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Controle e vigilância no capitalismo digital: uma análise da tecnologia blockchain e sua implementação empresarial

Control and surveillance in digital capitalism: an analysis of blockchain technologies and their business implementation

Resumo

O artigo tem como objetivo principal discutir, através do estudo de caso das tecnologias blockchain, como as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) se inter-relacionam com o controle e a vigilância dos sistemas. Inicialmente, considerando os debates da sociologia do trabalho e os recursos a uma metodologia qualitativa, analisamos como as tecnologias blockchain surgem em virtude da crise econômica e da necessidade de regulação dos mercados pós-crise de 2008. Na primeira parte, debatemos essa questão lançando um olhar sobre as dimensões de vigilância e controle dos mercados que se erigiram nesse contexto. Na segunda parte, discutiremos o surgimento do mercado de criptoativos liderado pelo Bitcoin e, principalmente, a dimensão tecnológica da rede blockchain. Entendemos que, embora haja uma tentativa de análise do Bitcoin como financeirização do capital, a dimensão de vantagens e desvantagens tecnológicas na criação da rede blockchain é um fator substancial e de grande impacto para a tomada de decisão de empresas dos mais variados ramos. A última parte do artigo aponta, por meio da análise quantitativa de relatórios e surveys, um encontro entre a operacionalidade oferecida pela tecnologia blockchain e a expectativa de implementação desta tecnologia em diversos setores empresariais, elucidando as vantagens competitivas elencadas por estes. Buscamos, então, compreender como a implementação dessas novas tecnologias aprofundam as dimensões de controle e vigilância das cadeias produtivas.

Palavras-chave:
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação; Capitalismo digital; Blockchain; Cibersegurança; China

Resumen

El objetivo principal del artículo es discutir cómo las Nuevas Tecnologías de la Información y la Comunicación (NTIC) se interrelacionan con el control y la vigilancia de los sistemas a través del estudio de caso de las tecnologías blockchain. Inicialmente, considerando los debates de la sociología del trabajo y los recursos para una metodología cualitativa, analizamos cómo surgen las tecnologías blockchain debido a la crisis económica y la necesidad de regulación de los mercados posteriores a la crisis de 2008. En la primera parte, analizamos las dimensiones de vigilancia y control de los mercados que surgieron en este contexto. En la segunda parte, discutimos el surgimiento del mercado de criptoactivos liderado por el Bitcoin y, principalmente, la dimensión tecnológica de la red blockchain. Entendemos que, si bien existe un intento de analizar al Bitcoin como financiarización del capital, la dimensión de ventajas y desventajas técnicas en la creación de la red blockchain es un factor sustancial y de impacto significativo en la toma de decisiones de las empresas en los más variados ámbitos. La última parte del artículo señala, a través del análisis cuantitativo de informes y encuestas, un encuentro entre la operatividad que ofrece la tecnología blockchain y la expectativa de implementación de esta tecnología en diversos sectores empresariales, dilucidando las ventajas competitivas enumeradas por estos. Buscamos, entonces, comprender cómo la implementación de estas nuevas tecnologías profundiza las dimensiones de control y vigilancia de las cadenas productivas.

Palabras clave:
Nuevas Tecnologías de la Información y la Comunicación; Capitalismo digital; Blockchain; Seguridad cibernética; China

Abstract

The article discusses how the new information and communication technologies (NICTs) interrelate with the control and surveillance of systems through the case study of blockchain technologies. Initially, considering the debates in the sociology of work and the resources for a qualitative methodology, we analyze how blockchain technologies arise due to the economic crisis and the need for regulation of the post-2008 crisis markets. In the first part, we look at the surveillance and market control dimensions that emerged in this context. In the second part, we discuss the emergence of the crypto-assets market led by Bitcoin and, mainly, the technological dimension of the blockchain network. We understand that, although there is an attempt to analyze Bitcoin as a financialization of capital, the measurement of technical advantages and disadvantages in the creation of the blockchain network is a substantial factor and of significant impact on the decision-making of companies in the most varied fields. The last part of the article points out, through the quantitative analysis of reports and surveys, a meeting of the operability offered by blockchain technology and the expectation of implementation of this technology in various business sectors, elucidating the competitive advantages listed by them. We seek, then, to understand how implementing these new technologies deepens the dimensions of control and surveillance of production chains.

Keywords:
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação; Capitalismo digital; Blockchain; Cibersegurança; China

INTRODUÇÃO

As diversas nuances e camadas que identificam as relações do capitalismo contemporâneo e suas transformações nas dinâmicas de controle e no mundo do trabalho e empresarial são fundamentais para a composição de novos paradigmas teóricos, metodológicos e epistemológicos. Com destaque para as compreensões sociológicas que tratam da construção das várias epistemologias do trabalho (E. S. Costa & Almada, 2018Costa, H. A., & Costa, E. S. (2018). Trabalho em call centers em Portugal e no Brasil: a precarização vista pelos operadores. Tempo Social, 30(1), 105-127. Recuperado de https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.123181
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), ressaltamos a importância de análise das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs), indicando as mudanças realizadas nos ramos mais avançados do capitalismo “digital”. Ao longo das últimas décadas, foram diversas as pesquisas e etnografias nacionais e internacionais (Antunes & Braga, 2009Antunes, R., & Braga, R. (2009). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo, SP: Boitempo.; Burawoy, 2018Burawoy, M. (2018). Procurando pelo Global. Novos Rumos Sociológicos, 6(9), 12-73. Recuperado de https://doi.org/10.15210/norus.v6i9.14244
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; H. A. Costa & E. S. Costa, 2018Costa, E. S., & Almada, P. (2018). Mundo do trabalho e pluralidade epistemológica: uma contribuição para o estudo da precariedade. Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 35, 161-179. Recuperado de https://ojs.letras.up.pt/index.php/Sociologia/article/view/4294
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; Robert, Lisdero, & E. S. Costa, 2018Robert, P., Lisdero, P., & Costa, E. S. (2018). Apresentação: Etnografias sociológicas de um mundo do trabalho reconfigurado. Revista Novos Rumos Sociológicos, 6(9), 3-11. Recuperado de https://doi.org/10.15210/norus.v6i9.14246
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) que confirmaram a complexidade do mundo do trabalho, por meio de dimensões materiais e simbólicas que permeiam as relações laborais, abrindo espaço para a compreensão do trabalho no mundo digital. Ainda, outros estudos identificam a uberização (Abílio, 2020aAbílio, L. C. (2020a). Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado? Contracampo, 39(1), 12-26. Recuperado de https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38579
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, 2020bAbílio, L. C. (2020b). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos Avançados, 34(98), 111-126. Recuperado de https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008
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; Fontes, 2017Fontes, V. (2017). Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho. Marx e o Marxismo - Revista do NIEP-Marx, 5(8), 45-67. Recuperado de https://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/220
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; Pochmann, 2016Pochmann, M. (2016). Terceirização, Competitividade e Uberização do Trabalho no Brasil. In M. O. Teixeira, H. Rodrigues, & Coelho, E. (Eds.), Precarização e terceirização: faces da mesma realidade (pp. 59-68). São Paulo, SP: Sindicato dos Químicos-SP.) como elemento fundamental para a ampliação da precarização do trabalho, possibilitando compreender as estratégias que as plataformas de aplicativos de transporte e de entrega de alimentos, entre outras, utilizam na implementação de seus serviços. Indicando a tendência para o crescimento de novas modalidades de precariedade do trabalho, compreendidas com base na pluralidade metodológica das abordagens acadêmicas (E. S. Costa & Almada, 2021Costa, H. A., & Costa, E. S. (2018). Trabalho em call centers em Portugal e no Brasil: a precarização vista pelos operadores. Tempo Social, 30(1), 105-127. Recuperado de https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.123181
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), essas plataformas podem gerar fatores de desqualificação, baixos salários e precariedade de vida, do mesmo modo que exigem, para que os aplicativos sejam desenvolvidos, grande fluxo de investimento de capital, mão de obra extremamente qualificada e altos salários de empregados e CEOs.

