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Empresas e ditadura civil-militar brasileira: os editoriais do jornal Folha de S. Paulo em uma perspectiva histórica

Empresas y dictadura cívico-militar brasileña: los editoriales del diario Folha de S. Paulo en perspectiva histórica

Resumo

Em alinhamento com os estudos organizacionais históricos (Decker, Hassard, & Rowlinson, 2021; Maclean, Harvey, & Clegg, 2016) e buscando uma reorientação geográfica mais ao sul global, no foco nas pesquisas históricas e em estudos organizacionais e de gestão (A. S. M. Costa & Wanderley, 2021; Wanderley & A. Barros, 2019), este artigo tem como objetivo compreender o posicionamento ideológico e a atuação político-discursiva do jornal Folha de S. Paulo no período inicial da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Para tanto, construiu-se um referencial teórico sustentado por duas correntes historiográficas (Empresariado e Ditadura; História e Imprensa) e pelos conceitos de discurso, ideologia e poder articulados pela análise crítica de discurso. Em termos de fontes documentais, foram coletados 112 editoriais diários, publicados de janeiro a junho de 1964 e disponíveis no arquivo histórico da empresa pesquisada. Para a realização da análise dos dados coletados, foram utilizados o aporte teórico-metodológico do modelo tridimensional de Norman Fairclough (2016) e a sua proposta de utilização do modelo de análise de estratégias de construções ideológicas de J. B. Thompson (2011). Como resultado, foi possível identificar três momentos na trajetória de construção discursiva do jornal Folha de S. Paulo em relação ao golpe militar de 1964 no Brasil: 1) significativa contribuição para a desestabilização do governo democrático do presidente João Goulart; 2) forte alinhamento com o golpe militar e seus desdobramentos imediatos; e 3) apoio ao posterior governo Castelo Branco, mas já com a enunciação de algumas ressalvas. Por fim, é possível afirmar que essa organização jornalística atuou fortemente não apenas como instrumento de informação, mas, principalmente, como produtora e reprodutora de discursos específicos em prol de determinado grupo social e de seus atos ditatoriais subsequentes. Diante desse quadro, tornam-se cada vez mais necessárias pesquisas históricas sobre as relações políticas e socioeconômicas entre empresas, governo e sociedade ao longo do tempo e seus desdobramentos na atualidade.

Palavras-chave:
Ditadura militar; Discursos; Ideologia; Imprensa; Folha de S; Paulo; Estudos organizacionais históricos

Resumen

En consonancia con los estudios organizativos históricos (Decker, Hassard, & Rowlinson, 2021; Maclean, Harvey, & Clegg, 2016) y buscando una reorientación geográfica más hacia el Sur global, en el enfoque de la investigación histórica y en los estudios organizativos y de gestión (A. S. M. Costa & Wanderley, 2021; Wanderley & A. Barros, 2019), el artículo pretende comprender el posicionamiento ideológico y la actuación político-discursiva del periódico Folha de S. Paulo en el período inicial de la dictadura cívico-militar brasileña (1964-1985). Para ello, se construyó un marco teórico apoyado en dos corrientes historiográficas (Empresariado y Dictadura e Historia y Prensa) y en los conceptos de discurso, ideología y poder articulados por el análisis crítico del discurso. En cuanto a las fuentes documentales, se recogieron 112 editoriales diarios, publicados de enero a junio de 1964 y disponibles en el archivo histórico de la empresa investigada. Para llevar a cabo el análisis de los datos recogidos, se utilizó el aporte teórico y metodológico del modelo tridimensional de Norman Fairclough (2016) y su propuesta de uso del modelo de análisis de estrategias de construcciones ideológicas de J.B. Thompson (2011). Como resultado, fue posible identificar tres momentos en la trayectoria discursiva del periódico Folha de S. Paulo en relación con el golpe militar de 1964 en Brasil: (1) contribución significativa a la desestabilización del gobierno democrático del presidente João Goulart, (2) fuerte alineamiento con el golpe militar y sus desdoblamientos inmediatos; y (3) apoyo al posterior gobierno de Castelo Branco, pero ya con la enunciación de algunas salvedades. Finalmente, es posible afirmar que esta organización periodística actuó fuertemente no sólo como instrumento de información, sino principalmente como productora y reproductora de discursos específicos a favor de un determinado grupo social y sus subsiguientes actos dictatoriales. En este contexto, la investigación histórica sobre las relaciones políticas y socioeconómicas entre las empresas, el gobierno y la sociedad a lo largo del tiempo y su desarrollo en la actualidad es cada vez más necesaria.

Palabras clave:
Dictadura militar; Discurso; Ideología; Prensa; Folha de S; Paulo; Estudios organizativos históricos

Abstract

In alignment with historical organizational studies (Decker, Hassard, & Rowlinson, 2021; Maclean, Harvey, & Clegg, 2016) and seeking a geographical (re)orientation, more to the Global South, to historical research in organizational and management studies (A. S. M. Costa & Wanderley, 2021; Wanderley & A. Barros, 2019), the article aims to understand the ideological positioning and the political-discursive performance of the newspaper Folha de S. Paulo in the early period of the Brazilian civil-military dictatorship (1964-1985). A theoretical framework was built, supported by two historiographical currents (Business and Dictatorship; History and Press) and by the concepts of discourse, ideology, and power articulated by critical discourse analysis. In terms of documental sources, 112 daily editorials were collected, published from January to June 1964, and available in the historical archive of the researched company. The theoretical and methodological contribution of Norman Fairclough’s (2016) three-dimensional model and its proposed use by J.B. Thompson’s (2011) model of analysis of strategies of ideological constructions were used. As a result, it was possible to identify three different moments in the discursive trajectory of the positioning of the Folha de S. Paulo newspaper concerning the military coup of 1964 in Brazil: (1) significant contribution to the destabilization of the democratic government of President João Goulart, (2) strong alignment with the military coup and its immediate unfoldings; and (3) support for the subsequent Castelo Branco government, but already with the enunciation of some reservations. Finally, it is possible to affirm that this journalistic organization acted strongly not only as an instrument of information but mainly as a producer and reproducer of specific discourses in favor of a particular social group and its subsequent dictatorial acts. Against this background, historical research into the political and socio-economic relations between business, government, and society over time and their unfolding today is becoming increasingly necessary.

Keywords:
Military dictatorship; Discourse; Ideology; The press; Folha de S; Paulo; Historical organizational studies

INTRODUÇÃO

O tema da atuação política das empresas (e do empresariado) na sociedade em colaboração com governos autoritários aparece de forma ainda discreta nas agendas de pesquisa da área de estudos organizacionais e de gestão. Na maior parte dos casos, são estudos que versam sobre responsabilidade social corporativa, ética nos negócios, negócios e direitos humanos ou responsabilidade histórica corporativa (A. Barros, 2018Barros, A. (2018). Empresas e direitos humanos: premissas, tensões e possibilidades. Organizações & Sociedade, 25(84), 87-99. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1984-9240845
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; A. S. M. Costa & M. A. C. Silva, 2018Silva, M. A. C.(2018). As práticas de normalização da violência operacionalizadas pela Volkswagen do Brasil na ditadura militar brasileira (1964-1985) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.; Linstead, Maréchal, & Griffin, 2014Linstead, S., Maréchal, G., & Griffin, R. W. (2014). Theorizing and researching the dark side of organization. Organization Studies, 5(2)165-188. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0170840613515402
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; Maritan & Oliveira, 2022Maritan, R. F., & Oliveira, C. R. (2022). Negócios e direitos humanos: uma análise das tentativas de neutralizar as denúncias de violações contra os direitos humanos. Cadernos EBAPE.BR, 20(2), 193-206. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395120210021
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, Schrempf-Stirling, Palazzo, & Phillips, 2016Schrempf-Stirling, J., Palazzo, G., & Phillips, R. A. (2016). Historic corporate social responsability. Academy of Management Review, 41(4), 700-19. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2014.0137
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). Acreditamos que uma das formas possíveis de ampliar esse debate seja por meio do engajamento de mais pesquisadores na pesquisa histórica em estudos organizacionais. Ou seja, pesquisas que se voltem para o passado para compreender as organizações (e suas trajetórias) em um contexto sócio-histórico específico e que podem ser agrupadas - em função da convergência de fontes, métodos e conhecimento - na área que Maclean et al. (2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-32. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2014.0133
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) denominam estudos organizacionais históricos.

No entanto, para além do método histórico propriamente dito, as pesquisas organizacionais podem, e devem, se engajar em diferentes linhas historiográficas (conjunto de pesquisas históricas que, em permanente diálogo, fornecem a base teórica e empírica acerca de um recorte temático). Assim, se por um lado a pesquisa histórica evidencia (como fonte de dados e/ou de métodos) relações de poder inerentes à reprodução ideológica dominante que tendem a naturalizar o pensar e o agir organizacional, mostrando o compromisso político da imbricada relação entre empresa, governo e sociedade (A. S. M. Costa, D. F. Barros, & Martins, 2010Costa, A. S. M., Barros, D. F., & Martins, P. E. M. (2010). Perspectiva histórica em administração: novos objetos, novos problemas, novas abordagens. Revista de Administração de Empresas, 50(3), 288-299. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0034-75902010000300005
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; M. A. C. Silva, Campos, & A. S. M. Costa, 2022Silva, M. A. C., Campos, P. H. P., & Costa, A. S. M. (2022). A Volkswagen e a ditadura: a colaboração da montadora alemã com a repressão aos trabalhadores durante o regime civil-militar brasileiro. Revista Brasileira de História, 42(89), 141-164. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1806-93472022v42n89-08
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), por outro, o engajamento em linhas historiográficas reforça o potencial teórico e analítico (conceitos, categorias e questões) da pesquisa histórica organizacional (Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., & Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: the case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74(8), 1123-55. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0018726720927443
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). No caso deste artigo, a pesquisa aborda duas linhas historiográficas já bem consolidadas na História do Brasil Contemporâneo: 1) História e Imprensa e 2) Empresariado e Ditadura.

Em alinhamento com a primeira linha historiográfica - História e Imprensa - defende-se, nesta pesquisa, que as atuações político-discursivas das organizações na sociedade tornam-se ainda mais complexas quando estas são empresas jornalísticas ou da grande imprensa. Espaço por excelência do argumento de neutralidade, equilíbrio e isenção de posicionamento político em suas práticas organizacionais cotidianas, o discurso hoje dominante nos/dos jornais é o de que “textos opinativos ficam restritos aos editoriais, que expressam o ponto de vista do jornal, e às colunas, que mostram a visão de cada colunista. No noticiário, a intenção é transmitir uma visão equilibrada” (Mello, 2020Mello, P. C. (2020). A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. São Paulo, SP: Companhia das Letras., p. 181). Essa visão não posicionada é o que Luca (2006Luca, T. R. (2006). Fontes impressas: história nos, dos e por meio dos periódicos. In C. B. Pinsky(Org.), Fontes históricas. São Paulo, SP: Contexto., p. 138) aponta como resultante, a partir dos anos 1950, de uma série de transformações introduzidas com a profissionalização dos jornais diários, dentre elas a consagração da ideia de que o jornal cumpre a importante função de informar o leitor o que ocorreu, “respeitando rigorosamente a verdade dos fatos”.

Ao mesmo tempo, a vasta historiografia acerca do tema mostra que os jornais “além de veículos de informação, tiveram, e alguns continuam tendo, papel relevante como formadores de opinião, além de se caracterizarem como instrumentos de manipulação de interesses e intervenção na vida política” (Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora., p. 303). Essa falácia de equilíbrio/neutralidade no discurso das empresas jornalísticas de certo modo camuflou o fato de a imprensa periódica selecionar, ordenar, estruturar e narrar “de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público” (Luca, 2006Luca, T. R. (2006). Fontes impressas: história nos, dos e por meio dos periódicos. In C. B. Pinsky(Org.), Fontes históricas. São Paulo, SP: Contexto., p. 138). Assim, os jornais, como um meio de comunicação, ajudam a elaborar narrativas próprias ao definir diferentes significados sobre determinados acontecimentos (Abreu, 2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom.; Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora.; Smith, 2000Smith, A. (2000). 1960 - um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.; Taschner, 1992Taschner, G. (1992). Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Em relação à segunda linha historiográfica - Empresariado e Ditadura -, também pode-se identificar uma significativa produção acadêmica acerca do papel da grande imprensa em momentos de ruptura social e política. O uso dos organismos da imprensa brasileira por empresários para viabilizar interesses políticos, econômicos, suas ideias e valores não é algo novo1 1 Conforme Campos (2018b, p. 5), um “exemplo de ação empresarial que deu suporte a um veículo de imprensa, no caso, um grande grupo de comunicação, foi a relação das empresas de Assis Chateaubriand, os Diários Associados, com o grupo Light. Nos anos 1920, a companhia canadense aparentemente ajudou Chatô a comprar O Jornal, ponto de partida para criação do seu império da comunicação e que incluía ligações com políticos e empresários. [...] Isso coincide com outros relatos que apontam como interesses empresariais podiam condicionar ou determinar reportagens, notícias, editoriais ou toda a orientação de um jornal. Da outra parte, havia uma estratégia das empresas de usar a imprensa como meio para atingir determinadas finalidades”. .

