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Influência do El Niño e La Niña na produtividade de plantios de Eucalipto em distintas regiões no Brasil

Influence of El Niño and La Niña on the productivity of Eucalyptus plantations in different regions in Brazil

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña na produtividade simulada pelo modelo 3PG em Eucalyptus spp. Os estudos foram realizados em áreas com plantio clonais de eucalipto nos estados da Bahia (BA), Minas Gerais (MG) e Rio Grande do Sul (RS). Trabalhou-se nos anos de ocorrência dos eventos El Niño e La Niña com intensidades fraca, moderada e forte nos anos de 1980 a 2015. Foram feitas simulações das variáveis que expressam produtividade nos plantios em cada ano destes eventos climáticos, utilizando o modelo 3PG. A calibração do modelo foi feita a partir de dados de inventários dos talhões trabalhados. As idades de três, cinco e sete anos foram avaliadas ao longo do ciclo. As médias dos estados, regiões e idades foram comparadas estatisticamente pelo teste de Tukey (p ≤ 5%). O modelo foi capaz de detectar tendências atribuídas aos eventos climáticos do El Niño e La Niña, evidenciando maiores incrementos volumétricos naqueles que apresentaram maiores totais de chuvas. Os eventos em que ocorreram condições climáticas limitantes ao crescimento dos plantios verificaram menor incremento da biomassa total. A biomassa estimada apresentou maiores incrementos para os órgãos: lenho>raiz>folhas, respectivamente.

Palavras-chave
ENOS; Clima; Modelagem ecofisiológica; Silvicultura

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the influence of the climatic phenomena El Niño and La Niña on the productivity simulated by the 3PG model in Eucalyptus spp. The studies were carried out in areas with clonal planting of eucalyptus in the States of Bahia (BA), Minas Gerais (MG) and Rio Grande do Sul (RS). We worked on the years of occurrence of the El Niño and La Niña events with weak, moderate and strong intensities in the years 1980 to 2015. Simulations of the variables that express planting productivity in each year of these climatic events were made using the 3PG model. The calibration of the model was made from inventory data of the plots worked. The ages of three, five and seven years were assessed throughout the cycle. The averages of states, regions and ages were statistically compared using the Tukey test (p ≤ 5%). The model was able to detect trends attributed to the climatic events of El Niño and La Niña, showing greater volumetric increases in those that presented greater total rainfall. The events in which climatic conditions limiting the growth of plantations occurred, verified a smaller increase in total biomass. The estimated biomass showed greater increases for the organs: wood> root> leaves, respectively.

Keywords
ENOS; Climate; Ecophysiological modeling; Forestry

1 INTRODUÇÃO

O gênero Eucalyptus ocupa a maior superfície plantada no segmento florestal brasileiro com área de 5,7 milhões de hectares (IBA, 2019). Os estados de Minas Gerais (MG), Bahia (BA) e Rio Grande do Sul (RS) se configuram atualmente como o primeiro (1.536.310 ha), o quarto (658.03 ha) e o sexto (441.997 ha), respectivamente (IBA, 2019IBÁ. Performance indicators for the Brazilian planted tree sector, base year 2018. Brasília: Brazilian Tree Industry, 2019, p. 80.). Esses locais possuem grande importância econômica devido à localização das principais unidades industriais dos segmentos de celulose, papel, painéis de madeira industrializada e siderurgia a carvão vegetal no país.

A alta produtividade alcançada nos plantios de eucalipto é resultado de pesquisas em diversas áreas de importância, como solos e nutrição, melhoramento genético, climatologia, somada a alta tecnologia empregada nos tratos silviculturais e ao clima favorável (FREITAS et al., 2020FREITAS, E. C. S.; PAIVA, H. N.; NEVES, J. C. L.; MARCATTI, G. E.; GARCIA, H. L. Modeling of eucalyptus productivity with artificial neural networks. Industrial Crops & Products, v..146, 112149, 2020.).

