

Espera-se que, ao final da leitura e debate do presente caso de ensino, os alunos estejam habilitados a alcançar as seguintes competências: a) debater sobre os incentivos que levam a conflito de interesses, com base na Teoria da Agência; e b) desenvolver habilidades de análise de demonstrações financeiras, visando identificar possíveis manipulações dos resultados.

Fonte de dados

O caso de ensino refere-se a uma situação real vivida pela companhia CVC S.A. e foi elaborado com base em informações averiguadas na internet, tais como reportagens de jornais e dados coletados nas notas explicativas, nos formulários de referência, no relatório das demonstrações financeiras auditadas e no relatório de auditoria independente não auditado, disponíveis nos sites da companhia e da B3. Na seção do relato do caso, foram preservados os nomes dos ex-executivos que faziam parte do conselho de administração, da diretoria estatutária e do atual presidente da companhia, para não os expor ao mercado.

Organização da aula e estratégia de aplicação do caso

Primeiramente, recomenda-se que o professor ou instrutor realize uma aula introdutória para os alunos a respeito do caso, explicando os objetivos propostos e a dinâmica das aulas. Antes de iniciar os debates nas aulas, o professor ou instrutor deve recomendar aos alunos a leitura do presente caso de ensino, para compreensão das temáticas envolvidas. A leitura antecedente tem como objetivo a preparação dos alunos visando estimulá-los ao debate em sala de aula.

Como parte do método de ensino, sugere-se ao professor ou instrutor que divida a turma em grupos para discutir as questões. Assim, formam-se dois grupos, cada um responsável por uma das questões. Os debates se iniciam após as apresentações dos grupos responsáveis por cada questão. Além destes dois, demais grupos serão formados para contribuir com novas discussões sobre o tema em debate, seguindo nesse formato até a abordagem e a discussão de todas as questões sugeridas. A sugestão de uma questão para cada grupo, totalizando dois grupos, tem por objetivo incentivar posicionamentos contraditórios entre os alunos, com base na seguinte problemática: “Se você fosse um dos membros da diretoria, qual seria a sua posição?”.

O professor ou instrutor será o mediador e utilizará a literatura para fundamentar seu posicionamento. Para cada debate, sugere-se que o professor ou instrutor delimite um tempo máximo de 40 minutos para as apresentações de cada grupo e mais 30 minutos para as colocações dos alunos integrantes dos demais grupos após apresentação dos grupos responsáveis por cada questão.

Ao final de todos os debates, espera-se que os alunos alcancem um nível de conhecimento sobre o dilema, possíveis falhas contábeis para elevar os resultados da companhia CVC S.A. e gerar o pagamento de remuneração variável aos ex-executivos. Alcançado esse objetivo, prevê-se que os alunos estejam aptos a responder as seguintes questões problematizadoras: quais condicionantes possibilitaram a ocorrência da manipulação das informações? O que fazer para mitigar tais problemas?

Aplicação recomendada

O caso de ensino pode ser aplicado em cursos de graduação ou pós-graduação em Administração e Contabilidade; em contexto multidisciplinar no campo das Ciências Sociais Aplicadas voltado para área de gestão de negócios; e também em disciplinas que abordem os tópicos “conflito de interesses” e “gerenciamento de resultados”, tais como Governança Corporativa, Finanças Corporativas, Auditoria, Fraude Corporativa ou Análise das Demonstrações Financeiras.

Questões para discussão e exposição teórica

A seguir, são apresentadas algumas questões que poderão ser utilizadas para análise do caso de ensino nas apresentações dos grupos e nas discussões em sala de aula e respondidas coletivamente durante os debates.

  1. Os ex-membros da diretoria estatutária foram beneficiados com os resultados financeiros da companhia?

  2. Os gestores tomaram decisões discricionárias, visando elevar os resultados da companhia em benefício próprio?

  3. A renúncia dos membros do conselho administrativo e o encerramento do mandato de alguns membros da diretoria estatutária tiveram relação com os erros contábeis?

  4. Caso não tivessem ocorridas as falhas contábeis, os gestores atingiriam as metas estabelecidas?

Além das perguntas desenvolvidas e comentadas por meio da exposição teórica, alerta-se ao professor ou instrutor sobre a possibilidade de surgirem outros questionamentos envolvendo as temáticas “auditoria independente” e “governança corporativa”.