Entretanto, esse uso recorrente e histórico da imprensa acabou se desdobrando em formas mais complexas durante o período da ditadura civil-militar com a compra, por empresários, de veículos de comunicação2 2 Como exemplo, pode-se destacar o caso do jornal Correio da Manhã, adquirido, em 1969, por Mauricio Alencar e Frederico Gomes da Silva, e que “após a aquisição pelos empreiteiros [...] passou a órgão de comunicação que mais se assemelhava a um canal oficial de divulgação do governo e dos interesses empresariais dos construtores de obras públicas” (Campos, 2018b, p. 17). Outro caso foi o do empresário da construção civil Henry Maksoud que, em 1974 “[...] ampliou seus horizontes de atividades ao comprar o grupo editorial Visão, responsável pela revista Visão, carro-chefe do grupo, além dos periódicos Dirigente Construtor, Dirigente Rural, Dirigente Industrial, Quem É Quem, Dirigente Municipal e Perfil, os dois últimos voltados para a administração pública” (Campos, 2018b, p. 7). .

Perlatto (2019Perlatto, F. (2019). Variações do mesmo tema sem sair do tom: imprensa, Comissão Nacional da Verdade e a Lei de Anistia. Tempo e Argumento, 11(27), 78-100. Recuperado de https://doi.org/10.5965/2175180311272019078
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, p. 83), por exemplo, aponta que um dos campos que “têm sido mais privilegiados pelos estudos dedicados à compreensão do golpe militar de 1964 e da ditadura instalada no país, se relaciona com o papel da imprensa ao longo desse período”. De forma geral, essa linha historiográfica ressalta o papel da articulação entre militares, governo norte-americano e empresários brasileiros (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.; Napolitano, 2011Napolitano, M. (2011). O golpe de 1964 e o regime militar brasileiro - apontamentos para uma revisão historiográfica. Contemporanea - Historia y problemas del siglo XX, 2(2), 209-217.; M. A. C. Silva, 2018Silva, M. A. C.(2018). As práticas de normalização da violência operacionalizadas pela Volkswagen do Brasil na ditadura militar brasileira (1964-1985) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.) e aponta para a forte participação e colaboração das grandes empresas com a ditadura civil-militar brasileira de 1964 a 1985 (Abreu, 2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom.; Campos, Brandão, & Lemos, 2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos , R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .; Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda” (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR., 2013Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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; Smith, 2000Smith, A. (2000). 1960 - um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Deve-se destacar que a presente pesquisa adota essa linha, sustentando-se por meio de um conjunto de pesquisadores que também desenvolve argumentos complementares (como Campos, 2018aLuca, T. R. (2006). Fontes impressas: história nos, dos e por meio dos periódicos. In C. B. Pinsky(Org.), Fontes históricas. São Paulo, SP: Contexto., 2020Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-32. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2014.0133
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; Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora.; Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais do 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ., 2020Lemos, R. L. C. N. (2018). Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979). Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora.; M. A. C. Silva, 2018Silva, M. A. C.(2018). As práticas de normalização da violência operacionalizadas pela Volkswagen do Brasil na ditadura militar brasileira (1964-1985) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.; Smith, 2000; Taschner, 1992Taschner, G. (1992). Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) e busca enfatizar a atuação discursiva da imprensa brasileira na política brasileira.

Assim, o argumento principal deste artigo é que o movimento de deposição do presidente João Goulart - conduzido pelos militares em fins de março de 1964 - foi incentivado, corroborado e legitimado pela atuação da grande imprensa, tornando-se fundamental entender os aspectos ideológicos que interligam o discurso da imprensa e o contexto político em que esta se insere. É nesse contexto que este artigo tem como objetivo compreender o posicionamento ideológico e a atuação político-discursiva do jornal Folha de S. Paulo (FSP) no período inicial da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), com base na análise das estratégias discursivas utilizadas em seus editoriais antes, durante e depois do golpe de Estado de 1964.

EMPRESARIADO E DITADURA

A linha historiográfica Empresariado e Ditadura é uma das principais linhas argumentativas que buscam compreender o golpe militar de 1964 e toda a sua complexidade, por meio do agrupamento de uma série de acontecimentos relacionados com a atuação política e econômica de grandes grupos empresariais (M. A. C. Silva, 2018Silva, M. A. C.(2018). As práticas de normalização da violência operacionalizadas pela Volkswagen do Brasil na ditadura militar brasileira (1964-1985) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.). Essa linha, sustentada pelo aparato teórico-analítico do cientista político René Armand Dreifuss (1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.), destaca a aproximação empresarial-militar e o papel da articulação da direita civil calcada no empresariado brasileiro que envolveu militares, o capital multinacional e associado e o governo norte-americano, resultando na deposição do então presidente João Goulart (Napolitano, 2011Napolitano, M. (2011). O golpe de 1964 e o regime militar brasileiro - apontamentos para uma revisão historiográfica. Contemporanea - Historia y problemas del siglo XX, 2(2), 209-217.; M. A. C. Silva, 2018Lemos, R. L. C. N. (2018). Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979). Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora.). Baseado em Antonio Gramsci, Dreifuss (1981) apresenta o bloco de poder multinacional e associado como sendo composto não somente por acionistas influentes e diretores de empresas, mas também por seus executivos e sua rede tecnoburocrática de influência dentro dos aparelhos do Estado.

Dessarte, essa linha historiográfica compreende que o golpe de Estado que rompeu com o regime democrático no Brasil em 1964 contou com a participação de diferentes segmentos sociais além dos militares, sobretudo com a atuação de empresários (A. Barros & Taylor, 2020Barros, A., & Taylor, S. (2020). Think tanks, business and civil society: the ethics of promoting pro-corporate ideologies. Journal of Business Ethics, 162(3), 505-17. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s10551-018-4007-y
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; Campos, 2018aCampos, P. H. P. (2018a, abril). Empresariado e ditadura no Brasil: o estado atual da questão e o caso dos empreiteiros de obras públicas. Revista Transversos, 12, 335-358. Recuperado dehttps://doi.org/10.12957/transversos.2018.33710
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, 2020Campos, P. H. P. (2018b). Empreiteiros e imprensa: a atuação dos empresários da construção pesada junto aos veículos de comunicação antes e durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1988). Revista de História, 177, 1-22. Recuperado dehttps://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2018.128512
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). Em sua pesquisa, Dreifuss (1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) analisou a ação empresarial que precedeu ao golpe de 1964, investigando o papel desempenhado por esses agentes na desestabilização do governo de João Goulart. Com a análise dos documentos do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), esse autor aponta que mais do que apoio, o empresariado, em particular o associado ao capital estrangeiro, participou ativamente da conquista do Estado em 1964. Assim, o empresariado deu ao golpe um notório perfil de classe, “criando condições para a formação de uma ordem empresarial no Brasil pós-1964” (Campos et al., 2020Campos, P. H. P. (2018b). Empreiteiros e imprensa: a atuação dos empresários da construção pesada junto aos veículos de comunicação antes e durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1988). Revista de História, 177, 1-22. Recuperado dehttps://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2018.128512
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, p. 18).

Cabe destacar que o Ipes foi fundado em 1961 por grupos de empresários organizados em várias cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e que promoveu intensa campanha nos meios de comunicação contra o governo do presidente João Goulart. Foram publicados artigos em jornais, livros e folhetos, produzidos filmes e organizados cursos, seminários e conferências públicas (Bortone, 2014Bortone, E. A. (2014). O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) na construção da reforma do Estado autoritário (1964-1968). Revista Tempos Históricos, 18(1), 44-72. Recuperado dehttps://doi.org/10.36449/rth.v18i1.11097
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, 2018Bortone, E. A. (2018). O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e a ditadura empresarial-militar: os casos das empresas estatais federais e da indústria farmacêutica (1964-1967) (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.; Spohr, 2020Spohr, M. (2020). American way of business. Curitiba, PR: Editora Appris.). Na preparação e execução de um “esforço orquestrado” para a desestabilização do governo de Goulart, o Ipes incluía “custear uma campanha de propaganda anticomunista, bancar manifestações públicas antigovernistas e escorar, inclusive no âmbito financeiro, grupos e associações de oposição ou de extrema direita” (Schwarcz & Starling, 2015Schwarcz, L. M., & Starling, H. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo, SP: Companhia de Letras., p. 441). Para tanto, o Ipes contava com a arrecadação que ocorria pelos empresários e dirigentes de empresas multinacionais. Também contava com fontes financeiras provenientes do exterior (Bortone, 2018Bortone, E. A. (2014). O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) na construção da reforma do Estado autoritário (1964-1968). Revista Tempos Históricos, 18(1), 44-72. Recuperado dehttps://doi.org/10.36449/rth.v18i1.11097
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) como, por exemplo, uma significativa assistência de fundo americano para suas operações por meio da Embaixada dos Estados Unidos (Starling, 2019Starling, H. (2019). Verbete temático sobre o golpe militar de 1964. Recuperado de http://www.ufmg.br/brasildoc/temas/1-golpe-militar-de-1964/
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). A finalidade do Ipes era produzir um novo consenso na sociedade brasileira sobre a natureza e os objetivos da atividade econômica e da organização da sociedade (A. Barros & Taylor, 2020Barros, A., & Taylor, S. (2020). Think tanks, business and civil society: the ethics of promoting pro-corporate ideologies. Journal of Business Ethics, 162(3), 505-17. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s10551-018-4007-y
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).

Nessa conjuntura, o Ipes funcionou como um espaço fechado no qual empresários e outras elites sociais pró-capitalistas puderam construir um programa ideológico compartilhado sobre políticas econômicas. Assim, como instituição ideológica do golpe de 1964, o Ipes reuniu militares, empresários, jornalistas, intelectuais e publicitários, entre outros setores das classes dirigentes, que se esforçaram não apenas para estudar a realidade brasileira, mas, principalmente, para divulgá-la sem evidenciar seu nome, tendo a imprensa como seu braço mais eficaz. Isso porque o Ipes conseguiu propagar sua ideologia e formar a opinião pública por intermédio de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais brasileiros3 3 Dentre eles, a Folha de S. Paulo, do grupo de Octávio Frias de Oliveira (Dreifuss, 1981; Pereira, 2013). Octávio Frias de Oliveira, que oscilou sua vida profissional entre as atividades empresariais e a estabilidade do serviço público, adquiriu a Folha de S. Paulo, em 1962, com o empresário Carlos Caldeira Filho (Kushnir, 2022). No mapeamento de Dreifuss (1981) sobre as ligações econômicas de lideranças e associados proeminentes do Ipes, está Octávio Frias vinculado a esse instituto de São Paulo, no pré-1964, com a empresa Folha de S. Paulo. Frias mantinha relação direta com líderes ipesianos, entre eles: João Baptista Leopoldo Figueiredo (Dreifuss, 1981); Paulo Ayres Filho (Dreifuss, 1981; Moreira, 2019) e Golbery do Couto e Silva (Abreu & Lattman-Weltman, 2003; Dreifuss, 1981). Assim, entre as famílias ligadas ao Ipes-SP, cujos sobrenomes fazem parte de uma trajetória consistente na história do capitalismo brasileiro e que tiveram grande ascensão após o golpe de 1964, está a família Frias (Moreira, 2019). .