É importante conhecer os aspectos climáticos das regiões de plantios e, sobretudo, os eventos atípicos que ocorrem e suas influências no crescimento e produtividade das espécies. A transpiração das plantas é função, sobretudo, do estoque de água disponível no solo regulando a abertura estomática e o processo de difusão do vapor de água (CARNEIRO et al., 2008CARNEIRO, R. L. C.; RIBEIRO, A.; HUAMAN, C. A. M.; LEITE, F. P.; SEDIYAMA, G. C.; BARROS, N. F. Water consumption in eucalypt plantation: part 1 determination of stomatal conductance in irrigated and non-irrigated treatments. Revista Árvore, v. 32, p. 1-10, 2008.). A temperatura influencia vários processos fisiológicos, como a respiração, a transpiração, a divisão celular, a fotossíntese, podendo também afetar o enraizamento das árvores (CUNHA et al., 2009CUNHA, A. C.; PAIVA, H. N.; LEITE, H. G.; BARROS, N. F.; LEITE, F. P. Relation of climate variables with eucalypt minicutting production and rooting. Revista Árvore, v. 33, p. 195-203, 2009.). A radiação é a fonte energética responsável pela excitação da clorofila na faixa espectral do visível (0,40 a 0,70 μm) que desencadeia na produção de carboidratos por meio da fotossíntese.

Um fenômeno que interfere nas características climáticas da circulação de grande escala da atmosfera terrestre é o El Niño Oscilação Sul (ENOS). O ENOS ocorre entre o oceano e a atmosfera acoplados entre as áreas tropicais do Oceano Pacífico, caracterizado por flutuações irregulares entre fases quentes (El Niño) e frias (La Niña) com periodicidade variando entre dois e sete anos (LEE et al., 2011LI, W.; ZHANG, P.; YE, J.; LI, L.; BAKER, P.A. Impact of two different types of El Niño events on the Amazon climate and ecosystem productivity. Journal of Plant Ecology, v. 4, n. 2, p. 91-99, 2011.). Esse aquecimento-resfriamento provoca mudanças na circulação de grande escala da atmosfera, impondo um gradiente de pressão atmosférica que resulta em ventos de leste que arrastam as águas quentes superficiais em direção à Austrália, causando anomalias climáticas em várias regiões do globo.

O Brasil é um país de grande extensão territorial e, por consequência, os eventos climáticos do ENOS atuam de forma diferenciada em seu território. A pouca consistência das anomalias no Sudeste é devida ao caráter de transição da região, pois as anomalias podem deslocar-se para norte ou para sul de um evento para outro podendo, assim, alterar o seu sinal em relação a eventos anteriores (GRIMM; FERRAZ, 1998GRIMM, A. M.; FERRAZ, S. E. T.; GOMES, J. Precipitation anomalies in Southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. Journal of climate, v. 11, p. 2863-2880, 1998. ). No Nordeste, o índice pluviométrico fica abaixo do normal, causando estiagem mais severa, no princípio do verão. Isso porque o aumento da temperatura das águas do Oceano Pacífico afeta a instabilidade das massas de ar frio, que, no caso do Brasil, ficam estacionadas na região Sul (ALVES et al., 1997ALVES, J. M. B.; SOUZA, E. B. REPELLI, C. A.; FERREIRA, N.S. Um estudo da variabilidade pluviométrica no setor leste do nordeste brasileiro e a influência do fenômeno El Niño/Oscilação Sul. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 12, n. 2, p. 25-40, 1997.). A climatologia da precipitação durante eventos ENOS mostra que para a região Sul do Brasil, na fase quente do fenômeno (El Niño), é observada ocorrência de precipitação superior à média climatológica em quase todos os meses do ano (FONTANA; BERLATO, 1997FONTANA, D. C.; BERLATO, M. A. Influência do El Niño Oscilação Sul sobre a precipitação pluvial no Estado do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v. 5, n. 1, p. 127-132, 1997.; GRIMM et al., 1997GRIMM, A. M.; GUETTER, A. K.; CARAMORI, P. H. El Niño no Paraná: o que se pode esperar em cada região. Uma análise científica. SIMEPA. . Curitiba, 1997, 9 p. (Informativo, 1).).

Anomalias de chuvas e temperaturas, provindas da ocorrência dos eventos de El Niño, têm sugerido impactos na produtividade primária na floresta Amazônia (ASNER et al., 2000ASNER, G. P.; TOWNSEND, A. R.; BRASWELL, B. H. Satellite observation of El Niño effects on Amazon forest phenology and productivity. Geophys Res Lett, v. 27, p. 981-84, 2000.; FOLEY et al., 2002FOLEY, J. A.; BOTTA, A.; COE, M.T. et al. El Niño–Southern oscillation and the climate, ecosystems and rivers of Amazonia. Global Biogeochem Cycles, v. 16 p.1132, 2002.). Em estudos com espécies no deserto do Atacama, próximo à costa do Pacífico, Barichivich et al. (2009)BARICHIVICH. J.; SAUCHYN, D. J.; LARA, A. Climate signals in high elevation tree-rings from the semiarid Andes of north-central Chile: Responses to regional and large-scale variability. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, v. 281, p. 320-333, 2009. encontraram influência no crescimento das árvores com a presença interanual destes eventos climáticos. São poucos os estudos sobre os efeitos de fatores climáticos no incremento anual de volume de madeira e a relação com a produtividade do gênero Eucalyptus spp.

