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Análise histórica das condições de subdesenvolvimento em gestão no Brasil: a influência do Banco Mundial para a consolidação do gerencialismo em projetos públicos no Terceiro Mundo1 1 Pesquisa originalmente concluída em 2019 a partir de uma tese de doutorado.

Resumo

Adotando como recorte temporal a década de 1990, este artigo aborda a influência das instituições multilaterais na realização de projetos de desenvolvimento no Brasil, a partir de uma revisão histórica da noção de Gestão do Desenvolvimento (Brinkerhoff & Coston, 1999; Thomas, 1996). Relatórios consolidados do período da Reforma Gerencial do Banco Mundial foram analisados para averiguar as sugestões normativas feitas pela agência multilateral para o sucesso dos empreendimentos e implementação de investimentos no país à época. O estudo se alinha aos Estudos Críticos de Desenvolvimento ao apresentar o desenvolvimento histórico da experiência gerencial no Brasil como reflexo do poder e influência do gerenciamento de projetos em países subdesenvolvidos. O referencial teórico adotado neste estudo foi a perspectiva crítica a partir da abordagem seminal de projetos de desenvolvimento interorganizacional em países do Terceiro Mundo de Ika e Hodgson (2014). Os resultados demonstram como as agências multilaterais têm atuado na América Latina a partir de uma perspectiva gerencialista. Esse novo entendimento foi desenvolvido a partir do levantamento dos fatores críticos do alinhamento entre a forma de gestão e os princípios da globalização para lançar luz sobre os interesses das ações diretivas dos organismos internacionais nos países em desenvolvimento. O artigo conclui com evidências da atuação do Banco Mundial em coesão com a área de gestão do desenvolvimento com dependência do modelo ocidental para estruturação do aparato de gestão.

Palavras-chave:
Estudos críticos de desenvolvimento; Gestão do desenvolvimento; Gerenciamento de projetos de desenvolvimento

Abstract

By adopting the 1990s as a timeframe, this article addresses the influence of multilateral institutions in carrying out development projects in Brazil, based on a historical review of the notion of Development Management (Brinkerhoff & Coston, 1999; Thomas, 1996). Consolidated reports from the World Bank Management Reform period were analyzed to investigate the normative suggestions made by the multilateral agency for the success of the ventures and implementation of investment in the country at the time. The study aligns with Critical Development Studies by presenting the historical development of the management experience in Brazil as a reflection of the power and influence of project management in developing countries. The theoretical framework adopted in this study was the critical perspective from the seminal approach of inter-organizational development projects in this countries by Ika and Hodgson (2014). The results demonstrate how multilateral agencies have operated in Latin America from a managerialist perspective. This novel understanding was developed by surveying the critical factors of the alignment between the management and the principles of globalization to shed light on the interests of the directive actions of international bodies in developing countries. The article concludes with evidence of the World Bank’s performance in cohesion with the development management area and dependence on the Western model for structuring the management apparatus.

Keywords:
Critical development studies; Development management; Development project management

Resumen

Adoptando como marco temporal la década de 1990, este artículo aborda la influencia de las instituciones multilaterales en la realización de proyectos de desarrollo en Brasil, a partir de una revisión histórica de la noción de gestión del desarrollo (Brinkerhoff & Coston, 1999; Thomas, 1996). Se analizaron informes consolidados del período de la Reforma Gerencial del Banco Mundial para investigar las sugerencias normativas realizadas por el organismo multilateral para el éxito de los emprendimientos e implementación de inversiones en el país en la época. El estudio se alinea con los estudios críticos del desarrollo al presentar el desarrollo histórico de la experiencia de gestión en Brasil como un reflejo del poder y la influencia de la gestión de proyectos en los países subdesarrollados. El marco teórico adoptado en este estudio fue la perspectiva crítica desde el enfoque seminal de proyectos de desarrollo interorganizacional en países del tercer mundo de Ika y Hodgson (2014). Los resultados demuestran cómo las agencias multilaterales han operado en América Latina desde una perspectiva gerencialista. Esta nueva comprensión se desarrolló mediante el estudio de los factores críticos de la alineación entre la forma de gestión y los principios de la globalización para arrojar luz sobre los intereses de las acciones directivas de los organismos internacionales en los países en desarrollo. El artículo concluye con la evidencia de la actuación del Banco Mundial en cohesión con el área de gestión del desarrollo con la dependencia del modelo occidental para estructurar el aparato de gestión.

Palabras clave:
Estudios críticos del desarrollo; Gestión del desarrollo; Gestión de proyectos de desarrollo

INTRODUÇÃO

Criado após a Segunda Guerra Mundial, o Banco Mundial é considerado a principal instituição econômica e exerce enorme influência internacional. De fato, a pesquisa sobre a instituição tem mostrado sua atuação como financiadora da recuperação dos países emergentes e subdesenvolvidos, mas, sobretudo, como articuladora política dos processos que envolvem esse desenvolvimento (Ika, Diallo, & Thuillier, 2012Ika, L. A., Diallo, A., & Thuillier, D. (2012). Critical success factors for World Bank projects: an empirical investigation. International Journal of Project Management, 30(1), 105-116. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2011.03.005
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; Jones, 1992Jones, P. W. (1992). World Bank financing of education: lending, learning and development (2a ed.). London, UK: Routledge .). Devido à posição alcançada pelo banco, a instituição tornou-se uma das principais organizações multilaterais a contar com processos e práticas de gestão para executar a “gestão deliberada de intervenções de desenvolvimento” (Cooke, 2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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) em suas relações com países em outras regiões do globo.

O Banco Mundial foi historicamente considerado um dos principais apoiadores do desenvolvimento do país e participou ativamente de projetos em diversos setores da economia e da produção brasileira entre 1960 e 1980 sob a ótica dos estudos econômicos. No entanto, apesar do expressivo volume de empréstimos e da presença constante da instituição multilateral ao longo da história do país, existe uma forma de “meta-silence” (Cooke, 2015Cooke, B. (2015). Administração e gestão de desenvolvimento do Atlântico Norte no governo do Brasil: uma análise histórica do banco mundial. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais, 2(1), 81-102. Retrieved fromhttps://doi.org/10.21583/2447-4851.rbeo.2015.v2n1.40
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) associada aos estudos de gestão do desenvolvimento no Brasil e à atuação do Banco Mundial no país com base no referencial teórico do NADAM, ou seja, no aspecto genuinamente gerencialista. Um dos desafios de mapear historicamente essa perspectiva é a falta de dados consolidados sobre a experiência brasileira, especialmente na década de 1990, no auge das reformas gerencialistas do país e das mudanças nas políticas públicas administrativas.

Ao aplicar o recente ramo dos Estudos Organizacionais (EO) conhecido como Development Administration and Management (AGD) a contextos latino-americanos - ou seja, a construção teórica do North Atlantic Development Administration and Management (NADAM) - chegou-se a identificar o Banco Mundial como instituição simbólica de promoção de práticas de gestão e linguagens voltadas para o desenvolvimento (Cooke, 2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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). Além disso, ao permitir a adoção de países em desenvolvimento como unidades de análise (Ferguson, 1990Ferguson, J. (1990). The anti-politics machine: “development”, depoliticization, and bureaucratic power in Lesotho. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), a teoria NADAM tem auxiliado estudiosos a identificar o processo de desenvolvimento em cada nação por meio de ideias gerencialistas, além dos atores estrangeiros envolvidos no processo (Elias- Sarker, 2006). No caso do Brasil, a literatura aponta uma particularidade quanto à gestão do desenvolvimento, que se refere à sua história industrial e à evolução da administração pública desde a Proclamação da República no Brasil (Abrucio & Loureiro, 2018Abrucio, F. L., & Loureiro, M. R. (2018). Burocracia e ordem democrática: desafios contemporâneos e experiência brasileira. In R. Pires, G. Lotta, & V. E. Oliveira(Orgs.), Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas (pp. 23-58). Brasília, DF: Ipea: Enap.).

No entanto, muitas perspectivas de pesquisa são baseadas na análise da gestão do desenvolvimento, especificamente no âmbito gerencialista. Esses estudos enfatizam o aspecto econômico ao concluir que o Brasil tem se alinhado aos preceitos doutrinários da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) desde sua criação (Wanderley, 2015Wanderley, S. E. P. V. (2015). CEPAL: desenvolvimentismo ou uma outra americanização? A formação de profissionais pós-graduados na teoria e prática do desenvolvimento. In Anais do 39º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Belo Horizonte, MG.) ao estabelecer instituições nacionais dedicadas a investir no desenvolvimento do país, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (Cooke & Faria, 2013Cooke, B., & Faria, A. (2013). Editorial: Development, management and North Atlantic imperialism: for Eduardo Ibarra Colado. Cadernos EBAPE.BR, 11(2), 1-14. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/S1679-39512013000200001
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).