Desse modo, a natureza empresarial-militar dessa aliança golpista se explica por dois principais interesses: “preservar a ordem capitalista interna diante de supostas ameaças comunistas e ajustar o sistema estatal à dinâmica do capitalismo mundial” (Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais do 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ., p. 3). A conjuntura internacional em que a aliança empresarial-militar se desenvolveu foi demarcada pelo pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e pode ser identificada pelos traços do militarismo e do anticomunismo (Lemos, 2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos , R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .). Conforme Lemos (2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos , R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .), a intensificação da luta de classes entre 1962 e 1964, em um quadro de crise geral da sociedade brasileira, conduziu os setores empresariais que ainda defendiam algum tipo de nacionalismo reformista a uma aproximação com o campo político-militar que se opunha ao governo de Goulart. Essa aliança foi tão representativa que muitos intelectuais do bloco multinacional associado fizeram parte de órgãos políticos estabelecidos para promover “tanto os interesses modernizante-conservadores quanto a derrubada do governo nacional-reformista de João Goulart” (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes., p. 95).

Ao mesmo tempo, os oficiais militares partilhavam de princípios ideológicos comuns aos empresários, que eram convidados a ministrar conferências na Escola Superior de Guerra (ESG), impulsionando um sistema fechado de ideias em prol do desenvolvimento industrial capitalista (Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais do 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ.). Foi dentro desse espaço que a ameaça da subversão com perfil anticomunista foi propagada, ainda na década de 1950, como argumento para uma aproximação empresarial-militar (Lemos, 2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos , R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .). Nessa conjuntura, a intervenção militar foi descrita, conduzida e percebida como “uma ‘ação salvacionista’ legitimada pela doutrina de segurança nacional disseminada, em grande parte, pela ESG” (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes., p. 142).

Como mencionado anteriormente, alguns trabalhos já vêm sendo realizados nessa linha por historiadores, cientistas políticos e administradores nos últimos anos (Campos et al., 2020Campos, P. H. P. (2020). Empresariado e ditadura do Brasil: o caso das empreiteiras de obras públicas. In P. H. P.Campos, R. V. M. Brandão , & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora.). À guisa de exemplo, estão as pesquisas sobre as relações entre ditadura militar e empresários: da indústria farmacêutica (Bortone, 2014Bortone, E. A. (2014). O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) na construção da reforma do Estado autoritário (1964-1968). Revista Tempos Históricos, 18(1), 44-72. Recuperado dehttps://doi.org/10.36449/rth.v18i1.11097
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, 2018Bortone, E. A. (2018). O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e a ditadura empresarial-militar: os casos das empresas estatais federais e da indústria farmacêutica (1964-1967) (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.), das empreiteiras de obras públicas (Campos, 2020Campos, P. H. P. (2020). Empresariado e ditadura do Brasil: o caso das empreiteiras de obras públicas. In P. H. P.Campos, R. V. M. Brandão , & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora.), da Volkswagen do Brasil (M. A. C. Silva, 2018Silva, M. A. C.(2018). As práticas de normalização da violência operacionalizadas pela Volkswagen do Brasil na ditadura militar brasileira (1964-1985) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.; M. A. C. Silva et al., 2022Silva, M. A. C., Campos, P. H. P., & Costa, A. S. M. (2022). A Volkswagen e a ditadura: a colaboração da montadora alemã com a repressão aos trabalhadores durante o regime civil-militar brasileiro. Revista Brasileira de História, 42(89), 141-164. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1806-93472022v42n89-08
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) e da imprensa brasileira (C. L. Silva, 2005Silva, C. L. (2005). Imprensa e ditadura militar: padrões de qualidade e construção de memória. História & Luta de Classes, 1, 43-54.). Lemos (2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos , R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .) aborda ainda a convergência entre militares e empresários, destacando o papel desempenhado pela Escola Superior de Guerra (ESG) no pré-golpe. Spohr (2020Spohr, M. (2020). American way of business. Curitiba, PR: Editora Appris.), por sua vez, analisa a relação da Aliança para o Progresso com os empresários brasileiros na década de 1960, enquanto Wanderley e Bauer (2020Wanderley, S. & Bauer, A. (2020). Aliança para o progresso, geopolítica do conhecimento e o ensino de administração no Brasil: o caso Cepal. In P. H. P. Campos, R. V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos(Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .), com base na decolonialidade e na geopolítica do conhecimento, mostram o quanto a Aliança para o Progresso refletiu no ensino de administração no Brasil. Também com a instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou os crimes e as violações aos direitos humanos ocorridos no Brasil, com principal ênfase nos 21 anos de ditadura (1964 e 1985), e a publicação de seu relatório final, em 2014, uma série de debates que envolviam diferentes setores da sociedade impulsionaram novas pesquisas (Campos et al., 2020Campos, P. H. P. (2020). Empresariado e ditadura do Brasil: o caso das empreiteiras de obras públicas. In P. H. P.Campos, R. V. M. Brandão , & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora.; A. S. M. Costa & M. A. C. Silva, 2017Costa, A. S. M., & Silva, M. A. C. (2017). Novas fontes, novas versões: contribuições do acervo da Comissão Nacional da Verdade. Revista de Administração Contemporânea, 21(2), 163-183. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1982-7849rac2017150101
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, 2018Costa, A. S. M., & Silva, M. A. C.(2018). Empresas, violação dos direitos humanos e ditadura civil-militar brasileira: a perspectiva da Comissão Nacional da Verdade. Organizações & Sociedade, 25(84), 15-29. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1984-9240841
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). Por último, um importante trabalho que contempla, além do Brasil, a América Latina, é o livro editado e publicado em 2021Basualdo, V., Berghoff, H., & Bucheli, M. (2021). Big Business and dictatorships in Latin America: a transnational history of profits and repression. Berlin, Germany: Springer Nature.por Victoria Basualdo, Hartmut Berghoff e Marcelo Bucheli Big business and dictatorships in Latin America: a transnational history of profits and repression. Entretanto, como já foi dito anteriormente, um dos campos privilegiados pelos estudos se relaciona com o papel da imprensa, compreendida como um ator político-empresarial que se configura como uma fonte importante na construção de consensos (Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora.), como será discutido no próximo bloco.

HISTÓRIA E IMPRENSA: O GOLPE DE 1964 E A FOLHA DE S. PAULO

O contexto político, social e econômico do governo de João Goulart (1961-1964) era bastante peculiar e complexo. Goulart assumiu a Presidência da República em meio a um cenário de crise política após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, e seu mandato teve duas fases: uma parlamentar e outra presidencialista. Ao mesmo tempo, reforma agrária, reforma urbana, reforma bancária, reforma eleitoral, reforma universitária, alta inflação, salários desvalorizados e aumento do custo de vida também faziam parte desse cenário (Schwarcz & Starling, 2015Schwarcz, L. M., & Starling, H. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo, SP: Companhia de Letras.).

Principal herdeiro político de Getúlio Vargas e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sua atuação nesse período o marcou como um político de tendências ideológicas de esquerda, que propiciou greves e a participação de líderes comunistas nos sindicatos, sendo identificado por parte da elite política brasileira, de natureza conservadora ou de extrema direita, como um agitador sem capacidade para governar o país (Abreu, 2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom.; Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). O fato de João Goulart ter assumido a Presidência contrariou as expectativas dos empresários multinacionais e associados e dos militares de direita. Essa insatisfação pode ser explicada pelo fato de Goulart ir contra os privilégios do capital estrangeiro, se preocupar em melhorar as condições de vida das camadas populares e propor uma distribuição de renda por meio de aumentos salariais e da alocação de parte dos recursos públicos para a educação e para os serviços de assistência médica gratuitos (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.).

Esse quadro foi radicalizado mediante a eclosão de três sucessivos eventos: a Revolta dos Sargentos, em 12 de setembro de 1963, promovida por cabos, sargentos e suboficiais da Marinha e da Aeronáutica contra a inelegibilidade dos sargentos para os órgãos do Poder Legislativo; o Comício das Reformas ou Comício da Central, no dia 13 de março de 1964, promovido para reforçar a decisão do governo de implementar as reformas de base; e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, no dia 19 de março de 1964 (Ferreira & Gomes, 2014Ferreira, J., & Gomes, A. C.(2014). 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.). A sequência de greves, as fortes críticas à política econômica do governo juntamente com a mobilização dos grupos de direita permitiram a instalação de um clima de grande instabilidade política e econômica do país. Quando, por sua vez, Goulart decidiu promover comícios nas principais cidades para mobilizar a população a favor das reformas de base propostas, “a relação entre o comício e o comunismo foi estabelecida pelos jornais, pelos políticos, pela Igreja e pelos empresários [...] [e] intensificaram-se as notícias, as declarações de políticos, de personalidades públicas, de militares, sobre o tema da ‘comunização’ do país” (Abreu, 2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom., p. 18). Com esses acontecimentos relacionava-se a denúncia da “irresponsabilidade” de João Goulart. Conforme aponta Dreifuss (1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes., p. 141), “ele, o grande proprietário de terra e político formado dentro da tradição populista, foi condenado pela burguesia como traidor de sua classe”. Desse modo, o bloco de poder multinacional associado passou a envolver a opinião pública em uma campanha contra “o caos e estagnação, corrupção e subversão” (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes., p. 143).

Depois do golpe de 1964, a ditadura civil-militar brasileira caminhou em paralelo com o processo de modernização da grande imprensa no país, no qual o governo militar assumiu um papel de importante aliado, tanto como financiador de linhas de crédito quanto como na forma de principal anunciante nos jornais (Abreu, 2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom.; Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda” (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.). Mas não era uma relação de mão única, pelo contrário, “a ideia de uma modernização da imprensa era de extrema importância enquanto estratégia político-ideológica dos militares para garantir uma conjuntura de segurança nacional” (Dias, 2012Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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, p. 45). Conforme aponta o autor, a imprensa atuava com forte empenho na propagação dos preceitos considerados nacionais e democráticos, pelo estabelecimento da ordem e da legalidade, tendo sido peça-chave no combate ao dito comunismo, uma das principais justificativas para a intervenção militar naquele momento.

Em um primeiro momento, “os proprietários e os jornalistas defenderam os preceitos formais do regime democrático, deram espaço para os discursos favoráveis à preservação do regime, e os próprios jornais formularam argumentos em favor da obediência à Constituição” (Abreu, 2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom., p. 13). Entretanto, conforme se intensificaram a mobilização ideológica e a situação econômica do país, esse quadro inicial foi alterado. Ou seja, no momento em que o governo se aproximou dos grupos radicais de esquerda e foi perdendo o apoio dos grupos de centro, sobretudo quando a crise político-econômica se acentuou, os jornais foram modificando seu discurso, elaborando e acompanhando a direção dos grupos favoráveis à deposição de João Goulart (Abreu, 2005Abreu, A. A, & Lattman-Weltman, F. (2003). Octávio Frias Filho: entrevista a Alzira Alves de Abreu e Fernando Lattman-Weltman em 8 de dezembro de 1997. In A. A. Abreu, F. Lattman-Weltman, & D. Rocha(Eds.), Eles mudaram a imprensa: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Nessa conjuntura, por meio da intervenção militar, o bloco de poder multinacional associado elevou o nível e a qualidade da luta de classes, “impondo soluções à crise, controlando a sociedade política e produzindo um realinhamento nas relações de domínio através de uma forma de governo militar autoritária” (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes., p. 143).

No caso mais específico do jornal Folha de S. Paulo, este se insere exemplarmente na trajetória acima descrita. Fundada em 1920, a Folha passou por uma série de proprietários que deram diferentes orientações ao periódico, mas sempre com uma atuação político-discursiva relevante (Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora.). Em 1948, José Nabantino, proprietário que antecedeu o grupo Frias-Caldeira, definiu o jornal como “veículo empresarial voltado para a classe média” e lançou o Programa de Ação das Folhas, em que explicitava a intenção do jornal de separar radicalmente opinião de informação (Meneses, 2014Meneses, S. (2014). A operação midiográfica: da escritura do evento na cena pública à inscrição do acontecimento no tempo. A mídia, a memória e a história. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Org.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 238).

Em 1962, o jornal foi comprado por Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho que, ainda no governo de João Goulart, transformaram três edições diárias no principal jornal do grupo, o Folha de S. Paulo, que também se tornou um dos principais jornais da grande imprensa brasileira (Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora.; Dias, 2013Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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). Esse foi o início da formação de um grande complexo empresarial, tendo em vista que a lógica empresarial já era dominante, mas faltava a consolidação do empreendimento que seria realizada pelos novos proprietários (Taschner, 1992Taschner, G. (1992). Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Entretanto, a empresa buscou sua reestruturação financeiro-administrativa em um momento delicado da política nacional, que passava por um processo de transição e grande instabilidade. Conforme aponta Dias (2012Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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, p. 99) “sob um governo parlamentarista que minava seus poderes de fato e o impediam [João Goulart] de implantar as reformas previstas, instaurou-se certo clima de incerteza na nação que temia por suas propostas mais radicalizantes”. O autor refere-se ao momento de tensão que se ampliou em 1963, quando João Goulart, enfim, assumiu o regime Presidencialista, já sob forte pressão.