Os modelos baseados em processos (MBP) simulam os padrões de crescimento das árvores em termos de mecanismos biofísicos em resposta às condições climáticas e práticas de manejo. O modelo 3PG (Physiological Principles in Predicting Growth), desenvolvido por Landsberg e Waring (1997)LANDSBERG, J. J.; WARING, R. H.; A generalised model of forest productivity using simplified concepts of radiation-use efficiency, carbon balance and partitioning. For. Ecol. Manage, v. 95, p. 209-228, 1997., é um MBP que estima a produtividade florestal baseando-se essencialmente na quantidade de energia radiante que é absorvida pelo dossel, convertida e alocada nos diferentes componentes da árvore, como folhas, lenho e raízes. É um modelo generalizado para povoamentos não específicos, aplicáveis para plantios de florestas homogêneas, dentre elas os plantios de eucalipto (STAPE et al., 2004STAPE, J. L.; RYAN, M. G.; BINKLEY, D. Testing the utility of the 3-PG model for growth of Eucalyptus grandis-urophylla with natural and manipulated supplies of water and nutrients. Forest Ecology and Management, v. 193, p. 219-234, 2004.; PAUL et al., 2007PAUL, K. I. et al. Calibration of the forest growth model 3-PG to eucalypt plantations growing in low rainfall regions of Australia. Forest Ecology and Management, v. 243, p. 237-247, 2007.; RODRÍGUEZ et al., 2009RODRÍGUEZ, R. et al. A process-based model to evaluate site quality for Eucalyptus nitensin the Bio-Bio Region of Chile. Forestry, v. 82, n. 2, p. 149-162, 2009.).

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña na produtividade de plantios de eucalipto, localizados nos estados de MG, BA e RS, através do modelo 3PG.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo compreende plantios clonais de eucalipto nos estados da Bahia (BA), de Minas Gerais (MG) e do Rio Grande do Sul (RS) (Figura 1). Em cada um dos estados, trabalhou-se em três regiões, denominadas: BA1, BA2, BA3; RS1, RS2, RS3 e MG1, MG2, MG3.

No Estado da Bahia, o clima das regiões BA1, BA2 e BA3 é denominado ‘AS’ segundo a classificação de Köppen, sendo quente e úmido com estações bem definidas, seca no verão e chuvosa no inverno. A intensidade pluviométrica anual encontra-se entre 1100 e 1300 mm. As temperaturas mínimas do ar estão em torno de 23ºC no inverno e as máximas em torno de 28ºC no verão. As áreas se diferem quanto aos tipos de solo, estando presente o Latossolo Amarelo distrófico (LAd) na área 1 e 3 e Argissolo Amarelo distrófico (PAd) na área 2.

Em Minas Gerais, a região serrana MG1, o clima é do tipo Cwb, mesotérmico de inverno seco e verão ameno, com temperaturas abaixo de 22 °C. Possui relevo forte-ondulado a montanhoso, com solos pouco profundos, argilo-arenosos e pouco férteis. A precipitação média anual é de 1.258 mm, temperatura média anual de 21,2 ºC. A região MG2 apresenta altitudes inferiores a 400 m, predomina o tipo Aw, tropical, com verão chuvoso e inverno seco de maio a setembro. O clima predominante na região MG3, pela classificação de Köppen, é do tipo Cwa, temperado chuvoso-mesotérmico, em que a temperatura média do mês mais frio é inferior a 18 °C, e a do mês mais quente, superior a 22 °C, com as chuvas ocorrendo, predominantemente, no verão e no inverno, com baixas precipitações pluviais, possui relevo suave-ondulado a montanhoso, com solos rasos a profundos, argilo-arenosos e pouco férteis.