Fundamentação e contribuição teórica

Este artigo tem como objetivo compreender a influência do Banco Mundial como agência multilateral de desenvolvimento envolvida na reforma gerencialista no Brasil na década de 1990. Para tanto, adota uma perspectiva teórica fundamentada no conceito de Gestão do Desenvolvimento (Brinkerhoff & Coston, 1999Brinkerhoff, D., & Coston, J. (1999). International development management in a globalized world. Public Administration Review, 59(4), 346-361. Retrieved fromhttps://doi.org/10.2307/3110117
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; Thomas, 1996Thomas, A. (1996). What is development management? Journal of International Development, 8(1), 95-110. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1002/(SICI)1099-1328(199601)8:1<95::AID-JID348>3.0.CO;2-B
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) aplicado a um contexto terceiro-mundista, partindo do contexto crítico dos projetos de desenvolvimento organizacional apresentado seminalmente por Ika e Hodgson (2014Ika, L. A., & Hodgson, D. (2014). Learning from international development projects: blending critical project studies and critical development studies. International Journal of Project Management, 32(7), 1182-1196. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2014.01.004
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) por meio de experiências de projetos de desenvolvimento realizados no Brasil.

A partir da análise dos relatórios e com base em uma perspectiva metodológica documental, o convencimento do Banco Mundial pode ser complementar à análise da teoria da administração do desenvolvimento (AGD) (Cooke, 2003Cooke, B. (2003). A new continuity with colonial administration: participation in development management. Third World Quarterly, 24(1), 47-61. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/ 01436590 32000044342
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, 2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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). Com efeito, trata-se de uma abordagem interdisciplinar nos estudos organizacionais, de acordo com o “soft power” (Naylor, 2011Naylor, T. (2011). Deconstructing development: the use of power and pity in the international development discourse. International Studies Quarterly, 55(1), 177-197. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1111/j.1468-2478.2010.00640.x
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; Nye, 2004Nye, J. S. (2004). Soft power: the means to success in world politics. New York, NY: Public Affairs.) exercido por instituições de influência global em países do terceiro mundo, seja através dos discursos presentes nos relatórios, nos meios processuais de condução de projetos, e as recomendações sobre as necessidades e urgências para conduzir as políticas públicas no Brasil “para o progresso”. Além disso, documentos e relatórios que abrangem todos os anos do período analisado atestam não apenas a influência do Banco Mundial, mas seu papel como órgão articulador das decisões políticas e econômicas do país, exigindo, portanto, a análise crítica do desempenho do desenvolvimento.

A análise documental mostra que as ações do Banco Mundial são consistentes com a gestão do desenvolvimento, e também revelam o fortalecimento de um projeto de globalização baseado nos preceitos impostos pelo organismo multilateral. Diante da consolidação de diretrizes gerencialistas para o sucesso dos projetos selecionados e com base no posicionamento adotado pelo Banco Mundial, apresentamos e analisamos os principais padrões narrativos de personagens e histórias nos projetos realizados em países de primeiro mundo para propor o desenvolvimento de acordo à situação emergente (Ramos, Mota, & Corrêa, 2016Ramos, P., Mota, C., & Corrêa, L. (2016). Exploring the management style of Brazillian project managers. International Journal of Project Management, 34(6), 902-913. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2016.03.002
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).

Este artigo está organizado da seguinte forma: a primeira seção apresenta e delimita os aspectos que envolvem o método de pesquisa do ponto de vista epistemológico e prático e os critérios de seleção, codificação e análise de documentos sobre a atuação do Banco Mundial no contexto histórico. Em seguida, aborda-se a teoria da Gestão do Desenvolvimento sob a ótica crítica dos projetos de desenvolvimento organizacional, mostrando o referencial teórico aplicado à realidade da gestão pública relacionada a projetos estruturantes em países subdesenvolvidos. Por fim, a terceira seção é dedicada a explicar o papel do Banco Mundial em projetos de desenvolvimento organizacional nesses países, a relevância dessa agência multilateral para projetos de Reforma Gerencialista no Brasil na década de 1990 e as interpretações coletadas por meio de pesquisa documental.

REFERENCIAL TEÓRICO: A PERSPECTIVA CRÍTICO-EMPÍRICA DA GESTÃO EM PROJETOS ORGANIZACIONAIS

O conceito de gestão do desenvolvimento

Muitos termos são encontrados na literatura para descrever o conceito de gestão do desenvolvimento. Eles revelam e implicam teorias e práticas gerencialistas amplamente divergentes, típicas do Primeiro Mundo, que são aplicadas em países subdesenvolvidos e influenciam as estruturas e até mesmo a formação desses países. O gerencialismo é um processo “complexo, altamente desigual e contraditório” (Desai & Imrie, 2010Desai, V., & Imrie, R. (1998). The new managerialism in local governance: North-South dimensions. Third World Quarterly, 19(4), 635-650. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/01436599814172
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, p. 636) que tem impulsionado reformas públicas nas novas estruturas socioinstitucionais, econômicas e políticas vigentes desde o século passado. No entanto, este movimento gerencialista é um conceito que apenas recria e perpetua relações hierárquicas e co-estabelecidas entre atores do Norte e do Sul (Naylor, 2011Naylor, T. (2011). Deconstructing development: the use of power and pity in the international development discourse. International Studies Quarterly, 55(1), 177-197. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1111/j.1468-2478.2010.00640.x
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), apesar do fim do período colonial.

Para Cooke (2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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), esse conjunto de teorias já era tradicionalmente conhecido como Development Administration desde a década de 1970 com os primeiros trabalhos sobre o tema, até ficar conhecido como Development Management ou Development Administration and Management (AGD), a partir da incorporação de outros elementos no tema. Com efeito, o AGD é, antes de tudo, uma tentativa de compilar os principais estudos organizacionais que envolvem a relação entre países de primeiro e terceiro mundo, com viés crítico para a construção do terceiro mundo.

Dentre as diversas possibilidades, a Administração do Desenvolvimento pode ser definida como um campo da administração voltado para a análise da gestão das relações sociais de produção, distribuição e consumo na sociedade (E. L. Santos & Santana, 2010Santos, E. L., & Santana, W. P. (2010). Administração do desenvolvimento: contexto, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Administração Política, 3(2), 75-92. Retrieved fromhttps://periodicos.ufba.br/index.php/rebap/article/view/15541
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). Difere da área de EO por dois motivos: primeiro, porque seu objeto de estudo não são as organizações, mas a gestão; em segundo lugar, enquanto os Estudos Organizacionais se concentram na investigação de organizações modernas ou mesmo pós-modernas, a Gestão do Desenvolvimento prioriza o estudo de sociedades, países, regiões e organizações frequentemente encontradas na modernidade (Cooke, 2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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; Gulrajani, 2009Gulrajani, N. (2009). The future of development management: examining possibilities and potential. London, UK: Development Studies Institute.; R. S. Santos, 2004). A expressão vem da ortodoxia do pensamento administrativo no mundo do pós-guerra, justamente nos planos de recuperação econômica - como o Plano Marshall, o Plano Columbus ou a Aliança para o Progresso - e o desejo dos países ricos de auxiliar tecnicamente os menos desenvolvidos através de programas de ajuda mútua.

Construção teórica do termo gestão do desenvolvimento

Devemos considerar que o desenvolvimento é encarado como uma finalidade, enquanto a gestão, ou administração, é o instrumento através do qual se realiza a intervenção (como já explicado pela evolução do conceito de gestão nos Estudos Organizacionais). Portanto, especificamente no que se refere ao desenvolvimento, por ser um construto e, portanto, dependente da abordagem da administração, o termo pode ser detalhado a partir da forma como é abordado na literatura de Estudos Organizacionais.

Segundo Cooke (2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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), o conceito de administração do desenvolvimento “evoluiu” para a gestão do desenvolvimento. De fato, Thomas (1996Thomas, A. (1996). What is development management? Journal of International Development, 8(1), 95-110. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1002/(SICI)1099-1328(199601)8:1<95::AID-JID348>3.0.CO;2-B
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) é um dos autores seminais que trabalham relacionando ideias envolvendo administração e desenvolvimento. Este autor (Thomas, 1996Thomas, A. (1996). What is development management? Journal of International Development, 8(1), 95-110. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1002/(SICI)1099-1328(199601)8:1<95::AID-JID348>3.0.CO;2-B
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) abordou os dois conceitos separadamente para entender as noções que envolvem ambas as ideias. Com base na visão inicial do desenvolvimento como um processo de mudança histórica, não há muita distinção quanto a uma visão comum do que seria a gestão do desenvolvimento. A relação entre os elementos “desenvolvimento” e “gestão” seria a abordagem conjunta de conceitos e teorias sobre como os objetivos podem ser alcançados nas organizações, além das habilidades e estratégias necessárias para alcançar o desenvolvimento. Essa visão inicial do desenvolvimento está associada a uma ideia ortodoxa sobre o assunto, conforme classificado por Cooke (2001)Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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, que pode ser resumido nos seguintes itens, como em Turner e Hulme (1997Turner, M., & Hulme, D. (1997). Governance, administration, and development: making the state work. London, UK: Palgrave., p. 13):

  1. O desenvolvimento foi baseado na noção de governos atuando como instrumentos benéficos de uma economia em expansão.

  2. Gestão do desenvolvimento era sinônimo de Administração Pública que, por sua vez, era sinônimo de burocracia.

  3. Uma tendência elitista estava presente no processo: uma minoria esclarecida, como políticos e planejadores, estaria empenhada em transformar suas sociedades em réplicas do Estado-nação moderno.

