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OCORRÊNCIA DE RAÍZES GEMÍFERAS EM Tabebuia roseoalba (Ridl.) Sandwith (BIGNONIACEAE, LAMIALES)

OCCURRENCE OF ROOT BUDS IN Tabebuia roseoalba (Ridl.) Sandwith (BIGNONIACEAE, LAMIALES)

RESUMO

A espécie Tabebuia roseoalba, presente na flora nativa do cerrado, apresenta propagação vegetativa em ambiente natural. A presença de sistemas subterrâneos produzindo gemas em espécies arbóreas está relacionada com a sobrevivência em condições de distúrbios ambientais. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar e caracterizar anatomicamente o sistema subterrâneo produtor de gemas caulinares nessa espécie. O material selecionado (raízes plagiotrópicas) foi cortado em fragmentos de aproximadamente dez centímetros de comprimento, lavados com água e plantados em recipientes plásticos contendo vermiculita. Os fragmentos foram mantidos em câmara termostática durante sessenta dias para induzir as gemas radiculares. Posteriormente, o material foi seccionado à mão e corado com safranina e azul de metileno para o exame microscópico. Os resultados indicaram que o sistema subterrâneo analisado possui um arranjo característico de raízes com o polo do protoxilema localizado mais externamente (protoxilema exarco), no qual o centro da estrutura é composto por xilema. As características observadas indicam que as gemas são reparativas, cuja formação está relacionada com algum distúrbio no sistema subterrâneo.

Palavras-chave:
ipê-branco; propagação vegetativa; gemas reparativas

ABSTRACT

The species Tabebuia roseoalba, present in the native flora of cerrado, exhibits vegetative propagation in the natural environment. The presence of underground systems that produce buds in woody tree species is related to survival under environmental disturbances. Thus, the aim of this work was to analyze and characterize anatomically the underground system producing shoot-buds in the Tabebuia roseoalba species. The material used in the investigation (plagiotropic roots) were cut into ten centimeters long segments, rinsed with water and planted in plastic pots with vermiculite. The segments were kept in a thermostatic chamber during 60 days. After, the material was hand sectioned and then stained with safranin and methylene blue for the microscopic examination. The results indicate that the underground system analyzed has a characteristic arrangement of roots with the protoxylem poles on the outer side (exarch) and the center of the structure is made up entirely of xylem. The characteristics observed in this work lead to propose that the buds are reparative in which their formation is linked to any environmental disturbance in the underground system.

Keywords:
ipê-branco; vegetative propagation; reparative buds

INTRODUÇÃO

A família Bignoniaceae possui distribuição pantropical e inclui cerca de 120 gêneros e 800 espécies. Somente no Brasil, há a ocorrência de 400 espécies (SOUZA; LORENZI, 2012SOUZA, V. C.; LORENZI, H. Botânica sistemática: guia ilustrado para identificação das famílias de fanerógamas nativas e exóticas no Brasil, baseado em APGIII. 3. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum de Estudos da Flora , 2012. 768 p.). Trata-se de uma família bastante diversificada na América do Sul, que engloba espécies arbóreas, arbustivas e lianas (JUDD et al., 2009JUDD, W. S. et al. Sistemática vegetal: um enfoque filogenético. 3. ed. Porto Alegre: Artmed , 2009. 632 p.). A família apresenta espécies produtoras de madeira de interesse comercial (LORENZI, 2016LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. 7. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2016. v. 1. 384 p.), das quais Paula e Alves (2007PAULA, J. E.; ALVES, J. L. H. Madeiras nativas: anatomia, dendrologia, dendrometria, produção e uso. Brasília: Fundação Moikiti Okada, 2007. 544 p.) citam os gêneros Tabebuia e Paratecoma, que possuem espécies de madeira dura e de alta densidade.