No Rio Grande do Sul, a região RS1 e a RS2 apresentam clima Cfa, subtropical, segundo a classificação de Köppen, com temperatura média do mês mais quente superior a 22ºC e a do mês mais frio inferior a 18ºC, com temperatura média anual de 19,1ºC e precipitação média anual de 1440 mm. As áreas estão inseridas na região fisiográfica conhecida como Depressão Central e relevo que varia de plano a montanhoso, com altitudes variando entre 85 a 185 m. Estas se diferem quanto ao tipo de solo, sendo que RS1 possui predominância dos solos Argissolos Vermelhos Alumínicos típicos (PVa) e RS2, a presença de solos Argissolo Vermelho distrófico típico. A RS3 se localiza na região fisiográfica conhecida como Campanha, com relevo suave, geralmente entre 60 a 120 metros de altitude. O clima da região é do tipo subtropical úmido com precipitações em torno de 1.400 mm.

Os dados climáticos (precipitação pluviométrica, temperatura, radiação solar e evapotranspiração potencial) foram obtidos para os talhões, considerando a localização geográfica dos seus centroides, através de um banco de dados desenvolvido por Xavier et al. (2015). Esses autores utilizaram informações de 3625 postos pluviométricos da Agência Nacional das Águas (ANA) e 735 estações meteorológicas (convencionais e automáticas) para estimar dados para todo o Brasil através de métodos de interpolação. Foi gerado um grid (resolução do pixel de 0,25° x 0,25° (Lat x Long)) para todo o Brasil, com dados diários no período de 01/01/1980 a 31/12/2015. Com esses dados meteorológicos foi possível cobrir todas as regiões adequadamente (Figura 1).

Figura 1
Estações meteorológicas (EMA’s) e postos pluviométricos da ANA nas regiões de estudo

Os anos de ocorrência das diferentes intensidades dos eventos El Niño e La Niña (Tabela 1) foram obtidos do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), que se baseou nos trabalhos de Ropelewski e Halpert (1989)ROPELEWSKI, C. F.; HALPERT, M. S. Precipitation patterns associated with high index phase of the southern oscillation. Journal of Climate, 2:260–284, 1989., Rasmusson e Carpenter (1983)RASMUSSON, E. M.; CARPENTER, T. H. The relationship between eastern equatorial Pacific sea surface temperature and rainfall over India and Sri Lanka. Monthly. Weather Review, v. 111, p. 517-528, 1983. e Ropelewski e Halpert (1987)ROPELEWSKI, C. F.; HALPERT, M. S. Global and regional scale precipitation patterns associated with the el Niño/southern oscillation. Monthly Weather Review, v. 115 p. 1606-1626, 1987., em estudos de padrões de precipitação e temperatura nas regiões de influência destes eventos. Esses autores classificam cada um destes eventos em fraco, moderado e forte.

Tabela 1
Datas de ocorrência dos eventos de El Niño e La Niña em diferentes intensidades

Realizou-se a simulação dos parâmetros que expressam produtividade nos plantios de eucalipto utilizando o modelo 3PG. A descrição completa do modelo é fornecida por Landsberg e Waring (1997)LANDSBERG, J. J.; WARING, R. H.; A generalised model of forest productivity using simplified concepts of radiation-use efficiency, carbon balance and partitioning. For. Ecol. Manage, v. 95, p. 209-228, 1997. e Sands e Landsberg (2002). Essencialmente, o 3PG estima a quantidade de radiação fotossinteticamente ativa absorvida pelo dossel (RFAA) por meio da lei de Beer.

O modelo tem como entradas os dados climáticos de médias mensais de temperatura máximas e mínimas do ar (°C); radiação solar global (MJ m-2 dia-1); precipitação (mm); dias de geadas (dias mês-1); de pressão de vapor (mbar). O 3PG pode ser executado utilizando dados climáticos médios mensais de uma série histórica ou uma série definida em algum intervalo de tempo de interesse. Outros dados de entrada são relacionados aos solos, como a taxa de fertilidade, textura e disponibilidade hídrica máxima no solo e à planta (biomassa inicial de folha, lenho e raízes, número de árvores).

Optou-se por uma parametrização única das características genéticas, uma vez que se trabalhou com híbridos de urograndis, semelhantes fenotipicamente. Os parâmetros foram utilizados do trabalho realizado por Silva (2006) na região do vale do Rio Doce, em áreas de Minas Gerais, parte deste estudo.

