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Gerenciando os limites trabalho-lar: um estudo com expatriados

Resumo

O objetivo deste estudo foi entender as táticas usadas pelos expatriados para gerenciar a interface trabalho-lar. Esta pesquisa qualitativa foi realizada por meio de entrevistas em profundidade com 64 expatriados brasileiros do sexo masculino, submetidas posteriormente a análise de conteúdo. Os resultados mostraram que os expatriados gerenciam os conflitos que podem aparecer nas relações com os atores sociais dos domínios organizacional (por exemplo, empregadores, clientes e fornecedores) e doméstico (cônjuge, filhos e pais) usando táticas de negociação de fronteiras entre esses domínios. A análise revelou uma lista de táticas que permitem aos expatriados integrar ou segmentar os domínios, bem como permitiu oferecer sugestões de como esses profissionais podem interagir ativamente para construir e manter o equilíbrio trabalho-lar durante esse período de alocação no exterior que lhes é tão exigente. Além disso, a pesquisa sugere que as empresas desenvolvam políticas de trabalho em casa que levem em conta as preferências que um expatriado e sua família têm para integrar ou segmentar os domínios organizacional e doméstico.

Palavras-chave:
Expatriados; Equilíbrio trabalho-lar; Limites; PE-Fit

Abstract

This study aims to understand the tactics that expatriates use to manage the interface between work and home. This qualitative study was performed using in-depth interviews later submitted to content analysis, with 64 male Brazilian expatriates. The results showed that expatriates manage the conflicts that may appear in relationships with social actors from the organizational (e.g., employers, customers, and suppliers) and home (spouse, children, and parents) domains by using boundary work tactics. The analysis revealed a list of tactics that allow the expatriates to integrate or segment the work and home domains. This study suggests how expatriates can actively interact with people from work and home domains in such a way that they can build and maintain better work and home relationships during the period they are living in other country. Additionally, companies should develop work-home policies that consider the preferences that an expatriate and his family have for integrating or segmenting work and home domains.

Keywords:
Expatriates; Work-home balance; Boundaries; PE-Fit

Resumen

El objetivo de este estudio fue comprender las tácticas que utilizan los expatriados para administrar la interfaz entre los dominios trabajo y hogar. Este estudio cualitativo se realizó mediante entrevistas en profundidad con 64 expatriados brasileños y las entrevistas se analizaron por contenido. El estudio mostró que los expatriados manejan los conflictos que pueden aparecer en las relaciones con los actores sociales de los dominios organizacional (por ejemplo, empleadores, clientes y proveedores) y del hogar (cónyuge, hijos y padres) utilizando tácticas de trabajo límite. El análisis reveló una lista de tácticas que permiten a los expatriados integrar o segmentar los dominios de trabajo y hogar. Los autores sostienen que este estudio proporciona sugerencias de cómo los expatriados pueden interactuar activamente con las personas de los dominios del trabajo y el hogar de tal manera que puedan construir y mantener mejores relaciones laborales y hogareñas durante ese período exigente. Además, el estudio sugiere que las compañías desarrollen políticas de trabajo en el hogar que tengan en cuenta las preferencias que tienen un expatriado y su familia para integrar o segmentar los dominios de trabajo y hogar.

Palabras clave:
Expatriados; Equilibrio trabajo-hogar; Límites; PE-Fit

INTRODUÇÃO

A atuação em mercados internacionais requer das organizações a habilidade de gerenciar uma força de trabalho global. Nesse contexto, a expatriação é uma prática comum, embora desafiadora, em empresas que operam globalmente. Por exemplo, o período de alocação de um colaborador no exterior é caracterizado, em geral, por um aumento de responsabilidades, do número de viagens a trabalho e do nível de estresse relacionado a vida profissional do expatriado (Shaffer & Harrison, 1998Shaffer, M. A., & Harrison, D. A. (1998). Expatriates’ psychological withdrawal from international assignments: Work, nonwork, and family influences. Personnel Psychology, 51(1), 87-118.). Além disso, esse período de alocação é marcado pelo o aumento do estresse vivenciado no ambiente doméstico, dada a vulnerabilidade emocional e os conflitos culturais aos quais a família está sujeita no ambiente de acolhimento (Lazarova, Westman & Shaffer, 2010Lazarova, M., Westman, M., & Shaffer, M. A. (2010). Elucidating the positive side of the work-family interface on international assignments: A model of expatriate work and family performance. Academy of Management Review, 35(1), 93-117.). Esses fatores contribuem para tornar o conflito trabalho-lar um tema de crescente importância para a gestão internacional de recursos humanos.

Diante desse contexto, diversos pesquisadores têm se dedicado a estudar, sob diferentes abordagens, o conflito/equilíbrio trabalho-lar vivido por executivos alocados para o trabalho no exterior. A literatura nesta área tem explorado o tema no nível organizacional, com análises dos antecedentes e consequências do conflito trabalho-lar (Beutell, 2010Beutell, N. J. (2010). Work schedule, work schedule control and satisfaction in relation to work-family conflict, work-family synergy, and domain satisfaction. Career Development International, 15(5), 501-18.). Ainda, alguns estudos analisaram o nível individual, adotando abordagens qualitativas para entender as percepções dos expatriados em relação aos conflitos de trabalho e o que as organizações podem fazer para amenizar esse problema (Fischlmayr & Kollinger, 2010Fischlmayr, I. C., & Kollinger, I. (2010). Work-life balance-a neglected issue among Austrian female expatriates. The International Journal of Human Resource Management, 21(4), 455-87.; Rosenbusch, Cerny II & Earnest, 2015Rosenbusch, K., Cerny II, L. J., & Earnest, D. R. (2015). The impact of stressors during international assignments.Cross Cultural Management, 22(3), 405-30.).

Uma análise da literatura sobre o conflito/equilíbrio trabalho-lar no caso de expatriados revela algumas lacunas importantes, como a necessidade de compreender o papel das escolhas do expatriado em tais conflitos. Apesar da importância dos incentivos organizacionais e fatores contextuais (Brewster, Wood & Brookes, 2008Brewster, C., Wood, G., & Brookes, M. (2008). Similarity, isomorphism or duality? Recent survey evidence on the human resource management policies of multinational corporations. British Journal of Management, 1(4), 320-42.), os indivíduos não são meros reagentes que apresentam respostas automáticas. Eles têm um papel ativo e sua experiência na origem e estado de conflito trabalho-lar deve ser mais bem estudada (B. Araujo, Teixeira, Cruz & Malini, 2014Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., & Malini, E. (2014). Understanding the adaptation of organisational and self-initiated expatriates in the context of Brazilian culture.The International Journal of Human Resource Management, 25(18), 2489-509.; B. Araujo, Tureta & D. Araujo, 2015Araujo, B. F. V. B., Tureta, C. A., & Araujo, D. A. (2015). How do working mothers negotiate the work-home interface?. Journal of Managerial Psychology, 30(5), 565-81.; Felix & Cavazotte, 2019Felix, B., Teixeira, M. L. M., & Balassiano, M. (2019). Who adapts better to Brazil: Expatriates from developed or Latin American countries? Revisiting cultural distance. International Journal of Cross-Cultural Management, 19(1), 71-84.). Outra lacuna observada na literatura está relacionada a necessidade de enfatizar não somente o conflito ou o problema vivenciado, mas também a solução adotada pelos indivíduos (Felix, Mello & von Borell, 2018Felix, B., Mello, A., & von Borell, D. (2018). Voices unspoken? Understanding how gay employees co-construct a climate of voice/silence in organisations.The International Journal of Human Resource Management, 29(5), 805-828.). Essas lacunas revelam uma oportunidade de analisar no nível micro da ação individual como o equilíbrio trabalho-lar é estabelecido por executivos expatriados (Dimitrova, Chia, Shaffer & Tay-Lee, 2020Dimitrova, M., Chia, S. I., Shaffer, M. A., & Tay-Lee, C. (2020). Forgotten travelers: Adjustment and career implications of international business travel for expatriates. Journal of International Management, 26(1), 1-15.; Gomes & Felix, 2019Gomes, R., & Felix, B. (2019). In the closet: a grounded theory of the silence of gays and lesbians in the workplace. Cadernos EBAPE.BR, 17(2), 375-388.).