O bioma Cerrado é considerado uma das principais regiões de dispersão da família Bignoniaceae (BARROSO, 1991BARROSO, G. M. Sistemática de angiospermas do Brasil. Viçosa, MG: Ed. UFV , 1991. v. 3. 326 p.), caracterizado por suas particularidades fisionômicas, climáticas e pedológicas (REATTO et al., 2008REATTO, A. et al. Solos do bioma Cerrado: aspectos pedológicos. In: SANO, S. M. et al. (Org.). Cerrado: ecologia e flora. Brasília: Embrapa, 2008. p. 109-149.; RIBEIRO; WALTER, 2008RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. As principais fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO, S. M. et al. (Org.). Cerrado: ecologia e flora . Brasília: Embrapa , 2008. p. 151-212.; SILVA; ASSAD; EVANGELISTA, 2008SILVA, F. A. M.; ASSAD, E. D.; EVANGELISTA, B. A. Caracterização climática do bioma Cerrado. In: SANO, S. M. et al. Cerrado: ecologia e flora . Brasília: Embrapa , 2008. p. 71-88.), além do conhecido efeito do fogo sobre a vegetação nativa (RATTER; RIBEIRO; BRIDGEWATER, 1997RATTER, J. A.; RIBEIRO, J. F.; BRIDGEWATER, S. The brazilian cerrado vegetation and threats to its biodiversity. Annals of Botany, London, v. 80, n. 3, p. 223-230, mar. 1997.; FELFILI, 2001FELFILI, J. M. Principais fisionomias do espigão mestre do São Francisco. In: FELFILI, J. M.; SILVA JÚNIOR, M. C. (Org.). Biogeografia do bioma cerrado: estudo fisionômico na chapada do espigão mestre do São Francisco. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 18-30.; KLINK; MACHADO, 2005KLINK, C. A.; MACHADO, R. B. A conservação do cerrado brasileiro. Megadiversidade, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 147-155, jul. 2005. ).

A vegetação do bioma Cerrado apresenta fisionomias que englobam formações florestais, savânicas e campestres (RIBEIRO; WALTER, 2008RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. As principais fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO, S. M. et al. (Org.). Cerrado: ecologia e flora . Brasília: Embrapa , 2008. p. 151-212.), e exibe diferentes estratégias para a sobrevivência às condições estressantes durante o período seco que ocorre na região, como a presença de gemas vegetativas em órgãos subterrâneos em plantas herbáceas e arbustivas (GOTTSBERGER; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006GOTTSBERGER, G.; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, I. Life in the Cerrado: a South America tropical seasonal ecosystem. Ulm: Reta Verlag, 2006. v. 1. 277 p.).

A Tabebuia roseoalba (Ridl.) Sandwith, vulgarmente conhecida como ipê-branco, pertence à flora vascular nativa do bioma Cerrado (MENDONÇA et al., 1998MENDONÇA, R. C. et al. Flora vascular do Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: EMBRAPA CPAC, 1998. p. 289-556.), e é citada como árvore encontrada na fitofisionomia de mata seca e mata ciliar. Segundo Lorenzi (2016LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. 7. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2016. v. 1. 384 p.), a espécie pode ser encontrada tanto no interior de florestas primárias quanto em formações secundárias, ocorrendo no norte do estado de São Paulo, em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás, em florestas latifoliadas semidecíduas.

Existem várias espécies arbóreas florestais com capacidade regenerativa através de gemas desenvolvidas a partir de estacas radiculares, as chamadas raízes gemíferas, incluindo algumas espécies nativas do bioma Cerrado (HAYASHI, 2003HAYASHI, A. H. Morfo-anatomia de sistemas subterrâneos de espécies herbáceo-subarbustivas e arbóreas, enfatizando a origem de gemas caulinares. 2003. 143 f. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ). A presença de estruturas vegetativas subterrâneas pode resultar em vantagem para populações que sejam afetadas em períodos frequentes por distúrbios abióticos que venham a causar danos à vegetação, como o fogo e também outros fatores. Vários estudos têm demonstrado que a perturbação do estado fisiológico da árvore pode levar à iniciação de gemas nos sistemas radiculares (APPEZZATO-DA-GLÓRIA, 2003APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B. Morfologia de sistemas subterrâneos: histórico e evolução do conhecimento no Brasil. Ribeirão Preto: A. S. Pinto, 2003. 80 p.).