A calibração do modelo foi feita a partir de dados de inventários das empresas nos talhões trabalhados. Foram obtidos a altura e o diâmetro à altura do peito (DAP). Calculou-se o volume por meio do modelo biométrico (SHUMACHER; HALL, 1933SCHUMACHER, F. X.; HALL, F. S. Logarithmic expression of timber-tree volume. Journal of Agricultural Research, v. 47, n. 9, p. 719-734, 1933.) com coeficientes ajustados para as regionais das empresas (equação 1).

L n V = β 0 + β 1 LnDAP + β 2 LnH + ε (1)

Em que: V = volume de árvore (m3); β0, β1, β2 = coeficientes para cada localidade estudada; DAP = diâmetro à altura do peito (cm); H = altura da árvore (m); ε = erro aleatório.

Trabalhou-se com repetições de três talhões, em cada uma das três regiões nos estados em estudo. As idades de três, cinco e sete anos foram avaliadas ao longo do ciclo.

As estimativas foram realizadas pelo 3PG, sendo empregadas como variáveis independentes e os dados do inventário como variáveis dependentes no modelo. Foi empregado análises de dispersão dos dados.

As simulações do 3PG foram feitas para os eventos El Niño e La Niña e suas intensidades durante os anos estão apresentadas na Tabela 1. Calcularam-se os incrementos correntes anuais (ICA) para cada ano de evento simulado pelo modelo (equação 2). As médias dos estados, regiões e idades foram comparadas estatisticamente pelo teste de Tukey (p ≤ 5%).

I C A = V m V m 1 (2)

Em que: Vm = grandeza da variável no ano considerado; Vm-1 = grandeza da variável no ano anterior; m = idade.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 2 apresenta os distintos padrões de chuva obtidos a partir de eventos do El Niño e La Niña e as normais climatológicas nos três estados trabalhados. Em geral, observa-se que na BA, a estação chuvosa se concentra nos meses de abril a junho, diferente de MG, onde a estação seca é bastante definida neste período. O RS possui boa distribuição de chuva ao longo do ano.

Figura 2
Caracterização dos totais mensais de chuva em eventos: fraco, moderado e forte do El Niño (EN) e da La Niña (LN) e as normais climatológicas nos estados da BA (a,b), MG (c,d) e RS (e,f)

Verifica-se que, nos estados da BA e RS, os eventos ocorrem com maior dispersão dos dados mensais em relação às normais climatológicas. A BA apresenta maiores médias de precipitação naqueles anos em que a La Niña se apresenta forte e moderada e o contrário nos eventos do El Niño. Diferentemente, no RS, os eventos de La Niña forte tendem a proporcionar menores totais anuais de chuvas. Chuvas mais intensas são vistas em El Niño forte e moderado no RS.

Em MG, verifica-se menor dispersão dos dados nos meses de evento em relação às normais. A pouca consistência das anomalias no Sudeste é devida justamente ao caráter de transição da região, pois as anomalias podem deslocar-se para norte ou para sul de um evento para outro podendo, assim, alterar o seu sinal em relação a eventos anteriores (GRIMM; FERRAZ, 1998GRIMM, A. M.; FERRAZ, S. E. T.; GOMES, J. Precipitation anomalies in Southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. Journal of climate, v. 11, p. 2863-2880, 1998. ).

A Figura 3 apresenta a dispersão dos dados de volume e DAP medidos e estimados pelo modelo 3PG. Verifica-se que, de uma maneira geral, o modelo apresenta boas estimativas, sendo que os melhores resultados foram nos plantios de MG, com inclinação da reta próxima ao valor unitário e coeficiente de determinação igual a 0,85 (n=71).

Figura 3
Dispersão dos dados mensurados de volume e DAP e estimados pelo modelo 3PG na BA (a,d), MG (b,e) e RS (c,f)

O melhor ajuste para a região de Minas Gerais era esperado, uma vez que o modelo utilizou a parametrização para este local. Contudo, o ajuste para as outras regiões, com característica edafoclimáticas bastante distintas de MG, foi satisfatório com R2 entre 0,70 e 0,79, respectivamente, para BA e RS. Isso indica que uma boa parametrização do solo e planta, somado aos dados climáticos com boa precisão torna a modelagem uma ferramenta útil para tomada de decisão silvicultural. Sands e Landsberg (2002) e Borges et al. (2012) obtiveram bons resultados na parametrização do modelo para plantios clonais de E. urophylla e E. grandis.

