RESUMO
A fragmentação florestal é um processo em que áreas contínuas de vegetação natural são subdivididas em manchas de tamanhos diversos, originado por atividades antrópicas ou causas naturais associadas a mudanças ambientais e eventos de grande magnitude. O presente trabalho tem por objetivo caracterizar e analisar a dinâmica da fragmentação florestal e a vulnerabilidade das manchas de distúrbios resultantes de deslizamentos ocasionados por chuvas intensas na região serrana do estado do Rio de Janeiro em 2011. Para tanto foi realizada uma avaliação do padrão espacial das manchas antes e após os eventos por meio de índices métricos de paisagem, estimados a partir de mapas de cobertura da terra e das cicatrizes dos deslizamentos, produzidos através da análise de imagens orbitais. Houve uma redução de 6% da área de floresta e um acréscimo de 107% no número de fragmentos, principalmente de pequenos. Ocorreu uma perda de 17% da área nuclear, um acréscimo de 43% do número de núcleos e de 28% da densidade de borda. A distância média do fragmento mais próximo diminuiu 46%, em virtude da forma das cicatrizes, alongadas e estreitas. Os resultados mostram que os deslizamentos ocasionaram uma intensificação do processo histórico de fragmentação florestal, promovendo um aumento da vulnerabilidade e instabilidade ecológica dos remanescentes florestais, evidenciando como eventos naturais de grande magnitude podem alterar rapidamente a paisagem.
Palavras-chave:
dinâmica da paisagem florestal; eventos naturais extremos; índices métricos da paisagem
ABSTRACT
Forest fragmentation is a process in which continuous natural vegetation areas are divided into patches of different sizes, originated by human activities or natural causes associated with environmental changes and high magnitude events. This work aims to characterize and to analyze the dynamics of forest fragmentation and the vulnerability of disturbance patches resulting from landslides, originated by heavy rainfall events that occurred in the mountain ranges of Rio de Janeiro state in the year 2011. The fragmentation pattern before and after the events was evaluated by the use of landscape metric indexes, extracted from land cover and landslide scars maps made by the analysis of satellite images. The indexes show a 6% reduction of the forest area and an increase of 107% in the number of forest patches, especially of small ones. A loss of 17% of forest core area and an increase of 43% in the number of forest cores and of 28% of edge density has occurred. The distance from the nearest neighbor decreased 46% due to the narrow and elongated shape of landslide scars. The overall results show that the rainfall events have caused an intensification of the historical process of forest fragmentation, promoting an increase of the ecological vulnerability and instability of the forest remnants, highlighting how high magnitude natural events can cause rapid landscape changes.
Keywords:
forest landscape dynamics; extreme natural events; landscape metric indexes
INTRODUÇÃO
A fragmentação florestal é um processo no qual áreas contínuas de vegetação natural são subdivididas em manchas (i.e., fragmentos) de tamanhos diversos, ocasionando simultaneamente a perda de habitat e mudanças nos padrões de configuração espacial da cobertura vegetal (FAHRIG, 2003FAHRIG, L. Effects of habitat fragmentation on biodiversity. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, v. 34, p. 487-515, 2003.; FERRAZ, 2013). Pode ser originada por atividades antrópicas ou causas naturais. A ação antrópica é considerada como o principal fator na intensificação do processo de fragmentação, principalmente em função do crescimento acelerado da população, acompanhado do desmatamento e das mudanças no uso do solo, decorrentes da expansão urbana e agrícola (LINDENMAYER; NIX, 1993LINDENMAYER, D. B.; NIX, H. A. Ecological principles for the design of wildlife corridors. Conservation Biology , v. 7, p. 627-631, 1993.). Mudanças ambientais, como as flutuações climáticas ocorridas durante o período Quaternário, que provocaram a descontinuidade do habitat (CONSTANTINO et al., 2003CONSTANTINO, R. et al. Causas naturais. In: RAMBALDI, D. M.; OLIVEIRA, D. A. S. (Org.). Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas públicas. Brasília: MMA, 2003. p. 44-63. (Série Biodiversidade, 6).), e eventos de grande magnitude, tais como queimadas, deslizamentos e outras catástrofes, também podem alterar a paisagem, originando manchas de distúrbios (FORMAN; GODRON, 1986FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. New York: John Wiley & Sons, 1986. 620 p.).
As modificações na paisagem produzidas pela fragmentação florestal afetam a estrutura e a dinâmica dos ecossistemas (FORMAN; GODRON, 1986FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. New York: John Wiley & Sons, 1986. 620 p.; FORMAN, 1995FORMAN, R. T. T. Some general principles of landscape and regional ecology. Landscape Ecology, v. 10, p. 133-142, 1995.). Os principais impactos estão relacionados ao tamanho e forma dos fragmentos remanescentes, e à distância entre eles (SAUNDERS; HOBBS; MARGULES 1991SAUNDERS, D. A.; HOBBS, R. J.; MARGULES, C. R. Biological consequences of ecosystem fragmentation: a review. Conservation Biology , v. 7, p. 18-32, 1991.). O tamanho e a distância são fatores que se relacionam diretamente com a biodiversidade, ou seja, fragmentos menores e mais isolados tendem a apresentar índices menores de diversidade (TURNER; CORLETT, 1996TURNER, I. M.; CORLETT, R. T. The conservation value of small, isolated fragments of lowland tropical rain forest. Trends in Ecology and Evolution , v. 11, n. 8, p. 330-333, 1996.; TABARELLI; SILVA; GASCON, 2004TABARELLI, M; SILVA, J. M. C.; GASCON, C. Forest fragmentation, synergisms and the impoverishment of neotropical forests. Biodiversity and Conservation , v. 13, p. 1419-1425, 2004.). A forma está associada ao efeito de borda, relacionado a mudanças nos parâmetros físicos, químicos e biológicos observadas no limite dos fragmentos com a matriz circundante, e que tendem a se reduzir gradualmente na direção do seu interior, afetando a composição, estrutura e funcionamento do ecossistema florestal em função da maior ou menor tolerância ambiental das espécies (MURCIA, 1995MURCIA, C. Edge effects in fragmented forests: implications for conservation. Trends in Ecology and Evolution, v. 10, n. 2, p. 58-62, 1995.; HARPER et al., 2005HARPER, K. A. et al. Edge influence on forest structure and composition in fragmented landscapes. Conservation Biology, v. 19, p. 768-782, 2005.; RIGUEIRA et al., 2012RIGUEIRA, D. M. G. et al. Influência da distância da borda e do adensamento foliar sobre a abundância de plantas pioneiras em um fragmento de floresta tropical submontana na Estação Ecológica de Wenceslau Guimarães (Bahia, Brasil). Acta Botanica Brasilica, v. 26, n. 1, p. 197-202, 2012.; MAGNAGO et al., 2014MAGNAGO, L. F. S. et al. Functional attributes change but functional richness is unchanged after fragmentation of Brazilian Atlantic forests. Journal of Ecology , v. 102, p. 475-485, 2014.).