Uma raiz gemífera é aquela que apresenta a capacidade de regenerar um novo eixo caulinar; porém, devido a sua forte similaridade com outras estruturas, ela pode ser confundida com estolho, devendo ser comprovada anatomicamente sua origem radicular (GONÇALVES; LORENZI, 2007GONÇALVES, E. G.; LORENZI, H. Morfologia vegetal: organografia e dicionário ilustrado de morfologia das plantas vasculares. São Paulo: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2007. 416p.). Além disso, a propagação vegetativa através de raízes é uma importante forma de regeneração em que os brotos crescem em raízes horizontais quando estas sofrem algum dano, induzindo a diferenciação das gemas caulinares (YANES et al., 1997YANES, C. V. et al. La reproducción de las plantas: semillas y meristemos. México: FCE, 1997. 168 p.).

A espécie Handroanthus serratifolius (Vahl) S. O. Grose (ipê-amarelo) apresenta raízes gemíferas, indicando que esta pode ser uma característica comum em outras espécies de Bignoniaceae nativas do bioma Cerrado (CHAVES FILHO; BORGES, 2013CHAVES FILHO, J. T.; BORGES, J. D. Propagação vegetativa da espécie arbórea Handroanthus serratifolius (Vahl) S. O. Grose através de raízes gemíferas. In: CONGRESSO FLORESTAL NO CERRADO, 1.; SIMPÓSIO DE EUCALIPTOCULTURA EM GOIÁS, 3., 2013, Goiânia. Anais eletrônicos... Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2013. Disponível em: <http://www.congressoflorestal.com.br/2013/anais/files/0117.pdf> . Acesso em: 04 abr. 2015.
http://www.congressoflorestal.com.br/201...
). De fato, observações preliminares indicaram a presença de uma estrutura subterrânea plagiotrópica relacionada com a propagação vegetativa em Tabebuia roseoalba, sem, no entanto, haver na literatura pesquisada a descrição da ocorrência desse tipo de estrutura, nem de sua caracterização morfológica. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar e caracterizar anatomicamente a estrutura subterrânea produtora de gemas caulinares em Tabebuia roseoalba, visando contribuir com informações sobre aspectos morfológicos e ecológicos dessa espécie arbórea do bioma Cerrado.

MATERIAL E MÉTODOS

Fragmentos de estruturas subterrâneas produtoras de gemas caulinares foram extraídos de plantas adultas de Tabebuia roseoalba estabelecidas no Campus I da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, município de Goiânia, Estado de Goiás, localizadas nas coordenadas: 16º40’4130”S e 49º14’4493”W. Os fragmentos foram retirados de estruturas subterrâneas que estavam se desenvolvendo paralelamente à superfície do solo.

O material coletado foi segmentado em estacas (com aproximadamente 10 cm) e lavado em água de torneira. Em seguida, realizou-se a seleção de dez estacas, que foram acondicionadas horizontalmente em bandejas plásticas (30 cm x 50 cm), contendo uma camada de sete centímetros de vermiculita umedecida com 1.500 mililitros de água. Três bandejas foram mantidas em câmara termostática regulada à temperatura de 25ºC, sob iluminação constante durante 60 dias, para induzir o desenvolvimento das gemas vegetativas.

Após o período de incubação, as estacas que apresentaram desenvolvimento de gemas foram submetidas à secção em sentido transversal para observação e análise da estrutura anatômica. Os cortes transversais foram realizados à mão livre, em material fresco, com o auxílio de lâmina de barbear. O material seccionado foi submetido à coloração de contraste com solução de azul de metileno a 1% e solução de safranina a 1%, preparados conforme a descrição de Kraus e Arduin (1997KRAUS, J. E.; ARDUIN, M. Manual básico de métodos em morfologia vegetal. Seropédica: EDUR, 1997. 198 p.). Essa coloração teve por finalidade permitir melhor distinção e visualização dos diferentes tecidos da estrutura analisada.