Os dados simulados de ICA possuem distintas respostas para cada região trabalhada com diferenças apresentadas nos padrões climatológicos dos eventos contrastantes de La Niña e El Niño detectadas pelo modelo (Tabela 2).

Tabela 2
Valores do Incremento Médio Anual (ICA) de volume de madeira estimado pelo modelo 3PG nas distintas intensidades dos eventos do El Niño (EN) e La Niña (LN) ocorridas em três regiões nos estados da BA, MG e RS

Observa-se que, de uma maneira geral, todas as regiões apresentaram maiores incrementos volumétricos nas menores idades. Cacau et al. (2008) mostram que o incremento volumétrico em híbridos de Eucalyptus camaldulensis x Eucalyptus grandis aumentam de maneira exponencial, apresentando ponto de inflexão próximo aos 48 meses de idade, permanecendo constante após essa idade. A mesma tendência foi verificada por Dias et al. (2005) em híbridos de urograndis na BA.

Na BA verifica-se que os incrementos volumétricos se diferem significativamente em resposta a parte dos eventos, sobretudo nas intensidades fortes e idades em pré-corte (sete anos). Verifica-se que em BA1 somente os eventos fortes se diferem estatisticamente entre si. Em geral, as menores taxas de incremento ocorrem nos eventos de El Niño forte e La Niña fraca, com médias gerais de ICA de 36,9, 34,5 e 22,5 m³ ha-1 para as idades de três, cinco e sete anos, respectivamente. Nesses eventos, a tendência é que haja menor volume de chuva e aumento de temperatura neste estado. A La Niña forte determina, em geral, as maiores médias de produtividades em BA1 e BA2. Em BA3 são observadas altas médias, porém sem diferenças estatísticas deste evento em relação à La Niña moderada e o El Niño fraco. As maiores médias de ICA são de 60,4, 54,3 e 38,6 m³ ha-1 aos três, cinco e sete anos, respectivamente. Soares et al. (2012) reportam que, nos eventos da La Niña, a probabilidade de ocorrer prejuízos na agricultura é reduzida tampouco para a região semi-árida e oeste Nordestino.

Em MG, por ser uma região sem padrões definidos de chuva nestes eventos, conforme discutido anteriormente, foram observados maiores ICA’s no El Niño forte e fraco em MG1, MG2 e El Niño fraco e La Niña moderada em MG3, com médias de 51,5 m³ ha-1 (três anos), 48,2 m³ ha-1 (cinco anos) e 39,3 m³ ha-1 (sete anos). Verifica-se que a La Niña, quando ocorre em intensidade moderada e fraca, confere as menores produtividades em MG1 e MG2 e La Niña fraca e El Niño moderado em MG3, com médias gerais de 33,6, 31,6 e 22,3 m³ ha-1 para as idades de três, cinco e sete anos, respectivamente. Minuzzi et al. (2007) realizaram um estudo para avaliar a influência da La Niña no Sudeste brasileiro, verificaram que, na região do estudo, o fenômeno exerce grande influência, com cerca de 30 – 40% de possibilidade de afetar o início da estação chuvosa.

Embora os eventos de El Niño provoquem anomalias positivas de precipitação pluvial, no Rio Grande do Sul (BERLATO; FONTANA, 2003), verificou-se que esse padrão seguiu tendências distintas em RS1 e RS2, localizadas na região fisiográfica da Depressão Central, de RS3, na Campanha. As menores produtividades são vistas nos eventos de La Niña forte e El Niño fraco, sendo que estas não apresentaram diferenças significativas em quase todas as idades e regiões. Os menores valores médios de ICA são de 44,0, 45,3 e 34,8 m³ ha-1 nas idades de três, cinco e sete anos, respectivamente. Os eventos do El Niño moderado contribuem com as maiores médias de produtividade no RS, sobretudo em RS3, localizada na região fisiográfica da Campanha. Porém, em alguns casos, ela não se difere estatisticamente de outros, sobretudo da La Niña moderada. Os maiores valores médios de ICA são 64,1, 58,8 e 39,4 m³ ha-1, seguindo a mesma ordem das idades anteriores.