Ao considerar a importância dessas pesquisas, torna-se complementar compreender o modo como as empresas se apropriam das novas tecnologias digitais e como estas vislumbram a implementação dessas “inovações”, que, neste artigo, serão compreendidas com o estudo das tecnologias blockchain. Para isso, apontamos duas hipóteses. A primeira diz respeito a um enfoque empresarial nos mecanismos de controle que deixam de lado as preocupações com o trabalho e o trabalhador para promover a vigilância e a segurança dos fluxos de dados das empresas, prevenindo não apenas os gastos desnecessários, como também a descentralização do processo produtivo. A segunda hipótese consiste da indagação sobre o modo como as empresas se veem perante as NTICs, as capacidades de implementação dessas tecnologias, em especial a blockchain, e suas possibilidades de utilização voltada ao controle das cadeias produtivas e fornecimento de serviços. Consideramos que esse conjunto de inquietações não é novo: a crescente introdução de novas tecnologias, desde os anos 1970, ao mesmo tempo que apontou para a automação da produção alinhada aos métodos de maior controle e sujeição do trabalhador, seguida pela flexibilização dos postos de trabalho, suscita, na outra ponta da cadeia, a incorporação de ampla tecnologia e altos níveis de qualificação (E. S. Costa & Almada, 2018Costa, H. A., & Costa, E. S. (2018). Trabalho em call centers em Portugal e no Brasil: a precarização vista pelos operadores. Tempo Social, 30(1), 105-127. Recuperado de https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.123181
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, 2021Costa, E. S., & Almada, P. (2021). Trabalho e Pluralidade Epistemológica. Curitiba, PR: Editora CRV.).

A complexidade crescente das imbricações do mundo tecnológico no capitalismo atual permite o surgimento do conceito de “capitalismo de plataforma” que enuncia uma junção entre peer, sharing e economy, de modo que as plataformas podem “[...] substituir empresas [...] subcontratando práticas diretas de grandes pagamentos para pequenos grupos de pessoas” (Scholz, 2017Scholz, T. (2017). Uberworked and underpaid: how workers are disrupting the digital economy. Cambridge, UK: Polity Press., p. 34). Outras visões valorizam as possibilidades de interação frente a frente entre compradores e vendedores e observam que muitas plataformas operacionalizam o que chamam de gig economy, requerendo serviços on-demand (Vallas, 2019Vallas, S. P. (2019). Platform Capitalism: What’s at Stake for Workers? New Labor Forum, 28(1), 48-59. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1095796018817059
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). Essas noções apontam para a chamada sharing economy com o aumento da circulação de bens entre mídias sociais, mercados online, crowdsourcing, crowdfunding, e implementam conceitos como os de coprodução, proatividade, peer-to-peer, estabelecendo uma rede de relações com poucos intermediários, colaborativa e com qualidades democratizadas (Langley & Leyshon, 2017Langley, P., & Leyshon, A. (2017). Platform capitalism: The intermediation and capitalization of digital economic circulation. Finance and Society, 3(1), 11-31. Recuperado de https://doi.org/10.2218/finsoc.v3i1.1936
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).

Desse modo, o objetivo principal do artigo é discutir, por meio de uma metodologia qualitativa de análise bibliográfica e de uma incursão quantitativa a relatórios empresariais, como as NTICs passaram à inter-relação com o controle e a vigilância dos processos produtivos. Na primeira seção deste artigo, debatemos essa questão lançando um olhar sobre as dimensões de vigilância que se erigiram no contexto posterior à crise de 2008. Na segunda seção, discutiremos, como objetivos específicos, o surgimento de um mercado de criptoativos liderado pelo Bitcoin e, principalmente, a dimensão tecnológica da rede blockchain. Entendemos que, embora haja uma tentativa de análise do Bitcoin como financeirização do capital, a dimensão de vantagens e desvantagens tecnológicas na criação da rede blockchain é um fator substancial e de grande impacto para a tomada de decisão de empresas dos mais variados ramos. Na última seção, constatamos, por meio da análise de relatórios e surveys, um encontro entre a operacionalidade oferecida pela tecnologia blockchain e a expectativa de implementação destas tecnologias em diversos setores empresariais. Com isso, buscamos elucidar as vantagens competitivas elencadas por estes relatórios e surveys. O artigo conclui indicando que, a despeito das preocupações acerca da precarização do trabalho, é necessário observar como a implementação dessas novas tecnologias, que aprofundam as dimensões de controle e vigilância, propiciam novos desenvolvimentos ao capitalismo digital.

CONTROLE, VIGILÂNCIA E A ECONOMIA PÓS-CRISE DE 2008

Em 1978, Foucault (2006)Foucault, M. (2006). Ditos e Escritos. IV. Estratégia, poder e saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. apontava para o declínio das sociedades disciplinares, dada a menor quantidade de pessoas submetidas aos regimes disciplinares, bem como uma tendência a se pensar a possibilidade de mudança para uma “sociedade sem disciplina”. Esse panorama se tornou mais complexo ao longo das últimas décadas, demonstrando parte da constatação foucaultiana: as sociedades disciplinares, como eram conhecidas e na forma como operam, dariam lugar a novos tipos societais de maior complexidade. Por seu turno, Deleuze (1992Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34.) aprofundou essa constatação ao considerar que as novas sociedades de controle estariam apoiadas em um declínio do confinamento característico do regime disciplinar anterior, mas ensejaram o estabelecimento do controle contínuo e da comunicação instantânea, dominada por computadores e pela cibernética.