Após a coloração, os cortes histológicos foram preparados em lâminas de vidro e submetidos ao registro fotográfico através de microscópio da marca Zeiss, modelo Axioplus, com câmera digital Canon acoplada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos indicaram que as estruturas subterrâneas da espécie Tabebuia roseoalba que crescem paralelamente ao solo possuem características anatômicas que correspondem à raiz. O corte transversal da estrutura analisada (Figura 1a) demonstra o desenvolvimento secundário do xilema (xl) e do floema (fl), típicos de plantas arbóreas dicotiledôneas. As raízes de gimnospermas e dicotiledôneas, em geral, apresentam crescimento secundário resultante da atividade de dois meristemas secundários: o câmbio e o felogênio, promovendo a alteração das características da planta em relação à estrutura primária (BECK, 2010BECK, C. B. An introduction to plant structure and development: plant anatomy for the twenty-first century. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. 441 p.).

Figura 1
Cortes transversais de estrutura subterrânea de ipê-branco (Tabebuia roseoalba) mostrando a organização dos tecidos vasculares. a) Presença de xilema e floema secundários (barra = 1,5 mm). b) Centro da estrutura subterrânea, evidenciando o cilindro vascular sólido – círculo (barra = 500 μm). c) Elementos de vaso do xilema no centro da estrutura, em que se pode observar o espessamento das células condutoras – seta –, e os vários arcos do xilema primário (barra = 200 μm). d) Destaque de um arco xilemático evidenciando o protoxilema exarco – seta tracejada – e o metaxilema centralizado – seta cheia (barra = 100 μm).
Figure 1
Tranversal cuts in the underground structure of ipê-branco (Tabebuia roseoalba) showing the vascular tissues organization. a) Presence of secondary xylem and phloem (bar = 1,5 mm). b) Middle of the underground structure demonstrating the vascular cylinder with xylem - ring (bar = 500 µm). c) Vessel elements of xylem in the middle of structure, where thicked conducting cells - arrow -, and the many arch in primary xylem can be observed (bar = 200µm). d) Xylematic arch showing the exarch protoxylem - full arrow - and the centralized metaxylem - traced arrow (bar = 100 µm).

Entretanto, a evidência de que se trata de raiz pode ser observada nas Figuras 1b e 1c, em que o centro da estrutura é composto por elementos do xilema primário, formando um cilindro vascular sólido, característica normalmente apresentada por raízes. Pode-se observar a formação de vários arcos xilemáticos indicando que a estrutura analisada se trata de uma raiz poliarca. Segundo Appezzato-da-Glória e Hayashi (2006)APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B.; HAYASHI, A. H. Raiz. In: APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B.; CARMELLO-GUERREIRO, S. M. (Org.). Anatomia vegetal. 2. ed. Viçosa, MG: Ed. UFV, 2006. p. 2267-2282., nas raízes, o número de arcos do xilema é variável conforme a espécie, e as raízes são denominadas poliarcas quando apresentam cinco ou mais arcos xilemáticos.

As principais diferenças na estrutura da raiz e do caule residem na distribuição relativa dos tecidos vascular e fundamental. No caule das eudicotiledôneas, o tecido vascular é oco, pois apresenta uma medula central, ao passo que na maioria das raízes, os tecidos vasculares têm um cilindro sólido (EVERT, 2013EVERT, R. F. Anatomia das plantas de Esaú: meristemas, células e tecidos do corpo da planta, sua estrutura, função e desenvolvimento. São Paulo: Blucher, 2013. 726 p.).

As raízes gemíferas são longas, localizadas paralelamente à superfície do solo e anatomicamente apresentam uma porção central desprovida de medula verdadeira e presença de xilema primário com maturação centrípeta (APPEZZATO-DA-GLÓRIA, 2003APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B. Morfologia de sistemas subterrâneos: histórico e evolução do conhecimento no Brasil. Ribeirão Preto: A. S. Pinto, 2003. 80 p.), corroborando as informações obtidas nesta pesquisa.