A análise quantitativa da configuração espacial na paisagem e de sua dinâmica visa identificar os processos geradores da fragmentação e compreender os seus efeitos em processos ecológicos (TURNER; GARDNER; O’NEILL, 2001TURNER, M. G.; GARDNER, R. H.; O’NEILL, R. V. Landscape ecologyin theory and practice. New York: Springer-Verlag, 2001. 401 p.; FAHRIG, 2003FAHRIG, L. Effects of habitat fragmentation on biodiversity. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, v. 34, p. 487-515, 2003.). Para tanto foram desenvolvidos índices ou métricas da paisagem, que auxiliam na avaliação do estado da fragmentação de ambientes naturais ou alterados através da quantificação dos padrões espaciais dos fragmentos e de outros tipos de uso e cobertura da terra (LANG; BLASCHKE, 2009LANG, S.; BLASCHKE, T. Análise da Paisagem com SIG. São Paulo: Oficina de Textos, 2009. 424 p.), e que podem ser relacionados a processos naturais ou antrópicos, ou à variação de parâmetros em nível de população, comunidade ou ecossistema (TURNER; GARDNER; O’NEILL, 2001TURNER, M. G.; GARDNER, R. H.; O’NEILL, R. V. Landscape ecologyin theory and practice. New York: Springer-Verlag, 2001. 401 p.).
Em áreas montanhosas úmidas, como a Serra do Mar, que se estende pelas regiões Sul-Sudeste do país, um dos distúrbios mais frequentes são os deslizamentos ou movimentos de massa, de magnitude variável, caracterizados pelo desprendimento e transporte de material rochoso, detritos e solos ao longo de encostas sob a ação da gravidade (CHRISTOFOLETTI, 1980CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1980. 188 p.). Neste trabalho adotou-se o termo deslizamento para designar os movimentos de massa rápidos e de elevada magnitude (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008HIGHLAND, L. M.; BOBROWSKY, P. The Landslide Handbook: a guide to understanding landslides. Reston: Geological Survey Circular, 2008. 129 p.).
Há uma série de classificações dos movimentos de massa, associadas a mecanismos específicos de transporte na encosta e a propriedades e características do tipo de movimento (GUIDICINI; NIEBLE, 1984GUIDICINI, G.; NIEBLE, C.N. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. São Paulo: Blucher, 1984. 216 p.; INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS, 1991INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS (SP). Ocupação de Encostas: manual. São Paulo. Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, Publicação nº.1831, 1991. 216p.; AUGUSTO FILHO, 1992AUGUSTO FILHO, O. Caracterização geológico-geotécnica voltada à estabilização de encostas: uma proposta metodológica. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA SOBRE ESTABILIDADE DE ENCOSTAS, 1., 1992, Rio de Janeiro. Anais... 1992. p. 721-733.). No entanto, de modo geral podem ser desencadeados por eventos naturais, como terremotos e chuvas intensas, associados à geologia e topografia (FERNANDES, 2004FERNANDES, N. F. et al. Topographic controls of landslides in Rio de Janeiro: field evidence and modeling, Catena, v. 55, p. 163-181, 2004.; NERY; VIEIRA, 2015NERY, T. D.; VIEIRA, B. C. Susceptibility to shallow landslides in a drainage basin in the Serra do Mar, São Paulo, Brazil, predicted using the SINMAP mathematical model. Bulletin of Engineering Geology and the Environment, v. 74, p. 369-378, 2015.), e serem intensificados por fatores antrópicos, tais como desmatamento, compactação de solos, abertura de estradas, urbanização e incêndios (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008HIGHLAND, L. M.; BOBROWSKY, P. The Landslide Handbook: a guide to understanding landslides. Reston: Geological Survey Circular, 2008. 129 p.). Embora as características geomorfológicas dos deslizamentos e sua gestão como desastres físicos sejam relativamente bem estudadas, as consequências sobre a estrutura e funcionalidade dos ecossistemas em diferentes escalas espaciais e temporais ainda são pouco conhecidas (WALKER; SHIELS, 2013WALKER, L. R.; SHIELS, A. B. Landslide ecology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 316 p.).
Nos dias 11 e 12 de janeiro de 2011, a região serrana do estado do Rio de Janeiro foi atingida por chuvas intensas que alcançaram índices entre 130 mm a 250 mm em 24 horas, desencadeando um desastre natural de grandes proporções (CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS, 2012CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS. Chuva volumosa na Região Serrana do RJ. [2012]. Disponível em: < Disponível em: http://www.cptec.inpe.br/
>. Acesso em: 20 dez. 2012.
http://www.cptec.inpe.br/...
; INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE, 2011INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE (RJ). Volume de chuva na região serrana foi maior do que o divulgado. [2011]. Disponível em: < Disponível em: http://www.proderj.rj.gov.br/
>. Acesso em: 20 dez. 2012.
http://www.proderj.rj.gov.br/...
