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Estoque de nutrientes e decomposição da serapilheira em sistemas agroflorestais no município de Belterra - Pará

Nutrient stock and rate decomposition in agro-forestry systems in the municipality of Belterra - Pará

Resumo

O estudo sobre a ciclagem de nutrientes da serapilheira em sistemas agroflorestais permite avaliar possíveis alterações de técnicas de manejo e possibilita inferir a sustentabilidade desses plantios. Este estudo teve como objetivo avaliar a taxa de decomposição e liberação de nutrientes em diferentes sistemas agroflorestais no município de Belterra, Pará. A coleta da serapilheira produzida foi realizada mensalmente durante um ano, no intervalo de setembro de 2015 a agosto de 2016, a partir de seis coletores dispostos aleatoriamente em cada área. Para determinação do estoque de serapilheira, foram feitas três coletas, compreendendo o início do período seco (agosto de 2015), início do período chuvoso (janeiro de 2016) e no final do período chuvoso (junho de 2016), através de seis amostragens por área. Em laboratório, o material foi triado nas frações folha, material lenhoso, estrutura reprodutiva e material fragmentado, e posteriormente seco em estufa a 70ºC. A decomposição e a liberação de macronutrientes foram avaliadas considerando o peso da massa seca através das equações de Olson (1963). Em média as maiores taxas de liberação dos macronutrientes N, P e K ocorreram no SAF 3, que possui em seu arranjo a espécie Moringa oleifera Lam, assim como a maior taxa de decomposição (K) e o menor período de renovação (1/k). O maior estoque de macronutrientes foi verificado no SAF 2, assim como a menor taxa de decomposição, devido ao maior acúmulo de fração foliar, arranjo adensado e a presença de uma espécie caducifólia (Spondias mombin L.) como componente do sistema.

Palavras-chave:
Necromassa; Ciclagem de nutrientes; Coeficiente de decomposição

Abstract

The study on the cyclicity of energy sources in agroforestry systems allows monitoring of changes in management techniques and makes it possible to infer the sustainability of these plantations. The objective of this study was to evaluate the decomposition and nutrient release rates in several agroforestry systems in the municipality of Belterra, Pará. The litter collection was carried out monthly for a year, from September 2015 to August 2016, from four collectors arranged randomly in each area. For the litter stock, three collections were added, including the beginning of the dry period (August 2015), the beginning of the rainy season (January 2016) and the end of the rainy season (June 2016), by monographs by area. In the laboratory, the material was screened in the leaf fractions, woody material, reproductive structure and fragmented material, and the aerial part in an oven at 70 ºC. Macronutrients decomposition and release were evaluated by considering the dry mass weight using the Olson (1963) formulas. On average, the N, P and K macronutrient update rates appeared in SAF 3, which together have a specie Moringa oleifera Lam legume, as well as the highest decomposition rate (K) and the lowest renewal period (1 / k). The highest stocking rate of macronutrients was verified in SAF 2, as well as a lower rate of decomposition due to the greater accumulation of foliar fractionation, densified arrangement and the presence of a deciduous species (Spondias mombin L.) as a component of the system.

Keywords:
Biomass; Nutrient cycling; Coefficient of decomposition

1 INTRODUÇÃO

Com o desmatamento da floresta Amazônica e o manejo intensivo e, por vezes inadequado, ocorre a redução da qualidade física, química, biológica e estrutural dos solos, como consequência, há também a redução na produtividade das culturas e a sustentabilidade dos agroecossistemas. Nesse sentido, alternativas menos impactantes têm sido propostas para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, que pode ser empregada na reversão de processos de degradação, desempenhando importante papel na conservação da natureza e na diversidade de espécies florestais, como é o caso dos sistemas agroflorestais (SAFs) ou agroecossistemas (OKE; JAMALA, 2017OKE, D. O.; JAMALA, G. Y. Traditional agroforestry practices and woody species conervation in the derived savana ecosystem of Adamawa state, Nigeria. International Journal of Agroforestry and Silviculture, v. 4, n. 3, p. 278-284, 2017.).

O consórcio de árvores nativas e/ou exóticas com as culturas agrícolas, característicos de SAFs, por exemplo, pode permitir a utilização dessas árvores para produzir biomassa e a ciclagem de nutrientes, além de promover um microclima que favorece o desenvolvimento de diversos organismos, assumindo papel fundamental na manutenção da qualidade ambiental.

O sucesso na implantação de um sistema agroflorestal está intimamente associado à quantidade de nutrientes estocados na vegetação, solo e na serapilheira do plantio. Esse último componente refere-se à camada de matéria orgânica disposta na superfície do solo em ambientes florestais, sendo constituído pelo material de origem vegetal, como folhas, flores, galhos finos e grossos, cascas e sementes e os de origem animal, compostos por resíduos de animais e material fecal (COSTA et al., 2010COSTA, C. C. A. et al. Análise comparativa da produção de serapilheira em fragmentos arbóreos e arbustivos em área de caatinga na FLONA de Açu-RN. Revista Árvore, v. 34, n. 2, p. 259 - 265, 2010.; HIGA, 2014HIGA, R. C. V. et al. Protocolo de medição e estimativa de biomassa e carbono florestal. Colombo: Embrapa Florestas, 2014. 68 p. ).