Levando-se em conta essas perspectivas, faz-se necessário investigar as mudanças históricas e materiais que imbricam a forma social e a prática produtiva humana. O espaço fabril, até então disposto pelo controle individual e coletivo sobre o trabalhador - na percepção marxista tratava-se do espaço para a garantia de que o trabalho seria realizado e a mais-valia extraída - passa a ser então substituído por outra formação social, a empresa (Deleuze, 1992Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34.). Nela, a grande preocupação não é apenas controlar para que a produção seja efetivada, mas, sim, uma autorreferência dada pela modulação constante da direção e dos objetivos, a requerer do trabalhador uma participação e uma performance indefinida, que, no entanto, oferece permanentemente alguma possibilidade de recompensa, ainda que remota, seja salarial, de promoção de cargos etc. Embora não se desconsidere que a participação do trabalhador seja bem definida segundo sua função na empresa, o paradigma da sociedade de controle atenta para uma linguagem numérica, com organizações de geometria variável e cifras que permitem o acesso (ou não) à informação, tornando os indivíduos divisíveis em suas atividades.

O controle social, por seu turno, apresenta-se enredado no direcionamento da produção de bens econômicos e financeiros, que capitalizam relações de troca de informação e de dados em um mercado que procura efetividade na “[...] combinação de fatores tecnológicos e organizacionais” (Chesnais, 1996Chesnais, F. (1996). A mundialização do capital. São Paulo, SP: Xamã., p. 45). O sucesso dessa combinação resulta em uma maior complexificação do espaço produtivo, na reconfiguração dos poderes sociais e no maior domínio tecnológico para produção de bens.

A mudança da fábrica para a empresa exige algumas reflexões em torno das orientações organizacionais e políticas desse espaço. De modo mais específico, esse modelo propõe a empresa em rede, dada a amplitude dos componentes informacionais que envolvem as relações entre empresa e trabalho (Castells, 1999Castells, M. (1999). A Sociedade em Rede. Lisboa, Portugal: Calouste Gulbenkian.). Nessas relações se cria uma dependência para com outras redes e, desse modo, sua existência é imbricada com desenvolvimentos tecnológicos. O objetivo é a automação de processos de forma que pareçam resultados de decisões plenamente humanas. Diferentemente da fábrica, o modelo empresarial é muito mais voltado ao meio (como fazer) do que aos fins (produtos). Os próprios padrões de trabalho passam a ser substituídos com o objetivo de se obter maior eficácia nos meios para a produção, o que exige, em algum momento, a substituição da força de trabalho de baixa qualificação por uma força de trabalho de maior qualificação - ainda que isso, ao longo do tempo, não resulte em níveis salariais mais altos, já que há uma progressiva desvalorização da força de trabalho. A economia informacional e a empresa em rede procuram o maior valor agregado à medida que a inovação é inserida nos processos de produção e de gestão, ou, até mesmo, à medida que são otimizados produtos financeiros que representem esse valor. A aplicação das novas tecnologias dimensiona a realização de valor nas tarefas reais do processo de trabalho e permite o cultivo de relações entre as organizações e o seu ambiente, otimizando a tomada de decisão de determinados processos das redes e vinculando empregados e administradores (Castells, 1999Castells, M. (1999). A Sociedade em Rede. Lisboa, Portugal: Calouste Gulbenkian.). A empresa em rede é complexa e “tentacularizada”, pois, se o produto final deixa de ser sua principal preocupação - algo que os sistemas de controle de qualidade toyotistas já haviam oferecido, na aparência de uma participação positiva do consumidor final no processo produtivo -, agora, o controle leva em conta diversos novos aspectos, como o processo logístico de distribuição da mercadoria.

A revolução informacional trouxe consigo potencialidades tecnológicas contraditórias (Lojkine, 1995Lojkine, J. (1995). A revolução informacional. São Paulo, SP: Cortez.), que não se encontram separadas da produção de bens. No interior das empresas, as tecnologias de informação são utilizadas não apenas na produção, mas no controle de processos de logística, de transporte, estocagem e armazenagem de produtos, e isso vale tanto para os ambientes físicos como para os virtuais. Destacamos, aqui, os princípios de automação que permitem que a cognição humana seja transposta ao maquinário e se integre à sua execução.

As críticas à tese da revolução informacional apontam falhas na estimativa da dimensão que a automação alcançaria, uma vez que se percebe que muitos indivíduos poderiam aumentar o controle, o poder e a autonomia de suas atividades perante as instituições sociais (Shapiro, 1999Shapiro, A. (1999). The control revolution: How the internet is putting individuals in charge and changing the world as we know it. New York, NY: Public Affairs.). Os resultados da automação, por exemplo, permitiram mudanças variadas nas formas de funcionamento e na regulação social, tornaram obsoletas algumas regras e promoveram o despertar de outras. Com isso, conveniências e escolhas dos consumidores foram impulsionadas, efetivando processos de empoderamento de indivíduos por meio da internet e em relação ao acesso e à personalização das informações, recursos e experiências vivenciados na rede global, além de proporcionar novas configurações dos mercados e suscitar tensões destes com as esferas governamentais (Shapiro, 1999).

A compreensão desse cenário deve levar em consideração alguns aspectos que se evidenciaram posteriormente à crise de 2008, como a retomada do controle do mercado financeiro pelos Estados e o desenvolvimento de tecnologias complementares e competitivas, em uma nova percepção sobre o mundo financeiro e monetário (Duménil & Lévy, 2014Duménil, G., & Lévy, D. (2014). A crise do neoliberalismo. São Paulo, SP: Boitempo.). Um boom de investimentos em NTICs nos Estados Unidos, nos anos 1990, foi sucedido por um boom imobiliário habitacional na década seguinte, o qual fomentou hipotecas e generalizada securitização de ativos.A expansão de crédito alavancado ofertada às famílias buscou controlar inicialmente essa situação, mas os efeitos mais proeminentes foram a redução da produção, inflação e bancarrota de bancos credores, que passaram a negociar com o Estado as condições de sua recuperação. O impacto sentido nas políticas cambiais promoveu uma queda das taxas de câmbio pelo mundo, depreciando diversas moedas como o real (49%), a libra (44%), o euro (33%) e dólar (21%) (Duménil & Lévy, 2014Duménil, G., & Lévy, D. (2014). A crise do neoliberalismo. São Paulo, SP: Boitempo., p. 270). A natureza estrutural da crise de 2008 manteve a lucratividade de diversos setores produtivos e adiantou preocupações quanto ao sistema financeiro internacional: a transparência de informações nas transações, as quais permitem às instituições financeiras a tomada de decisão em relação a operações, riscos e limites; a identificação e as limitações de riscos no hedge e nos mercados de derivativos; o controle global das finanças pelas instituições internacionais. O sistema financeiro internacional passou a enfrentar dificuldades em torno de sua política monetária, com perda de controle das taxas de juro, em um cenário que apontava para a desvalorização das taxas de câmbio.