Análise do caso com suporte da literatura

Com a finalidade de auxiliar os alunos nas possíveis respostas das questões sugeridas, citam-se alguns estudos que envolvem tais questões.

Questão 1: os ex-membros da diretoria estatutária foram beneficiados com os resultados financeiros da companhia?

Segundo Jensen e Meckling (1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976, outubro). Theory of The Firm: Managerial Behavior, Agency Cost and Ownership Structute. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/0304-405X(76)90026-X
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), os conflitos de agência são gerados em virtude do não alinhamento entre as ações dos gestores (agentes) e dos acionistas (principal), uma vez que os gestores buscam a maximização dos resultados da companhia para o atingimento das metas individuais. No que diz respeito à relação entre remuneração variável e desempenho, destaca-se o estudo de Fernandes e Mazzioni (2015Fernandes, F. C., & Mazzioni, S. (2015). A correlação entre a remuneração dos executivos e o desempenho de empresas brasileiras do setor financeiro. Contabilidade Vista & Revista, 26(2), 41-64. Recuperado de https://revistas.face.ufmg.br/index.php/contabilidadevistaerevista/article/view/2343
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), que evidenciaram uma relação positiva entre a remuneração variável dos membros do conselho de administração e da diretoria estatuária e o desempenho financeiro de firmas brasileiras do setor financeiro.

Pereira, Freitas e Imoniana (2014Pereira, L. C. J., Freitas, E. C., & Imoniana, J. O. (2014). Avaliação do sistema de combate às fraudes corporativas no Brasil. Revista Contemporânea de Contabilidade, 11(23), 3-30. Recuperado dehttp://dx.doi.org/10.5007/2175-8069.2014v11n23p3
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) analisaram a eficiência do Sistema de Controles Internos (SCI) no combate às fraudes corporativas em companhias brasileiras. Os resultados principais evidenciaram que as fraudes relacionadas aos demonstrativos financeiros são vinculadas ao alto escalão corporativo da companhia.

Casos de falhas contábeis como o da CVC S.A. são eventos frequentes e globais. Além disso, causam grandes danos financeiros e não financeiros a funcionários, empresas, investidores, bem como à sociedade (Schneider & Brühl, 2023Schneider, M., & Brühl, R. (2023). Disentangling the black box around CEO and financial information-based accounting fraud detection: machine learning-based evidence from publicly listed U.S. firms. Journal of Business Economics. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s11573-023-01136-w
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), gerando consequências econômicas, financeiras e sociais substanciais para qualquer economia (Kim, Baik & Cho, 2016Kim, J., Baik, B., & Cho, S. (2016, novembro). Detecting financial misstatements with fraud intention using multi-class cost-sensitive learning. Expert Systems with Applications, 62, 32-43. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.eswa.2016.06.016
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).

A fraude contábil é, geralmente, motivada por questões pessoais, envolvendo a remuneração dos gestores das firmas (Ali & Zhang, 2015Ali, A., & Zhang, W. (2015, fevereiro). CEO tenure and earnings management. Journal of Accounting and Economics, 59(1), 60-79. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jacceco.2014.11.004
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). A pressão (ou incentivos) representa a motivação percebida que força o ator a se comportar de forma fraudulenta. Dessa forma, a pressão (ou incentivo) percebida pelo Chief Executive Officer (CEO) ou Chief Financial Officer (CFO) pode ter origem em várias fontes, dentre as quais se destacam: preocupações com a carreira associadas à otimização de suas perspectivas futuras; renomeações; ou autonomia gerencial (Ali & Zhang, 2015).

Quando se trata de aumentar o desempenho e os lucros de uma empresa, o CEO tem mais influência, uma vez que possui a palavra final sobre questões corporativas cruciais - tais como transparência financeira, estrutura do conselho e desempenho geral da empresa - e essas decisões afetam a qualidade dos relatórios financeiros (Yahaya, 2022Yahaya, O. A. (2022). Do CEOs influence earnings management? South African Journal of Accounting Research, 36(2), 1-13. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/10291954.2020.186048x
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).