Assim, o objetivo desta pesquisa é compreender as táticas adotadas por expatriados para gerenciar a interface trabalho-lar durante o período de sua alocação no exterior. Ela adota uma abordagem qualitativa baseada em entrevistas em profundidade com 64 expatriados brasileiros de quatro organizações diferentes, oferecendo contribuições tanto teóricas quanto práticas. Trata-se do primeiro esforço de análise das táticas usadas por expatriados, em nível individual, para estimular o equilíbrio trabalho-lar. O uso das perspectivas person-environment fit (P-E fit) (Alinhamento Pessoa-Ambiente de Trabalho) (Hartmann, 1991Hartmann, E. (1991). Boundaries in the mind: A new psychology of personality. New York, NY: Basic Books.) e boundary theory (Teoria das Fronteiras) (Clark, 2000Clark, S. C. Work/family border theory: A new theory of work/family balance.Human relations, 53(6), 747-70, 2000.) como suporte teórico também é uma inovação importante para a literatura voltada a gestão internacional de recursos humanos, já que esses métodos contribuem para uma melhor compreensão da relevância das preferências pessoais na integração ou segmentação das experiências de trabalho e em casa na dinâmica de gestão das demandas do expatriado, da empresa e da família. Em termos práticos, este estudo descreve uma lista de táticas que podem ser usadas por executivos expatriados para promover o equilíbrio trabalho-lar.

A interface trabalho-lar durante a alocação do trabalhador no exterior

O que se sabe até agora sobre as mudanças que ocorrem na fronteira trabalho-lar quando o trabalhador é alocado para atuar no exterior? A literatura tem demonstrado, de maneira geral, que a experiência da expatriação muitas vezes traz maior permeabilidade à fronteira trabalho-lar (Capitano & Greenhaus, 2018Capitano, J., & Greenhaus, J. H. (2018). When work enters the home: Antecedents of role boundary permeability behavior. Journal of Vocational Behavior, 109, 87-100.). A presente seção foca na análise do que a literatura tem revelado sobre as expectativas da organização e da família em relação ao expatriado, e sobre os incentivos organizacionais e do próprio indivíduo alocado para o trabalho no exterior para lidar com eventuais conflitos em relação a essas expectativas.

Quais as demandas relacionadas ao trabalho que normalmente são adicionadas ao cotidiano de um profissional em decorrência da expatriação? Estudos anteriores relatam um aumento no tempo gasto em viagens de negócios (Shaffer & Harrison, 2001Shaffer, M. A., Harrison, D. A. (2001). Forgotten partners of international assignments: development and test of a model of spouse adjustment.Journal of Applied Psychology, 86(2), 238-54.), atividades profissionais em horários atípicos devido a problemas de fuso horário (Harvey & Napier, 2004Harvey, M., & Napier, N. (2004). The Impact of ‘Global Time’ on the Role of Expatriate Managers. Research and Practice in Human Resource Management, 12(1), 92-133.; Lirio, 2014Lirio, P. (2014). Taming travel for work-life balance in global careers. Journal of Global Mobility, 2(2), 160-82.) e atividades regulares de trabalho no país anfitrião (Lauring & Selmer, 2015Lauring, J., & Selmer, J. (2015). Job engagement and work outcomes in a cognitively demanding context: the case of expatriate academics.Personnel Review, 44(4), 629-47.; Shaffer, Kraimer, Chen & Bolino, 2012Shaffer, M. A., Kraimer, M. L., Chen, Y. P., & Bolino, M. C. (2012). Choices, challenges, and career consequences of global work experiences a review and future agenda.Journal of Management, 38(4), 1282-327.). Essas mudanças ocorrem principalmente devido ao aumento da responsabilidade do profissional durante a expatriação, que muitas vezes se dá pela maior distância entre matriz e filial, e pelo fato das filiais estrangeiras serem menores (Al Mazrouei & Pech, 2015Al Mazrouei, H. & Pech, R. J. (2015). The expatriate as company leader in the UAE: cultural adaptation.Journal of Business Strategy, 36(1), 33-40.; Felix, Teixeira & Balassiano, 2019Felix, B., Teixeira, M. L. M., & Balassiano, M. (2019). Who adapts better to Brazil: Expatriates from developed or Latin American countries? Revisiting cultural distance. International Journal of Cross-Cultural Management, 19(1), 71-84.; Mäkelä & Suutari, 2011Mäkelä, L., & Suutari, V. (2011). Coping with work-family conflicts in the global career context.Thunderbird International Business Review, 53(3), 365-75.). A necessidade de justificar o investimento financeiro na expatriação, de assumir a identidade associada ao novo cargo e de produzir resultados que favoreçam sua carreira após a repatriação, também são fontes relevantes de estresse psicológico para o trabalhador (estresse associado ao domínio organizacional) (Mcnulty, Cieri & Hutchings, 2013Mcnulty, Y., Cieri, H., & Hutchings, K. (2013). Expatriate return on investment in the Asia Pacific: An empirical study of individual ROI versus corporate ROI. Journal of World Business, 48(2), 209-21.; Shaffer et al., 2012Shaffer, M. A., Kraimer, M. L., Chen, Y. P., & Bolino, M. C. (2012). Choices, challenges, and career consequences of global work experiences a review and future agenda.Journal of Management, 38(4), 1282-327.).

A expatriação também aumenta as demandas específicas oriundas do domínio doméstico. Ao entrar em uma experiência internacional, o expatriado muitas vezes se torna o único provedor do lar, e seu cônjuge geralmente assume o papel de zelador da família, abrindo mão de sua carreira e independência financeira (Cole & Nesbeth, 2014Cole, N., & Nesbeth, K. (2014). Why Do International Assignments Fail? Expatriate Families Speak.International Studies of Management & Organization, 44(3), 66-79.; Linehan & Scullion, 2001). Mesmo os cônjuges que não trabalhavam antes da expatriação encontram desafios, como a perda de companhia de outros membros da família, dificuldades com o idioma e questões relacionadas à segurança no país de acolhimento (Lazarova et al., 2010Lazarova, M., Westman, M., & Shaffer, M. A. (2010). Elucidating the positive side of the work-family interface on international assignments: A model of expatriate work and family performance. Academy of Management Review, 35(1), 93-117.). Para os casais que têm filhos, as expectativas no domínio doméstico tornam-se ainda mais impactantes, diante de desafios como o afastamento de amigos e da escola, e as incertezas quanto à formação da identidade dos filhos - preocupações que tendem a aumentar as responsabilidades dos pais (Mahajan & Toh, 2014Mahajan, A., & Toh, S. M. (2014). Facilitating expatriate adjustment: The role of advice-seeking from host country nationals. Journal of World Business, 49(4) 476-87.).