  4. Os países em desenvolvimento seriam os culpados pela “falta de capacidade administrativa para implementar planos e programas através da transferência de técnicas administrativas para melhorar o mecanismo central de governo”.

  5. A adoção da ajuda externa é o mecanismo pelo qual ferramentas ausentes da administração pública seriam transferidas do Ocidente para o desenvolvimento dos países do terceiro mundo.

  6. Uma cultura reconhecida em países subdesenvolvidos dificulta o uso funcional de ferramentas ocidentais e a burocracia weberiana dominante. Portanto, a gestão do desenvolvimento teve que “superar” os obstáculos culturais percebidos como fontes de disfunção burocrática.

Segundo uma segunda visão sobre o tema de Thomas (1996Thomas, A. (1996). What is development management? Journal of International Development, 8(1), 95-110. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1002/(SICI)1099-1328(199601)8:1<95::AID-JID348>3.0.CO;2-B
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), a gestão do desenvolvimento foi definida como a gestão dos esforços deliberados em curso por uma das várias Agências Internacionais que aspiram a cumprir esses propósitos, envolvendo assim a gestão da intervenção no processo de mudança no contexto de objetivos, valores e interesses conflitantes. Nesse sentido, como a gestão do desenvolvimento depende de ações “formalizadas” das instituições, é um processo ou uma atividade que pode ocorrer em qualquer lugar, não apenas nos países em desenvolvimento. De fato, quatro características distintas das tarefas de desenvolvimento podem ser encontradas de acordo com essa perspectiva:

  1. Objetivos sociais externos em vez de objetivos organizacionais internos.

  2. Influenciar ou intervir nos processos sociais em vez de usar recursos para atingir objetivos diretamente.

  3. As metas estão sujeitas a conflitos baseados em valores.

  4. A importância do processo para o “desenvolvimento”, sugerindo-se a sua valorização como ponto de partida e não apenas como fim a alcançar.

Portanto, de acordo com esta segunda visão, não estaria presente na gestão do desenvolvimento, como é geralmente conhecida, nenhuma tarefa de “desenvolvimento”, mas sim todos os tipos de atividades, com “tarefas” que vão desde a Administração Pública cotidiana até as tarefas exclusivas de assistência social executadas por essas agências.

Uma perspectiva crítica sobre a gestão do desenvolvimento

Após identificar esses fatores cruciais para conceituar o processo gerencialista envolvendo o desenvolvimento dos países periféricos, devemos incluir o conceito de fatores críticos de sucesso na perspectiva crítica presente no trabalho empírico de Ika e Hodgson (2014Ika, L. A., & Hodgson, D. (2014). Learning from international development projects: blending critical project studies and critical development studies. International Journal of Project Management, 32(7), 1182-1196. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2014.01.004
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). Este trabalho seminal relata a experiência das agências de ajuda na identificação de Fatores Críticos de Sucesso (FCS) e aponta para o papel do “gerencialismo” que este artigo pretende lançar à luz.

A partir de uma abordagem mais contemporânea de análise de projetos organizacionais por agências multilaterais, o conceito de gestão do desenvolvimento visa materializar o desenvolvimento como uma abordagem em constante evolução e sob análise em diferentes continentes. Na verdade, isso porque o significado de países em desenvolvimento não é mais o mesmo de 20 anos atrás e não corresponde mais à noção de desenvolvimento nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (Wolfensohn, 1999Wolfensohn, J. D. (1999, February 26). Remarks at the International Conference on Democracy, Market Economy, and Development. Seoul, Korea: World Bank.). A partir da convergência dessas teorias e conceitos, as nações em desenvolvimento passaram a integrar novos modelos de gerencialismo para superar as dificuldades decorrentes das transformações políticas e econômicas do século passado (Murphy, 2008Murphy, J. (2008). The Rise of the Global Managers. London, UK: Routledge.). No entanto, os governos que governaram esses países entre as décadas de 1980 e 1990 pautaram-se pela produção de constantes ações legislativas e regulatórias para cumprir a agenda de reformas (Martins, 2004Martins, H. F. (2004). Reforma do Estado na era FHC: diversidade ou fragmentação da agenda de políticas de gestão pública (Doctoral Dissertation). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.).

Numa análise baseada no FCS, a atuação do Banco Mundial em projetos de administração pública no Brasil não pode simplesmente apontar o gerencialismo como uma potência em ação, mas principalmente traçar um parâmetro “ideal” de ação gerencialista. No entanto, também sugerem uma análise de desempenho tendenciosa ou limitada, favorecendo o gerencialismo ao se ater apenas a critérios previamente estabelecidos. Portanto, um estudo da experiência brasileira, até então inédita sob uma perspectiva gerencialista na década de 1990, pode abarcar uma perspectiva crítica sobre o gerencialismo como potência desenvolvimentista.

Seja por iniciativas entre governos ou pela intervenção de instituições multilaterais globais, as ações voltadas para o cumprimento desses propósitos sempre seguiram a supervisão prática do “soft management” praticado pelos países ocidentais e norte-americanos. Entretanto, um elemento dessa forma de interação apontado por Nye (2004Nye, J. S. (2004). Soft power: the means to success in world politics. New York, NY: Public Affairs., p. 99) deve ser destacado: “muitos de seus recursos cruciais [como o soft management] estão fora do controle dos governos [das próprias instituições] e de seus os efeitos dependem fortemente da aceitação do público receptor”. Além disso, “os recursos são altamente dependentes e muitas vezes trabalham indiretamente, moldando o ambiente para a política e, às vezes, levam anos para produzir os resultados desejados”.

De fato, a perspectiva de aplicar o que é conceituado como desenvolvimento gerencialista a partir de retratos ideais do gerencialismo, como também utilizado no referencial teórico encontrado em Brett (2013) e Mowles, Stacey, e Griffin (2008Mowles, C., Stacey, R., & Griffin, D. (2008). What contribution can insights from the complexity sciences make to the theory and practice of development management? Journal of International Development, 20(6), 804-820. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1002/jid.1497
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), também é uma base para este estudo. É importante considerar que a perspectiva de Gestão de Projetos, presente na obra de Ika (Ika et al., 2012Ika, L. A., Diallo, A., & Thuillier, D. (2012). Critical success factors for World Bank projects: an empirical investigation. International Journal of Project Management, 30(1), 105-116. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2011.03.005
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; Ika & Donnelly, 2017Ika, L. A., & Donnelly, J. (2017). Success conditions for international development capacity building projects. International Journal of Project Management, 35(1), 44-63. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2016.10.005
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), trata do contexto de atuação das agências multilaterais relevantes. No entanto, a maior concentração de estudos com foco nas tendências atuais em projetos de desenvolvimento parece abordar uma “questão internacional” (Picciotto, 2020Picciotto, R. (2020). Towards a ‘New Project Management’movement? An international development perspective. International Journal of Project Management, 38(8), 474-485. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2019.08.002
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), mas carece de detalhes sobre a trajetória percebida desses projetos no Brasil e na América Latina. As ações globais de reportagem para esses fins econômicos e políticos interferem na formação cultural dos países “recebedores” ao intervir diretamente em pontos ideológicos para o funcionamento do governo e dos órgãos públicos.

Ao reconhecer as limitações e realizar estudos inovadores para uma alternativa aos “subalternos” em andamento com base na evolução econômica, uma iniciativa promoveu uma mudança de status, ao menos no que diz respeito às condições econômicas do país. No entanto, nesses projetos baseados em uma tentativa “civilizável” na perspectiva do desenvolvimento (McCourt, 2008McCourt, W. (2008). Public management in developing countries. Public Management Review, 10(4), 467-479. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/14719030802263897
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), a ênfase da análise dos fatores críticos desses empreendimentos ainda tem sido centrada nos aspectos econômicos, no fluxo de empréstimos e na troca de capitais. De fato, a análise de relatórios coletados historicamente sobre as operações do Banco Mundial deve considerar as condições estruturais, institucionais e gerenciais de sucesso desses projetos (Ika & Donnelly, 2017Ika, L. A., & Donnelly, J. (2017). Success conditions for international development capacity building projects. International Journal of Project Management, 35(1), 44-63. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2016.10.005
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).