Ao investigar os principais aspectos que determinaram a utilização da remuneração baseada em ações e as variáveis que influenciaram o montante pago, Ermel e Medeiros (2020Ermel, M. D. A., & Medeiros, V. (2020). Plano de remuneração baseado em ações: uma análise dos determinantes da sua utilização. Revista Contabilidade & Finanças, 31(82), 84-98. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1808-057x201907620
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) evidenciaram um possível trade-off entre remuneração em dinheiro e em ações, indicando que, no mercado brasileiro, em uma possível diminuição de liquidez, a empresa opta por remunerar o gestor com ações, visando minimizar sua exposição a riscos sistêmicos.

Nessa mesma linha Beuren, Pamplona, e Leite (2020Beuren, I. M., Pamplona, E., & Leite, M. (2020). Remuneração dos executivos e desempenho em empresas brasileiras familiares e não familiares. Revista de Administração Contemporânea, 24(6), 514-531. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1982-7849rac2020190191
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) identificaram que a remuneração variável de curto prazo pode elevar o desempenho das firmas, sugerindo uma associação positiva entre a remuneração dos executivos, o desempenho e a política de investimento das firmas brasileiras.

Alkebsee, Alhebry, e Tian (2022Alkebsee, R., Alhebry, A. A., & Tian, G. (2022). Whose cash compensation has more influence on real earnings management, CEOs or CFOs? Journal of Accounting in Emerging Economies, 12(1),187-210. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JAEE-12-2020-0336
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) evidenciaram que a remuneração em dinheiro dos CEO’s e CFO’s está significativamente associada ao gerenciamento de resultados reais. De acordo com os autores, a remuneração em dinheiro do CFO tem uma influência mais significativa no gerenciamento de resultados reais do que a do CEO, sugerindo que o conhecimento contábil e financeiro do CFO fortalece seu poder sobre a qualidade dos relatórios financeiros.

Questão 2: os gestores tomaram decisões discricionárias visando elevar os resultados da companhia em benefício próprio?

A manipulação é o agrupamento de práticas realizadas pelos administradores, com o objetivo de fazer escolhas contábeis ou de modificar as atividades operacionais cotidianas da companhia, ocasionado a intervenção proposital nas informações contábeis (Martins & Ventura, 2020Martins, O. S., & Ventura, R. Jr. (2020). Influência da governança corporativa na mitigação de relatórios financeiros fraudulentos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 22(1), 65-84. Recuperado dehttps://doi.org/10.7819/rbgn.v22i1.4039
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). Nesse caso, os planos de bônus podem produzir incentivos para que os gestores escolham padrões contábeis e tomem decisões discricionárias, visando elevar suas remunerações (Watts & Zimmerman, 1978Watts, R. L., & Zimmerman, J. L. (1978, janeiro). Towards a positive theory of the determination of accounting standards. Accounting review, 53(1), 112-134. Recuperado de https://www.jstor.org/stable/245729
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). Desse modo, há evidências empíricas de que o uso dos accruals discricionários está positivamente associado à variação positiva da remuneração dos executivos (Shuto, 2007Shuto, A. (2007). Executive compensation and earnings management: Empirical evidence from Japan. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 16(1), 1-26. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2007.01.004
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; Sun & Hovey, 2017Sun, L., & Hovey, M. (2017, fevereiro 06). The endogeneity of executive compensation and its impact on management discretionary behavior over financial reporting. SSRN. Recuperado dehttps://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2912640
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).

Nesse contexto, a literatura sugere que o gerenciamento de resultados e a fraude estão associados aos planos de remuneração variável dos executivos, sinalizando uma maior probabilidade de ocorrência de fraude quando a remuneração dos executivos está atrelada a indicadores de desempenho operacional (Perols & Loungee, 2011Perols, J. L., & Loungee, B. A. (2011, junho). The relation between earnings management and financial statement fraud. Advances in Accounting, 27(1), 39-53. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.adiac.2010.10.004
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).