Assim, a importância das relações familiares traz ao expatriado a necessidade de atender às demandas do trabalho sem prejudicar o relacionamento com o cônjuge e os filhos. A literatura sugere que os membros da família devem oferecer apoio ao trabalhador durante o período de alocação no exterior, para o bem do futuro da família (Mäkelä & Suutari, 2011Mäkelä, L., & Suutari, V. (2011). Coping with work-family conflicts in the global career context.Thunderbird International Business Review, 53(3), 365-75., 2015Mäkelä, L., & Suutari, V. (2015). The Work and Personal Life Interface in the International Career Context: An Introduction. In L. Mäkelä, & V. Suutari (Eds.), Work and Family Interface in the International Career Context (pp. 1-9). New York, NY: Springer.). Ainda, há uma expectativa em relação a permeabilidade entre a dedicação à organização e à família, ou seja, os familiares esperam receber atenção do expatriado durante dias úteis de trabalho, enquanto colegas de serviço esperam que o profissional trabalhe à noite e nos finais de semana. O trabalhador também tem suas expectativas individuais em relação a permeabilidade entre esses domínios, sendo que alguns podem preferir separar claramente trabalho e vida familiar, enquanto outros preferem combiná-los. No entanto, as expectativas da organização e da família colocam o expatriado em uma posição constante de conflito potencial.

Na busca de minimizar os efeitos negativos de expectativas inconciliáveis sobre o desempenho do expatriado em sua vida profissional ou familiar, várias organizações têm adotado práticas de apoio específicas para lidar com esse conflito (Selmer & Lauring, 2014Selmer, J., & Lauring, J. (2014). Unhappy expatriates at work: subjective ill-being and work outcomes.European Journal of International Management, 8(6), 579-99.), auxiliando executivos a encontrar soluções para satisfazer demandas pessoais e profissionais (Fischlmayr & Kollinger, 2010Fischlmayr, I. C., & Kollinger, I. (2010). Work-life balance-a neglected issue among Austrian female expatriates. The International Journal of Human Resource Management, 21(4), 455-87.; Visser, Mills, Heyse, Wittek & Bollettino, 2016Visser, M., Mills, M., Heyse, L., Wittek, R., & Bollettino, V. (2016). Work-Life Balance Among Humanitarian Aid Workers. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly, 45(6), 1191-1213.). No entanto, os efeitos desses programas são limitados, e há evidências de que muitas práticas recorrentes permanecem inalteradas enquanto outras são mal ajustadas às necessidades locais das políticas de gestão de recursos humanos de empresas multinacionais (Cole & Nesbeth, 2014Cole, N., & Nesbeth, K. (2014). Why Do International Assignments Fail? Expatriate Families Speak.International Studies of Management & Organization, 44(3), 66-79.). Além disso, empresas que estimulam incentivos para melhorar o equilíbrio trabalho-lar, também implementam frequentemente sistemas de trabalho que demandam alto envolvimento de seus expatriados, o que representa um paradoxo visto que os primeiros tendem a se contrapor aos segundos (Brewster et al., 2008Brewster, C., Wood, G., & Brookes, M. (2008). Similarity, isomorphism or duality? Recent survey evidence on the human resource management policies of multinational corporations. British Journal of Management, 1(4), 320-42.).

As limitações das contribuições das iniciativas organizacionais para promover o equilíbrio trabalho-lar, levam a necessidade de compreender melhor como os expatriados têm buscado enfrentar esse problema dentro de seus próprios campos de influência. Mäkelä e Suutari (2011Mäkelä, L., & Suutari, V. (2011). Coping with work-family conflicts in the global career context.Thunderbird International Business Review, 53(3), 365-75.) deram importantes passos nesse sentido, explorando estratégias individuais utilizadas por profissionais em carreiras internacionais, como afastar-se psicologicamente ou fisicamente de situações estressantes, evitando atribuições que trariam excessivas demandas profissionais e familiares, bem como fazendo esforços emocionais para aceitar certas condições relacionadas a esse tipo de carreira. Dada a relevância das ações do indivíduo na co-construção da realidade (Stryker, 1980Stryker, S. (1980). Symbolic Interactionism: a social structural version. Menlo Park, CA: Benjamin/Cummings.), essa é uma linha de pesquisa promissora que merece estudos teóricos mais aprofundados.

Correntes teóricas que buscam a compreensão do equilíbrio trabalho-lar no caso de profissionais expatriados

Os avanços teóricos propostos aqui estão fundamentados nas discussões de como os expatriados buscam o equilíbrio trabalho-lar, aplicando-se dois referenciais teóricos principais: boundary theory (Teoria das Fronteiras) e person-environment fit (P-E fit) (Alinhamento Pessoa-Ambiente de Trabalho), apresentados a seguir.

Teoria das Fronteiras

As pessoas criam, mantém e adaptam fronteiras entre diferentes domínios (organizacional e doméstico, por exemplo) para simplificar e categorizar o mundo em que vivem (Ashforth, Kreiner & Fugate, 2000Ashforth, B. E., Kreiner, G. E., & Fugate, M. (2000). All in a day’s work: Boundaries and micro role transitions. Academy of Management Review, 25(3), 472-91.). Neste estudo entendemos por ‘domínio’ “um espaço cognitivo do que está incluído dentro das fronteiras” (Kreiner, Hollensbe & Sheep, 2006Kreiner, G. E. (2006). Consequences of work-home segmentation or integration: A person-environment fit perspective. Journal of Organizational Behavior, 27(4), 485-507., p. 1319, tradução nossa), e ‘fronteiras’ são co-construções simbólicas de natureza física, temporal ou comportamental que distinguem um domínio de outro (Clark, 2000Clark, S. C. Work/family border theory: A new theory of work/family balance.Human relations, 53(6), 747-70, 2000.; Rau & Hyland, 2002Rau, B. L., & Hyland, M. A. M. (2002). Role conflict and flexible work arrangements: The effects on applicant attraction. Personnel Psychology, 55(1), 111-36.). Essas fronteiras podem ser encaradas em uma dimensão bipolar contínua, em que em um extremo estão seus limites ditos mais ‘fracos’ e no outro estão os limites mais ‘fortes’ (Ashforth et al., 2000Ashforth, B. E., Kreiner, G. E., & Fugate, M. (2000). All in a day’s work: Boundaries and micro role transitions. Academy of Management Review, 25(3), 472-91.). Quando os indivíduos criam fronteiras mais fracas, elaboram limites mais permeáveis e permitem que os domínios se integrem. Por outro lado, fronteiras mais fortes ampliam a impermeabilidade e a segmentação entre domínios (Bader, Froese & Kraeh, 2018Bader, A. K., Froese, F. J., & Kraeh, A. (2018). Clash of Cultures? German Expatriates’ Work-Life Boundary Adjustment in South Korea. European Management Review, 15(3), 357-374.; Hartmann, 1991Hartmann, E. (1991). Boundaries in the mind: A new psychology of personality. New York, NY: Basic Books.).

