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PREVALÊNCIA DA DOENÇA DE CHAGAS ASSOCIADA AO MODO DE INFECÇÃO

PREVALENCIA DE LA ENFERMEDAD DE CHAGAS ASOCIADA AL MODO DE INFECCIÓN

RESUMO

Objetivo:

analisar a prevalência da doença de Chagas aguda e associação com o modo de infecção.

Método:

estudo descritivo, quantitativo realizado na região de saúde do Tocantins - Pará - Brasil, com 346 casos da doença de Chagas aguda. Os dados foram obtidos em setembro de 2017 e correspondem a 2012-2016, oriundos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Foram analisados pelo Qui-quadrado de Pearson, p≤0,05, no Excel® 2013.

Resultados:

maior acometimento do sexo masculino (56,93%) e moradores da zona rural (56,35%). Na zona urbana, 110 (94%) contraíram a doença por via oral e sete (6%) por via vetorial. Na rural, 137 (84%) foram infectados por via oral e 26 (16%) por via vetorial (p=0,010).

Conclusão:

o controle da doença demanda políticas públicas específicas alinhadas às especificidades locorregionais. A doença de Chagas aguda mostrou-se prevalente com associação entre a infecção oral e residente de área urbana.

DESCRITORES
Doença de Chagas; Epidemiologia; Sistemas de Informação em Saúde; Enfermagem; Saúde Pública

RESUMEN

Objetivo:

analizar la prevalencia de la enfermedad de Chagas aguda y su asociación con el modo de infección.

Método:

estudio descriptivo y cuantitativo realizado en la región sanitaria de Tocantins - Pará - Brasil, con 346 casos de enfermedad de Chagas aguda. Los datos se obtuvieron en septiembre de 2017 y corresponden al periodo 2012-2016, a partir del Sistema de Información de Agravios de Notificación. Se analizaron mediante el chi-cuadrado de Pearson (χ2), p≤0,05, en Excel® 2013.

Resultados:

mayor acometimiento del sexo masculino (56,93%) y moradores de la zona rural (56,35%). En las zonas urbanas, 110 (94%) contrajeron la enfermedad por vía oral y siete (6%) por vía vectorial. En la zona rural, 137 (84%) se infectaron por vía oral y 26 (16%) por vía vectorial (p=0,010).

Conclusión:

el control de la enfermedad requiere políticas públicas específicas adaptadas a las especificidades loco-regionales. La enfermedad de Chagas aguda es más prevalente con la asociación entre la infección oral y los residentes de zonas urbanas.

PALABRAS CLAVE
Enfermedad de Chagas; Epidemiología; Sistemas de Información en Salud; Enfermería; Salud Pública

ABSTRACT

Objective:

analyze the prevalence of acute Chagas disease and association with mode of infection.

Method:

descriptive, quantitative study conducted in the health region of Tocantins - Pará - Brazil, with 346 cases of acute Chagas disease. The data were obtained in September 2017 and correspond to 2012-2016, from the Information system for health notification diseases. They were analyzed by Pearson’s chi-square (χ2), p≤0.05, in Excel® 2013.

Results:

greater involvement of males (56.93%) and rural residents (56.35%). In urban areas, 110 (94%) contracted the disease orally and seven (6%) by vectorial route. In rural areas, 137 (84%) were infected orally and 26 (16%) vectorially (p=0.010).

Conclusion:

the control of the disease demands specific public policies aligned to locoregional specificities. Acute Chagas disease was shown to be prevalent with an association between oral infection and urban area residents.

DESCRIPTORS
Chagas Disease; Epidemiology; Health Information Systems; Nursing; Public Health