Esse contexto se entrelaça com o problema monetário. A moeda, tomada como um conjunto de ativos que é, ao mesmo tempo, um meio de pagamento, uma reserva de valor, uma unidade padrão de conta e um intermediário de troca, apresenta problemas mais complexos que aqueles descritos em suas identidades contábeis. Seguindo os preceitos do fim de Bretton-Woods, em 1971, o sistema financeiro internacional se “dolarizou” nos anos 1990, substituindo efetivamente o padrão-ouro e consolidando, mesmo que com crises mais pontuais, a hegemonia do dólar (Brunhoff, 2005Brunhoff, S. (2005) A instabilidade monetária internacional. In C. François(Org.), A finança mundializada(pp. 69-84). São Paulo, SP: Boitempo.). A crise de 2008 abalou a confiança de empresas e investidores quanto ao futuro da economia global, impulsionando a busca por soluções de autonomização do capital e da produção. Modelos de tecnologia de software que atualmente têm sido desenvolvidos por empresas de diferentes níveis apontam a tendência de produção de softwares de serviço, de sistemas de inteligência artificial e de automação.

A problemática da crise de 2008 enseja maior atenção à compreensão das estruturas de mercado, as quais coordenam as informações e seus fluxos descentralizados (Mayer-Schömberger & Ranger, 2018Mayer-Schömberger, V., & Ramge, T. (2018) Reinventing Capitalism in the Age of Big Data. New York, NY: Basic Books.). O mercado passa a depender de um “[...] fluxo de dados e da habilidade de humanos de traduzir esses dados em decisões [...]”, fato que passa a demandar soluções de controle que possam enriquecer esses dados, em benefício das empresas, combinando “[...] grandes volumes de tais dados [...] com aprendizado de máquina e algoritmos de correspondência de ponta para criar um sistema adaptável que pode identificar o melhor parceiro de transação possível no mercado” (Mayer-Schömberger & Ranger, 2018, pp. 11-12). A indicação de maior autonomia dos mercados aponta para a tendência dos processos de controle e automação, exigindo uma grande atenção para com as cadeias de suprimentos e seus agentes.

A preocupação de empresas com a implementação de novas tecnologias, como a blockchain, revela dinâmicas gerais do capitalismo de vigilância (Zuboff, 2019Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a human future at the new frontier of power. New York, NY: Public Affairs.). Essa definição aponta para diversos aspectos: a tomada da experiência humana como matéria-prima para as práticas de extração e práticas comerciais de previsão e vendas; a lógica de economia parasitária que subordina a produção de bens e serviços a uma “nova arquitetura global de modificação comportamental” (Zuboff, 2019Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a human future at the new frontier of power. New York, NY: Public Affairs., p. 8); a estrutura de uma economia de vigilância; concentrações de riqueza sem precedentes na história; ameaças para a natureza; a instrumentalização de poderes contrários à democracia de mercado; uma ordem de economia baseada na certeza; a expropriação de direitos humanos e a derrubada da soberania do povo. A experiência humana passa a fornecer comportamentos que, quando convertidos em dados, alimentam máquinas e inteligências artificiais. Já o controle ocorre de três formas: sobre as mercadorias e com a redução de danos e custos dos próprios processos produtivos e da circulação de mercadorias; a difusão da preocupação com a inviolabilidade do sistema leva à garantia de segurança para os dados das transações e operações empresariais; determinadas informações podem ser convertidas em valor para as empresas, com a expectativa de que sejam comercializadas e divulgadas, embora não haja clareza em relação aos objetivos quanto ao uso desses dados, tampouco quanto à divulgação aos proprietários de como e por quem esses dados são armazenados.

Nesse contexto, “[...] os meios de produção estão subordinados a meios de modificação comportamental cada vez mais complexos e abrangentes” (Zuboff, 2019Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a human future at the new frontier of power. New York, NY: Public Affairs., p. 15). Desse modo, constitui-se uma inter-relação entre o poder instrumentalizado dos agentes de controle e dos meios técnicos que compreendem e modificam os meios de comportamento individual e coletivo, o que pode significar diversas vantagens para empresas na oferta de produtos ou ampliação de seu público. Portanto essas dinâmicas de controle, vigilância e inovação, cuja ênfase está na posse e no domínio do conjunto de dados pessoais, resultam em mudanças nas logísticas empresariais, as quais também se traduzem em alterações estruturais nos processos produtivos, nas relações de trabalho, nas preferências dos agentes quanto aos mercados consumidores.

A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN: SEGURANÇA MONETÁRIA E CONTROLE DE DADOS

O capitalismo contemporâneo revela que sua faceta de controle, impulsionada pelas tecnologias de informação e comunicação, ampliou-se significativamente. Desse modo, esse estudo propõe analisar como as imbricações entre as NTICs, a vigilância e o controle contínuo e de comunicação instantânea estão na base da tecnologia blockchain.

A partir dos anos 2010 e como reação ao maior controle estatal das economias, novas tecnologias de pagamentos descentralizados são vistas como uma tentativa de ruptura com o monopólio das moedas estatais, projetando uma capacidade de criação de moedas e transações globais sem os limites observados nos pagamentos nacionais, e interligando diversos mercados de capital. Nesse contexto, o Bitcoin, como moeda criptografada, opera como meio de pagamento e como ativo financeiro, desenvolvido sob a tecnologia blockchain.

As relações financeiras se destacam, uma vez que apontam um sentido acelerado do tempo, do espaço regido pelas transações de mercado, bem como o aumento da concentração e centralização de capital (Paraná, 2018Paraná, E. (2018). Digitalized Finance: Financial Capitalism and Informational Revolution. Boston, MA: Brill.). Embora sejam fulcrais para a compreensão das macroestruturas econômicas e seus processos de desigualdades econômicas e sociais, as análises sobre o tema comumente oferecem poucos detalhes sobre o funcionamento da tecnologia que aporta o Bitcoin, mantendo um argumento geral sobre a autonomização das esferas financeiras, igualando o Bitcoin como um ativo financeiro como qualquer outro, carente de lastro produtivo e tangibilidade. No entanto, ao se projetar um olhar de médio-alcance ao problema é possível perceber como Bitcoin e blockchain devem ser analisados lado a lado, não apenas devido ao fato de a concepção da tecnologia blockchain explicar em parte o funcionamento do Bitcoin e vice-versa, mas, especialmente, porque é na operabilidade da blockchain que residem os meios de controle e segurança de dados.