Portanto, fundamentar a argumentação, legitimação e disseminação de uma perspectiva crítica subordinada da gestão do desenvolvimento - que reconheça que representar os diferentes mundos e vozes existentes na América Latina “não é tarefa fácil” (Ibarra-Colado, 2007Ibarra-Colado, E. (2007). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from the margins. Worlds & Knowledges Otherwise, 2(Dossier 1), 1-24. Retrieved fromhttps://globalstudies.trinity.duke.edu/sites/globalstudies.trinity.duke.edu/files/documents/v2d1_ibarra-coladofin.pdf
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, p. 2) - defendemos que o campo internacional da gestão para o desenvolvimento dos países do terceiro mundo deve conter elementos interdisciplinares (Alcadipani & Rosa, 2013Rosa, A. R., & Alcadipani, R. (2013). A terceira margem do rio dos estudos críticos sobre administração e organizações no Brasil: (re)pensando a crítica a partir do pós-colonialismo. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 185-215. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/S1678-69712013000600009
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) em um primeiro argumento, envolvendo, por exemplo, o levantamento histórico dos processos internacionais, bem como as condições contextuais específicas dos atores participantes. São elementos do poder do agente e das condições políticas e históricas da nação-alvo dos projetos de desenvolvimento. Segundo Williams (2003Williams, G. (2003). Studying development and explaining policies. Oxford Development Studies, 31(1), 37-58. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/1360081032000047186
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), avaliar a evolução de um conceito-chave, como é o caso da Gestão do Desenvolvimento aplicada ao contexto crítico dos Fatores Críticos de Sucesso, mostra-se importante nos estudos da área, pois estes devem ir além das questões econômicas e incorporar aspectos ideológicos também. Alternativamente, como Naylor (2011Naylor, T. (2011). Deconstructing development: the use of power and pity in the international development discourse. International Studies Quarterly, 55(1), 177-197. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1111/j.1468-2478.2010.00640.x
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) aponta, efeitos ideológicos e materiais se manifestam em políticas, programas e projetos de desenvolvimento. Assim, o trabalho conceitual sobre o termo Gestão do Desenvolvimento não apenas define, mas também legitima os preceitos teóricos para o enquadramento e implementação de políticas com base na análise histórica de um determinado fenômeno ou região. No caso da América Latina, o fenômeno estudado abrange desde a concepção dos Estados-nação desde os processos de independência do mundo ocidental até a globalização, mais especificamente nas relações de interesses neoliberais que marcaram todos os processos no final do século XX.

ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A partir do contínuo esforço empreendido pelo desenvolvimento epistemológico da pesquisa histórica em Estudos Organizacionais, e de acordo com a metodologia histórica proposta neste artigo, devemos primeiro compreender a atuação do Banco Mundial envolvendo preceitos gerencialistas no Brasil por meio da coleta, seleção e documentação análise em discussão. Este artigo também visa apresentar argumentos sobre a pesquisa histórica em organizações a partir da perspectiva contextual de análise e discutir como as práticas passadas registradas em arquivos e documentos podem ser analisadas em um contexto digital. Quanto a estes dois aspectos, é evidente a implicação deste cenário no caráter processual (Astley, 1989) das ações sociais refletidas pelas práticas identificadas. Com efeito, pretende-se contribuir para o campo dos estudos históricos da administração para reforçar a contribuição das abordagens da Nova História empregadas nos Estudos Organizacionais (Üsdikem & Kieser, 2004Üsdikem, B., & Kieser, A. (2004). Introduction: history in organisation studies. Business History, 46(3), 321-330. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/0007679042000219166
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) para o desenvolvimento de uso documental para pesquisas dessa natureza, além de recursos complementares ao método histórico, incluindo o repositório arquivístico (Barros, 2016Barros, A. (2016). Archives and the ‘archive’: dialogue and an agenda of research in organization studies. Organizações & Sociedade, 23(79), 609-623. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/1984-9230795
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; Cook, 2011Cook, T. (2011). The archive(s) is a foreign country: historians, archivists, and the changing archival landscape. The American Archivist, 74(2), 600-632. Retrieved fromhttps://doi.org/10.17723/aarc.74.2.xm04573740262424
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).

Com o crescente interesse pelos Estudos Organizacionais e o aumento do número de trabalhos acadêmicos (Costa, Barros, & Martins; 2010Costa, A. S. M., Barros, D. F., & Martins, P. E. M. (2010). Perspectiva histórica em administração: novos objetos, novos problemas, novas abordagens. Revista de Administração de Empresas, 50(3), 288-299. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/S0034-75902010000300005
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; Rowlinson, 2013Rowlinson, M. (2013). Management & Organizational History: the continuing historic turn. Management & Organizational History, 8(4), 327-328. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/17449359.2013.853509
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; Rowlinson, Hassard, & Decker, 2014Rowlinson, M., Hassard, J., & Decker, S. (2014). Research strategies for organizational history: a dialogue between historical theory and organization theory. Academy of Management Review, 39(3), 250-274. Retrieved fromhttps://doi.org/10.5465/amr.2012.0203
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), tornou-se possível realizar pesquisas históricas de forma mais adequada e estabelecer como uma possível estrutura para investigar qualitativamente as organizações e seus objetivos. Com efeito, à semelhança da aproximação de Weatherbee, Durepos, A. Mills, e J. H. Mills (2012Weatherbee, T. G., Durepos, G., Mills, A., & Mills, J. H. (2012). Theorizing the past: critical engagements. Management and Organizational History, 7(3), 193-202. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1744935912444
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), esta abordagem teórico-metodológica parte do pressuposto de que o sujeito e o objeto de um dado facto deixam de ser considerados como unidades universais e necessárias. Em vez disso, eles são construídos por meio de práticas e dependentes da relação histórica que os determina. Ao empregar uma metodologia histórica, não se pode dizer que o estudo representará “a história” de determinado objeto, pois não parte da “representação de um objeto preexistente”. No entanto, assume uma versão possível de um objeto (Weatherbee et al., 2012Weatherbee, T. G., Durepos, G., Mills, A., & Mills, J. H. (2012). Theorizing the past: critical engagements. Management and Organizational History, 7(3), 193-202. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1744935912444
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) à luz do contexto histórico em que esse objeto foi formado (Rowlinson, 2013Rowlinson, M., Hassard, J., & Decker, S. (2014). Research strategies for organizational history: a dialogue between historical theory and organization theory. Academy of Management Review, 39(3), 250-274. Retrieved fromhttps://doi.org/10.5465/amr.2012.0203
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) e se fundamenta nas práticas estabelecidas entre ele e os sujeitos envolvidos em uma dada situação.

O período estudado justifica-se pelo aumento de informações sobre o gerencialismo com os acontecimentos do pós Guerra Fria e influência neoliberal, implicando no movimento de elaboração e implementação de reformas administrativas em 1995, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Os anos 1990 foram cruciais para as mudanças organizacionais implementadas na esfera pública e no aspecto internacional, e esta década foi crucial para o surgimento de políticas neoliberais e reformas administrativas pautadas pelo gerencialismo. Nessa perspectiva, a atuação do Banco Mundial junto ao governo brasileiro se baseia não apenas no volume de empréstimos a serem alocados no setor público do país, mas também no papel desempenhado pelos argumentos científicos e diplomáticos em relação ao desenvolvimento nacional. Tendo como pano de fundo estas características do período, o modelo teórico aqui utilizado centra-se numa perspectiva interpretativa, uma vez que os autores optaram pelo método do referencial bibliográfico, partindo de uma análise da interpretação contínua da história a partir dos meios de acesso ao passado. Ao adotar essa perspectiva, a análise organizacional visa compreender os elementos constitutivos de sua formação, colocando menos ênfase nas percepções objetivas e buscando significados e interações possíveis no processo (Schwandt, 2006Schwandt, T. (2006). Opposition redirected. International Journal of Qualitative Studies in Education, 19(6), 803-810. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/09518390600979323
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).

Os documentos pesquisados foram coletados a partir do acervo oficial de documentos digitalizados da Fundação Banco Mundial, o que implica em uma discussão metodológica sobre pesquisas utilizando arquivos digitais. Nesse ponto, entende-se que, ao considerar a noção de arquivo, é possível abordar o próprio conceito de armazenamento de uma série de informações ou nomeação onde essa forma de arquivamento é realizada (Barros, 2016Barros, A. (2016). Archives and the ‘archive’: dialogue and an agenda of research in organization studies. Organizações & Sociedade, 23(79), 609-623. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/1984-9230795
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). Além disso, entende-se que a abordagem arquivística une as ideias, pois a análise reflexiva envolve tanto o processo, como o ato de localização quanto o local de acesso do pesquisador.