Essas noções abriram novas possibilidades na literatura sobre conflito/equilíbrio trabalho-lar em ambientes domésticos. Estudos subsequentes ampliaram a discussão (Ashforth et al., 2000Ashforth, B. E., Kreiner, G. E., & Fugate, M. (2000). All in a day’s work: Boundaries and micro role transitions. Academy of Management Review, 25(3), 472-91.; Clark, 2000Clark, S. C. Work/family border theory: A new theory of work/family balance.Human relations, 53(6), 747-70, 2000.; Kreiner, 2006Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2006). On the edge of identity: Boundary dynamics at the interface of individual and organizational identities. Human Relations, 59(10), 1315-41.) e mostraram que em domínios domésticos onde há uma preferência por fronteiras mais fracas, o indivíduo fica sujeito a estresses oriundos das interações com familiares no horário e local de trabalho. As atividades profissionais desempenhadas no domínio doméstico são observadas como naturais neste caso. Os estudos identificaram também que as preferências por fronteiras fracas revelam uma expectativa de que os tempos e espaços destinados ao lar e à família sejam distintos, o que leva a uma redução das interações familiares no contexto do trabalho e a uma dedicação exclusiva aos indivíduos envolvidos nas relações pessoais e familiares quando no domínio doméstico.

Como as fronteiras são construídas nas interações entre indivíduos e grupos sociais (Stryker, 1980Stryker, S. (1980). Symbolic Interactionism: a social structural version. Menlo Park, CA: Benjamin/Cummings.), é possível que, em um domínio organizacional, sejam criadas expectativas quanto ao grau de permeabilidade em relação ao domínio doméstico (B. Araujo et al., 2015Araujo, B. F. V. B., Tureta, C. A., & Araujo, D. A. (2015). How do working mothers negotiate the work-home interface?. Journal of Managerial Psychology, 30(5), 565-81.; Cruz e Meisenbach, 2018Cruz, D., & Meisenbach, R. (2018). Expanding role boundary management theory: How volunteering highlights contextually shifting strategies and collapsing work-life role boundaries. Human Relations, 71(2), 182-205.). Entre grupos como uma família ou uma organização, é possível que haja uma preferência relativamente estável por uma postura mais segmentada ou mais integrada entre o trabalho e o lar. Quando confrontadas com as expectativas do indivíduo, essas preferências revelam suscetibilidade potencial ao conflito trabalho-lar (Kreiner, Hollensbe & Sheep, 2009Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2009). Balancing borders and bridges: Negotiating the work-home interface via boundary work tactics. Academy of management journal, 52(4), 704-30.). A abordagem do P-E Fit é uma lente teórica que permite analisar as consequências dessa interação entre o indivíduo e as entidades coletivas da família e do trabalho.

PE-Fit

Reconhecemos que a Teoria do Alinhamento Pessoa-Ambiente de trabalho (P-E fit) permite a compreensão da interface trabalho-lar como um ambiente de negociação de fronteiras (Kreiner et al., 2009Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2009). Balancing borders and bridges: Negotiating the work-home interface via boundary work tactics. Academy of management journal, 52(4), 704-30.). Um dos princípios desta teoria, a relação entre preferências e ofertas, sustenta que o alinhamento é alcançado quando um ambiente ou domínio (neste artigo, os domínios organizacional e doméstico) satisfaz as necessidades do indivíduo (Kristof, 1996Kristof, A. L. (1996). Person-organization fit: An integrative review of its conceptualizations, measurement, and implications. Personnel Psychology, 49(1), 1-49.). Em contrapartida, ocorre incompatibilidade ou desalinhamento quando o ambiente apresenta oferta em excesso, ou quando há falta de oferta de algo que se deseja. De acordo com a teoria do P-E fit, o alinhamento produz resultados como o equilíbrio e o bem-estar, ao passo que as incompatibilidades levam ao estresse ou conflito (Kreiner et al., 2009Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2006). On the edge of identity: Boundary dynamics at the interface of individual and organizational identities. Human Relations, 59(10), 1315-41.). Assim, dado o cenário recorrente de altas expectativas para a permeabilidade das fronteiras em relação aos domínios organizacional e doméstico, a expatriação pode ser interpretada como um período de alto risco de demandas incompatíveis e, portanto, um período de potencial conflito trabalho-lar.

De que forma a P-E fit nos permite avançar na discussão sobre o conflito/equilíbrio trabalho-lar no caso de profissionais expatriados? De acordo com a P-E fit, a integração trabalho-lar não é inerentemente melhor ou pior do que a segmentação entre os domínios organizacional e doméstico (Kristof, 1996Kristof, A. L. (1996). Person-organization fit: An integrative review of its conceptualizations, measurement, and implications. Personnel Psychology, 49(1), 1-49.). O trabalho de Kreiner (2006Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2006). On the edge of identity: Boundary dynamics at the interface of individual and organizational identities. Human Relations, 59(10), 1315-41.) permite argumentar que as preferências dos indivíduos variam em relação ao estabelecimento de fronteiras mais fracas ou fortes entre o trabalho e o lar. Da mesma forma, entidades sociais que representam os dois domínios também expressam preferências por fronteiras mais integradas ou mais segmentadas. A incongruência entre as preferências individuais (do expatriado) e as preferências ambientais (observadas no trabalho ou no lar) é o que cria suscetibilidade a violações de limites e, consequentemente, conflito trabalho-casa (Kreiner et al., 2009Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2006). On the edge of identity: Boundary dynamics at the interface of individual and organizational identities. Human Relations, 59(10), 1315-41.). O expatriado pode assumir uma postura ativa e é capaz de co-construir a realidade por meio das interações com os atores sociais presentes no ambiente.

Dessa forma, nosso interesse é compreender, em um nível micro, as ações ou dinâmicas de fronteira (Weick, 1995Weick, K. (1995). Sensemaking in organizations. Thousand Oaks, CA: Sage.) adotadas pelos expatriados no gerenciamento da interface trabalho-lar. É importante destacar que o uso da Teoria das Fronteiras e da P-E fit não posicionam o equilíbrio trabalho-lar como um ponto no meio de um continuum, mas sim consideram as demandas do trabalho e do lar em polos opostos. Aqui, o equilíbrio pode ser produzido de duas formas: a) quando há correspondência entre os desejos do indivíduo e de seus parceiros ou cônjuges com relação ao grau de integração/segmentação nos domínios organizacional e doméstico; e b) quando, diante de um desalinhamento de preferência nas fronteiras (P-E misfit), os indivíduos gerenciam os limites para que possam satisfazer as demandas do trabalho e do lar. Nesse caso, o indivíduo obtém os benefícios psicológicos de um alinhamento de preferências na fronteira, mesmo em uma condição de preferência na fronteira trabalho-lar.

METODOLOGIA

Foram realizadas 64 entrevistas com expatriados brasileiros enviados a diversos países, trabalhando em quatro empresas nacionais com operações no exterior e escolhidos pelos seguintes critérios: a) profissionais alocados por organizações para trabalhar no exterior por um período definido (expatriados organizacionais) (B. Araujo et al., 2014Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., & Malini, E. (2014). Understanding the adaptation of organisational and self-initiated expatriates in the context of Brazilian culture.The International Journal of Human Resource Management, 25(18), 2489-509.); b) esses profissionais deveriam estar residindo no exterior por pelo menos um ano no momento das entrevistas; c) deveriam estar acompanhados pelo cônjuge ou parceiro durante o período de expatriação; d) os profissionais deveriam estar acompanhados de crianças enquanto vivendo no exterior; e f) atuar em uma posição de liderança na organização.