INTRODUÇÃO

A doença de Chagas (DC) é uma antropozoonose de alta prevalência e expressiva morbimortalidade, constituindo-se um grave problema de saúde pública, sendo o ser humano um importante reservatório do protozoário Trypanosoma cruzi. A evolução clínica da doença se dá em uma fase aguda e uma fase crônica, podendo se manifestar nas formas indeterminada, cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva(11 Simões MV, Romano MMD, Schmidt A, Martins KSM, Marin-Neto JA. Cardiomiopatia da doença de Chagas. Int J Cardiovasc Sci [Internet]. 2018 [acesso em 13 jul 2019]; 31(2). Disponível em: https://doi.org/10.5935/2359-4802.20180011.
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). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das doenças tropicais mais negligenciadas do mundo, com prevalência de 16 a 18 milhões de pessoas infectadas pelo parasita em todo o planeta(22 Pereira CML, Azevedo AP, Marinho S da SB, Prince KA de, Gonçalves JTT, Costa MR, et al. Perfil clínico e epidemiológico da doença de Chagas aguda no estado de Minas Gerais. Rev. Aten. Saúde [Internet]. 2017 [acesso em 13 jul 2019]; 15(52). Disponível em: http://doi.org/10.13037/ras.vol15n52.4523.
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).

A maioria dos infectados desenvolve a forma crônica, acompanhada de cardiopatia que ocasiona graves consequências ao doente e elevado índice de mortalidade(33 Ministério da Saúde. Portaria n. 264, de 17 de fevereiro de 2020. Altera a Portaria de Consolidação nº 4/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir a doença de Chagas crônica, na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. Diário Oficial da União, 19 fev 2020.). Trata-se de uma doença que vem sendo monitorada pelo Ministério da Saúde do Brasil e, recentemente, passou a compor a Lista Nacional de Notificação Compulsória, por meio da Portaria no 264 de 17 de fevereiro de 2020(33 Ministério da Saúde. Portaria n. 264, de 17 de fevereiro de 2020. Altera a Portaria de Consolidação nº 4/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir a doença de Chagas crônica, na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. Diário Oficial da União, 19 fev 2020.).

Corroborando o cenário mundial, no Brasil, a maioria dos casos diagnosticados com DC exibe a forma crônica, embora, nos últimos anos, a notificação da doença de Chagas aguda (DCA) tenha sido crescente, despertando novas preocupações, sobretudo por ser atribuída ao consumo de alimentos contaminados, ou seja, infecção pela via oral(44 Dias JCP, Ramos Júnior. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 [acesso em 13 jul 2019]; 25(spe). Disponível em: http://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002.
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). A DCA acomete principalmente pessoas com baixo poder aquisitivo e com maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, especialmente na região Norte do Brasil(44 Dias JCP, Ramos Júnior. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 [acesso em 13 jul 2019]; 25(spe). Disponível em: http://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002.
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).

As próprias características sociais e geográficas peculiares da Região, aliadas à diversidade cultural, tem oportunizado a identificação de casos de DCA em municípios que têm o açaí como força econômica local. Segundo dados disponíveis na plataforma Tabnet/Datasus, entre 2007 e 2016, foram confirmados 1.579 casos de DCA no estado do Pará (PA), sendo as regiões de saúde Metropolitana I, Tocantins e Marajó II as que tiveram maior número de casos confirmados da doença(55 Andrade NC de S de. Epidemiological profile of Chagasic patients attended in reference cardiology hospital in Belém/PA. Multidisciplinary Core scientific journal of knowledge [Internet]. 2016 [acesso em 14 jul 2019]; 1(9). Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/health/chagasic-patients.
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).

Dos 1.579 casos de DCA do estado, houve expressiva concentração de notificação entre os meses de julho a dezembro, período que coincide com a safra do açaí(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Doença de Chagas aguda no Brasil: série histórica de 2000 a 2013 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [acesso em 14 jul 2019]; 46(21). Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2015/agosto/03/2014-020..pdf.
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). Trata-se de um fruto típico do clima tropical de largo consumo na população em geral, rico em proteína, fibras, lipídios, vitamina E e minerais como manganês, cobre, boro e cromo, apresentando alto valor calórico(77 Sousa Junior A da S, Palácios VR da CM, Miranda C do S, Costa RJF da, Catete CP, Chagasteles EJ, et al Space-temporal analysis of Chagas disease and its environmental and demographic risk factors in the municipality of Barcarena, Pará, Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2017 [acesso em 14 jul 2019]; 20(4). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700040015.
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). Além disso, o açaí constitui-se como um dos principais alimentos das populações ribeirinhas, sendo muitas vezes a refeição principal(88 Nogueira AKM, Santana AC de. Análise de sazonalidade de preços de varejo de açaí, cupuaçu e bacaba no estado do Pará. Revista de Estudos Sociais [Internet]. 2009 [acesso em 18 jul 2019]; 21(1). Disponível em: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/res/article/view/232/221.
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).