). O volume pluviométrico associado às características fisiográficas e aos padrões de urbanização e uso do solo locais provocaram a ocorrência de deslizamentos e inundações (PINTOI; FREITAS, 2012PINTO, R. W. P.; FREITAS, M. M. Considerações a respeito dos movimentos de massa ocorridos em janeiro de 2011 na bacia do Córrego d’Antas, Nova Friburgo - RJ. GeoPUC, n. 9, p. 79-96, 2012.), ocasionando mais de 900 mortes, além de cerca de 600 desaparecidos e de 26 mil desalojados ou desabrigados em diversas cidades e comunidades rurais (SHAFFER et al., 2011SHAFFER, W. B. et al. Áreas de preservação permanente e unidades de conservação & áreas de risco: o que uma coisa tem a ver com a outra? Relatório de Inspeção da área atingida pela tragédia das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro. Brasília: MMA , 2011. 96 p. (Série Biodiversidade, 41).). Esses eventos geraram inúmeras cicatrizes que redesenharam a paisagem local, afetando diretamente a configuração da cobertura vegetal. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo caracterizar e analisar a dinâmica da fragmentação florestal e da vulnerabilidade das manchas de distúrbios antes e após os deslizamentos de 2011, em um setor da região serrana localizado no município de Nova Friburgo fortemente atingido pelos eventos.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
A área de estudo, com 34,5 mil ha, compreende cerca de 35% do município de Nova Friburgo e corresponde à área mais atingida pelas fortes chuvas de 2011 (Figura 1). Pertencente à unidade geomorfológica Planalto Reverso da Região Serrana, é caracterizada pelo relevo montanhoso a escarpado, com altitude variando entre 900 e 1.700 m (DANTAS, 2011DANTAS, M. E. Geomorfologia do Estado do Rio de Janeiro. In: DANTAS, M.E. et al. Estudo Geoambiental do Estado do Rio de Janeiro. Brasília: CPRM, 2001.). O substrato rochoso é constituído por rochas intrusivas e metamórficas Pré-Cambrianas, que afloram extensamente em grande parte da área, sendo em sua maioria afloramentos compostos de granitos com formação de “pães de açúcar” ou monadknocks (AB’SABER, 1992AB’SABER, A. N. A Serra do Japi, sua origem geomorfológica e a teoria dos refúgios. In: MORELLATO, L. P. (Org.). História Natural da Serra do Japi: ecologia e preservação de uma área florestal no Sudeste do Brasil. Campinas: Unicamp/Fapesp, 1992. p. 12-23.). Nos alvéolos de relevo suave estão situados os sítios urbanos e as atividades agrícolas. Devido ao gradiente elevado do relevo montanhoso dominante, associado à expansão urbana e das atividades econômicas, como o turismo e a hortifruticultura, a área apresenta um alto potencial de vulnerabilidade a eventos de movimentos de massa e erosão (DANTAS, 2011DANTAS, M. E. Geomorfologia do Estado do Rio de Janeiro. In: DANTAS, M.E. et al. Estudo Geoambiental do Estado do Rio de Janeiro. Brasília: CPRM, 2001.). A orografia da região influencia também na variabilidade climática, com predomínio de clima subquente, com temperaturas médias que variam entre 13,8ºC e 24,3ºC (NIMER, 1989) e elevados índices pluviométricos, que atingem um total anual próximo a 2.500 mm nas áreas mais altas, diminuindo progressivamente para o norte até alcançar 1.300 mm (CANEDO; EHRLICH; LACERDA, 2011CANEDO, P.; EHRLICH, M; LACERDA, W. A. Chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro: sugestões para ações de engenharia e planejamento. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2011.). Os terrenos íngremes, elevados e consequentemente pouco acessíveis facilitaram a manutenção da cobertura florestal em cerca de 60% do município (FRANCISCO; ALMEIDA, 2012FRANCISCO, C. N.; ALMEIDA, C. M. Avaliação de desempenho de atributos estatísticos e texturais em uma classificação de cobertura da terra baseada em objeto. Boletim de Ciências Geodésicas, v. 18, p. 302-326, 2012.), incluindo florestas secundárias em diferentes estágios de sucessão, sujeitas à exploração seletiva ou regeneradas após o abandono de áreas agrícolas e pastagens devido à baixa fertilidade dos solos, erosão, alta umidade, diminuição da população rural, mudanças na legislação e fiscalização ambiental, e à criação de unidades de conservação (CASTRO, 2015CASTRO, P. F. (Org.). Atlas das unidades de conservação do Rio de Janeiro. 2. ed. São Paulo: Metalivros, 2015. 191 p.; REZENDE et al., 2015REZENDE, C. L. et al. Atlantic Forest spontaneous regeneration at landscape scale. Biodiversity and Conservation , Dordrecht, v. 24, n. 8, p. 2255-2272, 2015.). A área pertence ao Bioma Mata Atlântica e tem como formação vegetal dominante a Floresta Ombrófila Densa Montana (VELOSO; RANGEL FILHO; LIMA, 1991VELOSO, H. P.; RANGEL FILHO, A. L. R.; LIMA, J. C. A. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE, 1991. 123 p.), sendo considerada como de alta prioridade para a conservação de espécies vegetais e animais (GUEDES-BRUNI; LIMA, 1997GUEDES-BRUNI, R. R.; LIMA, H. C. Mountain ranges of Rio de Janeiro, South-Eastern Brazil. In. DAVIS, S. H. et al (Ed.). Centres of plant diversity. A guide and strategy for their conservation. Cambridge: IUCN, 1997.; ROCHA et al., 2009ROCHA, C. F. D. et al. Análise da distribuição da diversidade da fauna no estado do Rio de Janeiro. In: BERGALLO, H. G. et al. (Og.). Estratégias e ações para a conservação da biodiversidade no Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: Instituto Biomas , 2009. p. 111-126.).
Localização da área de estudo, município de Nova Friburgo - RJ.