A unidade de análise foi a interação entre os entrevistados e representantes da família no domínio doméstico, explorando-se a perspectiva do expatriado em relação às suas ações. O número de participantes foi limitado com base na saturação teórica (Glaser & Strauss, 1967Glaser, B., & Strauss, A. (1967). The discovery grounded theory: strategies for qualitative inquiry. Abingdon, UK: Routledge.), e foram relatadas no estudo somente as táticas de negociação de fronteiras observadas em pelo menos 20% das entrevistas. Como os entrevistados foram solicitados a discorrer somente sobre as táticas bem-sucedidas, entendemos que aquelas que aparecerem com menos frequência diminuiriam a confiabilidade dos resultados.

As entrevistas tiveram duração média de 53 minutos, foram conduzidas online por meio de vídeo-chamadas e em base a um roteiro semiestruturado adaptado de B. Araujo et al. (2015Araujo, B. F. V. B., Tureta, C. A., & Araujo, D. A. (2015). How do working mothers negotiate the work-home interface?. Journal of Managerial Psychology, 30(5), 565-81.), e transcritas e submetidas a análise de conteúdo. Os entrevistados que já haviam sido expatriados anteriormente foram encorajados a responder tendo em mente o conjunto dessas experiências. O Quadro 1 mostra exemplos de questões propostas no roteiro da entrevista.

Quadro 1
Exemplos de questões incluídas no roteiro de entrevistas

Inicialmente, entrevistamos 64 expatriados do sexo masculino, sendo que nenhuma nova tática de negociação de fronteiras foi encontrada após a 49ª entrevista. De uma lista de 22 táticas relatadas, dez foram relatadas em pelo menos 20% das entrevistas. Posteriormente entrevistamos mais 15 expatriadas do sexo feminino e uma das táticas das entrevistas anteriores não foi identificada entre essas entrevistas, sendo essa tática excluída de nossa lista. Portanto, concluímos a análise com uma lista final de nove táticas de negociação de fronteiras.

As empresas atuam nas indústrias de mineração (2), energia (1) e siderurgia (1), segmentos selecionadas uma vez que concentram a maior parcela de profissionais brasileiros expatriados. Como o acesso aos profissionais se deu por meio de solicitações formais aos departamentos de mobilidade global das organizações, foi necessário observar empresas com um maior número de expatriados de maneira a reduzir as limitações de acesso. Cada companhia forneceu uma lista dos expatriados que se dispuseram a participar da pesquisa, e as entrevistas foram realizadas de forma a manter a proporcionalidade entre as empresas quanto às medidas em que as entrevistas foram realizadas. No total, foram 79 entrevistas realizadas pelo mesmo pesquisador. Os participantes tinham idades entre 33-40 (33%), 41-55 (36%) e mais de 55 anos (31%), e ocupavam cargos de média gerência (55%) e liderança executiva (45%).

No processo de análise de conteúdo, foi utilizado um grau aberto de codificação, o que significa que não consideramos categorias anteriores nos processos de geração de código de primeira e segunda ordem (Glaser & Strauss, 1967Glaser, B., & Strauss, A. (1967). The discovery grounded theory: strategies for qualitative inquiry. Abingdon, UK: Routledge.). Foi identificado um conjunto de táticas de negociação de fronteiras adotadas pelos entrevistados, derivadas da seguinte forma: agrupamos os dados em códigos de primeira ordem criados para representar a ação característica de cada tática. Em seguida, agrupamos as táticas encontradas em códigos de segunda ordem com o objetivo de classificá-las em sistemas de significados comuns.

RESULTADOS

Nossa análise dos dados revelou nove táticas usadas por expatriados no gerenciamento da interface trabalho-lar durante o período em que estavam alocados para trabalhar no exterior. Essas táticas de negociação de fronteiras foram organizadas em três categorias mais amplas (códigos de segunda ordem), conforme exposto a seguir. Cada uma das nove táticas é nomeada com o percentual de participantes que ofereceram pelo menos uma evidência empírica de tê-la adotado.

Táticas relacionadas ao tempo

O primeiro grupo de táticas se refere àquelas em que a dinâmica da negociação de fronteiras está ligada à perspectiva temporal. Nessas táticas, os aspectos subjacentes dizem respeito aos desafios associados a um fuso horário diferente, à perspectiva da transitoriedade da alocação do profissional no exterior e ao uso do tempo para gerenciar demandas que são primeiro enfatizadas em um domínio e depois realizadas em outro.

Negociar a adaptação aos fusos horários (42%)

Essa tática se refere ao desafio de vários expatriados ao interagir com atores sociais como fornecedores, clientes, colegas que trabalham na matriz da empresa ou familiares que estão localizados em diferentes fusos horários. Esse cenário aumenta a demanda pela permeabilidade entre o trabalho e o lar e a necessidade de se negociar fronteiras mais segmentadas ou mais integradas para manter relações harmoniosas.

Fui expatriado ao Japão, e nosso fuso horário em relação ao Brasil é de 12 horas de diferença. Minha esposa não gostava que eu trabalhasse em casa, mas você sabe que tem que abrir exceções para as reuniões matinais. Tento centralizar essas atividades das 21h às 23h porque é cedo em um país e ainda não amanheceu no outro.

Essa tática mostra que a gestão da interface trabalho-lar ocorre com familiares e com colegas de trabalho para proporcionar um nível de integração entre as fronteiras, mas, ao mesmo tempo, para preservar algum grau de segmentação de forma que as demandas de ambos os domínios possam ser atendidas de maneira sustentável.

Conseguir uma tolerância temporária (75%)

Ao contrário do que acontece com os expatriados por escolha, aqueles que foram enviados ao exterior por solicitação de uma organização têm um prazo previamente definido para conduzir uma missão específica. Essa situação tende a criar uma percepção de transitoriedade no gerenciamento das demandas profissionais e familiares neste período. No presente estudo, constatamos que quando as fronteiras estão desalinhadas em relação às preferências das pessoas com quem interagem nos domínios organizacional ou doméstico, os expatriados invocam um argumento de transitoriedade para solicitar sua maior compreensão ao lidar com os eventuais desconfortos momentâneos.

Sempre me esforcei para separar o trabalho das questões pessoais. Mas, aqui, tudo mudou. Pedi à minha esposa e filhos uma compreensão extra só durante esse período, que aqui é um investimento para o nosso futuro.

Pedi autorização da empresa para ir a uma das sessões de terapia com meu filho. A empresa foi compreensiva, mas é claro que isso é apenas uma vez, eu estava no final do período de expatriação quando fiz esse pedido.

Em ambos os casos, observa-se que as novas demandas surgidas no ambiente de expatriação, tanto as originadas no domínio organizacional quanto no doméstico, fizeram com que as fronteiras normalmente usadas para equilibrar a interface trabalho-lar não se ajustassem mais às preferências ambientais. Assim, alguns expatriados relataram solicitar uma maior integração temporária, sendo que a preferência padrão seria a segmentação. O contrário também foi observado em outras situações. O fato da expatriação ter uma data de término foi essencial para que tanto o expatriado quanto os familiares e supervisores no trabalho concordassem em alinhar, temporariamente, o tipo de fronteira entre os domínios.