A discussão sobre os arquivos na pesquisa histórica também parte de um princípio prático, pois as condições de acesso à informação são discutidas acima, uma vez que os arquivos são o espaço de armazenamento físico e conceitual dos documentos. No entanto, o conjunto de transformações - no contexto de uma discussão mais ampla até os dias atuais, principalmente por questões contemporâneas - está relacionado aos avanços tecnológicos (Cook, 2011Cook, T. (2011). The archive(s) is a foreign country: historians, archivists, and the changing archival landscape. The American Archivist, 74(2), 600-632. Retrieved fromhttps://doi.org/10.17723/aarc.74.2.xm04573740262424
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). Nesta revolução, as tecnologias alteraram o cenário da comunidade de gerenciamento de informações, pois as distinções entre o passado e o presente desapareceram. Além disso, devido a essas nuances, é compreensível reexaminar crenças e práticas estabelecidas há muito tempo sobre o arquivamento de informações. Barros (2016Barros, A. (2016). Archives and the ‘archive’: dialogue and an agenda of research in organization studies. Organizações & Sociedade, 23(79), 609-623. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/1984-9230795
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) aponta que, à medida que os arquivos evoluíram, principalmente com o advento da tecnologia, mudaram sua composição e a forma como os pesquisadores os recebem. Essas transformações não implicam necessariamente uma ordem exata, questões de acessibilidade, ferramentas de coleta, seleção de documentos e construção de pesquisa narrativa.

Coleta e análise de dados históricos

Metodologicamente, a busca de documentos em arquivos online exige uma atitude reflexiva por parte do pesquisador (Darawsheh, 2014Darawsheh, W. (2014). Reflexivity in research: Promoting rigour, reliability, and validity in qualitative research. International Journal of Therapy and Rehabilitation, 21(12), 560-568. Retrieved fromhttps://doi.org/10.12968/ijtr.2014.21.12.560
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). Na pesquisa documental, a questão prática é relevante para entender como o uso de documentos históricos se insere em um ponto de vista reflexivo por meio da pesquisa, coleta e seleção. Na prática da pesquisa com documentos, o pesquisador tenta superar a superficialidade das questões envolvidas, questionando como se caracteriza o uso dessas fontes ou mesmo porque elas estão localizadas em determinados arquivos. Assim, a partir da realidade da busca de documentos sobre o Banco Mundial, com o arquivo histórico e o acervo documental integralmente disponíveis online, foram adotados alguns pontos de reflexão para a seleção dos documentos a serem utilizados como fontes de dados para esta pesquisa. Acima de tudo, isso se mostrou necessário porque o arquivo do Banco Mundial distribui aos seus visitantes virtuais um manual oficial sobre como buscar documentos no acervo online, além de conter detalhes sobre como cada documento foi selecionado e preservado para publicação.

Os documentos selecionados para a pesquisa envolvem representantes do Banco Mundial, ministros, empresários e representantes do governo do Brasil no período estudado. Em primeiro lugar, no que se refere ao Banco Mundial, estima-se que os documentos oficiais do acervo online oficial da instituição, referentes às décadas de 1980 e 1990, sejam compostos por aproximadamente 3.000 páginas escritas, sem contar documentos não escritos, como fotos, mapas, entre outros. Além disso, foram incluídos neste escopo documentos não oficiais, como correspondências pessoais, notas, atas de reuniões, entre outros escritos. Outro tipo de documento muito comum encontrado nessa lista de documentos sobre o Banco Mundial foram os chamados “working papers”, relacionados ao processo de discussão. Embora publicados oficialmente pela instituição, esses relatórios apresentavam resultados e formulações baseadas em análises de um determinado assunto ou país para estimular discussões e comentários.

Com base nessa extensa lista de documentação, sem a seleção final para análise, para melhor visualização, foram organizados os títulos, natureza do documento e ano de publicação/divulgação e para os documentos do Banco Mundial, o código de numeração do documento utilizado pela própria organização para arquivamento no diretório online foi anotado. Os documentos passaram então por dois critérios de seleção. Primeiramente, foram filtrados os documentos dos anos referentes à década de 1990. O segundo filtro considerou os títulos dos documentos, descartando documentos que estivessem fora do escopo de discussão do tema.

O processo de coleta pode ser visualizado no diagrama abaixo:

Figura 1
Estrutura visual mostrando o processo geral e as principais etapas

Estabelecidos os critérios de coleta dos documentos para a pesquisa, tanto sobre o Banco Mundial quanto sobre as decisões governamentais e legislativas do governo brasileiro no recorte temporal, a análise documental constou de três fases: (1) formação de um arquivo de análise, (2) codificação e análise quantitativa e (3) análise qualitativa.

A primeira etapa da análise da pesquisa, com base nos resultados obtidos no arquivo do Banco Mundial e nos filtros de seleção prévia de documentos sobre o Brasil, consistiu na formação de uma seleção inicial para análise. Após a seleção prévia da documentação, propôs-se, nesta fase, a criação de uma lista de documentos “finais” a serem lidos na íntegra e analisados de acordo com a revisão teórica estudada.

A segunda fase da análise foi a Codificação e Análise Quantitativa. Nesta etapa, todos os 166 documentos foram lidos juntamente com as anotações obtidas com a leitura dos documentos. Em seguida, utilizando recursos de filtros embutidos no Adobe Acrobat (tendo em vista que os arquivos foram coletados em formato PDF), foram buscadas algumas palavras estratégicas, dentre elas, as mais encontradas, primeiramente, nos documentos do governo brasileiro, e em seguida, procedendo-se ao pesquisar nos documentos do Banco Mundial. Este procedimento revelou que algumas palavras eram comumente usadas entre as duas seleções de documentos, incluindo “burocracia”, “administração pública”, “setor público”, “desenvolvimento”, “projeto”, “crescimento”, “regulação”, “trabalho”, “missão”, “presidente”, “política(s) industrial(is)”, “gestão”, “descentralização”, “casos”, “educação e treinamento”, “resultados”, “melhoria contínua”, “legislação”, “brasileira economia”, “pobreza”, “eficiência”, entre outros.

A terceira e última fase da pesquisa documental consistiu na análise qualitativa a partir das categorias que emergiram dos próprios documentos. Os antecedentes primários da análise quantitativa foram a análise da literatura e a percepção da construção histórica do conceito de gestão do desenvolvimento. Os trechos identificados na fase anterior foram revistos e comparados para elaboração das análises e conclusões. Além disso, notou-se quando relacionados aos elementos-chave encontrados na literatura pesquisada sobre o NADAM e os elementos que subsidiaram a escolha do conceito de gestão do desenvolvimento neste estudo. A codificação de documentos sem quaisquer recursos adicionais de software é um auxílio qualitativo para compreensão contextual e auxílio na revisão dos temas abordados, sendo um marcador pessoal e organizacional do próprio pesquisador e não, literalmente, de construção teórica.

Considerando este último ponto, é importante mencionar como as fases construídas ao longo do processo metodológico determinaram a identificação dos resultados concomitantemente à análise da pesquisa. É por isso que o capítulo seguinte cobre conjuntamente os resultados obtidos com a análise final. Na pesquisa histórica, a etapa de coleta de dados, análise, interpretação e escrita da narrativa é considerada a principal etapa para a construção teórica em estudos qualitativos. Portanto, a interligação entre essas duas etapas é vital para que o pesquisador escolha o melhor método para interpretar os fatos estudados (Firouzkouhi & Zargham-Boroujeni, 2015Firouzkouhi, M., & Zargham-Boroujeni, A. (2015). Data analysis in oral history: a new approach in historical research. Iranian Journal of Nursing and Midwifery Research, 20(2), 161-164. Retrieved fromhttps://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25878689
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). Seguindo esse princípio, o objetivo foi a escrita simultânea de resultados e análises como forma de construção social de sentido mediada pela linguagem identificada nos documentos, envolvendo contexto social, político e histórico descoberto por meio de codificações e utilizado como base para conclusões.

O CONTEXTO HISTÓRICO: O BANCO MUNDIAL COMO ARTICULADOR DA GESTÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

A partir do referencial teórico da gestão do desenvolvimento pelo viés crítico dos projetos organizacionais como precedente, a abordagem do Banco Mundial deve ser desenvolvida no âmbito de suas ações multilaterais como um Think Tank que prioriza o desenvolvimento para combater a pobreza em países marginalizados. Isso envolve analisar cuidadosamente a transformação do padrão de conhecimento sobre a gestão do desenvolvimento.