FIGURE 1:
Location of the study area, municipality of Nova Friburgo, RJ state.
Mapeamento e Análise
A avaliação do padrão espacial das manchas antes e após os eventos de 2011 foi realizada com base na utilização dos índices métricos de paisagem. Para o cálculo das métricas foi utilizado o mapeamento de cobertura da terra de Nova Friburgo, elaborado por Francisco e Almeida (2012FRANCISCO, C. N.; ALMEIDA, C. M. Avaliação de desempenho de atributos estatísticos e texturais em uma classificação de cobertura da terra baseada em objeto. Boletim de Ciências Geodésicas, v. 18, p. 302-326, 2012.) a partir da análise de imagens baseada em objetos (Geographic Object-Based Image Analysis), utilizando imagens orbitais ALOS/ AVNIR-2 obtidas em 2009. Este sensor possui quatro bandas espectrais (três da faixa do visível e uma do infravermelho próximo), com resolução espacial de 10 m, que foram fusionadas à banda pancromática do sensor ALOS/PRISM, com resolução espacial de 2,5 m. Posteriormente, a classificação passou por uma revisão, realizada por Garcia e Francisco (2013GARCIA, M. L. T.; FRANCISCO, C. N. Métricas da paisagem no estudo da vulnerabilidade da Mata Atlântica na região serrana fluminense - Nova Friburgo, RJ. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Foz do Iguaçu, 16. Anais... INPE, 2013.), com base na interpretação visual das imagens ALOS, de ortofotos coloridas do projeto RJ-25 IBGE de 2005, com resolução espacial de 1 m e escala aproximada de 1:30.000, e em trabalhos de campo.
O mapeamento das cicatrizes dos movimentos de massa, fornecido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, foi feito por interpretação visual de imagens orbitais GeoEye obtidas em 20/01/2011, com resolução espacial de 50 cm no modo pancromático, e 2 m no multiespectral. Foram mapeadas 2.211 cicatrizes, cada uma representando um único evento ou vários que se uniram e formaram um complexo de cicatrizes, somando uma área total de 1,4 mil ha. A extensão das cicatrizes varia de 0,002 a 24,5 ha (média de 0,66 ha).
Para a geração do mapa dos fragmentos florestais após os eventos, foi realizado o cruzamento entre os mapas de cobertura da terra de 2009 e das cicatrizes, através do programa ArcGis 9.3. Posteriormente, os mapas vetoriais da cobertura vegetal antes e após o episódio das chuvas foram convertidos para raster (formato GRID) com resolução espacial de 10 m. Para conferência dos resultados obtidos, foi realizado trabalho de campo em janeiro de 2013.
As métricas dos fragmentos florestais dos anos de 2009 e 2011 relacionadas à área, borda, forma, núcleo (área central sem influência da borda) e agregação dos fragmentos (Tabela 1), foram calculadas no programa Fragstats 4.1, constituído por um conjunto de algoritmos que quantifica a composição e a configuração da paisagem (MCGARIGAL et al., 2002MCGARIGAL, K. et al. FRAGSTATS v. 3: spatial pattern analysis program for categorical maps. Computer software program produced by the authors at the University of Massachusetts, Amherst, 2002. Disponível em: < Disponível em: http://www.umass.edu/landeco/research/fragstats/fragstats.html
>. Acesso em: 10 jan. 2013.
http://www.umass.edu/landeco/research/fr...
). Apenas os remanescentes totalmente contidos dentro da área de estudo foram considerados no cálculo. Considerou-se como borda a distância de 30 m do entorno para o interior dos fragmentos. Embora não haja um padrão para o interior funcional de florestas, já que este valor varia para cada espécie, tipo de ambiente e idade da borda (OLIVEIRA-FILHO; MELLO; SCOLFORO, 1997OLIVEIRA-FILHO, A. T.; MELLO, J. M.; SCOLFORO, J. R. Effects of past disturbance and edges on tree community structure and dynamics within a fragment of tropical semideciduous forest in south-eastern Brazil over a five-year period (1987-1992). Plant Ecology, v. 131, p. 45-66, 1997.; HARPER et al., 2005HARPER, K. A. et al. Edge influence on forest structure and composition in fragmented landscapes. Conservation Biology, v. 19, p. 768-782, 2005.), a definição da distância baseou-se nos trabalhos de Williams-Linera (1990WILLIAMS-LINERA, G. Vegetation structure and environmental conditions of forest edges in Panama. Journal of Ecology , v. 78, p. 356-373, 1990.), Kataoka-Silva (2006KATAOKA-SILVA, A. M. Efeito de borda em remanescentes florestais da floresta ombrófila mista da região de Guarapuava. 91 f. Tese (Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2006.), Rigueira et al. (2012RIGUEIRA, D. M. G. et al. Influência da distância da borda e do adensamento foliar sobre a abundância de plantas pioneiras em um fragmento de floresta tropical submontana na Estação Ecológica de Wenceslau Guimarães (Bahia, Brasil). Acta Botanica Brasilica, v. 26, n. 1, p. 197-202, 2012.) e no trabalho de Barros (2006BARROS, F. A. Efeito de borda em fragmentos de floresta montana, Nova Friburgo, RJ. 2006. 100 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.), realizado em área parcialmente sobreposta à deste trabalho, que indicam mudanças microambientais e estruturais em relação ao interior claramente perceptíveis até 30 m da borda.
Descrição das métricas de fragmentação utilizadas. Fonte: Adaptado de McGarigal et al. (2002)MCGARIGAL, K. et al. FRAGSTATS v. 3: spatial pattern analysis program for categorical maps. Computer software program produced by the authors at the University of Massachusetts, Amherst, 2002. Disponível em: < Disponível em: http://www.umass.edu/landeco/research/fragstats/fragstats.html >. Acesso em: 10 jan. 2013.
http://www.umass.edu/landeco/research/fr... e Calegari et al. (2010)CALEGARI, L. et al. Análise da dinâmica de fragmentos florestais no município de Carandaí, MG, para fins de restauração florestal. Revista Árvore, v. 34, n. 5, p. 871-880, 2010..