Os primeiros momentos de estabilização da empresa, sob essa nova direção, são lembrados como “muito mais econômicos do que políticos” (Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda” (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR., p. 58). Por outro lado, esse esforço “para ‘modernizar’ a empresa e para tornar mais leve a fisionomia do jornal, não levava, todavia, a apoiar o presidente João Goulart” (Mota & Capelato, 1981Mota, C. G., & Capelato, M. H. (1981). História da Folha de São Paulo: 1921-1981. São Paulo, SP: Impres., p. 189). Para Dias (2012Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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, p. 99) “as direitas conservadoras, o grande empresariado - grupo ao qual a Folha fazia parte e identificava-se - e a oposição viam aquele momento de tensão do governo de Jango como uma tentativa de aproximação do presidente dos preceitos radicais da esquerda comunista”. A Folha alinhava-se à grande parte do empresariado nacional, que enxergava o governo de João Goulart como de extrema esquerda e que caminhava para o comunismo. Para Capelato (2014Capelato, M. H. (2014). História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado, & M. M. Ferreira (Orgs.), História do tempo presente. Rio de Janeiro, RJ: FGV Editora., p. 310) “a FSP apoiou o golpe, comemorou a vitória, mas assumiu uma postura mais reservada em relação ao novo regime”. Nesse período, a Folha de S. Paulo conservou importantes vínculos com o novo governo instalado, uma vez que essa administração anunciava nela (Dias, 2012Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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).

De acordo com a historiografia, no momento do golpe, o otimismo da Folha de S. Paulo refletia a imagem de uma empresa que aparentemente não mais temia o futuro (Dias, 2013Dias, A. B. (2013). 64 - Brasil continua: história, memória e as impressões da Folha de S. Paulo sobre o golpe militar de 1964. Revista Brasileira de História da Mídia, 2(1), 49-59. Recuperado dehttps://doi.org/10.26664/issn.2238-5126.2120133844
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; Santos & A. S. M. Costa, 2019Santos, C. A. S., & Costa, A. S. M. (2019). Imprensa, discurso ideológico e golpe de estado: uma análise crítica do discurso. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(3), 371-93. Recuperado de https://doi.org/10.21529/RECADM.2019016
https://doi.org/10.21529/RECADM.2019016...
, 2021Santos, C. A. S., & Costa, A. S. M. (2021). A construção metafórica do golpe de 1964: uma análise discursiva dos editoriais do jornal Folha de São Paulo. Revista ADM. MADE, 25(1), 81-103.). Para os autores, era como se a radicalização, mediante a intervenção dos militares, estivesse a ponto de findar-se, como se o Brasil estivesse caminhando para a frente, rumo ao progresso, e a Folha, segura para apoiar a nação em seus novos caminhos. Pires (2008Pires, E. M. (2008). Imprensa, ditadura e democracia: a construção da autoimagem dos jornais do Grupo Folha (1978/2004) (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP., p. 122) corrobora dizendo que “de maneira ainda mais intensa que outros veículos de comunicação, a empresa colaborou com a instalação e manutenção da ditadura militar, assim como com os seus métodos repressivos”.

Dessa relação sucede o fato de que a Folha de S. Paulo alcançou lucros significativos com a grande expansão tecnológica da empresa, justamente no período caracterizado pelos anos de chumbo do regime. Na segunda metade da década de 1970, entretanto, a Folha buscou estabelecer mais notadamente seu projeto político-editorial. “Com suas dívidas sanadas e uma maior independência financeira, a empresa começa a praticar uma política de ‘avanços e recuos’, assumindo uma postura mais crítica e menos omissa em relação ao governo militar” (Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda” (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR., p. 59). Motta (2013Motta, R. P. S. (2013). A ditadura nas representações verbais e visuais da grande imprensa: 1964-1969. Topoi, 14(26), 62-85. Recuperado de https://doi.org/10.1590/2237-101X014026005
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, p. 69) afirma que o jornal “defendia a importância das eleições e da ‘liberdade’”. Por esse motivo, a Folha passou a ser compreendida como um jornal que “apoiou e precisou do regime militar para sua reestruturação e consolidação”, mas assumiu o papel “de resistência, uma espécie de ‘porta-voz’ das necessidades da sociedade civil no período de redemocratização” (Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda” (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR., p. 62).

Diante disso, compreendemos que a Folha de S. Paulo mudou de acordo com seus interesses, agindo estrategicamente no campo político e mercadológico. Assim, “oferecendo uma linha de produto (jornais) diversificada, o Grupo Folha consolidou seu império, tendo para qualquer tendência da política, ou do mercado, um produto pronto para ser ativado” (Sequeira, 2004Sequeira, C. M. (2004). A informação comprometida: o noticiário da Folha da Tarde durante a ditadura militar. In Anais do 4º Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, Porto Alegre, RS., p. 13). E foi exatamente isso que aconteceu: quando percebeu que as mudanças no campo político não tinham mais volta e todos os segmentos sociais queriam a volta da democracia, ela também assumiu esse discurso.

Além disso, a partir da década de 1980, emergiram os estudos que focam na relação entre linguagem e organização (Westwood & Linstead, 2001Westwood, R., & Linstead, S. (2001). Language/organization: introduction. InR. Westwood , & S. Linstead (Ed.), The language of organization (pp. 310-28). London, UK: Sage .). Esses pesquisadores deixaram de observar a linguagem como um simples mecanismo de comunicação e passaram a compreendê-la como portadora de significados e como um meio de representar as organizações (Chia & King, 2001Chia, R., & King, I. (2001). The language of organization theory. In R. Westwood, & S. Linstead(Eds.), The language of organization (pp. 1-19). London, UK: Sage.). Nesse sentido, o discurso produzido pelos jornais não somente reflete a construção social da realidade (Santos & A. S. M. Costa, 2019Santos, C. A. S., & Costa, A. S. M. (2019). Imprensa, discurso ideológico e golpe de estado: uma análise crítica do discurso. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(3), 371-93. Recuperado de https://doi.org/10.21529/RECADM.2019016
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, 2021Santos, C. A. S., & Costa, A. S. M. (2021). A construção metafórica do golpe de 1964: uma análise discursiva dos editoriais do jornal Folha de São Paulo. Revista ADM. MADE, 25(1), 81-103.), mas também interfere, de forma significativa, nela, o que evidencia a importância de entender as estratégias discursivas utilizadas pela Folha de S. Paulo para se posicionar ideologicamente, como será discutido no próximo bloco.

DISCURSO, IDEOLOGIA E PODER

Em se tratando de uma pesquisa que utiliza a Análise Crítica do Discurso (ACD) como teoria metodológica, é fundamental que se entenda como foram concebidos os conceitos de discurso, ideologia e poder que dão suporte à compreensão do fenômeno estudado. Nessa perspectiva, discurso é compreendido como um conjunto complexo de atos linguísticos inter-relacionados que se manifestam nos campos sociais de ação e por meio deles. Na ACD, Van Dijk (1997Van Dijk, T. A. (1997). The Study of Discourse. In T. A. Van Dijk (Ed.), Discourse as Structure and Process (pp. 1-34). London, UK: Sage .) defende que o discurso é o meio central pelo qual membros de uma organização criam uma realidade social capaz de moldar o senso de quem eles são, mas não apenas isso, se considerarmos que as organizações não estão isoladas da sociedade em que estão inseridas. Desse modo, as organizações podem ser compreendidas como um coletivo social de produção, reprodução e transformação, por meio de práticas de comunicação (Mumby & Clair, 1997Mumby, D. K., & Clair, R. P. (1997). Organizational discourse. In T. A. Van Dijk (Ed.), Discourse as social interaction (pp. 181-205). London, UK: Sage .).

Em sua proposta teórico-metodológica, Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.) considera o uso da linguagem como forma de prática social com base em duas vertentes concomitantes: os discursos são construídos com base em articulações, mas também são capazes de construir relações, identidades sociais e sistemas de conhecimento e crença. Essa relação dual nos endereça ao conceito de ideologia. Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília., p. 122) incorpora o conceito de J. B. Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) em sua teoria social do discurso e define ideologia como “significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais), que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação”. Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., p. 79) propõe conceitualizar ideologia “em termos das maneiras como o sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação: estabelecer, querendo significar que o sentido pode criar ativamente e instituir relações de dominação através de um contínuo processo de produção e recepção de formas simbólicas”. De acordo com o autor, a ideologia exige que investiguemos os contextos sociais dentro dos quais essas formas simbólicas são empregadas e articuladas para manter (ou não) as relações de poder sistematicamente assimétricas.

De acordo com Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.), são pelo menos cinco possibilidades de operação ideológica não exaustivas vinculadas a estratégias de construção simbólica e a como o sentido pode ser mobilizado na sociedade: 1) legitimação: relações de dominação que se sustentam como legítimas e justas e que ocorrem por meio da racionalização, universalização ou narrativização; 2) dissimulação: relações de dominação construídas com base em seu ocultamento e/ou negação e que ocorrem por meio de deslocamento, eufemização e figuras de linguagem; 3) unificação: relações de dominação em que se constrói uma identidade coletiva que vincula indivíduos, desconsiderando divisões que podem separá-los e que ocorrem por meio de padronização e simbolização; 4) fragmentação: relações de dominação nas quais se dividem grupos que poderiam ser uma ameaça para o grupo dominante e que ocorrem por meio de diferenciação e expurgo; e 5) reificação: relações de dominação em que uma situação transitória é retratada como permanente, natural e atemporal, reforçando relações de poder e de dominação isoladas de seu caráter social e histórico, e que ocorrem por meio de naturalização, eternalização e nominalização.

De modo a sintetizar essas possibilidades de operação ideológica, já incorporadas e utilizadas por Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.) em seu arcabouço teórico-metodológico, o Quadro 1, a seguir, apresenta as principais estratégias de construção simbólica.

Quadro 1
Modos gerais de operação da ideologia

É importante destacar que, para a análise crítica do discurso, a linguagem não é poderosa por si mesma, mas adquire relevância pelo uso que atores sociais fazem dela. É nesse sentido que Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília., p. 126) argumenta que as “práticas discursivas são investidas ideologicamente à medida que incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder”. Nessa mesma linha de raciocínio e assumindo que, como nos mostra Brandão (2004Brandão, H. H. N. (2004). Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp.), o discurso é uma das formas por meio das quais a materialidade ideológica se concretiza no mundo social, Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., p. 16) aponta que o seu estudo exige “[...] que investiguemos os contextos sociais dentro dos quais essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Ela exige que perguntemos se o sentido, construído e usado pelas formas simbólicas, serve ou não para manter relações de poder sistematicamente assimétricas”.

Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.) ressalta ainda que a concepção de discurso por ele adotada vincula-se ao conceito de hegemonia, peça central na análise que Antonio Gramsci faz do capitalismo ocidental. De acordo com Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília., p. 127), hegemonia é o “poder sobre a sociedade como um todo de uma das classes economicamente definidas como fundamentais, em aliança com outras forças sociais, mas nunca atingido senão parcial e temporariamente, como um ‘equilíbrio instável’”. Em outras palavras, o autor aponta que hegemonia é a construção de alianças para a dominação de classes subalternas, por meio de concessões ou meios ideológicos para ganhar consentimento.

Nessa conjuntura, a hegemonia é um foco de constante luta para construir, manter ou romper alianças e relações de dominação ou subordinação que se evidencia de formas econômicas, políticas e ideológicas (Fairclough, 2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.). Por esse motivo, o interesse da ACD está em analisar as relações de poder e controle que são manifestas na linguagem, como é o caso desta pesquisa, que se preocupa em avaliar que estratégias discursivas o jornal Folha de S. Paulo utilizou para se posicionar ideologicamente antes, durante e depois do golpe de Estado de 1964, entendendo a importância desse veículo na disseminação de ideias e crenças, a fim de manter a hegemonia.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa se insere na área de estudos organizacionais históricos e apropria-se da abordagem da análise crítica do discurso ao buscar explorar a relação entre os discursos e as mudanças sociopolíticas, fornecendo aos pesquisadores uma abordagem para analisar, mais profundamente, texto e contexto. Nessa abordagem, o contexto é entendido como parte integrante da teoria e da análise. Assim, epistemologicamente interpretativa e crítica, essa pesquisa admite que os fenômenos são construídos social e discursivamente segundo interações históricas entre os diferentes agentes sociais que nele estão inseridos (Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Do que trata a ACD - um resumo de sua história, conceitos importantes e seus desenvolvimentos. Linguagem em (Dis)curso, 4(especial), 223-243.).