Uma alternativa para prevenção da DCA, implementada como política pública, foi a realização do branqueamento dos frutos, que leva à inativação do protozoário. Trata-se de uma técnica de imersão do açaí in natura em água com temperatura de 80ºC durante dez segundos e, logo após, mergulhados em água fria para o rápido arrefecimento(99 Governo do Estado do Pará. Decreto n. 326, de 20 de janeiro de 2012: establece regras para cadastramento dos batedores artesanais de açaí e bacaba; padrões para instalações, materiais, máquinas e equipamentos; condições higiênico-sanitárias e boas práticas de processamento, e atividade de inspeções e fiscalização. Diário Oficial do Estado do Pará, [Internet]. 24 jan 2012 [acesso em 18 jul 2019]. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=148207.
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). Esse processo tornou-se obrigatório, em todo o Estado, para os batedores artesanais (pessoas que extraem o suco do fruto), que se espalham por todas as localidades, visando assegurar qualidade ao produto a ser comercializado e consumido internamente.

Diante desse contexto, estabeleceu-se como objetivo analisar a prevalência da doença de Chagas aguda e sua associação com o modo de infecção, na região de saúde de Tocantins-PA.

MÉTODO

Estudo descritivo, retrospectivo com abordagem quantitativa, desenvolvido com dados secundários de DCA da região de saúde Tocantins-PA-BR, constituída pelos municípios: Abaetetuba, Baião, Barcarena, Cametá, Igarapé–Miri, Limoeiro do Ajuru, Moju, Mocajuba, Oeiras do PA e Tailândia. O estado do PA é formado por 13 regiões de saúde, a saber: Araguaia, Baixo Amazonas, Carajás, Lago de Tucuruí, Marajó I, Marajó II, Metropolitana I, Metropolitana II, Metropolitana III, Rio Caetés, Tapajós, Tocantins e Xingu, que congregam 144 municípios e área média de 8.664,50 km2.

A região de saúde Tocantins possui 605.119 habitantes, distribuídos em nove municípios, sendo que em todos há população ribeirinha e área de várzea com expressiva produção e consumo de açaí. Dessa forma, a escolha da região se deu pelo perfil epidemiológico, visto que apresenta elevada prevalência de DCA e característica geográfica, econômica e cultural que favorecem o cultivo e o consumo do fruto.

Os dados foram obtidos em setembro de 2017 e dizem respeito aos casos de DCA notificados e confirmados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponibilizados pelo Escritório Regional da Secretaria de Estado de Saúde Pública, no formato de um banco. Foram incluídos todos os casos notificados e confirmados de DCA da região de saúde Tocantins-PA, entre 2012 e 2016, e não houve exclusão de dados.

As variáveis estudadas foram: i) sociodemográficas – idade, sexo, raça/cor e local de residência; e ii) epidemiológicas - ano de ocorrência, meio de contaminação, e evolução da doença.

Os dados foram transportados e armazenados em planilhas eletrônicas no software Excel® 2013 e analisados por meio do teste de Qui-quadrado de Pearson (χ2) para verificar possível associação entre as variáveis, sendo considerado p≤0,05. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa do Curso de Graduação de Enfermagem da Universidade do Estado do Pará, sob parecer número 2.449.156.

RESULTADOS

Dos 346 casos estudados, houve predominância de adoecimento no sexo masculino com 197 (56,93%) casos, entre pardos com 272 (78,61%) casos e na faixa etária de 20 a 39 anos com 123 (35,54%) casos. Quanto ao local de residência, 195 (56,35%) casos foram registrados em moradores da zona rural (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil sociodemográfico dos casos de doença de Chagas aguda na região de saúde Tocantins-PA, de 2012 a 2016. Belém, PA, Brasil, 2020

O modo de infecção mais frequente foi por via oral, com 255 (73,59%) casos, sendo que em 55 notificações (15,89%) não havia registro da forma de contaminação. Houve confirmação laboratorial do diagnóstico em 330 (95,37%) casos, e em relação à evolução clínica, pode-se observar que 309 (89,30%) evoluíram para remissão de manifestações da doença, enquanto sete (2,02%) resultaram em óbito (Tabela 2).