Outra característica apresentada pela estrutura analisada é a presença de protoxilema exarco (Figura 1d), confirmando sua origem radicular, pois, de acordo com Cutler, Botha e Stevenson (2011CUTLER, D. F.; BOTHA, T.; STEVENSON, D. W. M. Anatomia vegetal: uma abordagem aplicada. Porto Alegre: Artmed, 2011. 304 p.), a anatomia exarca é típica de raiz, com os polos do protoxilema voltados para fora do centro, diferentemente de um caule, em que o protoxilema é endarco.

Os resultados obtidos no presente estudo permitiram afirmar que a espécie Tabebuia roseoalba possui raízes gemíferas, pois os fragmentos de raízes que permaneceram durante 60 dias incubados apresentaram o desenvolvimento de gemas caulinares (Figuras 2a, 2b e 2c), continuando a se desenvolver após o plantio em vaso (Figura 2d). O desenvolvimento dos brotos a partir das gemas ocorreu tanto na região proximal ao corte (Figura 2a), como também na região mediana das estacas radiculares (Figuras 2b, 2c).

Figura 2
Desenvolvimento de gemas caulinares em fragmentos de estrutura subterrânea de ipê-branco (Tabebuia roseoalba) incubadas durante sessenta dias. a) Gema caulinar se desenvolvendo na região proximal ao local de corte. b e c) Crescimento de gemas caulinares na região mediana dos fragmentos. d) Caules (setas) e folhas desenvolvidos a partir de fragmentos de estruturas subterrâneas da espécie Tabebuia roseoalbaa
Figure 2
Shoot-buds development in segments of the underground structure of ipê-branco (Tabebuia roseoalba) incubated during 60 days. a) Shoot-bud development near the cut. b) and c) Shoot-bud growing in the middle of underground segment. d) Development of stems (arrows) and leaves from segments of Tabebuia roseoalba underground structure.

Este resultado é importante, pois revela uma estratégia utilizada pela espécie, que possibilita a regeneração da planta em condições naturais marcadas por perturbações do meio capazes de causar danos parciais ou mesmo de inviabilizar o desenvolvimento de gemas da parte aérea. Levando-se em conta que se trata de uma espécie de ocorrência no bioma Cerrado (MENDONÇA et al., 1998MENDONÇA, R. C. et al. Flora vascular do Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: EMBRAPA CPAC, 1998. p. 289-556.), é possível considerar que ela tenha desenvolvido mecanismos adaptativos de sobrevivência às condições estressantes, como o fogo, longos períodos de estiagem, baixa umidade e herbivoria. Para Larcher (2000LARCHER, W. Ecofisiologia vegetal. São Paulo: RiMA, 2000. 531 p.), a proteção contra o fogo é proporcionada pelo isolamento térmico da casca por densas camadas de folhas que cobrem as gemas da base e também por órgãos posicionados abaixo do solo. Segundo Camargos et al. (2010CAMARGOS, V. L. et al. Avaliação do impacto do fogo no estrato de regeneração em um trecho de Floresta Estacional Semidecidual em Viçosa, MG. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 34, n. 6, p. 1055-1063, 2010. ), a rebrota da parte aérea foi um mecanismo-chave na regeneração de espécies arbóreas e arbustivas em um fragmento de floresta estacional semidecídua em Viçosa-MG, após uma queimada induzida.

Ao estudar o efeito do aumento da frequência de incidência de incêndios sobre a vegetação do Cerrado, Hoffmann (1999HOFFMANN, W. A. Fire and population dynamics of woody plants in a neotropical savanna: matrix model projections. Ecology, Brooklyn, v. 80, n. 4, p. 1354-1369, jun. 1999.) observou que os brotos originados de raízes possuem maior tolerância ao fogo do que as plântulas e contribuem mais para a manutenção da população do que a propagação por sementes. A formação de gemas caulinares em raízes, embora seja um fenômeno comum em plantas herbáceas, apenas recentemente vem sendo confirmada em espécies arbóreas de florestas tropicais brasileiras (APPEZZATO-DA-GLÓRIA; HAYASHI, 2006APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B.; HAYASHI, A. H. Raiz. In: APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B.; CARMELLO-GUERREIRO, S. M. (Org.). Anatomia vegetal. 2. ed. Viçosa, MG: Ed. UFV, 2006. p. 2267-2282.).