Usar a lógica do “banco de horas” (69%)

Alguns expatriados relataram que buscavam atender demandas específicas e de maior impacto, vindas de ambos os domínios e gerenciando o volume de tempo dedicado a cada um deles. Assim, quando surgem demandas, há uma espécie de “crédito” previamente acumulado que lhes permite realizar uma “retirada” sem que o estado de harmonia entre os envolvidos seja rompido.

Em janeiro, eu sabia que precisaria passar 3 semanas viajando em março. Mencionei isso em casa e imediatamente combinei com eles que veria alguns filmes com meus filhos e faria duas viagens curtas com minha esposa. É assim que fui acumulando créditos para depois fazer um saque.

Minha esposa teve um filho no meio do nosso segundo ano aqui no exterior. Passei todo o primeiro semestre daquele ano me preparando para poder me dedicar mais a ela quando meu filho nascesse. Fiz o mesmo quando ele estava prestes a entrar na escola. Eu sabia que precisaria dar um apoio a mais a ele.

Nestes casos, os expatriados geriram, de forma compensatória, o fluxo de energia entre os domínios organizacional e doméstico para atingir, numa perspectiva temporal longitudinal, as expectativas de ambos. Em vez de tomar “empréstimos” (i.e., solicitando uma flexibilidade a ser compensada mais tarde), eles estavam antecipando e investindo tempo e energia em um domínio específico, alterando a permeabilidade das fronteiras com antecedência para compensar uma já esperada necessidade futura sem maiores problemas.

Táticas relacionadas ao espaço físico

O segundo conjunto de táticas de negociação de fronteiras se refere ao processo de gerenciá-las por meio de uma perspectiva de espaço. Nesse grupo de táticas, fica evidente a gestão de limites físicos como fechar ou abrir a porta de um ambiente de trabalho, usar roupas específicas e acessórios que servem a segmentar ou integrar o trabalho e o lar. Além disso, essas táticas tratam de como os expatriados administram a distância entre os domínios organizacional e doméstico e utilizam espaços não caracterizados como profissionais ou familiares para manter uma gestão satisfatória entre os atores sociais com os quais interagem.

Controlar acessos (39%)

Como a demanda por maior permeabilidade entre o trabalho e o lar se mostra intensificada na expatriação, algumas atividades acabam sendo realizadas fora dos espaços aos quais estão tradicionalmente associadas. Por exemplo, na ocasião, os gestores entrevistados afirmaram que desempenhavam tarefas profissionais em casa e vice-versa. Isso por si só pode ser entendido como um movimento em direção a limites mais permeáveis. No entanto, alguns expatriados afirmaram que, ao realizar essas atividades, buscavam minimizar a percepção de visitantes em relação a violação de fronteira, conforme ilustram os trechos das entrevistas a seguir.

Quando levava trabalho para casa, tinha o costume de manter a porta aberta ou fechada. Aberta quando eu fazia algo mais tranquilo, em que as crianças podiam entrar e ficar comigo para conversar. Mas, se precisava me concentrar, fechava a porta, virando a plaquinha “homens trabalhando” e eles respeitam. Mas também não posso abusar desse expediente, uso ele com moderação.

Para evitar polêmica no trabalho, quando converso com minha esposa ou com meus filhos no trabalho sobre algo mais pessoal, fecho minha porta. Quando é algo muito rápido, não tem problema.

Nessa tática, a porta ou placa localizada na porta sinaliza às pessoas em volta o nível de permeabilidade das fronteiras trabalho-lar permitido naquele momento. Outros comportamentos como ir à varanda ou ao quintal, instalar-se em determinado local ou tocar uma música pré-definida também foram apontados como táticas que comunicam aos atores sociais em um determinado domínio a maior ou menor abertura para interação.

Usar artefatos físicos (35%)

Alguns entrevistados relataram usar objetos como roupas e porta-retratos para comunicar a intenção de integrar ou segmentar os domínios organizacional e doméstico. Eles indicaram o uso de certos objetos associados à casa quando estavam no trabalho e vice-versa, sempre que desejam sinalizar a preferência por integrar as fronteiras entre os domínios (por exemplo, porta-retratos com fotos de família no local de trabalho). Da mesma forma, também encontramos relatos de entrevistados que evitam o uso desses objetos no domínio com o qual eles não estão normalmente associados (por exemplo, usando chaveiros específicos no trabalho ou no lar), encorajando fronteiras mais segmentadas.

Quando chego em casa e preciso trabalhar, não troco de roupa até terminar. Todo mundo lá em casa sabe e respeita isso. Mas, quando eu chego e troco de roupa, meu filho já sabe que quem está ali é o pai e não mais o executivo.

No início, misturava mais questões pessoais e profissionais. Eu tinha um porta-retratos da minha família e isso era um convite para entrar na minha vida pessoal. Eu gostava. Mas, depois tirei; queria manter a privacidade.

Esses objetos, por terem significado compartilhado entre os expatriados e os atores sociais dos domínios organizacional ou doméstico, eram como símbolos das fronteiras trabalho-lar e, assim, facilitavam a comunicação de expectativas de maior integração ou segmentação em momentos específicos.

Controlar as distâncias (52%)

Segundo alguns entrevistados, a proximidade física entre os ambientes que caracterizam os domínios favorece a integração entre eles, enquanto uma maior distância facilita a segmentação. Assim, ao escolher a localização da residência e da escola para os filhos mais próximos ou mais distantes do local de trabalho, os expatriados estabelecem certa preferência pela integração ou segmentação.

Queria morar perto do trabalho. Eu queria poder gastar pouco tempo me deslocando e ter a flexibilidade de poder ir para casa ou trabalhar quando eu quisesse. A academia e a escola das crianças também ficam a um raio de 200 metros da casa e da empresa e isso me ajuda a manter tudo bastante flexível. Quando estou estressado, vou à academia e volto.

A afirmação acima mostra que, na visão do entrevistado, controlar a distância entre os domínios permitiu-lhe construir limites de maior integração ou segmentação entre trabalho e lar. Em alguns casos, eventos como problemas de saúde na família ou a necessidade de trabalhar em horários ou dias alternativos geraram maior demanda de integração, o que levou os envolvidos a residir e centralizar as atividades pessoais em locais próximos à empresa. Dois entrevistados relataram que crises conjugais os motivaram a morar em locais mais afastados do trabalho para facilitar a segmentação e uma maior dedicação ao relacionamento com as esposas.

Explorar espaços neutros (70%)

Essa tática está relacionada ao uso de espaços referidos por alguns entrevistados como “neutros” para lidar com demandas profissionais ou familiares. Aeroportos ou quartos de hotel foram frequentemente apontados como exemplos desses espaços. Alguns expatriados entenderam que, por exemplo, quando estavam em um hotel em viagem de negócios, não ficava muito claro para a empresa ou para os familiares a qual domínio aquele espaço pertencia. Assim, quando atendessem a uma necessidade familiar, iriam administrar a expectativa correspondente, sugerindo que se tratava de uma permeabilidade excepcional por estarem no domínio organizacional. Ao participar em atividades profissionais noturnas durante viagens, por exemplo, os profissionais podem sugerir aos atores sociais do domínio organizacional que estão abrindo uma exceção, pois o espaço usado naquele momento se trata de um espaço próprio do domínio doméstico, dedicado a atividades pessoais e familiares. Assim, esse equilíbrio reconhece os envolvidos e favorece um maior controle para estabelecer harmonia nas relações.