Bitcoin e blockchain possibilitam uma relação de trocas financeiras descentralizadas de fácil acesso e com processos rigorosos de segurança e criptografia. Por isso, o otimismo dos mercados financeiros, que ensaiavam saídas para a crise monetária, coaduna-se com a implementação de um novo sistema de pagamentos (Weber, 2014Weber, B. (2014). Bitcoin and the legitimacy crisis of money. Cambridge Journal of Economics, 40(1), 17-41. Recuperado de https://doi.org/10.1093/cje/beu067
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), agregando ainda mais expectativas de fortalecimento do mercado de ativos financeiros. Prova disso foi o abrupto aumento para cerca de US$20,000.00 do valor nominal do Bitcoin entre outubro e dezembro de 2017 (Gráfico 1), que direcionou massivamente os investimentos empresariais e individuais, trabalhadores profissionais e não profissionais (traders e day-traders) para esse mercado, atraídos por essas oportunidades.

Gráfico 1
Bitcoin valores (em US$) - janeiro 2013 - janeiro 2022

A ausência de lastro financeiro permitiu que a escalada de valor do Bitcoin atraísse diversos investidores e operadores para esse ativo. No entanto, um olhar microeconômico sobre a sua eficiência, ou seja, sobre a imprevisibilidade dos preços futuros e variações aleatórias devido a eventos não previsíveis, poderá constatar uma tendência à ineficiência, já que há ainda pouca informação disponível para a tomada de decisões de investidores e precificação do ativo financeiro (Urquhart, 2016Urquhart, A. (2016). The inefficiency of Bitcoin. Economics Letters, 148, 80-82. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.econlet.2016.09.019
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). A articulação entre a capacidade monetária e a tecnológica comporta a segurança e a circulação de informações no interior dos protocolos de criptografia da blockchain. Identificar os desenvolvimentos da linguagem de programação que esse protocolo utiliza permite conexões entre os ramos de automação, análise de sistema, tecnologia da informação (TI) e engenharia computacional, os quais atraem empresas interessadas em atrelar seu capital ao desenvolvimento tecnológico e de inovação.

A fuga da regulação de Estados e do monopólio de bancos constituiu também um argumento plausível para a recusa de métodos de controle mais centralizados pelos Estados. Combinados com o crescente interesse por mecanismos alternativos de finanças, surgem os primeiros elementos ideológicos que circunscrevem o projeto da tecnologia blockchain. As primeiras características enunciadas no documento de demonstração desse mecanismo constam do whitepaper de Satoshi Nakamoto (2008Nakamoto, S. (2008). Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. Recuperado de https://bitcoin.org/bitcoin.pdf
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), o qual afirma que o Bitcoin é “[...] um sistema de pagamento eletrônico baseado em prova criptográfica ao invés de segurança, permitindo a quaisquer duas partes transacionar diretamente entre si, sem a necessidade de terceiros confiáveis” (Nakamoto, 2008, p. 1, tradução nossa). Esse sistema buscou a resolução do problema da confiança em um sistema distribuído, criando um armazenamento distribuído de documentos sem que nenhuma parte possa alterá-los sem detecção (Di Pierro, 2017Di Pierro, M. (2017). What Is the Blockchain? Computing in Science & Engineering, 19(5), 92-95. Recuperado de https://doi.org/10.1109/mcse.2017.3421554
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). A preocupação de segurança antifraude nas transações e a sua irreversibilidade são um atrativo considerável para esse sistema, já que os dados criptografados o tornam possivelmente imune a fraudes bancárias, bem como a outras ao longo do processo de compartilhamento. O modelo descentralizado e criptografado de pagamentos, que confirma a veracidade de transição entre as partes, possui nível técnico bastante complexo, sem o qual não se explica a importância da segurança de dados preconizada em seu interior.

As apresentações da estrutura blockchain estão relativamente documentadas na literatura científica de ciência da computação, na qual são analisados os algoritmos, contratos inteligentes (smart contracts) e as criptomoedas (Nofer, Gomber, Hinz, & Schiereck, 2017Nofer, M., Gomber, P., Hinz, O., & Schiereck, D. (2017). Blockchain. Business & Information Systems Engineering, 59(3), 183-187. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s12599-017-0467-3
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). Há também fases delimitadas em torno da blockchain, quais sejam: uma primeira fase (blockchain 1.0), com ênfase no desenvolvimento de criptomoedas e Bitcoin, e uma segunda fase (blockchain 2.0), com ênfase na criação de contratos inteligentes e comandos para gradualmente expandir suas áreas de aplicação. Na área industrial, por exemplo, resolveria o problema da confiança entre os atores, fomentando a colaboração entre si e, principalmente, a localização automatizada de recursos em escala global (Lu, 2019Lu, Y. (2019). The blockchain: State-of-the-art and research challenges. Journal of Industrial Information Integration, 15, 80-90. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jii.2019.04.002
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). Nesse segundo ramo, destacam-se as possibilidades de integração da blockchain com o sistema de Internet das Coisas (IoT), gerando uma Blockchain das Coisas (BCoT) como um novo paradigma de arquitetura, que enfatiza a interoperabilidade de dispositivos de IoT com setores industriais e a capacidade de interagir com sistemas físicos e oferecer trocas de informações, permitindo a rastreabilidade, a confiabilidade na qualidade dos dados, interações autônomas, mediante a satisfação das cláusulas predispostas nos contratos inteligentes e com a ausência de violações a ausência de violações (Dai, Zheng, & Zhang, 2019Dai, H. N., Zheng, Z., & Zhang, Y. (2019). Blockchain for Internet of Things: A Survey. IEEE Internet of Things Journal, 6(5), 8076-8094. Recuperado de https://doi.org/10.1109/JIOT.2019.2920987
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).

Internamente ao protocolo, a integração entre as transações é o resultado cumulativo das criptografias: cada transação é criptografada por um método (SHA-256), que gera algoritmos de criptografia. Os algoritmos da operação anterior são adicionados à operação posterior e, assim, sucessivamente. Isso gera uma chave de proteção para cada uma das operações, que é repassada ao agente e/ou cliente que elaborou a operação; consequentemente, apenas com a posse dessa chave é permitida a verificação do conteúdo da operação. Com operações seguidas e acumuladas, são gerados novos algoritmos; desse modo, para que haja alguma fraude nesse sistema, seria necessário que todos os pacotes anteriores fossem abertos com suas respectivas chaves de acesso, fato que implicaria o uso de alto poder computacional, gastos de energia e de tempo. A estrutura básica desse modelo pode ser descrita conforme a Figura 1.

Figura 1
Modelo de transações da blockchain

O primeiro interesse por essa tecnologia está na sua capacidade de operar transações e trocas de valores entre agentes, mediante a posse de uma carteira individual. Essa carteira é composta por um conjunto alfanumérico, onde ficam acumulados as quantias e o registro das transações, as quais podem ser acessadas por uma chave privada de posse do agente. O acesso privado elucida a importância da segurança e da vigilância que esse sistema oferece. O desenvolvimento dessa tecnologia ultrapassa a função de sistema de pagamentos: como um conjunto de protocolos e codificações que independem da moeda, há a possibilidade de implementação em diversos setores e em diversas cadeias produtivas.