Tabela 2
Informações clínico-epidemiológicas dos casos de doença de Chagas aguda na região de saúde do Tocantins-PA, de 2012 a 2016. Belém, PA, Brasil, 2020

Na Tabela 3, observa-se que 195 casos eram residentes de zona rural e 140 dos perímetros urbanos. Dentre os residentes em zona rural, 137 foram infectados pela ingestão de alimento contaminado com o Trypanosoma cruzi e 26 pela penetração do agente etiológico no momento da picada pelo “barbeiro” (Triatoma brasiliensis). Em zona urbana, identificou-se 110 casos de transmissão oral e sete casos de transmissão vetorial.

Tabela 3
Casos confirmados por zona residência segundo modo de infecção da doença de Chagas aguda na região de saúde do Tocantins-PA, de 2012 a 2016. Belém, PA, Brasil, 2020

Na distribuição, oito casos não apresentavam registro de local de moradia, dos quais um de transmissão vetorial e sete de transmissão oral, além de três casos serem de zona periurbana, sendo dois sem registro do modo de infecção e um de transmissão oral. Na totalização, a infecção oral foi mais prevalente com 255 (73,69%) casos.

A partir dos dados da Tabela 3, foi possível selecionar 280 casos que correspondem à somatória das duas principais formas de contaminação, oral e vetorial, de residentes nas zonas urbana e rural. Na Tabela 4, identificou-se que a infecção por via oral se mantém mais prevalente com 247 (88%) casos. Dentre os casos que residem em perímetro urbano, 110 (94%) contraíram a doença por via oral e sete (6%) por via vetorial e, entre os moradores de área rural, 137 (84%) foram infectados por via oral, e 26 (16%) por via vetorial. Os dados indicam associação entre o local de residência e a via de infecção para a DCA.

Tabela 4
Distribuição dos casos confirmados de doença de Chagas aguda na região de saúde Tocantins-PA, de 2012 a 2016. Belém, PA, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

A DCA mostrou-se com elevada prevalência na região estudada e com evidências de associação entre a infecção por via oral e moradia em área urbana. No perfil sociodemográfico, a maioria dos indivíduos infectados era do sexo masculino, na faixa etária de 20 a 39 anos, o que fortalece a relação entre infecção chagásica e atividade de extrativismo do açaí, predominante na região, desempenhada prioritariamente por indivíduos do sexo masculino, configurando maior exposição ao Trypanosoma cruzi que aqueles que trabalham no extrativismo de outros produtos(1010 Cardoso EJ de S, Cavalcanti MAF, Nascimento EGC do, Barreto MAF. Perfil epidemiológico dos portadores de doença de Chagas: dos indicadores de risco ao processo de enfrentamento da doença. Arq. Ciênc. Saúde [Internet]. 2017 [acesso em 20 jan 2020]; 24(1) 41-46. Disponível em: http://www.cienciasdasaude.famerp.br/index.php/racs/article/view/545/274.
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).

Em relação à raça, os que se autodeclararam pardos apresentaram maior percentual de adoecimento (78,61%), semelhante aos achados em um estudo realizado na cidade de Barcarena-PA, que identificou 74,7% de pardos. Já no estudo realizado na cidade de Salvador-BA, houve predominância de negros associados à prevalência da doença(77 Sousa Junior A da S, Palácios VR da CM, Miranda C do S, Costa RJF da, Catete CP, Chagasteles EJ, et al Space-temporal analysis of Chagas disease and its environmental and demographic risk factors in the municipality of Barcarena, Pará, Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2017 [acesso em 14 jul 2019]; 20(4). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700040015.
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). O perfil étnico identificado nos estudos é correspondente à característica racial dos locais estudados. A miscigenação com negros é mais preponderante em Salvador, e no PA e, além do negro, há forte presença de indígenas, sobretudo na ancestralidade.