TABLE 1:
Description of the fragmentation metrics used. Source: Adapteded from McGarigal et al. (2002)MCGARIGAL, K. et al. FRAGSTATS v. 3: spatial pattern analysis program for categorical maps. Computer software program produced by the authors at the University of Massachusetts, Amherst, 2002. Disponível em: < Disponível em: http://www.umass.edu/landeco/research/fragstats/fragstats.html >. Acesso em: 10 jan. 2013.
http://www.umass.edu/landeco/research/fr... and Calegari et al. (2010)CALEGARI, L. et al. Análise da dinâmica de fragmentos florestais no município de Carandaí, MG, para fins de restauração florestal. Revista Árvore, v. 34, n. 5, p. 871-880, 2010..
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com o mapeamento feito por Garcia e Francisco (2013GARCIA, M. L. T.; FRANCISCO, C. N. Métricas da paisagem no estudo da vulnerabilidade da Mata Atlântica na região serrana fluminense - Nova Friburgo, RJ. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Foz do Iguaçu, 16. Anais... INPE, 2013.), em 2009, a vegetação herbácea predominava como classe de cobertura da terra, representando 48% da área de estudo, correspondendo a pastagens, culturas anuais e produção de hortigranjeiros. A floresta constituía a segunda classe com maior área, representando 38%, e a área urbana a terceira, correspondendo a 7%. Os resultados oriundos do cálculo das métricas mostram que em 2009 os remanescentes de floresta se distribuíam em 241 fragmentos (NP), com área total (AREA) próxima a 6 mil ha, representando 18% da área (Figura 2, Tabela 2). Entretanto, 95% dos fragmentos possuíam menos de 100 ha, correspondendo a 50% da área florestal remanescente. Fragmentos abaixo de 10 ha predominavam na paisagem, representando 58% do número total de remanescentes, cobrindo, no entanto, apenas 9% da área total.
Estes resultados mostram que a cobertura florestal na área estudada já se encontrava consideravelmente fragmentada antes da ocorrência dos eventos pluviométricos em 2011 em virtude do histórico de uso da terra, com um grande número de fragmentos pequenos. De acordo com Laurance et al. (1998LAURANCE, W. F. et al. Effects of forest fragmentation on recruitment patterns in amazonian tree communities. Conservation Biology , Maiden, v. 12, p. 460-464, 1998.), fragmentos abaixo de 100-400 ha podem ser considerados como bastante alterados ecologicamente. O mapeamento cobrindo todo o município de Nova Friburgo (GARCIA; FRANCISCO, 2013GARCIA, M. L. T.; FRANCISCO, C. N. Métricas da paisagem no estudo da vulnerabilidade da Mata Atlântica na região serrana fluminense - Nova Friburgo, RJ. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Foz do Iguaçu, 16. Anais... INPE, 2013.) também mostrou a predominância de pequenos fragmentos (96% < 100 ha), indicando uma alta vulnerabilidade ecológica na maior parte dos remanescentes do município, embora uma parte da área florestal se estenda para municípios vizinhos (ou seja, parte dos fragmentos pode pertencer a fragmentos maiores, divididos pelo limite municipal), constituindo um dos principais núcleos florestais do estado do Rio de Janeiro, com diversas unidades de conservação reunidas no Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense (CASTRO, 2015CASTRO, P. F. (Org.). Atlas das unidades de conservação do Rio de Janeiro. 2. ed. São Paulo: Metalivros, 2015. 191 p.). A predominância de pequenos fragmentos (< 100 ha) foi registrada também em estudos cobrindo o estado (93% do NP, 20% da área) e toda a Mata Atlântica (92% do NP, 30% da área), indicando que a paisagem local apresentava um padrão espacial de fragmentação florestal similar ao encontrado nas escalas do estado (FIDALGO et al., 2009FIDALGO, E. C. C. et al. Distribuição dos remanescentes vegetais no estado do Rio de Janeiro. In. BERGALLO, H. G. et al. (Org.). Estratégias e ações para a conservação da biodiversidade no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Biomas, 2009. p. 91-99.) e do bioma (RIBEIRO et al., 2009RIBEIRO, M. C. et al. The Brazilian Atlantic Forest: how much is left, and how is the remaining forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation , v. 142, p. 1141-1153, 2009.).
Mapeamento dos fragmentos florestais atingidos pelas chuvas de 2011, Nova Friburgo - RJ. A) Antes da ocorrência dos deslizamentos. B) Após a ocorrência dos deslizamentos.
FIGURE 2:
Mapping of forest fragments hit by 2011 heavy rain events, Nova Friburgo, RJ state. A) Before the occurrence of landslides. B) After the occurrence of landslides.
Após os eventos de 2011, o número de fragmentos aumentou para 498, um pouco mais do que o dobro (107%) do valor anterior, cobrindo uma área de cerca de 5,7 mil ha, o que representa uma perda de 6% da área total de floresta. Desses fragmentos, 98% apresentavam tamanho abaixo de 100 ha, correspondendo a um acréscimo de cerca de 20% no total da área da classe, enquanto que os remanescentes acima de 100 ha (2% do NP) perderam cerca de 1 mil ha, ou 32% da área original. Fragmentos abaixo de 10 ha passaram a representar 77% do número total, num acréscimo de área da classe de 175 ha (176%).
Antes da ocorrência dos deslizamentos havia três fragmentos com área superior a 300 ha, correspondendo a 21% da área total de florestas. O maior fragmento, com 483 ha, perdeu 26 ha de floresta e foi subdividido em 32 fragmentos menores, 84% dos quais com área inferior a 1,3 ha (Figura 3). Nessa subdivisão restaram apenas dois fragmentos com área superior a 100 ha, e os restantes com área entre 20 e 100 ha.