Além disso, cabe destacar que, em consonância com Ybema (2014Ybema, S. (2014). The invention of transitions: history as a symbolic site for discursive struggles over organizational change. Organization, 21(4), 495-513. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1350508414527255
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), compreendemos a história como um lugar simbólico de lutas discursivas, porque a maneira como os jornais decidem enunciar e registrar os eventos políticos e sociais evidenciam as escolhas que fizeram ao selecionar o que ressaltar e o que apagar em seus discursos já na época. Desse modo, analisar o discurso da Folha de S. Paulo nos permite compreender como ela concebia o golpe de 1964 e como se posicionava politicamente em relação a ele no período estudado.

No que diz respeito aos estudos organizacionais históricos, vários são os possíveis enquadramentos de pesquisas que buscam conciliar história e o uso de seus métodos, fontes e linhas historiográficas e estudos organizacionais e de gestão (Coraiola, A. Barros, Maclean, & Foster, 2021Coraiola, D. M., Barros, A., Maclean, M., & Foster, W. M. (2021). História, memória e passado em estudos organizacionais e de gestão. Revista de Administração de Empresas, 61(1), e00000002. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0034-759020210102
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). Apenas como exemplo, podemos citar os trabalhos de Usdiken e Kieser (2004Usdiken, B., & Kieser, A. (2004). Introduction: history in organisation studies. Business History, 46(3), 321-30. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/0007679042000219166
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) e suas três perspectivas - suplementarista, integracionista e reorientacionista - acerca de como a área de gestão incorpora a história em suas pesquisas; de Rowlinson, Hassard, e Decker (2014Rowlinson, M., Hassard, J., & Decker, S. (2014). Research strategies for organizational history: a dialogue between historical theory and organization theory. Academy of Management Review, 39(3), 250-74. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2012.0203
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), com seus três dualismos e quatro estratégias de pesquisa para a área de história organizacional, a saber história corporativa, história analiticamente estruturada, história serial e história etnográfica; e de Maclean et al. (2016), com suas quatro concepções de história em estudos organizacionais: história como avaliação, história como explicação, história como conceitualização e história como narrativa.

Entretanto, a presente pesquisa possui mais aderência à categoria de estudos organizacionais históricos proposta por Decker et al. (2021Decker, S., Hassard, J., & Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: the case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74(8), 1123-55. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0018726720927443
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). A convergência em direção a essa proposta fundamenta-se em três pontos. Primeiro, em função do conceito de reflexividade historiográfica (historiographical reflexivity), criado e definido pelos autores “como um engajamento com a história como fonte de teorização, bem como um repertório de métodos para pesquisar o passado” (Decker et al., 2021Decker, S. (2016). Paradigms lost: integrating history and organization studies. Management & Organizational History, 11(4), 364-79. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/17449359.2016.1263214
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, p. 124), ou seja, concordamos que a historiografia pode prover aos pesquisadores significativas contribuições tanto empíricas quanto teóricas. Segundo, compartilhamos a importância atribuída pelos autores às diferenças entre memória e história. Apesar das duas serem complementares, e uma se nutrir da outra, são diferentes formas de representação do passado e precisam ser consideradas levando em conta suas especificidades (A. S. M. Costa & Saraiva, 2011Costa, A. S. M., & Saraiva, L. A. S. (2011). Memória e formalização social do passado nas organizações. Revista de Administração Pública, 45(6), 1761-80. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0034-76122011000600007
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; Hodge & A. S. M. Costa, 2021Hodge, P. A., & Costa, A. S. M. (2021). História oral e pesquisa organizacional: desafios da construção de conhecimento sobre o passado. Organizações & Sociedade, 28(99), 722-756. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1984-92302021v28n9901PT
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).

Por último, consideramos bastante pertinente o quadro analítico com quatro modos de investigação, propostos por Decker et al. (2021Decker, S., Hassard, J., & Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: the case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74(8), 1123-55. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0018726720927443
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), apoiados nas respostas às perguntas “Como conceitualizar o passado?” e “Como pesquisar o passado?”, quais sejam: 1) Estudos Organizacionais Históricos; 2) História Organizacional Retrospectiva; 3) Memória Organizacional Retrospectiva; e 4) Memória Organizacional Histórica. Dessa forma, respondendo às duas perguntas e buscando um enquadramento no esquema analítico proposto, os estudos organizacionais históricos reconstroem o passado por meio de relatos históricos provenientes a) de fontes documentais de arquivos, preferencialmente de documentos sociais e/ou fontes documentais públicas e b) de linhas historiográficas já amadurecidas, ou seja, no caso desta pesquisa, conceitualizamos o passado como história e pesquisamos o passado por meio de duas linhas historiográficas já bastante consolidadas na área de história e de fontes do arquivo do jornal Folha de S. Paulo.

Para seleção e coleta das fontes, foi utilizada a pesquisa histórica documental, que pressupõe uma constante preocupação com os procedimentos da operação histórica e com o contexto histórico de produção do documento, ou seja, com as especificidades da análise empreendida pelo pesquisador ao se deparar com uma fonte: a crítica interna e externa dos documentos. Isso inclui verificar a autenticidade do documento e a contextualização da fonte, investigar a validade e credibilidade sempre indagando as condições de criação e o objetivo de tal documento, “ciente da impossibilidade de neutralidade dos documentos” (A. S. M. Costa & M. A. C. Silva, 2019Costa, A. S. M., & Silva, M. A. C. (2019). A pesquisa histórica em administração: uma proposta para práticas de pesquisa. RAEP. Administração: Ensino e Pesquisa, 20(1), 90-121. Recuperado dehttps://doi.org/10.13058/raep.2019.v20n1.1104
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, p. 13). Assim, com o objetivo de compreender o posicionamento ideológico e a atuação político-discursiva do jornal Folha de S. Paulo no período inicial da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), foram coletados, no acervo digital da empresa FSP4 4 O acervo do jornal Folha de S. Paulo está disponível no endereço https://acervo.folha.com.br/index.do e permite o acesso à versão digital de todas as páginas do jornal desde 1921. Os editoriais podem ser localizados por data, palavras-chaves e, ainda, por conteúdo, sendo possível aos seus assinantes acessar e baixar as páginas no formato PDF. , os editoriais diários do jornal de janeiro a junho de 1964. Os editoriais têm sido uma importante fonte de dados em pesquisas históricas organizacionais (Tumbe, 2019Tumbe, C. (2019). Corpus linguistics, newspaper archives and historical research methods. Journal of Management History, 25(4), 533-549. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0009
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), tendo em vista que expressam o alinhamento político e ideológico dos periódicos, possibilitando maior compreensão de fenômenos sociais específicos (Bowie, 2019Bowie, D. (2019). Contextual analysis and newspaper archives in management history research. Journal of Management History, 25(4), 516-532. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0007
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; Mello, 2020Mello, P. C. (2020). A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. São Paulo, SP: Companhia das Letras.).

Em seguida, foi realizada uma leitura prévia dos editoriais selecionados que abordavam temas ligados ao campo mais macrossocial do contexto político do país no período. Nesse processo de coleta e seleção, muitos termos foram se repetindo, como Governo Federal; Goulart; comunismo; crise; desordem; reforma; presidente; democracia; povo; legalidade; Forças Armadas; empresas; revolução e ordem, entre outros. Do período de 1º de janeiro a 30 de junho de 1964, foram selecionados 112 editoriais para análise, conforme o Quadro 2, a seguir. Apesar de haver 182 dias no total, três dias o jornal não publicou editorial, dez editoriais estavam ilegíveis no acervo e 57 deles não se referiam ao contexto político do país.

Quadro 2
Fontes pesquisadas - editoriais Folha de S. Paulo

Para a análise das fontes, foi utilizada a Análise Crítica do Discurso (ACD), considerada uma fonte robusta para respaldar análises qualitativas que buscam evidenciar processos de construção de sentido em contextos sociais e organizacionais específicos. Além disso, “a ACD volta-se não só para a noção das lutas pelo poder e pelo controle, mas também para a intertextualidade e a recontextualização de discursos que competem entre si” (Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Do que trata a ACD - um resumo de sua história, conceitos importantes e seus desenvolvimentos. Linguagem em (Dis)curso, 4(especial), 223-243., p. 236). Isso ocorre porque a linguagem se mostra como um recurso capaz de ser utilizado tanto para estabelecer e sustentar relações de dominação como para contestar e superar tais questões (Ramalho & Resende, 2011Ramalho, V., & Resende, V. M. (2011). Análise do discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. Campinas, SP: Editora Pontes.).

O esquema analítico utilizado da ACD foi o modelo tridimensional de Norman Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.), que compreende o discurso não apenas como texto, mas também como prática discursiva e prática social. Essa escolha justifica-se por três motivos: o modelo apresenta um quadro analítico capaz de mapear os vínculos entre as relações de poder e os recursos linguísticos selecionados, no caso desta pesquisa, pelo jornal (Resende & Ramalho, 2004Resende, V., & Ramalho, V. (2004). Análise de discurso crítica, do modelo tridimensional à articulação entre práticas: implicações teórico-metodológicas. Linguagem em (Dis)curso - LemD, 5(1), 185-207.); o modelo permite o preenchimento de lacunas na análise de temas multidisciplinares, a fim de contribuir para o desenvolvimento de paradigmas críticos em relação ao estudo das organizações (Chouliaraki & Fairclough, 2010Chouliaraki, L., & Fairclough, N. (2010, setembro). Critical discourse analysis in organizational studies: towards an integrationist methodology. Journal of Management Studies, 47(6), 1213-1218. Recuperado de https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2009.00883.x
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) de forma estruturada, por meio de categorias; e o modelo busca identificar as práticas sociais por trás das formações discursivas.

No que se refere à primeira dimensão - textual -, Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.) afirma que os textos são, geralmente, ambivalentes e abertos a diferentes interpretações. No entanto, existem quatro conjuntos de relações em torno das quais a análise textual pode ser organizada: vocabulário, que trata das palavras individuais (neologismos, lexicalização, superexpressão, relações entre palavras e sentidos etc.); gramática, que se referente às palavras combinadas em orações; coesão, que diz respeito à ligação entre orações, por meio de mecanismos de referência, palavras do mesmo campo semântico, sinônimos próximos e conjunções; e estrutura textual, que trata da organização dos textos (ordem em que elementos são combinados).

A segunda dimensão do modelo - a prática discursiva - é constitutiva tanto de forma convencional (que contribui para reproduzir a sociedade) quanto de forma criativa (que colabora para transformar a sociedade). Essa dimensão envolve processos de produção, distribuição e consumo textual, que variam entre diferentes tipos de discurso de acordo com fatores sociais, uma vez que os textos são produzidos, distribuídos e consumidos por diferentes contextos sociais.

Por sua vez, no que diz respeito à terceira dimensão - prática social -, esta tem vertentes econômicas, políticas, ideológicas e culturais. Mais especificamente em relação ao discurso como prática ideológica, este “constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder” (Fairclough, 2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília., p. 98). Ainda nesta dimensão foram utilizadas as estratégias explicativas do arcabouço teórico de Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.), já adotadas por Farclough (2016), para a análise das construções simbólicas de operação da ideologia.

ANÁLISE DAS FONTES

Por meio da análise realizada nas fontes documentais, foi possível identificar três momentos na trajetória discursiva do posicionamento do jornal Folha de S. Paulo em relação ao golpe militar de 1964 no Brasil. Um primeiro momento de significativa contribuição do jornal para a desestabilização do governo do presidente João Goulart, marcado pelos editoriais de janeiro, fevereiro e março. Um segundo momento, de alinhamento do jornal com o golpe militar, marcado pelos editoriais do mês de abril. E um terceiro momento, de apoio do jornal ao posterior governo de Castelo Branco, mas com ressalvas, marcado pelos editoriais de maio e junho. Cabe destacar que, em virtude da limitação de espaço deste texto, será apresentada apenas uma parte do material analisado.