De acordo com Amiram et al. (2018Amiram, D., Bozanic, Z., Cox, J. D., Dupont, Q., Karpoff, J. M., & Sloan, R. (2018). Financial reporting fraud and other forms of misconduct: a multidisciplinary review of the literature. Review of Accounting Studies, 23, 732-783. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s11142-017-9435-x
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), a má conduta financeira dos gestores que gera fraude contábil está relacionada a violações de regulamentos e de normas contábeis. Diferentemente da fraude contábil, o gerenciamento de resultados está alinhado às respectivas leis e normas. Contudo a visão oportunista do gerenciamento de resultados reais sugere que os gerentes se afastam das atividades normais do negócio, com o desejo de desinformar os usuários a respeito das demonstrações financeiras. Especificamente, os gerentes se desviam deliberadamente das atividades normais destinadas a atingir as metas de desempenho, a fim de obter benefícios privados (Habib, Ranasinghe, Wu, Biswas, & Ahmad, 2022Habib, A., Ranasinghe, D., Wu, J. Y., Biswas, P. K, & Ahmad, F. (2022). Real earnings management: a review of the international literature. Accounting & Finance, 62(4), 4279-4344. Recuperado dehttps://doi.org/10.1111/acfi.12968
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).

Diante dos incentivos que os gestores possuem para gerenciar resultados (Assenso-Okofo, Jahangir-Ali, & Ahmed, 2021Assenso-Okofo, O., Jahangir Ali, M., & Ahmed, K. (2021). The impact of corporate governance on the relationship between earnings management and CEO compensation. Journal of Applied Accounting Research, 22(3), 436-464. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JAAR-11-2019-0158
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; Dechow, Ge, & Schrand, 2010Dechow, P. M., Ge, W., & Schrand, C. M. (2010). Understanding earnings quality: a review of proxies, their determinants and their consequences. Journal of Accounting and Economics, 50(2-3), 344-401. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jacceco.2010.09.001
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; Kin, Ramos, & Rogo, 2017Kin, L., Ramos, F., & Rogo, R. (2017). Earnings management and annual report readability. Journal of Accounting and Economics, 63(1), 1-25. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jacceco.2016.09.002
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; Rosa & Tiras 2013Rosa, R. C., & Tiras, S. L. (2013). Adoção do IFRS no Brasil: um terreno fértil para pesquisa sobre gerenciamento de resultados. Brazilian Business Review, 10(4), 141-156. Recuperado dehttps://doi.org/10.15728/bbr.2013.10.4.6
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), sugere-se que os alunos calculem, por meio da diferença entre o lucro líquido e o fluxo de caixa líquido operacional, os accruals totais da CVC S.A. nos anos de 2015 a 2018, com o objetivo de auxiliar em uma possível resposta da presente questão.

Ressalta-se que a métrica de análise do gerenciamento de resultados é calculada por meio dos accruals não discricionários, representando a diferença entre os accruals totais e os accruals discrionários (Dechow et al., 2010Dechow, P. M., Ge, W., & Schrand, C. M. (2010). Understanding earnings quality: a review of proxies, their determinants and their consequences. Journal of Accounting and Economics, 50(2-3), 344-401. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jacceco.2010.09.001
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; Kin et al., 2017Kin, L., Ramos, F., & Rogo, R. (2017). Earnings management and annual report readability. Journal of Accounting and Economics, 63(1), 1-25. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jacceco.2016.09.002
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). Contudo, visando uma melhor compreensão dos alunos acerca do gerenciamento de resultados, sugere-se a utilização somente dos accruals totais.

Questão 3: a renúncia dos membros do conselho de administração e o encerramento do mandato de alguns membros da diretoria estatutária tiveram relação com os erros contábeis?

Questão 4: caso não tivessem ocorrido as falhas contábeis, os gestores atingiriam as metas estabelecidas?

As fraudes corporativas dominaram as notícias financeiras nos últimos anos. Casos de escândalo como os da Enron Corporation, da Tyco International e da WorldCom enfatizam a capacidade de gestores de fraudarem os relatórios financeiros. Esses escândalos, juntamente com condutas menos flagrantes, colocam em questão a confiabilidade dos ganhos relatados pelas firmas (Dechow et al., 2010Dechow, P. M., Ge, W., & Schrand, C. M. (2010). Understanding earnings quality: a review of proxies, their determinants and their consequences. Journal of Accounting and Economics, 50(2-3), 344-401. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jacceco.2010.09.001
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).