O tamanho médio (AREA_MN) dos fragmentos, considerado como um bom indicador do grau de fragmentação (MCGARIGAL et al., 2002MCGARIGAL, K. et al. FRAGSTATS v. 3: spatial pattern analysis program for categorical maps. Computer software program produced by the authors at the University of Massachusetts, Amherst, 2002. Disponível em: < Disponível em: http://www.umass.edu/landeco/research/fragstats/fragstats.html
>. Acesso em: 10 jan. 2013.
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), sofreu uma redução de 24 ha para 10 ha (Tabela 3), indicando uma maior vulnerabilidade e instabilidade ecológica dos fragmentos florestais remanescentes na paisagem local. A redução e a fragmentação das maiores manchas podem afetar diretamente processos-chave na manutenção da biodiversidade local, como a polinização e a dispersão (FUSHITA, 2006FUSHITA, A. T. Análise da fragmentação de áreas de vegetação natural e seminatural do município de Santa Cruz da Conceição, São Paulo, Brasil. 2006. 84 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Recursos Naturais) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2006.). Populações de espécies arbóreas em pequenos fragmentos florestais são compostas em grande parte por poucos indivíduos, o que pode gerar um percentual considerável de endogamia e um aumento na probabilidade de extinção local de espécies (TABARELLI; SILVA; GASCON, 2004TABARELLI, M; SILVA, J. M. C.; GASCON, C. Forest fragmentation, synergisms and the impoverishment of neotropical forests. Biodiversity and Conservation , v. 13, p. 1419-1425, 2004.). Os impactos na fauna podem ser ainda maiores, com a diminuição e extinção de parte da população de espécies de aves, mamíferos e anfíbios, entre outras, especialmente em paisagens com um grau considerável de intensidade de uso e ocupação humana, com a presença de espécies domésticas e invasoras (TURNER; CORLETT, 1996TURNER, I. M.; CORLETT, R. T. The conservation value of small, isolated fragments of lowland tropical rain forest. Trends in Ecology and Evolution , v. 11, n. 8, p. 330-333, 1996.; GIBSON et al., 2013).
Por outro lado, pequenos fragmentos podem cumprir funções importantes ao longo da paisagem (FORMAN, 1995FORMAN, R. T. T. Some general principles of landscape and regional ecology. Landscape Ecology, v. 10, p. 133-142, 1995.), funcionando como pontos de ligação ou trampolins ecológicos (stepping stones), principalmente quando próximos a grandes núcleos de biodiversidade. Em uma situação similar, Magnago et al. (2014MAGNAGO, L. F. S. et al. Functional attributes change but functional richness is unchanged after fragmentation of Brazilian Atlantic forests. Journal of Ecology , v. 102, p. 475-485, 2014.) não observaram mudanças significativas na riqueza funcional de pequenos fragmentos em relação a fragmentos maiores. Pequenos fragmentos dispersos pela matriz facilitam o fluxo de algumas espécies, promovem um aumento no nível de heterogeneidade da matriz e podem atuar como refúgio para a diversidade local, incluindo espécies endêmicas, além de prestarem diversos serviços ecossistêmicos (TURNER; CORLETT, 1996TURNER, I. M.; CORLETT, R. T. The conservation value of small, isolated fragments of lowland tropical rain forest. Trends in Ecology and Evolution , v. 11, n. 8, p. 330-333, 1996.; HERNÁNDEZ-RUEDAS et al., 2014HERNÁNDEZ-RUEDAS, M. A. et al. Conserving tropical tree diversity and forest structure: the value of small rainforest patches in moderately-managed landscapes. PLos One, San Francisco, v. 9, n. 6, e98931, 2014.).
Métricas de fragmentação florestal antes e após as chuvas de 2011, Nova Friburgo - RJ.
FIGURE 3:
Fragmentation mapping of the largest forest patch in the area hit by the 2011 heavy rain events, Nova Friburgo, RJ state.
O índice médio de forma (SHAPE_MN) passou de 2,2 para 1,8, indicando que a paisagem pode ter passado a apresentar fragmentos florestais com formas menos complexas. Este resultado provavelmente reflete o incremento no número de pequenos fragmentos. Ocorreu também uma redução na distância média do vizinho mais próximo (ENN_MN) de 121 m para 65 m. Essa redução provavelmente é um reflexo dos impactos ocasionados pelos deslizamentos, que geralmente originam cicatrizes alongadas e estreitas, provocando a diminuição na média da distância entre os fragmentos.
Almeida (2008ALMEIDA, C. G. Análise espacial dos fragmentos florestais na área do Parque Nacional dos Campos Gerais, Paraná. 2008. 72 f. Dissertação (Mestrado em Gestão do Território) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2008.) propõe uma classificação que considera o grau de isolamento com base na distância entre fragmentos: baixo grau até 60 m, médio de 60 a 120 m, alto de 120 a 200 m, e muito alto acima de 200 m. De acordo com essa classificação, a paisagem da área de estudo apresentou grau de isolamento de médio a baixo no período avaliado. Alternativamente, a conectividade funcional da paisagem pode ser avaliada em função das demandas de movimentação das diferentes espécies que compõem os ecossistemas florestais (MARTENSEN; PIMENTEL; METZGER, 2008MARTENSEN, A. C.; PIMENTEL, R. G.; METZGER, J. P. Relative effects of fragment size and connectivity on bird community in the Atlantic Rain Forest: implications for conservation. Biological Conservation, Oxford, v. 141, p. 2184-2192, 2008.). Estudo de Awade e Metzger (2008AWADE, M.; METZGER, J. P. Using gap-crossing capacity to evaluate functional connectivity of two Atlantic rainforests birds and their response to fragmentation. Austral Ecology, v. 33, n. 7, p. 863-871, 2008.) mostra que distâncias entre fragmentos superiores a 40 m já podem afetar o movimento de espécies de aves florestais.