Na região de saúde estudada, os casos de DCA estão distribuídos em todo o espaço geográfico, com predominância na zona rural. Contudo, o processo de urbanização vem contribuindo para o deslocamento da doença da zona rural para os espaços urbanizados, favorecendo sua disseminação(1111 Guariento ME, Carrijo CM, Almeida EA de, Magna LA. Perfil clínico de idosos portadores de doença de Chagas atendidos em serviço de referência. Rev. Bras Clin Med [Internet]. 2011 [acesso em 23 jan 2020]; 9(1). Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2011/v9n1/a1717.pdf.
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). Ressalta-se que, além dessa mudança no perfil dos casos notificados segundo a zona de residência, que já vem aparecendo para os anos de 2017 e 2018 no site do DATASUS com os dados estudados, pode-se estabelecer relação entre as variáveis zona de residência e o modo de infecção da DCA, confirmando associação.

Assim, a elevada contaminação por via oral está relacionada aos hábitos alimentares e higiênicos, essencialmente ao consumo de alimentos contaminados com excrementos do vetor(1212 Carvalho GLB, Galdino R da S, Cavalcante WM de A, Aquino DS de. Doença e Chagas: sua transmissão através do consumo do açaí. Acta de Ciências e Saúde [Internet]. 2018 [acesso em 12 out 2020]; 1(1). Disponível em: https://www2.ls.edu.br/actacs/index.php/ACTA/article/view/174/150.
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). O açaí foi o alimento com maior associação à doença de Chagas na região Norte nos últimos anos, seja pela contaminação do fruto ou da polpa por meio de dejetos do vetor ou de animais reservatórios infectados das áreas endêmicas(44 Dias JCP, Ramos Júnior. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 [acesso em 13 jul 2019]; 25(spe). Disponível em: http://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002.
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). Trata-se de um cenário que tem exigido resposta do sistema público de vigilância em saúde, em razão de seu amplo consumo e comercialização, tanto no mercado interno como no mercado internacional.

Estudo sobre risco de infecção oral associado ao consumo de alimentos contaminados concluiu que a transmissão oral da DCA está relacionada ao consumo de alimentos mal higienizados, a exemplo do suco do açaí e da bacaba, frutos próprios da região(1212 Carvalho GLB, Galdino R da S, Cavalcante WM de A, Aquino DS de. Doença e Chagas: sua transmissão através do consumo do açaí. Acta de Ciências e Saúde [Internet]. 2018 [acesso em 12 out 2020]; 1(1). Disponível em: https://www2.ls.edu.br/actacs/index.php/ACTA/article/view/174/150.
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). O Trypanosoma cruzi é capaz de sobreviver na polpa de açaí por diferentes períodos, e ainda pela ingestão do caldo de cana contaminado por triatomíneos infectados, conforme evidências em um estudo realizado no município de Marcelino Vieira(1313 Vargas A, Malta JMAS, Costa VM da, Cláudio LDG, Alves RV, Cordeiro G da S, et al. Investigação de surto de doença de Chagas aguda na região extra-amazônica, Rio Grande do Norte, Brasil, 2016. Cad. Saúde Pública [Internet]. 2018 [acesso em 12 out 2020]; 34(1). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00006517.
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).

Nesse contexto, estudo de fatores que contribuem para o aumento da contaminação e adoecimento por DCA, em especial no estado do PA, concluiu que o elevado número de casos pode estar associado à ingestão do açaí contaminado pelas fezes do triatomíneo, que deposita os tripanossomos no fruto(99 Governo do Estado do Pará. Decreto n. 326, de 20 de janeiro de 2012: establece regras para cadastramento dos batedores artesanais de açaí e bacaba; padrões para instalações, materiais, máquinas e equipamentos; condições higiênico-sanitárias e boas práticas de processamento, e atividade de inspeções e fiscalização. Diário Oficial do Estado do Pará, [Internet]. 24 jan 2012 [acesso em 18 jul 2019]. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=148207.
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). A elevação no número de casos, cujos primeiros sintomas ocorrem nos meses de agosto a novembro, fortalece a tese de transmissão pela ingestão do açaí contaminado, uma vez que corresponde ao período de safra do fruto, levando ao aumento do consumo e ampla manipulação.