O argumento para a atuação do Banco Mundial como organização Think Tank por meio de projetos públicos estruturantes ilustra o impacto da instituição na transformação das políticas em desenvolvimento com base na construção do combate à pobreza (Dar & Cooke, 2008Dar, S., & Cooke, B. (2008). The New Development Management. London, UK: Zed Books.). Esse poder de influência pode ser analisado de forma desconstrutiva a partir de uma lógica de dependência por meio da qual operam múltiplos tipos de poder inter-relacionados, envolvendo políticas econômicas e agências multilaterais (Naylor, 2011Naylor, T. (2011). Deconstructing development: the use of power and pity in the international development discourse. International Studies Quarterly, 55(1), 177-197. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1111/j.1468-2478.2010.00640.x
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). Essa cadeia histórica de ações tem efeitos ideológicos e materiais que se manifestam em políticas, programas e projetos de desenvolvimento e perpetuam relações hierárquicas e co-estabelecidas entre esses atores que representam o que é desenvolvido e o que é subdesenvolvido no mundo. Com base nessa ordem, que se dissemina em suas ações e em sua ressonância com o funcionamento governante da sociedade civil, o papel do Banco como disseminador de uma ideia de desenvolvimento no Terceiro Mundo em deliberação e promotor de técnicas e avaliações deve aprofundar aprofundando questões contemporâneas, devido aos elementos atuais do neoliberalismo. Sobre essa influência, um tripé parece sustentar a atuação do banco associado a uma “educação para o neoliberalismo”, a saber, os valores neoliberais, o aspecto intelectual e o poder influente no mundo (Berger, 2006Berger, M. T. (2006). The neoliberal ascendancy and East Asia: geopolitics, development theory and the end of the authoritarian developmental state in South Korea. In D. Plehwe, B. J. A. Walpen, & G. Neunhöffer(Eds.), Neoliberal hegemony: a global critique (pp. 105-119). London, UK: Routledge.).

Em uma realidade neoliberal, no que diz respeito à gestão do desenvolvimento por meio de projetos organizacionais (Ika & Hodgson, 2014Ika, L. A., & Hodgson, D. (2014). Learning from international development projects: blending critical project studies and critical development studies. International Journal of Project Management, 32(7), 1182-1196. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2014.01.004
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), argumentamos que as preocupações imperiais com as colônias governamentais são replicadas em duas instâncias nas agendas de governança contemporâneas do Primeiro ao Terceiro Mundo. Primeiro, há uma suposta preocupação dos países ocidentais com a gestão do desenvolvimento com democratização, já que esse movimento político é mais consistente com uma agenda econômica neoliberal e uma falta de credibilidade diante do papel da administração do desenvolvimento na década de 1990 (Cooke, 2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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). Em segundo lugar, há demandas feitas pela gestão de desenvolvimento para capacitação e participação. Com efeito, esses elementos são baseados em linguagem e metodologias inspiradas no domínio indireto, que, em termos práticos, estão sempre subordinados às agendas políticas e econômicas do Primeiro Mundo, particularmente no que diz respeito ao alívio da dívida contraída pelos países em desenvolvimento ao longo do século XX (Cooke, 2003Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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).

A ideia de “redução da pobreza”, baseada em uma metodologia característica do Banco Mundial, ganhou visibilidade na década de 1990 com o fortalecimento das ideias liberais (Cooke, 2004Cooke, B. (2004). The managing of the (third) World. Organization, 11(5), 603-629. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508404044063
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). No entanto, a visibilidade do Banco Mundial como instituição é entendida à luz do contexto histórico da entidade, com implementações iniciadas sob o comando de Robert McNamara (de 1968 a 1981). A modalidade de financiamento “inaugurada” por McNamara corresponde a empréstimos de ajustamento estrutural através da implementação, pelos países clientes, de um pacote de reformas estruturais e políticas orientadoras, que são neoliberais. Esse modelo de responsabilidade bidirecional serviu como o principal instrumento de financiamento do Banco Mundial até o século XXI. O desafio nesse contexto contemporâneo é agregar à performance fatores cada vez mais complexos, como apontam Leslie, Banks, Prinsen, Scheyvens, e Stewart-Withers (2018Leslie, H. M., Banks, G., Prinsen, G., Scheyvens, R., & Stewart-Withers, R. (2018). Complexities of development management in the 2020s: Aligning values, skills, and competencies in development studies. Asia Pacific Viewpoint, 59(2), 235-245. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1111/apv.12199
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).

Por meio desse instrumento de financiamento, o Banco Mundial poderia ter certeza de que os países em desenvolvimento sustentariam as atividades relacionadas ao livre mercado e à consequente abertura comercial. No entanto, à luz da ativa política americana contra o comunismo no período da Guerra Fria, o financiamento por meio de reformas estruturais pelo livre mercado seria uma estratégia de imunidade nos continentes subdesenvolvidos contra aqueles fatores que, segundo a visão da instituição global, colocariam barreiras ao desenvolvimento (Alcadipani & Caldas, 2012Alcadipani, R., & Caldas, M. (2012). Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, 8(1), 37-55. Retrieved from https://doi.org/10.1108/17422041211197558
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). Na verdade, esses fatores seriam as políticas desenvolvimentistas adotadas ao longo do século nesses países, o que prejudicaria os investimentos estruturais nacionais ou a política intervencionista do governo.

A atuação do Banco Mundial como articulador de ideias para o setor público no Brasil e em países subdesenvolvidos

No Brasil, especialmente na década de 1990, surgiu uma ideia de reformas voltadas para o setor público para melhorar as relações organizacionais e proporcionar melhores condições para o desenvolvimento da população. Quanto aos programas voltados à educação e às políticas públicas, a convicção do Banco Mundial em suas diretrizes baseia-se no argumento do “fortalecimento institucional do setor público”, destinando recursos às instituições e ao Estado da organização (Waismann, 2013Waismann, M. (2013). O Banco Mundial e as políticas públicas para o ensino superior no brasil: um estudo a partir dos microdados do INEP (1995-2010). Desenvolve: Revista de Gestão do Unilasalle, 2(1), 133-144. Retrieved fromhttp://dx.doi.org/10.18316/618
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). Quanto ao Brasil, o Banco Mundial começou a conceder empréstimos ao país em 1949, chegando a referir-se ao país como um dos principais clientes da instituição por ter recebido mais de US$ 16 bilhões em empréstimos até a década de 1980. A maior parte desses fluxos financeiros foi destinada a programas de incentivo à indústria e mudanças no setor educacional (Dar & Cooke, 2008Dar, S., & Cooke, B. (2008). The New Development Management. London, UK: Zed Books.).

Na década de 1990, o país recebeu quase U$700 milhões de dólares (Cooke, 2014) para estruturar e executar projetos no setor educacional e para projetos estruturais do governo relacionados a rodovias, saneamento básico, agricultura e pecuária e portos. É consenso nas pesquisas (Jones, 1992Jones, P. W. (1992). World Bank financing of education: lending, learning and development (2a ed.). London, UK: Routledge ., 1997) sobre o papel da agência multilateral nos países subdesenvolvidos que as práticas construídas e financiadas pela instituição têm, por sua vez, como objetivo efetivo, a defesa e manutenção de um atual projeto neoliberal que então se sustentava e sutilmente declarava em seus projetos. Isso apesar de seu discurso de alívio da pobreza, redução das desigualdades sociais, proteção ambiental, entre outras ações de desenvolvimento.

No que diz respeito aos projetos estruturantes voltados para a economia e a redução da desigualdade social, o Banco Mundial desempenhou um papel fundamental no componente educacional associado aos preceitos estruturais de gestão. Os projetos voltados para a educação nos governos latino-americanos resumiram o potencial de gestão do desenvolvimento da organização multilateral para cenários marginalizados por meio do discurso do desenvolvimento humano (portanto incluindo a superação da pobreza), por meio de princípios gerencialistas e corpo técnico que trouxeram aos países clientes projetos expressivos e importantes retorna da forma mais rápida e para o próprio Banco. Por meio dessa ação, o Banco Mundial disseminou meios com base nos pilares primordiais de sua forma de gestão ou como julgasse adequados, com base em seu caráter assistencial, a essas nações. Os princípios gerencialistas, como a criação de mercados de crédito, a descentralização administrativa e a máxima eficiência nos recursos, estariam em sintonia nesse contexto (Heyneman, 2003Heyneman, S. P. (2003). Education, social cohesion, and the future role of international organization. Peabody Journal of Education, 78(3), 25-38. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1207/S15327930PJE7803_03
https://doi.org/10.1207/S15327930PJE7803...
, p. 325), conforme explicitado em trecho de Mello (1991Mello, G. N. (1991). Políticas públicas de educação. Estudos Avançados, 5(13), 7-47. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/S0103-40141991000300002
https://doi.org/10.1590/S0103-4014199100...
, p. 9):

Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos, os do Terceiro Mundo precisam adaptar as estratégias de desenvolvimento a situações conjunturais caracterizadas por: - políticas de ajuste econômico de curto prazo que dificultam o consenso sobre metas de longo prazo, como a educação; - instabilidade e fragilidade da experiência democrática, devido a longos períodos de governos autoritários, que prejudicam a articulação entre instituições políticas e atores sociais; - crescimento desigual, que faz coexistir setores tecnicamente avançados com outros intensivos em mão de obra e ainda necessários para a integração de grandes contingentes marginalizados de produção e consumo; - grandes desigualdades na distribuição de renda e ineficiência e desigualdade na prestação de serviços educacionais.