Os incrementos de biomassa seguem a ordem de magnitude de ganho: lenho>raiz>folha nas três idades trabalhadas (Figura 4). Esses resultados condizem com os de Leles et al. (2001)LELES, P. S. S.; REIS, G. G.; REIS, M. G. F.; MORAIS, E. J. Crescimento, produção e alocação de matéria seca de Eucalyptus camaldulensis e E. pellita sob diferentes espaçamentos na região de cerrado, MG. Scientia forestalis, n. 59, p. 77-87, 2001., trabalhando com o crescimento e produção de matéria seca em plantios de E.camaudulensis e E. pellita. Os valores negativos evidenciados no gráfico correspondem aos incrementos de biomassa de folhas na idade de sete anos. Couto et al. (2004)COUTO, L.; TSUKAMOTO FILHO, A. A.; NEVES, J. C. L.; PASSOS, C. A. M.; RIBEIRO, C. A. A. S.; ARAUJO, M. M. F. C. Produção e alocação de biomassa em um sistema agrissilvipastoril com eucalipto na região do Cerrado de Minas Gerais. Biomassa & Energia, v. 1, n. 4, p. 321-334, 2004. também verificaram redução da biomassa foliar nesta idade após a realização da análise destrutiva da parte aérea em clones híbridos de Eucalyptus spp.

Figura 4
Particionamento dos incrementos de biomassa foliar (IF), de raiz (IR) e lenho (IL), estimados pelo modelo 3PG nos eventos La Niña (LA) e El Niño (EN), ocorridos nos estados da BA, nas regiões BA1 (a), BA2 (b) e BA3 (c); MG nas regiões MG1(d), MG2 (e) e MG3 (f) e RS nas regiões RS1 (g), RS2 (h) e RS3 (i)

As variações na biomassa impostas pelos eventos climáticos apresentam comportamentos distintos nas três regiões dos estados de BA, MG e RS, conforme verificado na análise do ICA. De uma maneira geral, os eventos que limitaram a incorporação de biomassa apresentaram tendências mais nítidas quando comparados aos que influenciaram o maior ganho.

Em BA1 e BA2, os menores incrementos de biomassa são verificados nos eventos de El Niño forte e, sobretudo, La Niña fraca com diferenças significativas em relação aos demais eventos em todos os órgãos avaliados da planta. Em MG, a La Niña fraca contribui desfavoravelmente para o incremento. No RS, são observados menores valores da biomassa total nas três idades quando ocorre La Niña forte e El Niño fraco.

Observa-se que para cada região houve uma variabilidade intra e inter-regiões da biomassa estimada. Santana et al. (2008)SANTANA, R.C.; BARROS, N. F.; LEITE, H. G.; COMERFORD, N. B.; NOVAIS, R. N. Estimativa de biomassa de plantios de eucalipto no Brasil. Revista Árvore, v. 32, n. 4, p. 697-706, 2008. apresentaram variações de biomassa entre distintas regiões do Brasil, com diferenças de 146 t ha-1 aos sete anos de idade. Esses resultados reforçam a plasticidade de adaptação do eucalipto frente às condições climáticas presentes em distintas regiões do Brasil, mantendo elevada produtividade se não houver limitação por outros fatores de crescimento, reforçando a afirmativa que nas regiões tropicais, água e nutrientes seriam os dois principais fatores a limitar a produção florestal (FREITAS et al., 2020FREITAS, E. C. S.; PAIVA, H. N.; NEVES, J. C. L.; MARCATTI, G. E.; GARCIA, H. L. Modeling of eucalyptus productivity with artificial neural networks. Industrial Crops & Products, v..146, 112149, 2020.).

4 CONCLUSÕES

O modelo foi capaz de detectar tendências atribuídas aos eventos climáticos El Niño e La Niña, evidenciando maiores incrementos volumétricos àqueles com maior intensidade de chuvas. As regiões avaliadas nos estados da BA e RS apresentaram respostas mais contrastantes aos eventos, diferentes de MG, local de transição para os fenômenos avaliados.

É mais evidente as diferenças nos ganhos e perdas de produtividade para os plantios jovens comparados ao plantio adultos. A biomassa estimada apresentou maiores incrementos para os órgãos: lenho>raiz>folhas. Os eventos, em que ocorreram condições climáticas limitantes ao crescimento dos plantios, reduziram o incremento de biomassa total.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

Como citar este artigo

  • Duarte, M. L.; Ribeiro, A. Influência do El Niño e La Niña na produtividade de plantios de Eucalipto em distintas regiões no Brasil. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 1, e61334, p. 1-18, 2023. DOI 10.5902/1980509861334. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1980509861334.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2020
  • Aceito
    11 Nov 2022
  • Publicado
    28 Mar 2023
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