Diante da gravidade, em 2012 foi estabelecida medida política sanitária pela Secretaria de Estado de Saúde Pública, para cadastramento dos batedores artesanais de açaí, com determinação dos requisitos higiênico-sanitários para a manipulação, de forma a prevenir surtos das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) e minimizando assim o risco de adoecimento(99 Governo do Estado do Pará. Decreto n. 326, de 20 de janeiro de 2012: establece regras para cadastramento dos batedores artesanais de açaí e bacaba; padrões para instalações, materiais, máquinas e equipamentos; condições higiênico-sanitárias e boas práticas de processamento, e atividade de inspeções e fiscalização. Diário Oficial do Estado do Pará, [Internet]. 24 jan 2012 [acesso em 18 jul 2019]. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=148207.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/?...
). Em relação à transmissão vetorial, é possível relacionar com as áreas de mata ainda presentes na região, configurando maior suscetibilidade ao adoecimento. Isso se deve ao fato de que indivíduos que vivem em zonas rurais estão suscetíveis a contrair a doença de Chagas devido à precária infraestrutura de suas moradias(44 Dias JCP, Ramos Júnior. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 [acesso em 13 jul 2019]; 25(spe). Disponível em: http://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002.
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).

Neste estudo, os casos de DCA foram confirmados laboratorialmente em 95,37%, segundo dados disponibilizados pelo Escritório Regional da Secretaria de Estado de Saúde Pública, semelhante aos achados de uma pesquisa realizada em três estados (PA, Amapá e Maranhão) que incluiu 233 casos agudos da doença, todos confirmados por exames laboratoriais. Dessa forma, identifica-se que a retaguarda para confirmação de casos é disponível, o que favorece a utilização da conduta terapêutica preconizada(44 Dias JCP, Ramos Júnior. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 [acesso em 13 jul 2019]; 25(spe). Disponível em: http://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002.
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).

As limitações deste estudo dizem respeito a sua realização com dados de fontes secundárias, o que pode implicar em subnotificações de casos, assim como possíveis inconsistências nos registros realizados nos diversos serviços de saúde. Além disso, o número elevado de variáveis ignoradas e/ou em branco limitaram o conhecimento da real situação da DCA na região estudada. Outra limitação foi a realização do estudo em uma única região de saúde do estado, carecendo de ampliação.

CONCLUSÃO

A região de saúde Tocantins chama atenção por concentrar expressivo número de casos de DCA em todo o período estudado. No estado do PA, foi a região que mais contribuiu para a magnitude dos indicadores de morbimortalidade da doença, demandando políticas públicas específicas, que estejam alinhadas às especificidades locorregionais.

Os dados epidemiológicos da doença apontaram a transmissão oral como a maior responsável pela propagação da doença, atribuível ao consumo do açaí, dada as especificidades econômicas e culturais da região. Esse fato remete à necessidade urgente de estabelecimento de parcerias interinstitucionais para o enfrentamento do problema, com alcance em todas as suas vertentes, desde a produção, transporte, acondicionamento e manipulação do açaí.

Faz-se necessário um plano de enfrentamento do problema para reduzir a ocorrência de casos, tendo em vista a possibilidade de cronificação da doença, demandando assistência especializada por longos períodos, ocasionando ônus para o Sistema de Saúde e maior sofrimento humano. Dessa forma, investir na área agrícola e comercial é fundamental para fortalecer as práticas em saúde de promoção da saúde e prevenção do adoecimento.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

  • Nascimento LPGR do, Nogueira LMV, Rodrigues ILA, André SR, Graça VV da, Monteiro NJ. Prevalência da doença de chagas associada ao modo de infecção. Cogit. Enferm. [Internet]. 2021 [acesso em “colocar data de acesso, dia, mês abreviado e ano”]; 26. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v26i0.73951.

REFERÊNCIAS

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    Simões MV, Romano MMD, Schmidt A, Martins KSM, Marin-Neto JA. Cardiomiopatia da doença de Chagas. Int J Cardiovasc Sci [Internet]. 2018 [acesso em 13 jul 2019]; 31(2). Disponível em: https://doi.org/10.5935/2359-4802.20180011.
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Editado por

Editora associada: Cremilde Aparecida Trindade Radovanovic

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2020
  • Aceito
    29 Jan 2021
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