A rede blockchain passa a ter um papel principal por meio dos contratos inteligentes. Estes executam cláusulas pré-programadas, sem que haja a verificação de terceiros, de modo a sempre seguir todas as cláusulas definidas anteriormente, além de oferecer dados sobre o agente no tempo real em que a ação está sendo executada, permitindo que as transações sejam rastreáveis e irrefutáveis, aumentando a segurança da execução das máquinas (Wang et al., 2019Wang, X., Zha, X., Ni, W., Liu, R. P., Guo, Y. J., Niu, X. ... Zheng, K. (2019). Survey on blockchain for Internet of Things. Computer Communications, 136, 10-29. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.comcom.2019.01.006
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). O contato inteligente substitui outros tipos de contratos e protocolos centralizados, tanto por meio de um endereço dado ao receptor, quanto pela própria execução interna do código, um mecanismo de dupla verificação que restringe e inibe a alteração de dados e de processos, podendo ser executado em cada nó independente e descentralizado da rede blockchain, sem que isso obrigue a perda de informações, comandos e operações que devem ser realizadas. Ao ser aplicada na IoT, são esperadas execuções automáticas e descentralizadas substituindo diversas estruturas de transporte ou ramos industriais que necessitam de humanos para a execução de tarefas.

Outro mecanismo de fundamental importância para a segurança da rede é a validação das operações descentralizadas, um processo denominado de “Proof of work” (Casino, Dasaklis, & Patsakis, 2019Casino, F., Dasaklis, T. K., & Patsakis, C. (2019). A systematic literature review of blockchain-based applications: Current status, classification, and open issues. Telematics and Informatics, 36, 55-81. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.tele.2018.11.006
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; Wang et al., 2019Wang, X., Zha, X., Ni, W., Liu, R. P., Guo, Y. J., Niu, X. ... Zheng, K. (2019). Survey on blockchain for Internet of Things. Computer Communications, 136, 10-29. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.comcom.2019.01.006
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). Nessa etapa, os computadores envolvidos realizam a tarefa de encontrar a solução de hashes com padrões específicos, como uma sequência de números, de modo a autenticar e validar o processo precedente. A esses computadores é pago um valor (recompensa) pelo uso de seu poder computacional para mineração, processamento e validação dos blocos. No caso do Bitcoin, que se utiliza amplamente desse processo, cada bloco demora em torno de 10 minutos para ser minerado em toda a rede. Sua resposta pode ser verificada na função hash, por meio da concatenação de outras partes válidas e à medida que os computadores vão gerando diversas combinações até encontrar a correta.

Outro processo de validação utilizado, o Proof of Stake, presente nos sistemas da Ethereum, baseia-se em critérios de proporcionalidade da riqueza dos mineradores, evitando que o participante mais rico domine a mineração da rede. Esse processo reduz o consumo de energia e ganha alcance de escala nas operações.

A rede blockchain é edificada para que haja uma redução de trocas diretas, eliminando diversos intermediários (agentes), o que resulta em informações não mais divididas em servidores, mas presentes em toda a cadeia, e reduz o valor pago nas transações. A criptografia favorece a segurança do sistema, já que as fraudes ocorreriam mediante sucessivas combinações de códigos para o acesso a um dos ramos da rede. A aplicação desse sistema permite que outras transações, como as transferências, depósitos ou pagamentos, de bancos ou de empresas de cartões de crédito, sejam realizadas de modo mais rápido e seguro. Nos sistemas de cartão de crédito, as operações comerciais são validadas pelos computadores centrais de uma grande empresa, autorizando ou recusando as transações. No sistema blockchain, a descentralização do sistema permite a busca por computadores que possam minerar os blocos e, assim, desonerar a empresa de um conjunto de máquinas para estes fins. Bancos e instituições financeiras reduziram sistematicamente o investimento de maquinários e computadores, já que o processamento de blocos pode ser feito em “fazendas de mineração” (mining farms), locais onde são alocados computadores para fins específicos de validação de transações (Bitcoin Exchange Guide, 2018Bitcoin Exchange Guide. (2018, junho 25). List of the Biggest Bitcoin Cryptocurrencies Mining Areas in the World. Recuperado de https://bitcoinexchangeguide.com/list-of-the-biggest-bitcoin-cryptocurrency-mining-areas-in-the-world/
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).

A análise pormenorizada desses dados revela que o controle e o domínio do capital podem ser desmembrados em processos diferentes: o respectivo a países que irão minerar os blocos, e o dos países que irão gerar as transações resultantes em bloco. Tanto China quanto Rússia, países que hoje demandam o uso de criptomoedas e o desenvolvimento de aplicativos na rede blockchain, precisam de outros países para a mineração, considerando as restrições territoriais locais para a mineração, como no caso da China, em que a mineração foi proibida em 2021. Porém, a origem chinesa das empresas mineradoras é concentrada, com destaque para a Bitmain (com 55 a 50% da produção de criptomoedas), a Whatsminer (20%), a Canaã (10%) e a Ebang (5%) (Rodrigues, 2020Rodrigues, L. (2020, janeiro 12). Apenas 4 empresas controlam 95% da produção de equipamentos de mineração de Bitcoin. Criptofacil. Recuperado de https://www.criptofacil.com/apenas-4-empresas-controlam-95-da-producao-de-equipamentos-de-mineracao-de-bitcoin/
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). Nesse caso, desenvolve-se uma espécie de monopólio de mercado na produção (mineração) dos blocos de criptomoedas, visto que poucas empresas são responsáveis por essa atividade.

A especificidade desse processo é a mineração dos blocos. Essa parte da indústria de criptomoedas está presente em mais de 100 países, movimentando lucros de cerca de 4 bilhões de dólares por ano. O processo de mineração irá se tornar cada vez mais complexo em virtude do tempo para minerar os blocos e do consumo de energia. Como a mineração é realizada com placas gráficas, verifica-se outro ramo, o de hardware, necessário à manutenção dessa indústria.