A densidade de borda (ED) passou de 176 para 225 m/ha, correspondente a um acréscimo de 288 ha na área total de borda, o que aponta para um aumento do efeito de borda e, consequentemente, uma diminuição da área nuclear na paisagem, evidenciada pela diminuição de 641 ha na área total central da floresta (TCA). O índice de área central média (CAI_MN), que já era baixo, correspondendo a 37%, passou para 18%, ocorrendo um aumento de 43% no número de núcleos (NDCA). Esse acréscimo indica não somente o aumento do número de fragmentos, como também está associado à formação de bordas mais sinuosas, o que pode gerar mais de um núcleo por fragmento.
Segundo McGarigal et al. (2002MCGARIGAL, K. et al. FRAGSTATS v. 3: spatial pattern analysis program for categorical maps. Computer software program produced by the authors at the University of Massachusetts, Amherst, 2002. Disponível em: < Disponível em: http://www.umass.edu/landeco/research/fragstats/fragstats.html
>. Acesso em: 10 jan. 2013.
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), a área central é um melhor indicador da qualidade dos fragmentos do que a sua área total. Como este índice é altamente sensível à distância de borda adotada, a diminuição da área nuclear, bem como o aumento da densidade de borda e do número de núcleos, métricas também relacionadas a essa distância, devem ser interpretados com cautela. A distância em que o efeito de borda pode ser observado varia em função dos parâmetros utilizados, do tipo de vegetação, da idade da borda, das características estruturais e do manejo da matriz, entre outros fatores (MAGNAGO et al., 2014MAGNAGO, L. F. S. et al. Functional attributes change but functional richness is unchanged after fragmentation of Brazilian Atlantic forests. Journal of Ecology , v. 102, p. 475-485, 2014.; 2015MAGNAGO, L. F. S. et al. Microclimatic conditions at forest edges have significant impacts on vegetation structure in large Atlantic forest fragments. Biodiversity and Conservation, v. 9, 2015. DOI 10.1007/s10531-015-0961-1
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). Antes dos eventos, o maior fragmento possuía 20 núcleos, devido à sinuosidade das bordas, o que já evidenciava uma alta vulnerabilidade ecológica. Os índices pós-evento indicam uma diminuição na disponibilidade de habitat na paisagem para espécies não tolerantes, o que pode conduzir a uma redução nas suas populações ou extinções locais (TABARELLI; SILVA; GASCON, 2004TABARELLI, M; SILVA, J. M. C.; GASCON, C. Forest fragmentation, synergisms and the impoverishment of neotropical forests. Biodiversity and Conservation , v. 13, p. 1419-1425, 2004.). A floresta remanescente tornou-se também ainda mais sujeita aos impactos advindos dos diferentes tipos de uso na matriz. O estudo de Barros (2006BARROS, F. A. Efeito de borda em fragmentos de floresta montana, Nova Friburgo, RJ. 2006. 100 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.) apontou um impacto relativamente maior da agricultura em relação à pecuária na composição e estrutura das bordas dos fragmentos, provavelmente devido ao manejo intensivo característico da olericultura e dos cultivos anuais, atividades predominantes na região.
Os índices apresentados correspondem à situação dos fragmentos logo após os eventos. No entanto, foi possível observar em campo que, passados dois anos, o sopé das encostas nas quais foi depositada a maior parte do material oriundo dos deslizamentos já se encontrava em processo inicial de regeneração natural, apresentando ervas e arbustos com altura de até 4 a 5 m, confirmando Guariguata (1990GUARIGUATA, M. Landslide disturbance and forest regeneration in the upper Luquillo Mountains of Puerto Rico. Journal of Ecology, v. 78, p. 814-832, 1990.) e Wilcke et al. (2003WILCKE, W. et al. Soil properties on a chronosequence of landslides in montane rain forest, Ecuador. Catena, v. 53, p. 79-94, 2003.), que observaram que as zonas deposicionais apresentam maior disponibilidade de propágulos e nutrientes. Verificou-se também que a regeneração ocorre preferencialmente nas cicatrizes de pequena extensão, localizadas em encostas de menor declividade.
A distribuição espacial e a forma das cicatrizes dos deslizamentos têm importantes implicações para o processo de restauração da cobertura florestal. As cicatrizes formam clareiras nas quais é criado um gradiente de recursos (solos, umidade, radiação), dentro e entre cicatrizes, afetando assim a sequência e a velocidade da sucessão vegetal (WALKER; SHIELS, 2013WALKER, L. R.; SHIELS, A. B. Landslide ecology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 316 p.). A proximidade dos fragmentos, devido à forma alongada e estreita das cicatrizes, facilita a dispersão de propágulos, com a recolonização geralmente ocorrendo da borda para o centro da cicatriz (MONTEZUMA, 2007MONTEZUMA, R. C. M. Clareiras de deslizamentos e transformação da paisagem: o efeito sinérgico de pequenos distúrbios. In: RUA, J. (Org.). Paisagem, espaço e sustentabilidades: uma perspectiva multidimensional da Geografia. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2007. p. 57-82.; CHIROL, 2009CHIROL, A. A. Reabilitação funcional de clareiras associadas a deslizamentos em encostas íngremes sob a Floresta Atlântica - uma abordagem geo-hidroecológica. 2009. 156 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). Por outro lado, as cicatrizes largas, de área extensa e localizadas em encostas íngremes, mostram processos ativos de ravinamentos causados pelo escoamento superficial, o que pode comprometer a estabilidade das encostas e conduzir à perda dos horizontes mais profundos do solo, retardando o processo de regeneração natural (CHIROL, 2009CHIROL, A. A. Reabilitação funcional de clareiras associadas a deslizamentos em encostas íngremes sob a Floresta Atlântica - uma abordagem geo-hidroecológica. 2009. 156 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.; WILCKE et al., 2003WILCKE, W. et al. Soil properties on a chronosequence of landslides in montane rain forest, Ecuador. Catena, v. 53, p. 79-94, 2003.). Como consequência, pode-se deduzir que o tamanho e a forma das cicatrizes, associados à intensidade do processo erosivo, afetam diretamente o processo de restauração da cobertura florestal e de reconexão dos fragmentos, influenciando assim na dinâmica de paisagem. O acompanhamento desse processo, através de estudos de dinâmica das comunidades vegetais e animais (VELAZQUEZ; SAL, 2007VELAZQUEZ, E. V.; SAL, A. G. Environmental control of early succession on a large landslide in a tropical dry ecosystem (Casita Volcano, Nicaragua). Biotropica, v. 35, n. 5, p. 601-609, 2007.; WALKER et al., 2010WALKER, L. R. et al. Early successional woody plants facilitate and ferns inhibit forest development on Puerto Rican landslides. Journal of Ecology , London, v. 98, p. 625-635, 2010.; VELAZQUEZ; DE LA CRUZ; SAL, 2014VELAZQUEZ, E. V.; DE LA CRUZ, M.; SAL, A. G. Changes in spatial point patterns of pioneer woody plants across a large tropical landslide. Acta Oecologica, v. 61, p. 9-18, 2014.), pode ajudar a esclarecer sobre a necessidade ou não de intervenções para o reestabelecimento da conectividade da paisagem, com a consequente diminuição do grau de fragmentação florestal e de suas consequências biológicas.