No hotel, no aeroporto, ninguém pode dizer que têm prioridade. Minha família acredita que o trabalho é a prioridade, e a empresa a princípio não me perguntou o que eu faço nesses locais. Então, quando fazia algo, deixava claro que estava sendo flexível e responsável no relacionamento.

O hotel à noite, em viagem, não é nem trabalho nem família. Sou eu. Mas, como tenho muito a ver com os dois, uso o local teoricamente ocupado para dar atenção, mas enfatizo que estou fazendo algo a mais.

Nota-se que, em ambos os casos, os expatriados posicionaram a segmentação tanto para casa como para trabalho como a fronteira padrão para as situações em que se encontravam nesses espaços neutros. As fronteiras passaram a ser integradas ao domínio que o expatriado considera prioritário na circunstância e a qualquer momento o expatriado se sente à vontade para estabelecer novamente uma fronteira segmentada e realizar outro tipo de atividade.

Táticas relacionadas ao comportamento

O terceiro grupo de táticas diz respeito aos comportamentos adotados que permitem negociar as fronteiras para aumentar ou diminuir a permeabilidade de acordo com a necessidade apresentada em cada situação. As ações identificadas envolvem o uso de tecnologias, informações assimétricas e seleção nas interações.

Explorar assimetrias informacionais (21%)

Nessa tática, os entrevistados afirmaram vivenciar situações em que ocorrem assimetrias informacionais em relação a outros atores sociais nos domínios organizacional e doméstico. Isso ocorre, por exemplo, quando os membros da família não sabem exatamente o fluxo de trabalho e os indivíduos no domínio do trabalho não estão familiarizados com todos os detalhes sobre o que ocorre no domínio doméstico. Alguns expatriados afirmaram que fazem uso dessa assimetria informacional para estabelecer fronteiras mais segmentadas entre trabalho e lar.

Confesso que já disse a minha família que estava muito mais ocupado do que realmente estava para ter sua compreensão e poder ficar até mais tarde no trabalho.

Já precisei dizer à empresa que minha filha tinha um problema de saúde para poder, na verdade, ter um momento de carinho com minha esposa. Eu não queria expor o que realmente estava acontecendo com minha esposa, era mais uma questão conjugal.

Fazer uma triagem (67%)

Os expatriados estão sujeitos a uma maior demanda por interação social, e os dados revelam que alguns entrevistados utilizaram a ajuda de outras pessoas para adotar uma permeabilidade trabalho-lar diferenciada, dependendo da pessoa ou do tema que precisava de mais atenção. Para certas pessoas ou assuntos, o executivo adota limites segmentados e pede que alguém, geralmente sua esposa ou secretária, comunique sua indisponibilidade. Já para os temas ou pessoas priorizados, eles mostraram uma fronteira mais integrada.

Minha secretária já sabe: ela deve filtrar. Estou falando de quando é para saúde, só. De resto, peço a ela que diga que não posso falar agora. Em casa é a mesma coisa: quando é uma pessoa que não está acima de mim, peço que diga que não estou disponível. Exceto quando é uma questão de fechamento mensal.

As táticas reveladas nesta sessão cumprem o objetivo do estudo de compreender as táticas de negociação de fronteiras adotadas pelos expatriados para gerir a interface trabalho-lar. A seguir, apresentamos uma discussão dos resultados em comparação com a literatura sobre o equilíbrio trabalho-lar de expatriados.

DISCUSSÃO

No presente artigo, exploramos as táticas que os expatriados adotam para administrar as fronteiras entre os domínios organizacional e doméstico. Adotamos um referencial teórico já empregado por Nippert-Eng (1996Nippert-Eng, C. E. (1996). Home and work: Negotiating boundaries through everyday life. Chicago, Illinois: University of Chicago Press.) e Kreiner et al. (2009Kreiner, G. E., Hollensbe, E. C., & Sheep, M. L. (2009). Balancing borders and bridges: Negotiating the work-home interface via boundary work tactics. Academy of management journal, 52(4), 704-30.) para estudar esse fenômeno em um contexto de trabalho dentro de determinado país e, como esperado, permitiu a identificação de algumas táticas que parecem mais aplicáveis ​​a situação de expatriação. Por exemplo, o deslocamento geográfico constante (Harvey & Napier, 2004Harvey, M., & Napier, N. (2004). The Impact of ‘Global Time’ on the Role of Expatriate Managers. Research and Practice in Human Resource Management, 12(1), 92-133.; Lirio, 2014Lirio, P. (2014). Taming travel for work-life balance in global careers. Journal of Global Mobility, 2(2), 160-82.) foi caracterizado pela adoção da tática de “negociar a adaptação aos fusos horários. O caráter não permanente da expatriação (Mcnulty et al., 2013Mcnulty, Y., Cieri, H., & Hutchings, K. (2013). Expatriate return on investment in the Asia Pacific: An empirical study of individual ROI versus corporate ROI. Journal of World Business, 48(2), 209-21.; Shaffer et al., 2012Shaffer, M. A., Kraimer, M. L., Chen, Y. P., & Bolino, M. C. (2012). Choices, challenges, and career consequences of global work experiences a review and future agenda.Journal of Management, 38(4), 1282-327.) serve de pano de fundo para a tática de “conseguir uma tolerância temporária”. O alto volume de viagens durante a expatriação (Shaffer & Harrison, 2001), por sua vez, fornece as condições para o surgimento da tática de “explorar espaços neutros”, e o fato de a situação de expatriação levar ao estabelecimento de relações com atores sociais com os quais não houve interação prévia prevê o uso da tática de “explorar assimetrias informacionais”. Portanto, os resultados justificam a ideia aqui apresentada de que as peculiaridades do ambiente de expatriação exigiam um estudo específico sobre a negociação das fronteiras entre os domínios organizacional e doméstico no contexto dos profissionais alocados para atuar no exterior.

As perspectivas da Teoria das Fronteiras (Ashforth et al., 2000Ashforth, B. E., Kreiner, G. E., & Fugate, M. (2000). All in a day’s work: Boundaries and micro role transitions. Academy of Management Review, 25(3), 472-91.) e do P-E Fit (Kristof, 1996Kristof, A. L. (1996). Person-organization fit: An integrative review of its conceptualizations, measurement, and implications. Personnel Psychology, 49(1), 1-49.) permitiram avanços relevantes em relação ao que se sabia em termos de conflito/equilíbrio trabalho-lar no caso dos expatriados. Os resultados mostraram que a expatriação exigiu a construção de fronteiras mais permeáveis ​​entre os dois domínios, e esse estresse foi ainda mais forte no que se refere às demandas emergentes do trabalho. Apesar das diversas declarações destacando a flexibilidade que algumas empresas ofereciam para que o expatriado atendesse às necessidades familiares, os expatriados parecem evitar o uso frequente dessa flexibilidade em função da necessidade de justificar o investimento por parte da empresa e de criar uma reputação positiva considerando sua continuidade profissional após a repatriação (Al Mazrouei & Pech, 2015Al Mazrouei, H. & Pech, R. J. (2015). The expatriate as company leader in the UAE: cultural adaptation.Journal of Business Strategy, 36(1), 33-40.; Mcnulty et al., 2013Mcnulty, Y., Cieri, H., & Hutchings, K. (2013). Expatriate return on investment in the Asia Pacific: An empirical study of individual ROI versus corporate ROI. Journal of World Business, 48(2), 209-21.; Shaffer et al., 2012Shaffer, M. A., Kraimer, M. L., Chen, Y. P., & Bolino, M. C. (2012). Choices, challenges, and career consequences of global work experiences a review and future agenda.Journal of Management, 38(4), 1282-327.).