A dependência energética de alto consumo leva as empresas mineradoras à procura de locais onde o valor do quilowatt-hora (kWh) seja mais baixo relativamente à média internacional. Diversas empresas têm instalado suas “fazendas de mineração” em países como Irã, China, Rússia e Canadá para mineração por rede de eletricidade ou gás natural, havendo diferenças significativas no preço final quando há uso de eletricidade (Malfuzi, Mehr, Rosen, Alharthi, & Kurilova, 2020Malfuzi, A., Mehr, A. S., Rosen, M. A., Alharthi, M., & Kurilova, A. A. (2020). Economic viability of bitcoin mining using a renewable-based SOFC power system to supply the electrical power demand. Energy, 203, 117843. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.energy.2020.117843
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). Nesse âmbito, surge outra gama de discussão: possibilidade de ameaça climática com o advento da tecnologia blockchain, o uso ineficiente de recursos energéticos e necessidade de aplicações mais rígidas e de controle fiscal e político para mitigar os impactos climáticos (Truby, 2018Truby, J. (2018). Decarbonizing Bitcoin: Law and policy choices for reducing the energy consumption of Blockchain technologies and digital currencies. Energy Research & Social Science, 44, 399-410. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.erss.2018.06.009
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). É necessário ponderar os danos ambientais causados pela utilização da blockchain e, ao mesmo tempo, a possibilidade, até mesmo, de esta tecnologia gerenciar energia e emissões de carbono, fomentando um equilíbrio entre algoritmos famintos por energia (energy-hungry algorithms) e algoritmos eficientes em energia (energy-efficient algorithms) (Gallersdörfer, Klaassen, & Stoll, 2020Gallersdörfer, U., Klaassen, L., & Stoll, C. (2020). Energy Consumption of Cryptocurrencies Beyond Bitcoin. Joule, 4(9), 1843-1846. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.joule.2020.07.013
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).

Bitcoin e blockchain se estabelecem como um fenômeno social, cuja principal prerrogativa é ser uma nova forma de dinheiro assentada em uma promissora tecnologia, baseada em uma nova forma de confiança, a permitir desenvolvimentos futuros intrinsecamente sociais (Corradi & Hofner, 2018Corradi, F., & Hofner, P. (2018). The disenchantment of Bitcoin: unveiling the myth of a digital currency. International Review of Sociology, 28(1), 193-207. Recuperado de https://doi.org/10.1080/03906701.2018.1430067
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). Combinam ideias muito próximas a um libertarianismo ou a um anarcocapitalismo, assentados no anti-establishment e na radical aversão ao Estado em qualquer uma de suas funções regulatórias (Barber, 2015Barber, A. (2015). Bitcoin and The Philosophy of Money: Evaluating the Commodity Status of Digital Currencies. Spectra, 4(2). Recuperado de https://doi.org/10.21061/spectra.v4i2.241
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).

Baseando-se no que Simmel (2005Simmel, G. (2005). The Philosophy of Money. New York, NY: Routledge.) identificou como a relação entre dinheiro e poder político dos Estados-nação, a presença das criptomoedas revela o vínculo entre o dinheiro e a não presença dos Estados, em uma transição para a supremacia dos mercados, desejada por acionistas e investidores, que almejam novas bases tecnológicas de não regulação dos agentes financeiros e de suas transações. Simmel (2005)Costa, H. A., & Costa, E. S. (2018). Trabalho em call centers em Portugal e no Brasil: a precarização vista pelos operadores. Tempo Social, 30(1), 105-127. Recuperado de https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.123181
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denominou estas propriedades como indicadora da existência de um dinheiro perfeito, ou seja, um momento em que o dinheiro não mais depende de suas substâncias, encontra-se desvinculado de sua ordem criativa social, o qual pode ser problematizado em termos da possibilidade de sua existência depender também de uma sociedade estável (Chainiyom & Giordano, 2019Chainiyom, S., & Giordano, J. (2019). On Bitcoin and Simmel’s Idea of Perfect Money. Prajñā Vihāra, 20(1), 52-65. Recuperado de http://www.assumptionjournal.au.edu/index.php/PrajnaVihara/article/view/3934
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). O dinheiro - quando se trata de criptomoedas - não apresenta uma finalidade que cabe em si mesmo, pelo contrário, sua eficácia está na sua postura de neutralidade econômica e no significado perante outras moedas e valores. O caso das criptomoedas exacerba essa noção normativa, ao convalidar a percepção de uma reserva monetária que se realiza com uma complexidade tecnológica ainda em vias de desenvolvimento, oferecendo diversos caminhos de aplicabilidade para a vida social e econômica dos indivíduos.

Outro ponto a se ressaltar é o conflito entre a amplitude prometida por um dinheiro supranacional e as medidas de controle estatal operacionalizadas pelos governos nacionais (Barber, 2015Barber, A. (2015). Bitcoin and The Philosophy of Money: Evaluating the Commodity Status of Digital Currencies. Spectra, 4(2). Recuperado de https://doi.org/10.21061/spectra.v4i2.241
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), visto que Estados como a China têm efetuado sucessivas medidas de controle do Bitcoin desde 2017, culminando em uma proibição do uso da criptomoeda em 2021. O mesmo tem sido discutido no Brasil pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

EXPECTATIVAS DE SETORES EMPRESARIAIS COM A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN

Aprofundando o panorama anterior, é necessário investigar os interesses das empresas na implementação das tecnologias blockchain, tomando como base as perspectivas empresariais e alguns surveys que buscam apreender essas dinâmicas. As metodologias quantitativas para a avaliação da inovação de serviços permitem evidenciar as expectativas criadas por setores empresariais, as velocidades de implementação e as estratégias para avaliação de mercado e percepção de valor (Gartner, 2019)Gartner. (2019, novembro 05). 5 Trends Emerge in the Gartner Hype Cycle for Emerging Technologies, 2018. Recuperado de https://www.gartner.com/smarterwithgartner/5-trends-emerge-in-gartner-hype-cycle-for-emerging-technologies-2018/
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. Sendo algo relativamente novo, a implementação das tecnologias blockchain se deu em conjunto com outras tecnologias que oscilam entre a concorrência e a complementaridade. Se, de um lado, houve um pico de expectativas com os desenvolvimentos de deep learning (redes neurais profundas) há alguns anos, de outro, as tecnologias blockchain praticamente inauguram o momento de desilusão (trough of disillusionment) para com outras tecnologias industriais precedentes. O direcionamento de investimentos nos setores de produção e inovação tecnológica identificam possíveis tendências a serem seguidas por diversas empresas, sobretudo quando se prevê que as tecnologias blockchain podem alcançar maior maturidade nos próximos dez anos. Essas tendências são aproveitadas para a inovação empresarial, sobretudo na China, apontando os setores que podem aplicar a tecnologia blockchain nos próximos anos e o conhecimento dos empresários e gestores chineses sobre diversos ramos da blockchain.

Para entender o pensamento nos setores industriais de alta tecnologia e outros ramos a respeito das tecnologias blockchain, é necessário analisar as expectativas quanto à implementação das tecnologias de plataformas blockchain. Para isso, tomamos como base o surveyMarket Survey Report for (Non-financial) Application of Blockchain in China”, realizado pela consultoria chinesa PricewaterhouseCoopers (PWC), em 2019 (PricewaterhouseCoopers, 2019PricewaterhouseCoopers. (2019). Market Survey Report for (Non-financial) Application of Blockchain in China. Recuperado de https://www.pwccn.com/en/risk-assurance/2018-china-blockchain-survery-report-en.pdf
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). O motivo da escolha desse estudo, que permanece como um dos únicos documentos nessa linha, foi justamente por sua especificidade quanto à análise exclusiva do impacto das tecnologias blockchain.