Janeiro, fevereiro e março: “repulsa à subversão” e “o perigo comunista”

Nos editoriais dos meses de janeiro, fevereiro e março de 1964, foi possível observar um primeiro momento de significativa contribuição do jornal para a desestabilização do governo democrático de Goulart. Tendo em vista a dimensão texto, os editoriais desses três primeiros meses utilizaram-se das categorias: a) transitividade, ao se afirmar e se negar como parte da sociedade, em diferentes momentos, em que é possível observar a utilização da expressão “nossa pátria” quando se refere ao papel das Forças Armadas; b) avaliação, ao apontar os efeitos negativos das ações de Goulart, sempre o relacionando com tendências comunistas; e c) ethos, ao construir as Forças Armadas como “núcleos de disciplina”, como podem ser observados nos excertos abaixo:

Certo éque as Forças Armadas não se prestarão ao papel de demolidoras da democracia, elas que têm sido o baluarte desse regime em nossa pátria. E mais certo ainda é que essas Forças, necessárias para manter a integridade do país e assegurar o respeito àConstituição, não se voltarão contra o povo, cujas tendências e cuja filosofia política são bem conhecidas e profundamente anticomunistas (Folha de S. Paulo, 17/01/1964, grifo nosso).

A esperança está nos núcleos de disciplina que dificilmente permitirão que se lance na confusão o país já infelicitado por tantas crises. E esses núcleos encontram-se, é óbvio, nas Forças Armadas [...] (Folha de S. Paulo, 14/02/1964, grifo nosso).

Com relação à segunda dimensão, prática discursiva, foi possível identificar nos editoriais alguns elementos como o uso constante de interdiscursividade, que afirma e legitima o próprio discurso. Para o jornal, por exemplo, dois problemas fundamentais do governo de Goulart eram sua ineficiência administrativa e a presença comunista. Para construir discursiva e ideologicamente essas duas questões, o jornal utiliza os termos “subversão”, “desordem”, “radicalizações” e “agitação” sempre relacionados com o perigo e as “atividades comunistas” atribuídas ao governo Goulart, como nos trechos abaixo:

O Estado tem sido tantas vezes posto a serviço de interesse dos outros, que ninguém mais acredita em sua recuperação. [...] A luta política fica assim bem caracterizada, onde não se devia cogitar a política partidária, mas o atendimento dos interesses do trabalhador. [...] O governo que aí se acha instalado no poder, fazendo por vezes, mediante alguns de seus porta-vozes, propaganda nitidamente subversiva, é um governo eminentemente trabalhista (Folha de S. Paulo, 01/03/1964, grifo nosso).

As radicalizações das posições políticas no Brasil estão-se aproximando dos limites sumamente perigosos. [...] Não se podem alimentar ilusões sobre a nociva atividade do comunismo neste país, ou daqueles setores que, a ele aliados, lhe servem aos desígnios [...] Aí está a luta pelas chamadas reformas de base totalmente descaracterizada e transformada em pretexto para agitação e subversão da ordem (Folha de S. Paulo, 06/03/1964, grifo nosso).

Por sua vez, na dimensão prática social, foram identificadas, nos termos de Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.), as seguintes estratégias de construção simbólica e ideológica: a) unificação/simbolização da unidade, em que, depois de todas as críticas elencadas, como pode ser observado nos trechos acima, o jornal constrói uma noção de identidade coletiva em “as forças democráticas da nação” e “ninguém mais acredita em sua recuperação” ao se referir ao Estado; b) legitimação/universalização, ao abordar a chamada Marcha da Família com Deus pela Liberdade não como prática social de interesses específicos daqueles que estavam na marcha, mas como de interesse geral, de toda a sociedade, como indicam as expressões “as tradições cívicas do povo brasileiro [de que o paulista é só uma amostra]” e “povo, apenas povo”; c) reificação/naturalização, em que o jornal apresenta uma construção social como um acontecimento natural ao, além de nomear as pessoas presentes nessa marcha como “aquele mar humano”, destaca que esse evento haveria ocorrido “espontaneamente”:

Mais vezes merecem críticas os radicalismos de esquerda que os de direita. É que eles são mais agressivos, mais provocadores, mais danosos ao país. [...]A cada dia se tornam mais ousados nos ataques à iniciativa privada, por exemplo, cuja destruição significaria também a ruína do governo democrático (Folha de S. Paulo, 06/03/1964, grifo nosso).

Poucas vezes ter-se-á visto no Brasil tão grande multidão na rua, para exprimir em ordem um ponto de vista comum, um sentimento que é de todos, como a que ontem encheu o centro da cidade de São Paulo, na “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”. [...] Ali estava o povo mesmo, o povo, povo, constituído pela reunião de todos os grupos que trabalham pela grandeza da pátria, cioso de suas tradições e de suas crenças e consciente de seus destinos democráticos. [...] Aquele mar humano formou-se espontaneamente, pelo natural desembocar de afluentes vários, surgidos dos bairros e do interior, nascidos nas mais diversas fontes (Folha de S. Paulo, 20/03/1964, grifo nosso).

A lição de tirar do acontecimento éuma só: continuam vivas as tradições cívicas do povo brasileiro, de que o paulista éuma amostra [...] Povo, apenas povo, dissemos num primeiro editorial sobre o assunto, compareceu às ruas para fazer a “Marcha da Família” (Folha de S. Paulo, 21/03/1964, grifo nosso).

Essa marcha foi realizada no dia 19 de março, organizada e liderada por grupos religiosos femininos, convocada para demonstrar a militância da oposição da classe média a Goulart (Ferreira & Gomes, 2014Ferreira, J., & Gomes, A. C.(2014). 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.). Havia um expressivo número de faixas com mensagens legalistas e anticomunistas, como lemas em defesa da Constituição. Como também pôde ser observado nos trechos acima, outras construções simbólicas utilizadas pelo jornal foram: d) fragmentação/expurgo do outro, em que os homens do governo são colocados na construção de um inimigo, como, por exemplo, ao afirmar que os radicalismos de esquerdas eram “mais danosos ao país”; e e) legitimação/racionalização, ao apresentar uma cadeia de raciocínio para justificar as relações entre as ações do governo de Goulart e o estado de crise do país.

Abril: “retroceder, não”

Nos editoriais do mês de abril, foi possível observar um segundo momento, agora de forte alinhamento do jornal Folha de S. Paulo com o golpe militar e os seus desdobramentos imediatos. Ainda, no dia em que ocorreu o golpe, o jornal reforça a polarização entre o leitor otimista versus o leitor pessimista e constrói uma dicotomia entre os que confiam no futuro da pátria e os que não reconhecem a capacidade do Brasil de se desenvolver.

Tendo em vista os aspectos da dimensão texto, foram identificados três elementos principais na construção discursiva em foco: a) ethos, uma vez que, ao analisar como um ator social está sendo elaborado, pode-se observar que o jornal constrói os militares como os homens de responsabilidade que “agiram prontamente” para salvar o país; b) avaliação, visto, que em diferentes momentos, o jornal utiliza termos como “felizmente” para mostrar sua forma de enxergar - sua opinião - o fato de o Brasil ter mudado de rumo com a intervenção política das Forças Armadas; e c) coesão textual, ao realizar uma construção discursiva na tentativa de convencer os leitores de que a deposição de Goulart era a única alternativa para livrar o país de uma ditadura comunista. Isso não acontece apenas no trecho abaixo, mas se repete ao longo dos editoriais.

Voltou a nação, felizmente, ao regime de plena legalidade que se achava praticamente suprimido nos últimos tempos do governo do ex-presidente João Goulart. E isto se fez, note-se, com o mínimo traumatismo, graças ao discernimento de nossas Forças Armadas, que agiram prontamente para conter os desmandos de um político [...] (Folha de S. Paulo, 03/04/1964, grifo nosso).

A construção discursiva “revolução” adotada pela Folha, além de ser uma prática textual em que o jornal busca dar um sentido positivo ao movimento de tomada de poder pelos militares, utilizando um termo que traz a ideia de uma transformação completa e para melhor, também pode ser compreendida como uma prática discursiva. Isso porque, além de o termo mostrar a forma como a Folha de S. Paulo encarou o novo regime, ele está atrelado a um interdiscurso propagado pelo Ipes para nomear esse momento de deposição do governo de João Goulart. O jornal utiliza ainda o termo “premonição” para referir-se ao conteúdo do caderno especial, publicado dia 31 de março de 1964, como pode ser observado nos excertos abaixo. Esse encarte de 44 páginas, denominado “64 - Brasil Continua”, foi publicado um dia antes do golpe e narra um período futuro de crescimento, progresso e desenvolvimento político e econômico5 5 A divisão analítica dos editoriais (e dos seus discursos) em três momentos distintos não deve ser compreendida como algo linear sem transbordamentos de um momento para o outro. O caderno especial “64 Brasil - Continua” é um bom exemplo de que continuidades perpassam essa divisão analítica. Como os anúncios publicados foram comercialmente organizados previamente e são diferentes dos anúncios rotineiramente disseminados pelos mesmos anunciantes na Folha de S. Paulo, o caderno já introduz, nos meses anteriores, o discurso de alinhamento com o subsequente governo civil-militar. .

O caderno apresenta um diagnóstico bastante positivo sobre o momento em que se encontrava o país, mesmo tendo passado os últimos meses apontando sua crise (Santos & A. S. M. Costa, 2019Santos, C. A. S., & Costa, A. S. M. (2019). Imprensa, discurso ideológico e golpe de estado: uma análise crítica do discurso. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(3), 371-93. Recuperado de https://doi.org/10.21529/RECADM.2019016
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). Como se observa no trecho abaixo, a Folha de S. Paulo faz uma recomendação aos leitores de que olhem para o futuro com “olhos otimistas”. Além disso, ao utilizar o termo “olhemos”, na primeira pessoa do plural, o jornal se insere no lugar de nação, passando a ideia de estar junto ao povo, por meio de suas escolhas verbais.

Dentro dos quadros da legalidade, confiantes no processo democrático, e esperançosos de que voltem ao bom caminho, os políticos eventualmente desviados das graves responsabilidades que têm perante o povo e a nação, olhemos o futuro com olhos otimistas e digamos com inteira convicção a frase que serviu de título ao suplemento que, quase se diria por uma espécie de premonição, publicamos juntamente com nossa edição do dia 31 do mês passado: O BRASIL CONTINUA (Folha de S. Paulo, 03/04/1964, grifo nosso).

Na terceira dimensão, prática social, foi possível identificar duas estratégias de construção simbólica ideológica: a) legitimização/universalização, ao falar em nome do povo ao dizer que “os sentimentos do povo brasileiro claramente repelem o comunismo” e b) unificação/simbolização da unidade, na qual o jornal utiliza os termos “convicção geral” e “que inspire confiança a todos”, construindo uma identificação coletiva.

A confiança popular em melhores dias para o país manifesta-se por diversas maneiras, [...]E com veemência já salientamos que a revolução não pode significar um retrocesso no terreno das conquistas sociais, e das medidas realmente democráticas e em favor do povo acaso já adotadas. É essa a expectativa geral. Não falta confiança. O desaponto seria irremediável se deixassem a perder perspectivas tão promissoras (Folha de S. Paulo, 08/04/1964, grifo nosso).

Ao falar sobre o marechal Castelo Branco, o jornal traz a afirmação de que “o povo” o acolheu e “ninguém” pode admitir o fracasso. Ou seja, era visto pelo jornal como “decepcionante e dificilmente justificável” se o então presidente não trouxesse melhorias na estrutura econômica, política e social do país, como observado no trecho acima.

Maio e junho: “dois meses: um balanço”

Nos meses de maio e junho de 1964, foi possível observar um terceiro momento discursivo de apoio do jornal ao posterior governo de Castelo Branco e de enunciação de alguns aspectos negativos, na forma de ressalvas, acerca do movimento. Particularmente, o mês de junho se inicia com a preocupação do jornal sobre o prazo do primeiro Ato Institucional (AI-1) e do seu artigo 10, que atribuía a Castelo Branco o poder de cassar mandatos e suspender direitos políticos.

É nesse contexto que, em relação à dimensão texto, foi possível identificar duas categorias: a) avaliação, ao apontar a necessidade de confiar nas Forças Armadas, fazendo uma avaliação positiva sobre aqueles que compreendem o motivo de ter ocorrido a “revolução”. Ainda, em “sereno trabalho” e “indiscutível autoridade”, o jornal avalia e reforça a legitimidade do novo presidente e de seu governo. Entretanto, sobre as cassações, o jornal deixa nítido seu posicionamento de que isso deveria acabar e; b) metáfora, ao apontar para o golpe de Estado como um “remédio heroico” que foi aplicado em um “doente que quase se poderia considerar já condenado”. Ambas as construções podem ser observadas nos excertos abaixo:

O governo no mal. Castelo Branco parte pois, praticamente do nada, e assim pode considerar-se positivo seu saldo. [...] O meio mais fácil de alcançar esse objetivo é prestigiar o presidente, apoiar-lhe o sereno trabalho e esperar que a sua indiscutível autoridade se imponha definitivamente [...] (Folha de S. Paulo, 27/05/1964, grifo nosso).