Em síntese, a gestão do desenvolvimento pelo Banco Mundial nas últimas décadas do século XX não se deu de forma impositiva, mas sim como uma relação de mão dupla baseada em um princípio diplomático. Era que a organização global e os países subdesenvolvidos clientes sairiam do acordo e com um interesse comum para ambas as partes, ou seja, as estruturas promovendo dentro de um contexto político-econômico de superação de crises e por meio do capital financeiro. No entanto, ainda que não se tratasse de uma ação direta ou mesmo territorial, as condições de negociação eram por vezes assimétricas (Pereira, 2006Pereira, J. M. (2006) Neoliberalismo, políticas de terra e reforma agrária de mercado na América Latina. In S. Sauer, & J. M. Pereira (Orgs.), Capturando a terra: Banco Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado. São Paulo, SP: Expressão Popular.), uma vez que a concessão de empréstimos envolvia métodos discursivos coercitivos e era abarcada por ferramentas que conduziam ao desenvolvimento associado à modernização. Ao incluir nesses discursos a redução da pobreza por meio de assistência técnica e expertise reconhecida, a metodologia do Banco seria transformada por esse elemento que foi, como vimos, neocolonial por parte da instituição e, indiretamente, dos Estados Unidos nesse período.

ANÁLISE DE FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO EM DOCUMENTOS SOBRE PROJETOS ESTRUTURAIS DO BANCO MUNDIAL NO BRASIL

A atuação do Banco Mundial no Brasil seguiu um modelo típico de países subdesenvolvidos, ou seja, projetos estruturantes envolvendo uma espécie de reforma das estruturas administrativas do Estado. Segundo os preceitos do Banco, essas reformas passariam tanto pelo fortalecimento de sua capacidade institucional (planejamento, controle e coordenação) quanto por uma maior permeabilidade à sociedade civil organizada (transparência, participação e descentralização) (Waismann, 2013Waismann, M. (2013). O Banco Mundial e as políticas públicas para o ensino superior no brasil: um estudo a partir dos microdados do INEP (1995-2010). Desenvolve: Revista de Gestão do Unilasalle, 2(1), 133-144. Retrieved fromhttp://dx.doi.org/10.18316/618
https://doi.org/10.18316/618...
). Na perspectiva do Banco, como representante da história dos países desenvolvidos, o Estado não participaria de forma intervencionista, mas como agente estratégico no desenvolvimento econômico e na modernização das estruturas sociais dos países, visando à otimização e eficiência de seus recursos, independentemente de sua orientação política e econômica.

No contexto da globalização, entende-se que quanto mais complexo for o sistema econômico de uma sociedade (o que, por sua vez, afeta as diferentes organizações que a compõem), maior será a necessidade de formalizar a transmissão do conhecimento dentro desses espaços institucionais (Murphy, 2008Murphy, J. (2008). The Rise of the Global Managers. London, UK: Routledge.). Com base nessa prerrogativa, assume-se que o Banco Mundial, apesar de sua complexidade estrutural, é deduzido na pesquisa como unidade do objeto de análise, assim como o governo brasileiro da época, por meio de representantes e órgãos estatais. Embora nesta unidade seja reconhecida sua forma plural, há o armazenamento de informações históricas, ou seja, arquivos institucionais com documentos sobre a organização. Não apenas os documentos, mas o aspecto político dos arquivos históricos na seleção e disponibilização ao público dos documentos online revela o cenário em que o Banco Mundial e os órgãos governamentais no Brasil atuaram no período analisado.

Devido aos acontecimentos externos e às mudanças introduzidas no aparelho do Estado brasileiro a partir de 1992, é possível identificar alguns elementos de análise sob a ótica da gestão do desenvolvimento através do conjunto de ações do Banco Mundial. Com base nessas prerrogativas iniciais, os documentos deste ano em diante foram considerados de destaque no plano de desenvolvimento do país por três aspectos iniciais primordiais. Estes são categorizados em três ideias-chave: exemplos de sucesso apresentados por outros países em situação comparável, discurso de redução da pobreza e atratividade para investimentos estrangeiros. Esses temas orientaram as categorias encontradas na análise dos documentos de acordo com a seguinte organização de categorias e subcategorias:

Quadro 1
Lista de temas, categorias e subcategorias dos códigos norteadores da análise documental

Com base nos padrões de argumentação identificados nos documentos, embora o Banco Mundial estabelecesse ajustes econômicos por meio de incentivos à desregulamentação e privatização como pilar para o desenvolvimento e estabilização do país, outros fundamentos do funcionamento do aparelho de Estado foram mencionados em documentos do Banco Mundial como contribuintes para um setor público eficiente. Esse fator crítico de sucesso envolveria indiretamente o desenvolvimento do país, e um dos alicerces era uma “burocracia que funcionasse bem”. Uma burocracia em pleno funcionamento promoveria o crescimento e reduziria a pobreza, fornecendo sólidos insumos regulatórios e, ao menor custo, bens e serviços públicos essenciais.

Com base nessa tríade entre desenvolvimento, capacidade institucional pública e conhecimento técnico, o Banco Mundial foi monitorado diretamente na década de 1990. A partir dessa triangulação, foram estruturados projetos para o Brasil que contribuam para fortalecer a capacidade do setor público de estabelecer e aplicar políticas públicas sólidas, melhorar a gestão das áreas de governo e propor medidas de estabilização macroeconômica para promover o crescimento econômico. As categorias e subcategorias encontradas nos documentos da instituição global eram condizentes com o que se produzia no Brasil em termos de reforma gerencialista justamente porque o modelo aplicado era para países subdesenvolvidos, como era o caso do Brasil à época. Portanto, a elaboração e aplicação da reforma gerencial com base nos argumentos do Banco não pode ser considerada de forma impositiva pelos representantes brasileiros, muito menos como uma intervenção direta no sistema de governo do país.

A tríade gerencialista do Banco Mundial, em contraste com o paradigma AGD

Ao contrário da percepção dos entrevistados e representantes do governo no Brasil à época, a atuação do Banco Mundial em prol não apenas da reforma gerencialista como plano diretor, mas de todo um movimento de reestruturação do Estado e do modelo econômico brasileiro não foi isenta de vieses. De acordo com a Teoria da Administração e Gestão do Desenvolvimento, o papel do Banco Mundial como instituição global que pratica “soft management” foi identificado a partir daí, inclusive na exitosa política de controle global. Entretanto, um elemento dessa forma de interação apontado por Nye (2004Nye, J. S. (2004). Soft power: the means to success in world politics. New York, NY: Public Affairs., p. 99) deve ser destacado: “muitos de seus recursos [como o soft management] estão fora do controle do governo [das próprias instituições] e dependem fortemente na aceitação pelo público receptor”. Além disso, “os recursos são fortemente dependentes e muitas vezes trabalham indiretamente, moldando o ambiente para a política e, às vezes, levam anos para produzir os resultados desejados”.

As exigências impostas pelo Banco Mundial para a base do desenvolvimento do Brasil dependiam do progresso nas reformas estruturais e setoriais, incluindo a aprovação da reforma administrativa, a continuação da consideração da reforma da previdência, do ajuste fiscal e das reformas setoriais em diversas áreas para manter o país dentro os pontos de referência. No entanto, alguns riscos não devem ser negligenciados, como a falta de progresso na redução da dívida do setor público, possível retomada da pressão sobre a conta corrente com a retomada do crescimento, novos choques externos e desembolsos mais fracos decorrentes de restrições fiscais. A mais importante delas é a dívida do setor público, pois pode impactar diretamente as contas correntes e o ritmo dos desembolsos.

Por isso, os ajustes macroeconômicos foram considerados em documentos como outro importante fator crítico de sucesso, e são temas recorrentes no desenvolvimento do Brasil desde a década de 1980. Assim, desde a introdução de novos conjuntos de medidas fiscais até políticas de estabilização e defesa da defesa moeda nacional, o Banco Mundial responderia aos novos desafios com um programa alargado de descargas de serviços que não se prendem apenas com ajudas de apoio a reformas relacionadas à macroeconomia, ao desempenho e ao crescimento, incluindo a redução do impacto no déficit do setor público e a flexibilização gradual da administração da taxa de câmbio, bem como o fortalecimento do sistema bancário, a desregulamentação e a descentralização do modelo de geração burocrática de políticas fiscais e o incentivo à privatização de serviços e à nacionalização.