No survey, foi feito um levantamento com diversos ramos empresariais, quais sejam: de TI e indústria de alta tecnologia (28% dos participantes), serviços (15%), indústria manufatureira (11%), indústria de blockchain (11%), mídia (9%), instituições científicas e educacionais (6%), varejo (4%) e outras indústrias (16%). Esses ramos empresariais compartilham de uma expectativa positiva quanto à implementação da tecnologia blockchain, indicando otimismo em relação a um impacto significativo (52,8% dos participantes) e algum impacto (44%). A maioria das respostas (87,5%) indica que o principal feito da tecnologia blockchain está em sua resistência a fraudes e na distribuição (descentralizada) do sistema, o que aponta para o impacto positivo nas áreas de segurança e de controle promovidas por essa tecnologia, gerando otimismo em gestores e empresários. Essa expectativa também se consolida quando se trata de setores que já conhecem a tecnologia ou que já a implementam em algum momento e/ou ramo da cadeia produtiva. Setores de gestão, como cadeia de abastecimento, de armazenamento e distribuição de dados e de autenticação por identidade, são aqueles em que mais se vislumbram mudanças e impactos positivos. Em outros setores, como varejo, educação e ciência, manufatura e serviços, há otimismo também quanto à implementação tecnológica e expectativa de um impacto bastante positivo sobre a proteção dos dados e segurança. Nos departamentos internos das empresas, empresários e fundadores, seguidos pelos setores de marketing e vendas, são os que mais esperam mudanças positivas a curto e médio prazos.

Quanto à inovação, os setores que vislumbram mais benefícios são os de logística (63% das respostas), governamental (47%) e indústria médica (44%). As principais características valorizadas pelos empresários e gestores destes setores são a segurança e a rastreabilidade de suas transações e produtos (50% das respostas), seguidas por armazenamento de dados distribuído (26,7%), autenticação da identidade (23,3%), compartilhamento de dados e aplicações (20%) e gerência da cadeia de suprimentos (20%). Em empresas que já implementaram a blockchain, as inovações foram mais intensas na pesquisa e no desenvolvimento de empresas (53%), o que demonstra a abertura e a adaptação da tecnologia às demandas particulares das empresas e o investimento na inovação particular, sem demandar a compra de tecnologias de terceiros e a subcontratação de outras empresas e funcionários. O impacto da blockchain é maximizado na redução dos custos em empresas de manufatura, educação e ciência, serviços e indústria, TI e tecnologia e estimulado positivamente, pela promoção de maiores níveis de segurança, em empresas de mídia e varejo.

A análise desse survey revela que as empresas chinesas possuem grande preocupação com segurança, vigilância de dados e acessos, fatores que impulsionam desenvolvimento e inovação. Isso aponta para dois caminhos. O primeiro é o de que, por ser considerada praticamente inviolável, a tecnologia blockchain seria propícia à redução de problemas como ciberataques, fraudes e roubos de dados, preocupações já destacadas como riscos globais de grande impacto no Fórum Econômico Mundial, e que, desde 2018, vem ganhando maior proeminência (World Economic Forum, 2018World Economic Forum. (2018). The Global Risks Landscape. Recuperado de http://reports.weforum.org/global-risks-2018/global-risks-landscape-2018/#landscape
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, 2019World Economic Forum. (2019). Global Risks Report. Recuperado de https://www.weforum.org/reports/the-global-risks-report-2019
https://www.weforum.org/reports/the-glob...
, 2020Lu, Y. (2019). The blockchain: State-of-the-art and research challenges. Journal of Industrial Information Integration, 15, 80-90. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jii.2019.04.002
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). O segundo caminho diz respeito à busca de profissionais qualificados com habilidades de programação e de desenvolvimento de criptomoedas. Esses profissionais, cujos salários são 21% mais elevados comparativamente aos daqueles que não possuem tais habilidades, atuam nas profissões de engenheiro de blockchain, operador de negócios, operador de comércio, gerente de negócios e trader (Ge, Shi, Jiang, & Xu, 2021Ge, C., Shi, H., Jiang, J., & Xu, X. (2021). Investigating the Demand for Blockchain Talents in the Recruitment Market: Evidence from Topic Modeling Analysis on Job Postings. Information & Management, 103513. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.im.2021.103513
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). Os dados indicam uma preferência do mercado por competências mais amplas do que aquelas encontradas em profissionais de TI, tais como o desenvolvimento de aplicações de software, operação comercial e negociação de moedas.

CONCLUSÃO

Este artigo demonstra que a vigilância e o controle tornaram-se partes integrantes do capitalismo atual. No âmbito das finanças globais, tecnologias de vigilância estão cada vez mais presentes, não apenas efetuando um controle excessivo e rigoroso sobre os indivíduos, mas principalmente edificando sistemas tecnológicos cujo objetivo é o equilíbrio da relação de maximização de lucros e segurança.

Desse modo, é necessário observar as novas disposições do mercado financeiro de criptoativos via projeção da tecnologia que se encontra em seu resguardo. No entanto, considerando apenas a autonomização financeira desses ativos, perde-se a dimensão de produção de valor e, principalmente, o conjunto de elementos pelos quais diversas empresas no mundo apostam suas inovações tecnológicas. Assim, é possível afirmar que há um crescente desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação que priorizam a segurança e a confiança, seja na expansão de protocolos, seja na garantia do trânsito de informações e de operações financeiras.

A constante preocupação com a segurança direciona uma parte da força de trabalho qualificada nas áreas de tecnologia de informação para a programação dessas redes. Empresas das mais variadas espécies também acabam por projetar seus interesses em torno dessas aspirações, levadas por um otimismo que ensejaria solucionar o problema das crises econômicas - e, evidentemente, das crises do mundo do trabalho - com a projeção de uma ausência de trabalho, possível pela própria lógica da inteligência artificial de sistemas autônomos. A simulação do comportamento humano encontra-se oculta nesses sistemas, cuja principal preocupação é a segurança e o controle ao longo de todos os espaços e segmentos da cadeia produtiva, incluindo, até mesmo, a forma de trocas monetárias e financeiras em uma esfera supraestatal.

AGRADECIMENTOS

O autor Pablo Emanuel Romero Almada recebeu financiamento do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) - Código de Financiamento 001, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista(PPGCS/FCLAR/UNESP), número 88.887.3733790/2019-00; e bolsa de Pós-Doutorado da FAPESP, junto ao Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), número 13/07923-7.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2022
  • Aceito
    31 Jul 2022
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