A intervenção das Forças Armadas, e das correntes civis que se lhe aliaram para depor a antiga situação, teve assim o caráter de um remédio heróico, aplicado em desespero de causa, num doente que quase se poderia considerar já condenado (Folha de S. Paulo, 28/05/1964, grifo nosso).

A Revolução acaba de completar dois meses e num balanço que se desse do que ocorreu nesse período haveria aspectos positivos e negativos a registrar. Entre os positivos, inegavelmente, a restauração do clima de respeitabilidade do governo, quase completamente malbaratado nos últimos meses da gestão anterior. [...] Infelizmente, há aspectos negativos na nova situação brasileira, que é impossível ocultar. [...] E se é possível afirmar que o combate à subversão se tem desenvolvido com rigor - por vezes exagerado - é certo também que a repressão aos corruptos não se fez na mesma escala e com a mesma rapidez (Folha de S. Paulo, 03/06/1964, grifo nosso).

No que tange à análise da dimensão prática discursiva, o jornal se utiliza da intertextualidade ao apresentar a fala de Castelo Branco que corrobora sua visão de que a “revolução ainda não terminou”, reforçando que o Brasil ainda não estava livre da ideologia comunista. Cabe destacar, entretanto, que a cassação de mandatos e a suspensão dos direitos políticos de parlamentares, intelectuais, diplomatas e membros das Forças Armadas, sem prévia autorização do Congresso, previstos no AI-1 (C. M. L. Costa, 2004Costa, C. M. L. (2004). O Brasil pós-golpe (Dossiê a trajetória política de João Goulart). Rio de Janeiro, RJ: FGV CPDOC.), eram uma preocupação para o jornal. Assim, ao apresentar seu receio quanto às cassações, o jornal traz, pela primeira vez, a afirmativa de que “quem não deve não teme”, sendo essa uma construção discursiva utilizada até os dias atuais por determinados grupos sociais para defender que somente sofreu na ditadura civil-militar quem “devia” algo. Ademais, o jornal permanece definindo a tomada de poder pelos militares, repetidamente, como “revolução” e utiliza termos como “paz” “ordem” e “esperança” ao falar sobre as ações do novo governo, como se observa nos trechos abaixo:

Disse o presidente que a Revolução ainda não terminou, pois ainda não foi extirpada a ideologia comunista. [...] Afastemos, porém, o pessimismo e [ilegível] para esperança nossa [...] menos pelas armas do que pelo trabalho decidido, dentro da paz e da ordem (Folha de S. Paulo, 10/05/1964, grifo nosso).

Gostaríamos de repetir que quem não deve não teme. Infelizmente, porém, algumas notórias injustiças das listas anteriores não permitem o grande número de pessoas esse consolo. Se por um lado há razões para confiar no critério do presidente Castelo Branco - a quem cabe a decisão final - por outro lado existem justificáveis motivos de reservas quanto aos critérios que vêm sendo usados pelos organismos encarregados de reunir dados para instruir aquela decisão. Com os inquéritos sumários que vêm sendo feitos, as investigações mais ou menos atropeladas, a recusa do direito de defesa aos acusados, ninguém pode sentir-se a salvo de uma injustiça. [...] É por essa razão que o país todo espera com ansiedade o próximo dia 14, quando cessará o poder excepcional de cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos, atribuído pelo Ato Institucional ao chefe da nação (Folha de S. Paulo, 12/06/1964, grifo nosso).

Por fim, em referência à análise da dimensão prática social, foi possível identificar quatro estratégias de operação ideológica de Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.). Dentre elas, se destacam a unificação/simbolização da unidade, em que o jornal volta a falar das reformas de base apontando que o governo está trabalhando para atender a “todos os brasileiros” como se o governo respondesse a todos de forma hegemônica, e não servisse apenas aos interesses de alguns indivíduos:

A últimareunião ministerial constituiu mais uma confirmação dos propósitos do atual governo de, atendendo ao que dele esperam todos os brasileiros, encaminhar decididamente as reformas de base requeridas pelo país. Freqüentemente se ouvem críticas quanto àmorosidade com que estaria atuando o atual governo nesse setor. Essas críticas, porém, quando não refletem os propósitos oposicionistas de certos grupos, resultam da ansiedade natural da opinião pública no sentido de medidas práticas de cunho nitidamente reformistas. [...] Épreciso, portanto, que se tenha bom senso suficiente para colocar o problema das reformas nos seus devidos termos, sem se deixar envolver pela intriga orquestrada pela oposição nem pela impaciência. [...] O governo procura, pois, dar resposta adequada, no âmbitoadministrativo, aos terríveis desafios que a situação atual lhe apresenta, fazendo jus ao crédito de confiança que lhe abriram os mais variados setores da opinião pública (Folha de S. Paulo, 08/06/1964, grifo nosso).

Além disso, é possível observar, nesse mesmo editorial, a estratégia de operação ideológica de reificação/naturalização, em que o jornal deslegitima as críticas ao novo governo ao apontá-las como um fator de “ansiedade natural da opinião pública”, transformando uma construção social como sendo natural. E a legitimação/universalização, ao apontar que “em última instância, a nação admitiria o protelamento absolutamente indispensável, e que não poderia ser superior a um ano” (Folha de S. Paulo, 21/06/1964), no que se refere à questão de uma possível prorrogação do governo de Castelo Branco no lugar de serem realizadas novas eleições. Assim, o jornal reforça que esse protelamento de um ano seria admitido apenas se:

O próprio Ato Institucional estabeleceu que os mandatos dos atuais presidente e vice-presidente da república terminarão em 31 de janeiro de 1966, o que significa que seus sucessores deverão ser eleitos alguns meses antes, na data anteriormente prevista. [...] Pode acontecer, entretanto, que o tempo se revele curto para a higienização do processo eleitoral brasileiro, de tal maneira que ele continue a apresentar as brechas por onde se insinuam perante o eleitorado os indignos e os corruptos - sempre com muitas possibilidades de se elegerem, mercê da própria indignidade e da própria corrupção. Nessas condições, e em última instância, a nação admitiria o protelamento absolutamente indispensável, e que não poderia ser superior a um ano (Folha de S. Paulo, 21/06/1964, grifo nosso).

Ninguém poderá, de boa-fé, acreditar que o governo do mal. Castelo Branco pretende utilizar os analfabetos como massa de manobra eleitoral, ou assentar neles intenções continuístas ou quaisquer outras, menos democráticas (Folha de S. Paulo, 24/06/1964, grifo nosso).

O jornal Folha de S. Paulo retoma, em seus editoriais, a temática das eleições e levanta a questão de uma possível prorrogação do governo de Castelo Branco. Desse modo, ele também utiliza a estratégia de operação ideológica dissimulação/tropo ao usar o termo “higienização do processo eleitoral” para ocultar as relações de dominação construídas por meio de figuras de linguagem. Ou seja, o jornal defende a necessidade de se tornar limpo e saudável o processo eleitoral para que não se tenham mais corruptos, reforçando a confiança do periódico ao governo de Castelo Branco. Ainda, reforça seu argumento ao legitimar, mais uma vez, que “ninguém pode acreditar em intenções continuístas ou quaisquer outras, menos democráticas” por parte de Castelo Branco.

DISCUSSÃO

Diante da análise realizada, três pontos principais podem ser destacados. O primeiro refere-se à construção discursiva de “comunismo” nos editoriais de janeiro a março de 1964, marcando o que identificamos como um momento de significativa contribuição do jornal para a desestabilização do governo de João Goulart. Essa construção discursiva foi relevante para os acontecimentos seguintes, tendo em vista que a aliança empresarial-militar que se desenvolveu no pré-golpe tinha por traço fundamental o anticomunismo (Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.; Lemos, 2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos , R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .). Em consonância com Abreu (2005Abreu, A. A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança, & S. V. Moreira(Org.), Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo, SP: Intercom.), por meio dessas fontes, foi observado que a imprensa atuou como um dos vetores da construção e reprodução do denominado “fantasma do comunismo”, que foi utilizado como uma das principais justificativas para a derrubada do governo democrático de Goulart, tendo sido uma das pautas fortemente trabalhadas pelo Ipes. Além disso, como num processo de convencimento do leitor, o jornal foi adotando padrões e repetições, como pode-se perceber nos usos dos termos “comunista”, “subversivo” e “ideológico”. Dessa maneira, é possível notar que o jornal Folha de S. Paulo, alinhado com o empresariado nacional, passou a envolver a opinião pública nos diferentes editoriais em campanha contra o comunismo e a subversão de valores.

O segundo ponto diz respeito às construções discursivas de crítica ao governo de Goulart em contraposição à exaltação das ações empreendidas pelos militares golpistas. Essas construções, publicadas pela Folha de S. Paulo em seus editoriais, marcam o que identificamos como um momento de forte alinhamento do jornal com o golpe militar. Como pôde ser notado no item anterior, termos como “subversão”, “desordem” e “agitação” foram atribuídos ao governo de Goulart em contraposição aos termos utilizados para descrever os militares golpistas, como “disciplina”, “confiança” e “respeito”. Além disso, é também construída a relativização da interrupção de um governo democrático por meio de um golpe de Estado, com base em um suposto potencial de crescimento do país justificado por outro modelo de desenvolvimento econômico (em detrimento do foco na superação das questões sociais), ou seja, a Folha de S. Paulo propaga a deposição de Goulart como a única alternativa que os “chefes militares vitoriosos” tiveram para “impedir que o Brasil marchasse para a comunização completa, a que o levava a passos largos o governo passado [de João Goulart]” (Folha de S. Paulo, 05/04/1964).

Como já destacava Dreifuss (1981Dreifuss, R. A. (1981). 1964: A conquista do estado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.), a intervenção militar foi descrita, conduzida e percebida como “uma ação salvadora” legitimada pela doutrina de segurança nacional, tendo sido disseminada e propagada não apenas pelas instituições militares, mas também pelos jornais da grande imprensa e, como analisado neste trabalho, pelos editoriais da Folha de S. Paulo. Essa atuação político-discursiva do jornal é explicada pelo fato de esse golpe de natureza empresarial-militar ter por principais interesses a preservação da ordem capitalista e do sistema estatal ajustado à dinâmica do capitalismo mundial (Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais do 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ.). Nesse sentido, seguindo o conceito de hegemonia elaborado por Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.), é possível argumentar que a Folha de S. Paulo como parte dessa aliança empresarial-militar atuou fortemente para manter relações de dominação mediante a publicação de editoriais para influenciar seus leitores. Essa discussão reforça o entendimento do discurso como prática social que, em conjunto com outras ações, como as empreendidas pelo Ipes na propagação dos valores sociais acima citados, por exemplo, é capaz de promover mudanças sociais.

Por fim, como o terceiro e último ponto deste bloco, destacamos que, nesse terceiro momento - que identificamos como de apoio da Folha de S. Paulo ao então presidente Castelo Branco, mas com ressalvas -, o jornal começa a enunciar alguns aspectos não tão positivos em relação ao governo recém-instaurado, sobretudo no que se refere aos desdobramentos futuros do primeiro Ato Institucional (AI-1), instituído em 9 de abril de 1964, e que teve forte impacto repressivo sobre diversos setores da sociedade ao determinar que os chefes das três Forças Armadas poderiam suspender os direitos políticos pelo prazo de dez anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais (Lemos, 2018Lemos, R. L. C. N. (2018). Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979). Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora.). Assim, ao longo dos editoriais, o jornal mostra sua preocupação com relação a se realizarem cassações de maneira arbitrária, transformando-se em pretexto para perseguições de interesses particulares. Todavia, apesar dessa preocupação, o jornal não deixa de demonstrar apoio e otimismo ao novo rumo da nação.