Na Figura 3, pode-se observar o desenvolvimento de uma gema caulinar na raiz de Tabebuia roseoalba, o que indica a existência de raízes gemíferas na espécie. Segundo Appezzato-da-Glória (2003)APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B. Morfologia de sistemas subterrâneos: histórico e evolução do conhecimento no Brasil. Ribeirão Preto: A. S. Pinto, 2003. 80 p., em raízes gemíferas, as gemas podem ser adicionais ou reparativas. As adicionais formam-se durante o crescimento inicial das raízes, e sua origem é endógena, ao passo que as gemas reparativas têm a formação vinculada às respostas às injúrias, senescência ou outros distúrbios, e origem exógena.

Figura 3
Corte transversal de uma raiz gemífera de ipê-branco (Tabebuia roseoalba), mostrando o desenvolvimento de uma gema caulinar após a fragmentação e incubação da estrutura durante sessenta dias.
Figure 3
Transversal cut of a root-bud in ipê-branco (Tabebuia roseoalba), showing the shoot-bud development after the segmentation and incubation for 60 days.

Os dados obtidos nesta pesquisa indicam que as gemas caulinares desenvolvidas em raízes gemíferas de Tabebuia roseoalba têm sua origem nos tecidos do floema secundário (Figura 4). Resultados semelhantes foram observados por Hayashi (2003HAYASHI, A. H. Morfo-anatomia de sistemas subterrâneos de espécies herbáceo-subarbustivas e arbóreas, enfatizando a origem de gemas caulinares. 2003. 143 f. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ), que estudou a espécie Inga laurina, em que as gemas tiveram origem exógena a partir de células do parênquima floemático. Observou-se também a ruptura do anel esclerenquimático do floema.

Figura 4
Corte transversal da raiz gemífera de ipê-branco (Tabebuia roseoalba) mostrando o início do desenvolvimento de uma gema caulinar nos tecidos do floema (círculo). As setas indicam os feixes de fibras do floema, que são interrompidos pela formação da gema que, inicialmente, não possui conexão vascular com o lenho, caracterizando uma gema exógena (barra = 500 μm).
Figure 4
Transversal cut in root-bud of ipê-branco (Tabebuia roseoalba) showing the initial development of a shoot-bud in the phloematic tissues (ring). The arrows indicate the phloem fibers interrupted for the bud formation in which there is not vascular connection with the secondary xylem, characterizing a exogenous bud (bar = 500 µm).

A ausência de traços contíguos com o centro da raiz realizando a conexão vascular indica que as gemas são do tipo reparativas. No floema secundário existem regiões que apresentam tecidos com capacidade de divisão celular, como o tecido de dilatação, em que, à medida que o crescimento secundário do órgão progride, a porção não condutora do floema se expande tangencialmente, acompanhando o aumento de circunferência do eixo vegetativo (MACHADO; CARMELLO-GUERREIRO, 2006MACHADO, S. R.; CARMELLO-GUERREIRO, S. M. Floema. In: APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B.; CARMELLO-GUERREIRO, S. M. (Org.). Anatomia vegetal. 2. ed. Viçosa, MG: Ed. UFV , 2006. p. 155-178.). Embora seja evidente o desenvolvimento de gemas no tecido floemático, a origem dessas gemas deve ser mais bem estudada, visando elucidar a ontogênese da gema caulinar.

A detecção da presença de raízes gemíferas na espécie Tabebuia roseoalba pode contribuir para estudos a respeito da fenologia e regeneração de plantas em ambiente natural, bem como auxiliar na produção de mudas dessa espécie nativa do Cerrado.

CONCLUSÃO

Os dados obtidos nesta pesquisa permitem concluir que o ipê-branco (Tabebuia roseoalba) possui estruturas subterrâneas diageotrópicas caracterizadas como raízes gemíferas, capazes de regenerar a parte aérea da planta em condições adversas. A origem das gemas sugere que elas sejam do tipo reparativas, que se formam após alguma perturbação ambiental que danifique a planta.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão da bolsa de estudo e pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2016
  • Aceito
    04 Out 2017
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