Por fim, as mudanças espaciais observadas na paisagem local apontam para a ocorrência de uma possível sinergia entre os eventos naturais e a ação humana (MONTEZUMA, 2007MONTEZUMA, R. C. M. Clareiras de deslizamentos e transformação da paisagem: o efeito sinérgico de pequenos distúrbios. In: RUA, J. (Org.). Paisagem, espaço e sustentabilidades: uma perspectiva multidimensional da Geografia. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2007. p. 57-82.). Eventos com intensidade e níveis de danos ambientais e socioeconômicos similares foram registrados nos últimos 70 anos em diversos outros pontos da Serra do Mar, na Região Sudeste (DE POEY; CRUZ, 1979DE PLOEY, J.; CRUZ, O. Landslides in the Serra do Mar, Brazil. Catena, v. 6, p. 111-122, 1979.; GUERRA, 1995GUERRA, A. Catastrophic events in Petropolis city (Rio de Janeiro State), between 1940 and 1990. GeoJournal, v. 37, n. 3, p. 349-354, 1995.; FERNANDES, 2004FERNANDES, N. F. et al. Topographic controls of landslides in Rio de Janeiro: field evidence and modeling, Catena, v. 55, p. 163-181, 2004.; NERY; VIEIRA, 2015NERY, T. D.; VIEIRA, B. C. Susceptibility to shallow landslides in a drainage basin in the Serra do Mar, São Paulo, Brazil, predicted using the SINMAP mathematical model. Bulletin of Engineering Geology and the Environment, v. 74, p. 369-378, 2015.). Mudanças climáticas podem alterar a frequência e intensidade desses eventos (DALE et al., 2001DALE, V. H. et al. Climate change and forest disturbances. BioScience, Reston, v. 51, p. 723-734, 2001.), indicando a necessidade de medidas mais efetivas de gestão e prevenção dos desastres, incluindo a restauração florestal através de plantios e condução da regeneração natural (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008HIGHLAND, L. M.; BOBROWSKY, P. The Landslide Handbook: a guide to understanding landslides. Reston: Geological Survey Circular, 2008. 129 p.; CANEDO; EHRLICH; LACERDA, 2011CANEDO, P.; EHRLICH, M; LACERDA, W. A. Chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro: sugestões para ações de engenharia e planejamento. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2011.), bem como do aprofundamento de estudos sobre as interações entre os ecossistemas florestais, o relevo e os processos erosivos nas encostas, em diferentes escalas espaciais e temporais (WALKER; SHIELS, 2013WALKER, L. R.; SHIELS, A. B. Landslide ecology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 316 p.).
CONCLUSÃO
Em geral, os trabalhos publicados sobre o processo de fragmentação florestal e suas consequências ecológicas enfatizam o fenômeno sob a ótica da influência humana, subestimando o papel dos fatores naturais. Os resultados deste estudo mostram, no entanto, que, em decorrência de inúmeros deslizamentos ocasionados por precipitações intensas, ocorreram mudanças consideráveis na paisagem, com redução no tamanho médio dos fragmentos, aumento no número de fragmentos pequenos e diminuição no número de fragmentos maiores. Áreas nucleares dos fragmentos foram atingidas pelas cicatrizes dos deslizamentos, ocasionando um aumento do número de núcleos e a diminuição da sua área, e também o aumento da densidade de borda, indicando uma maior exposição ao efeito de borda e o consequente decréscimo na qualidade dos fragmentos. A distância média do fragmento mais próximo diminuiu, em virtude da forma das cicatrizes, alongadas e estreitas, que subdividiram fragmentos maiores. Considerando que as condições ecológicas locais sejam propícias, condicionadas também pela variação do substrato ao longo da encosta, a proximidade entre os fragmentos pode facilitar o processo de regeneração natural, minimizando os efeitos negativos das cicatrizes na paisagem.
Estes resultados reforçam o entendimento de que eventos naturais de grande magnitude, como os deslizamentos ocasionados por chuvas intensas, podem alterar rapidamente a paisagem, promovendo um aumento da heterogeneidade ambiental, criando uma maior diversidade de habitat a serem explorados pela biota e influenciando a distribuição de nutrientes e de matéria orgânica, ocasionando paralelamente uma intensificação no processo histórico de fragmentação florestal e um aumento da vulnerabilidade e instabilidade ecológica dos remanescentes florestais, afetando assim a sua biodiversidade.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Auxílio à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo financiamento deste trabalho, e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Nova Friburgo, pela disponibilização do mapeamento das cicatrizes dos deslizamentos ocorridos em janeiro de 2011.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2017
Histórico
-
Recebido
13 Nov 2015 -
Aceito
14 Jun 2016