Os escândalos financeiros de empresas levam à diminuição da confiança entre as corporações e as partes interessadas, gerando uma maior rotatividade de executivos, uma vez que as empresas podem ir à falência ou ter problemas financeiros extremos caso esses escândalos tornem-se públicos (Brody, Melendy, & Perri, 2012Brody, R. G., Melendy, S. R., & Perri, F. S. (2012). Commentary from the American Accounting Association’s 2011 annual meeting panel on emerging issues in fraud research. Accounting Horizons, 26(3), 513-531. Recuperado dehttps://doi.org/10.2308/acch-50175
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; Habib, Bhuiyan, & Wu, 2021Habib, A., Bhuiyan, M. B. U., & Wu, J. (2021). Corporate governance determinants of financial restatements: a meta-analysis. The International Journal of Accounting, 56(1), 2150002. Recuperado dehttps://doi.org/10.1142/S1094406021500025
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).

Na literatura contábil, a fraude ocorre, principalmente, nas demonstrações financeiras, que pode ser descrita em maior ou menor grau com o emprego de vários termos, tais como: relatório financeiro incorreto; má conduta financeira; declaração incorreta financeira; fraude contábil; irregularidades contábeis; fraude corporativa; e fraude financeira. A maioria dos estudos considera a fraude nas demonstrações financeiras como uma distorção intencional empreendida pelos gestores, auditores e outros indivíduos às custas dos acionistas, enquanto outras formas de fraude dizem respeito a informações privilegiadas e apropriação indevida de ativos (Yu & Rha, 2021Yu, S. J., & Rha, J. S. (2021). Research Trends in Accounting Fraud Using Network Analysis. Sustainability, 13(10), 5579. Recuperado dehttps://doi.org/10.3390/su13105579
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).

De acordo com a Teoria da Agência, a governança corporativa deve diminuir as oportunidades de má conduta financeira dos executivos, por meio da implementação de fortes mecanismos de monitoramento por parte do conselho de administração e de seus acionistas, exercendo uma pressão sobre a alta administração para que emita relatórios financeiros de melhor qualidade, com o objetivo de prevenir ou, pelo menos, reduzir os eventos relacionados às fraudes contábeis (Velte, 2023Velte, P. (2023). The link between corporate governance and corporate financial misconduct. A review of archival studies and implications for future research. Management Review Quarterly, 73, 353-411. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s11301-021-00244-7
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).

Para Lynch e Williams (2012Lynch, L. J., & Williams, S. P. (2012). Does equity compensation compromise audit committee independence? Evidence from earnings management. Journal of Managerial Issues, 24(3), 293-320. Recuperado dehttps://www.jstor.org/stable/43488813
https://doi.org/https://www.jstor.org/st...
), a remuneração do conselho administrativo com base em incentivos é uma ferramenta clássica na superação do conflito de interesses entre a administração e os acionistas. Contudo a remuneração “excessiva” e a inexistência de contratos de remuneração baseada em desempenho aumentam as preocupações dos acionistas por constituírem estímulos para que os gestores gerenciem os resultados.

Dessa forma, as metas financeiras de curto prazo estabelecidas em contratos para recebimento de remuneração variável e o pagamento excessivo de remuneração poderão levar ao aumento da má conduta financeira dos gestores, de forma que estes podem elevar o nível da assimetria da informação ao esconder suas estratégias malsucedidas por meio de ajustes contábeis no desempenho financeiro das firmas (Velte, 2023Velte, P. (2023). The link between corporate governance and corporate financial misconduct. A review of archival studies and implications for future research. Management Review Quarterly, 73, 353-411. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s11301-021-00244-7
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).

Como suporte às respostas das Questões 3 e 4, sugere-se analisar o relatório da Comissão Especial de Apuração Independente (2020Comissão Especial de Apuração Independente. (2020). CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. e controladas. Recuperado de https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/3170bc85-4692-44d1-a2bd-c1d17ab99839/ead64fe5 -0103- f3f5-31ad-6a1529d78417?origin=1
https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/...
) instaurada para apuração das falhas contábeis na CVC S.A., que foi divulgado no relatório das demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2019 e está disponível no site institucional da companhia, juntamente com a Tabela 3, que consta no relato do caso.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2022
  • Aceito
    08 Maio 2023
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