Do ponto de vista teórico, com base em referenciais em Administração e Gestão do Desenvolvimento (AGD), entende-se que o Banco Mundial, por sua atuação e perspectiva histórica, não foi apenas um mero agente financeiro em países subdesenvolvidos. Através de reflexões baseadas no uso do arquivo institucional, pretendemos investigar o que está por trás da lógica gerencialista implementada para promover o desenvolvimento, no caso do Brasil, por meio do conflito histórico. Os princípios de gestão estiveram presentes para as atividades de desenvolvimento, tanto para a concepção do Brasil quanto para a concepção do tempo no mundo; porém, há elementos subjacentes, invisíveis ou, como diz a perspectiva AGD, “suaves”, inerentes às opções de reformas gerencialistas em prol do desenvolvimento. Conforme justificado pela postura epistemológica da pesquisa, as análises contextuais complementam essa perspectiva.

CONCLUSÃO

A categorização e análise dos documentos mostraram uma convergência dos temas obtidos como fatores críticos de sucesso em projetos de desenvolvimento organizacional com a abordagem de gestão do desenvolvimento utilizada pelo Banco Mundial em países subdesenvolvidos. Cooke (2003Cooke, B. (2003). A new continuity with colonial administration: participation in development management. Third World Quarterly, 24(1), 47-61. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/ 01436590 32000044342
https://doi.org/10.1080/ 01436590 320000...
) já havia apontado que um modelo de gestão do desenvolvimento na literatura AGD para cenários de países subdesenvolvidos envolvia quatro grandes temas (Cooke, 2004, p. 67) no âmbito das frentes de ação, a saber Estrutural/Institucional, Social/Humana, Físico/Rural/Urbano e Macroeconômico/Financeiro. Com base nesse modelo (alinhado com a pesquisa e de acordo com os temas, categorias e subcategorias encontrados), a análise de documentos nessa perspectiva crítica, a partir de uma lente teórica pós-desenvolvimento, confirmou como o Banco trabalha com países-piloto para facilitar a incorporação dos princípios de desenvolvimento seguindo os princípios da gestão do desenvolvimento a partir dos seguintes pontos: comportamentos de liderança (papéis, habilidades e atitudes), ambiente organizacional (estrutura, processos e cultura) e abordagem de aprendizagem (aprendizagem, contexto, conteúdo e processo).

Isso revela uma ênfase nos processos de gerencialismo segundo o modelo gerencialista aplicado a um modelo previsto pelo Banco Mundial, mas pouco enfatizado de acordo com o contexto brasileiro ou mesmo com as possibilidades oferecidas à época pelo governo anterior. No entanto, essas foram diretrizes determinadas pela agência multilateral como os fatores críticos para o sucesso dos projetos implementados. Demonstrações de poder de representantes do Banco Mundial, identificadas por meio dos códigos de análise, visavam não só o sucesso do projeto, mas também manter o controle sobre a evolução dos processos administrativos para os próximos anos. A literatura sobre gestão de projetos demonstra a evolução da análise das metas inseridas nesses projetos por meio dos Fatores Críticos de Sucesso, elencados desde o planejamento até o monitoramento das ações nos países-alvo (Ika et al., 2012Ika, L. A., Diallo, A., & Thuillier, D. (2012). Critical success factors for World Bank projects: an empirical investigation. International Journal of Project Management, 30(1), 105-116. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2011.03.005
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). Através dos documentos analisados sobre a atuação do Banco Mundial no Brasil, pode-se perceber não apenas esses fatores críticos, mas também houve um contínuo desenvolvimento da reforma gerencialista no Brasil relatado nos documentos para melhorar a implementação do projeto e, consequentemente, a chances de sucesso do projeto.

Nos relatórios do Banco Mundial, cada projeto foi dividido de acordo com o setor de destino, ou seja, empréstimos, prazos estabelecidos, recomendações explícitas para cada etapa e os respectivos riscos de cada contrato. Essas designações reforçam o critério adotado pelo Banco Mundial sobre esses temas como fatores críticos de sucesso para projetos que transcendem o aspecto estrutural e interferiam no aspecto ideológico, especialmente no contexto do período. Os fatores críticos de sucesso estabelecidos pelo Banco em seus projetos de gestão de desenvolvimento para o país tiveram duas características que diferenciam a agenda de reformas do Brasil de outros países estabilizados com sucesso. Primeiro, o Brasil havia iniciado reformas estruturais antes e não depois da estabilização. Embora houvesse evidências de um impacto positivo na produtividade, especialmente na indústria, o país ainda carecia de “ganhos amplos de reformas estruturais, na forma de uma mudança para o crescimento liderado pelo investimento privado”. Sem grandes êxitos perceptíveis na linha do Banco, não se percebia nenhum impulso que pudesse sustentar e aprofundar as reformas.

Assim, a forma de argumentação utilizada pelo Banco Mundial pode ser complementar à análise da teoria AGD acerca do “soft power” aplicado por instituições de influência global em países do terceiro mundo (Nye, 2004Nye, J. S. (2004). Soft power: the means to success in world politics. New York, NY: Public Affairs.), envolvendo importante participação sob a ótica do “receptor” para perpetuar a legitimidade (e mesmo a autoridade) das nações multilaterais a esse respeito. Além da abordagem como provedor de ajuda, de acordo com a característica da atuação do Banco Mundial em estudos sobre gestão do desenvolvimento, o aspecto intelectual foi visto como forma de argumento para discussão e persuasão em casos de países subdesenvolvidos. A abordagem da aprendizagem como elemento disseminador é importante destacar nos processos de gestão do desenvolvimento, nos comportamentos de liderança e no ambiente organizacional. Além disso, os pontos estariam em constante transição e influência, tendo um tempo determinado para ocorrer em países e instituições.

Por meio da documentação explorada neste estudo, é possível deduzir que esses princípios, assim como os objetivos da gestão pública com princípios gerencialistas, eram aconselhados antes mesmo do marco da reforma em 1995 e o são desde a década de 1980, por meio de avaliação e assessoria exclusivamente do Banco Mundial para a situação brasileira. No entanto, esta pesquisa apresenta uma limitação uma vez que os documentos utilizados para esta conclusão estavam disponíveis online no contexto pesquisado e no centro de documentação do Banco. Portanto, sugerimos que novas pesquisas tentem fazer convergir documentos elaborados por representantes da política brasileira à época, contrastando as informações fornecidas pela agência multilateral. No entanto, ainda é possível concluir que, embora o impulso mais urgente fosse a implementação de medidas de estabilidade econômica, dadas as causas da crise econômica e as inconsistências políticas com o então recente processo de democratização, os relatórios de país do Banco foram direcionados a diferentes setores como água, agricultura, transporte, eletricidade, recursos bancários e, sobretudo, reformas administrativas no setor público.

A complexa atuação do Banco Mundial envolveria uma ação com evidências complementares ao modo como foi estudada na AGD, envolvendo também o corpo intelectual do Banco, grupos de “elite” corresponsáveis pela compreensão e implementação dos projetos Banco-nação, e uma compreensão de sua história dos países clientes, direcionando recursos e estratégias oportunas para cada governo com base em exemplos bem-sucedidos de desenvolvimento em outras nações. Além disso, outros pontos da teoria foram reiterados a partir das observações documentais, como a atuação do Banco Mundial por meio do discurso da “ajuda” e uma abordagem específica da relação entre meios gerencialistas e redução da pobreza nos países clientes, além de rever considerações e melhoria contínua que estão sempre presentes nos projetos.

Portanto, com base no argumento de Murphy (2008Murphy, J. (2008). The Rise of the Global Managers. London, UK: Routledge.), pode-se concluir que o caso brasileiro analisado demonstrou um movimento hegemônico em favor de práticas gerencialistas tipicamente globalizadas que permitiram que o gerencialismo fosse considerado uma receita para o desenvolvimento das nações periféricas. No entanto, a partir da análise documental, entende-se que a instituição não conduziu de forma neutra esse direcionamento adotado pelo Banco em direção aos preceitos gerencialistas, uma vez que conflitos, divergências e inconsistências com o governo brasileiro foram percebidos ao longo do processo. De acordo com essa interpretação, apesar da relevância da dimensão política e institucional entre os países para as transformações, é possível inferir que o contexto internacional foi decisivo para a criação (ou adaptação) desse modelo. É possível deduzir, até mesmo como convite a futuras pesquisas em outros contextos históricos e geográficos, que nos países subdesenvolvidos, o novo modelo de gestão estava relacionado não apenas com a forma de administrar as operações públicas, mas, sobretudo, com a ideia de desenvolver nações que precisam de infraestrutura governamental.

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    Pesquisa originalmente concluída em 2019 a partir de uma tese de doutorado.
  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2021
  • Aceito
    06 Fev 2023
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