Perante o exposto, cabe mencionar, novamente, que, para a análise crítica do discurso, a linguagem não é poderosa em si mesma, mas adquire relevância pelo uso que atores sociais fazem dela (Fairclough, 2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.). Desse modo, tendo em vista que o jornal Folha de S. Paulo já era considerado um significativo representante da grande imprensa e um dos principais conglomerados de mídia no Brasil na época do golpe de 1964 em função do seu escopo de circulação, é possível inferir seu grau de influência na sociedade. E considerando que os editoriais expressam o alinhamento político e ideológico dos jornais (Bowie, 2019Bowie, D. (2019). Contextual analysis and newspaper archives in management history research. Journal of Management History, 25(4), 516-532. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0007
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; Mota & Capelato, 1981Mota, C. G., & Capelato, M. H. (1981). História da Folha de São Paulo: 1921-1981. São Paulo, SP: Impres.; Luca, 2006Luca, T. R. (2006). Fontes impressas: história nos, dos e por meio dos periódicos. In C. B. Pinsky(Org.), Fontes históricas. São Paulo, SP: Contexto.; Mello, 2020Mello, P. C. (2020). A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), por meio dessa análise, foi possível: a) compreender a trajetória do posicionamento ideológico da Folha de S. Paulo ao longo da primeira metade do ano de 1964 e b) identificar indícios de convergência com um modelo de desenvolvimento industrial capitalista defendido pelo bloco de poder multinacional e associado (Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais do 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em alinhamento com a proposta de Wanderley e A. Barros (2019Wanderley, S., & Barros, A. (2019). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: Towards a Latin American agenda. Management & Organizational History, 14(1), 79-97. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/17449359.2018.1431551
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), de decolonizar a agenda da virada histórica por meio de estudos organizacionais e de gestão mediante a análise das diferentes formas pelas quais as organizações têm tradicionalmente dado apoio aos regimes militares na América Latina, o objetivo da pesquisa foi compreender o posicionamento ideológico e a atuação político-discursiva do jornal Folha de S. Paulo no período inicial da ditadura militar brasileira (1964-1985). Como resultado, foi possível identificar três diferentes momentos na trajetória discursiva do posicionamento do jornal: 1) significativa contribuição para a desestabilização do governo democrático de João Goulart, marcada pelos editoriais de janeiro, fevereiro e março); 2) forte alinhamento com o golpe militar e seus desdobramentos imediatos, marcado pelos editoriais do mês de abril); 3) apoio ao posterior governo de Castelo Branco, mas já com a enunciação de algumas ressalvas, marcado pelos editoriais de maio e junho.

Essas etapas foram identificadas nos editoriais cotidianos mediante a análise das construções discursivas que perpassaram os meses anteriores e subsequentes ao golpe de 1964. Desde a identificação da predominância de termos como “incapacidade”, “infiltração comunista”, “subversão”, “desordem” e “falta de ordem”, que vincula o estado de crise do país com as ações reformistas do governo de João Goulart, até o uso de termos como “disciplina”, “confiança”, “respeito”, “ordem” e “revolução” para reforçar: a) as justificativas para a sua deposição; b) a designação dos militares como agentes responsáveis pela manutenção da democracia no Brasil; e c) a categorização de inimigos do novo governo todos aqueles que não conseguem enxergar o futuro como promissor.

Na maior parte das vezes, as organizações midiáticas pretendem ser neutras por fornecerem um espaço para o discurso público, mas, apesar dessa presunção, como qualquer outra organização, não são isentas de posicionamento político, e estes se manifestam de formas mais ou menos explícitas. A mídia constrói e legitima histórias. Para isso, se utiliza de uma série de estratégias projetadas para chamar a atenção dos leitores, produzindo e reproduzindo ideologias e crenças, o que a transforma em uma ferramenta poderosa de domínio que influencia o mundo em todas as suas dimensões. É possível afirmar, portanto, que o jornal Folha de S. Paulo atuou fortemente não somente como instrumento de informação, mas, principalmente, na produção e reprodução de construções discursivas específicas da política cotidiana.

Também em consonância com os estudos organizacionais históricos (Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., & Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: the case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74(8), 1123-55. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0018726720927443
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; Maclean et al., 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-32. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2014.0133
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) e buscando uma reorientação geográfica, mais ao sul global, no foco das pesquisas históricas em estudos organizacionais (A. S. M. Costa & Wanderley, 2021Costa, A. S. M., & Wanderley, S. E. P. V. (2021). Passado, presente e futuro de história (crítica) das organizações no Brasil. Revista de Administração de Empresas, 61(1), e2021-0103. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0034-759020210107
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; Wanderley & A. Barros, 2019Wanderley, S. & Bauer, A. (2020). Aliança para o progresso, geopolítica do conhecimento e o ensino de administração no Brasil: o caso Cepal. In P. H. P. Campos, R. V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos(Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Consequência Editora .), este trabalho reforça o potencial contributivo da história para os estudos organizacionais e de gestão. Isso porque tanto as duas historiografias discutidas quanto a análise discursiva dos editoriais nos fornecem subsídios empíricos e teóricos para maior compreensão desses eventos complexos, potencializando a pesquisa organizacional que está sendo realizada (Decker, 2016).

Os resultados encontrados visibilizam a importância das pesquisas históricas organizacionais sobre as relações políticas e socioeconômicas ao longo do tempo entre empresas, governo e sociedade e seus desdobramentos na atualidade, particularmente em uma perspectiva discursiva. Ao mesmo tempo, a utilização de jornais como fonte de pesquisa na área de estudos organizacionais e de gestão (Nicholson, 2013Nicholson, B. (2013). The digital turn: exploring the methodological possibilities of digital newspapers archives. Media History, 19(1), 59-73. Recuperado de https://doi.org/10.1080/13688804.2012.752963
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; Tumbe, 2019Tumbe, C. (2019). Corpus linguistics, newspaper archives and historical research methods. Journal of Management History, 25(4), 533-549. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0009
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) vem crescendo nos últimos anos. Porém, ainda são poucas as pesquisas que buscam compreender os arquivos e acervos dos jornais e seus discursos organizacionais como objeto de interesse (Bowie, 2019Bowie, D. (2019). Contextual analysis and newspaper archives in management history research. Journal of Management History, 25(4), 516-532. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0007
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). Como também argumentam Coraiola et al. (2021Coraiola, D. M., Barros, A., Maclean, M., & Foster, W. M. (2021). História, memória e passado em estudos organizacionais e de gestão. Revista de Administração de Empresas, 61(1), e00000002. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0034-759020210102
https://doi.org/10.1590/S0034-7590202101...
, p. 3), os arquivos históricos e os arquivos históricos de empresas são ainda pouco utilizados como opção de fonte de pesquisa empírica, e a maior parte das pesquisas na área “deixou de compreender totalmente o potencial da pesquisa arquivística e histórica”. Por esse motivo, o presente artigo também contribui para o avanço do conhecimento na área de estudos organizacionais históricos ao analisar a atuação discursiva de um jornal da grande imprensa nacional e seus desdobramentos no cenário político da sociedade brasileira.

Como uma limitação de recorte deste artigo, destacamos a opção por dar maior foco às categorias de operação ideológica de Thompson (2011Thompson, J. B. (2011). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (9a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) e um não aprofundamento, em toda a sua potencialidade, das outras duas dimensões (textual e discursiva) de Fairclough (2016Fairclough, N. (2016). Discurso e mudança social(2a ed.). Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.). Por fim, como sugestões para futuras pesquisas, considera-se importante a análise dos discursos de outros jornais da grande imprensa no mesmo período, com o objetivo de observar a aproximação e o afastamento destes com a posição do jornal Folha de S. Paulo.

A imprensa, durante o período da ditadura civil-militar brasileira, não atuou discursivamente de modo igual e/ou equivalente, vários foram os veículos de contestação ao regime. Comparar os resultados desta pesquisa com um jornal alternativo da época, por exemplo, pode ser um caminho relevante para se analisarem as diferenças e disputas na construção discursiva e, consequentemente, no posicionamento ideológico dos diferentes jornais. Por último, acredita-se que seja também interessante proceder à análise longitudinal dos editoriais da Folha de S. Paulo a fim de identificar as nuances de suas construções discursivas e do seu posicionamento ideológico diante de diferentes contextos políticos e sociais. Refletir sobre a atuação político- -discursiva das empresas jornalísticas ao longo do tempo nos permite problematizar o atual lugar de memória e de história atribuído aos meios de comunicação: lugar de construção social do que deve ser registrado, noticiado e transformado em fato memorável.

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  • 1
    Conforme Campos (2018b, p. 5), um “exemplo de ação empresarial que deu suporte a um veículo de imprensa, no caso, um grande grupo de comunicação, foi a relação das empresas de Assis Chateaubriand, os Diários Associados, com o grupo Light. Nos anos 1920, a companhia canadense aparentemente ajudou Chatô a comprar O Jornal, ponto de partida para criação do seu império da comunicação e que incluía ligações com políticos e empresários. [...] Isso coincide com outros relatos que apontam como interesses empresariais podiam condicionar ou determinar reportagens, notícias, editoriais ou toda a orientação de um jornal. Da outra parte, havia uma estratégia das empresas de usar a imprensa como meio para atingir determinadas finalidades”.
  • 2
    Como exemplo, pode-se destacar o caso do jornal Correio da Manhã, adquirido, em 1969, por Mauricio Alencar e Frederico Gomes da Silva, e que “após a aquisição pelos empreiteiros [...] passou a órgão de comunicação que mais se assemelhava a um canal oficial de divulgação do governo e dos interesses empresariais dos construtores de obras públicas” (Campos, 2018b, p. 17). Outro caso foi o do empresário da construção civil Henry Maksoud que, em 1974 “[...] ampliou seus horizontes de atividades ao comprar o grupo editorial Visão, responsável pela revista Visão, carro-chefe do grupo, além dos periódicos Dirigente Construtor, Dirigente Rural, Dirigente Industrial, Quem É Quem, Dirigente Municipal e Perfil, os dois últimos voltados para a administração pública” (Campos, 2018b, p. 7).
  • 3
    Dentre eles, a Folha de S. Paulo, do grupo de Octávio Frias de Oliveira (Dreifuss, 1981; Pereira, 2013Pereira, A. A. (2013). Esclarecer e doutrinar: o projeto ideológico do Ipês. Lumina, 7(2), 1-14. Recuperado de https://doi.org/10.34019/1981-4070.2013.v7.21077
    https://doi.org/10.34019/1981-4070.2013....
    ). Octávio Frias de Oliveira, que oscilou sua vida profissional entre as atividades empresariais e a estabilidade do serviço público, adquiriu a Folha de S. Paulo, em 1962, com o empresário Carlos Caldeira Filho (Kushnir, 2022Kushnir, B. (2022). Verbete biográfico sobre Octávio Frias de Oliveira. Rio de Janeiro, RJ: FGV CPDOC . Recuperado de https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/otavio-frias-de-oliveira
    https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionar...
    ). No mapeamento de Dreifuss (1981) sobre as ligações econômicas de lideranças e associados proeminentes do Ipes, está Octávio Frias vinculado a esse instituto de São Paulo, no pré-1964, com a empresa Folha de S. Paulo. Frias mantinha relação direta com líderes ipesianos, entre eles: João Baptista Leopoldo Figueiredo (Dreifuss, 1981); Paulo Ayres Filho (Dreifuss, 1981; Moreira, 2019Moreira, F. T. (2019). O partido do empresariado: O Ipes - SP, os empresários paulistas e a construção de consenso na década de 1960 (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.) e Golbery do Couto e Silva (Abreu & Lattman-Weltman, 2003; Dreifuss, 1981). Assim, entre as famílias ligadas ao Ipes-SP, cujos sobrenomes fazem parte de uma trajetória consistente na história do capitalismo brasileiro e que tiveram grande ascensão após o golpe de 1964, está a família Frias (Moreira, 2019).
  • 4
    O acervo do jornal Folha de S. Paulo está disponível no endereço https://acervo.folha.com.br/index.do e permite o acesso à versão digital de todas as páginas do jornal desde 1921. Os editoriais podem ser localizados por data, palavras-chaves e, ainda, por conteúdo, sendo possível aos seus assinantes acessar e baixar as páginas no formato PDF.
  • 5
    A divisão analítica dos editoriais (e dos seus discursos) em três momentos distintos não deve ser compreendida como algo linear sem transbordamentos de um momento para o outro. O caderno especial “64 Brasil - Continua” é um bom exemplo de que continuidades perpassam essa divisão analítica. Como os anúncios publicados foram comercialmente organizados previamente e são diferentes dos anúncios rotineiramente disseminados pelos mesmos anunciantes na Folha de S. Paulo, o caderno já introduz, nos meses anteriores, o discurso de alinhamento com o subsequente governo civil-militar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2021
  • Aceito
    17 Maio 2022
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