Por parte da família, nota-se uma postura de maior flexibilidade, principalmente pelo fato de muitos dos expatriados se tornarem seus únicos provedores após o início da missão no exterior, o que corrobora os achados de Cole e Nesbeth (2014Cole, N., & Nesbeth, K. (2014). Why Do International Assignments Fail? Expatriate Families Speak.International Studies of Management & Organization, 44(3), 66-79.). As falas coletadas sugerem que os entrevistados tendem a priorizar as necessidades dos familiares apenas quando há situações de crise, como doenças, ameaças de divórcio ou problemas de relacionamento com os filhos. Vários expatriados sugeriram que o uso das táticas relatadas ajudava a minimizar o risco de possíveis problemas de relacionamento.

Concluindo, o papel ativo assumido pelos expatriados no presente estudo contribuiu com a literatura trazendo achados que vão além das ações das organizações em relação à interface trabalho-lar (Beutell, 2010Beutell, N. J. (2010). Work schedule, work schedule control and satisfaction in relation to work-family conflict, work-family synergy, and domain satisfaction. Career Development International, 15(5), 501-18.) e além também do conflito entre os domínios organizacional e doméstico (Kempen, Pangert, Hattrup, Mueller & Joens, 2015Kempen, R., Pangert, B., Hattrup, K., Mueller, K., & Joens, I. (2015). Beyond conflict: The role of life-domain enrichment for expatriates. The International Journal of Human Resource Management, 26(1), 1-22.). O estudo permitiu identificar, ao nível micro da ação social, como os expatriados gerenciam e negociam as fronteiras entre os domínios, minimizando consequências negativas de possíveis inconsistências entre as preferências dos atores sociais com quem interagem. Esta é uma perspectiva inédita no campo do conflito/equilíbrio trabalho-lar no contexto da expatriação e demonstra a originalidade do presente trabalho, bem como sua contribuição para a ampliação do conhecimento empírico e teórico sobre o tema.

LIMITAÇÕES DO ESTUDO E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

A pesquisa apresentada aqui possui limitações e oferece oportunidades para futuras investigações. Primeiramente, a amostra escolhida restringiu-se a expatriados brasileiros do sexo masculino, o que limita o potencial de transferência dos resultados apresentados. Assim, sugere-se que novas investigações explorem as táticas vivenciadas especificamente por expatriadas e por pessoas nessa condição oriundas de nacionalidades e culturas nas quais, ao contrário do Brasil, haja maior aceitação da permeabilidade entre os domínios organizacional e doméstico. Isso ajudaria a ampliar a lista não exaustiva de táticas apresentadas aqui.

Em segundo lugar, este estudo não explorou conceitual e empiricamente a direção do conflito que pode ser exibida nos fluxos trabalho-lar ou lar-trabalho (Fischlmayr & Kollinger, 2010Fischlmayr, I. C., & Kollinger, I. (2010). Work-life balance-a neglected issue among Austrian female expatriates. The International Journal of Human Resource Management, 21(4), 455-87.). Estudos futuros podem analisar as expectativas dos domínios em relação à permeabilidade das fronteiras em ambas as direções e permitir uma maior compreensão das consequências das preferências por fronteiras segmentadas ou integradas de acordo com o fluxo da relação.

Em terceiro, não levamos em consideração a fase de expatriação em que os entrevistados se encontravam e consideramos os fenômenos sob uma perspectiva homogênea de longo prazo. Para superar essa limitação, seria relevante estudar se e como a evolução temporal nas diferentes fases da expatriação revela padrões de táticas para conciliar a vida profissional e familiar que mudam com o tempo. Ainda, em quarto lugar, exploramos as experiências de expatriados organizacionais. Não entrevistamos outros tipos como os expatriados por escolha (B. Araujo et al., 2014Araujo, B. F. V. B., Teixeira, M. L. M., Cruz, P. B., & Malini, E. (2014). Understanding the adaptation of organisational and self-initiated expatriates in the context of Brazilian culture.The International Journal of Human Resource Management, 25(18), 2489-509.), viajantes internacionais de negócios (Mäkelä & Suutari, 2011Mäkelä, L., & Suutari, V. (2011). Coping with work-family conflicts in the global career context.Thunderbird International Business Review, 53(3), 365-75.), e profissionais que viajam a trabalho com muita frequência, mas não são alocados fora do país (flexpatriates) (Adams & van De Vijver, 2015Adams, B. G., & Van De Vijver, F. J. (2015, November). The many faces of expatriate identity.International Journal of Intercultural Relations, 49, 322-331.). Assim, pesquisas futuras podem explorar suas especificidades e comparar as táticas de negociação de fronteiras adotadas em diferentes empregos globais.

Por fim, o estudo não leva em consideração a questão do trabalho em casa e da mobilidade global na perspectiva da reprodução do capital no mundo contemporâneo, cujo processo incorpora diferentes formas de trabalho, inclusive as análogas à escravidão. Assim, sugerimos estudos futuros com uma abordagem crítica que possam explorar tais possibilidades, verificando as consequências das táticas que foram descritas neste artigo. Tomadas em conjunto, essas sugestões levariam a avanços significativos na compreensão de como as ações individuais em nível micro por parte dos expatriados podem levar a um maior equilíbrio entre os domínios organizacional e doméstico.

SUGESTÕES DE PRÁTICA

Expatriados, suas famílias e organizações podem tirar algumas lições práticas a partir do presente estudo. Os expatriados, no entanto, são os principais beneficiados em termos de aplicação prática, uma vez que as táticas apresentadas aqui já são usadas por indivíduos em alguma missão no exterior, podendo ser replicadas por profissionais em condição similar para que ativamente busquem um maior equilíbrio trabalho-lar. A esses indivíduos, sugere-se que reflitam sobre suas preferências e de seus familiares e da empresa em que atuam no que se refere à permeabilidade das fronteiras entre os domínios.

Embora o foco deste estudo esteja no nível individual de análise, as organizações também podem aprender com os resultados. Os programas e incentivos para o equilíbrio trabalho-lar dos expatriados devem levar em consideração as preferências de segmentação e integração dos próprios profissionais, de suas famílias e da organização. Esse posicionamento contrasta com a crença comum em várias companhias de que a separação entre trabalho e lar seria uma condição desejável para um relacionamento mais equilibrado. Nossos dados sugerem que as organizações e lideranças devem perceber que os expatriados podem ter preferências diferentes para integração ou segmentação e devem negociar com eles para co-construir fronteiras mais sustentáveis entre os dois domínios.

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2020
  • Aceito
    23 Dez 2020
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