O estudo da ciclagem de nutrientes via serapilheira é fundamental para o conhecimento da estrutura e funcionamento de ecossistemas florestais. Por se tratar de um fator chave na manutenção dos nutrientes no ecossistema, o processo de deposição da serapilheira, incluindo as taxas anuais de deposição do material decíduo e o processo de decomposição desse material devem ser amplamente estudados e conhecidos, especialmente nos trópicos, onde há grande ocorrência de solos com baixos níveis de nutrientes (SANTANA; SOUTO, 2011).

O processo de decomposição e liberação de nutrientes é composto por quatro fases: a primeira ocorre liberação rápida de nutrientes através da lixiviação; a segunda fase é de imobilização do nutriente, que pode começar logo após a lixiviação ou após a perda de massa da serapilheira, na terceira fase ocorre a liberação absoluta de nutrientes e por fim a decomposição final da matéria orgânica (DUTTA; AGRAWAL, 2001DUTTA, R. K.; AGRAWAL, M. Litterfall, litter decomposition and nutrient release in five exotic plant species planted on coal mine spoils. Pedobiologia, v. 45, n. 4, p. 298 - 312, 2001. ). Além disso, a serapilheira quando depositada sobre o solo contribui para a melhoria e manutenção da fertilidade, na atividade biológica e no estabelecimento de um microclima favorável, o que influencia diretamente a biomassa microbiana e a comunidade da macrofauna, favorecendo o desempenho do plantio e o desenvolvimento das culturas no arranjo agroflorestal (CUNHA NETO et al., 2013CUNHA NETO, F. V. et al. Acúmulo e decomposição da serapilheira em quatro formações florestais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 23, n. 3, p. 379-387, 2013. ; ASHFORD et al., 2013ASHFORD, O. S. et al. Litter manipulation and the soil arthropod community in a lowland tropical rain forest. Soil Biology & Biochemistry, v. 62, p. 5 - 12, 2013.).

Nesse cenário, os sistemas agroflorestais são modelos ideais de sustentabilidade, uma vez que com sua ampla diversidade vegetal, elevada produção de massa para o solo e eficiência na ciclagem de nutrientes, tornam-se um sistema autossuficiente, imitando a dinâmica natural de florestas nativas (PADOVAN, 2014PADOVAN, M. P. Sistemas agroflorestais em bases agroecológicas. In: PADOVAN, M. P.; PEZARICO, C. R.; OTSUBO, A. A. (ed.). Tecnologias para a agricultura familiar. Dourados: Embrapa Agropecuária Oeste, 2014. p. 71-74.). Nesse sentido, a serapilheira acumulada sobre o solo se mostra um indicador de qualidade ambiental, pois representa um estoque de nutrientes para futura mineralização e ciclagem. Em solos tropicais, esse estoque é extremamente importante para compensar as perdas de matéria orgânica do solo e fornecer proteção contra a erosão.

Para compreender as funções de um plantio agroflorestal, é fundamental o entendimento da dinâmica da ciclagem dos nutrientes, processo essencial para tomada de decisões referentes ao manejo e economia de recursos, principalmente em relação a adubações e intervenções que o produtor rural possa realizar. Em face do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a taxa de decomposição e o conteúdo de nutrientes da serapilheira acumulada em três diferentes sistemas agroflorestais, no município de Belterra, Pará.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Localização e descrição dos sistemas

O estudo foi realizado em três sistemas agroflorestais, no período de setembro de 2015 a agosto de 2016, manejados por agricultores familiares, no município de Belterra, estado do Pará. O clima da região, segundo a classificação de Koppen, é do tipo Ami, caracterizado por apresentar temperatura média de 24,8°C, umidade relativa média de 90% e precipitação média anual de 2.100 mm, sendo os meses de dezembro a maio a maior ocorrência de chuvas e de julho a agosto uma queda pluviométrica brusca caracterizada pelo período seco da região (ALVARES et al., 2013ALVARES, C. A. et al. Koppen’s climate classification map for Brazil. Meterologische Zeitschrift, v. 22, n. 6, p. 711-728, 2013.). Nessa região predomina a vegetação do tipo Floresta Ombrófila Densa com árvores de grande porte, variando de 25 m a 50 m de altura (IBGE, 2012IBGE. Manual técnico da vegetação brasileira. Rio de Janeiro, 2012. 271 p.).

No período do experimento, a precipitação anual foi de 1.027 mm, com março sendo o mês mais chuvoso (334 mm) e os meses setembro, novembro e dezembro de 2015 os que não tiveram chuva (0 mm), a temperatura diária variou de 25,9 a 28,4°C (Figura 1). A umidade relativa do ar média foi de 84,49%.

Figura 1
Variáveis meteorológicas de precipitação pluviométrica e temperatura média na região do município de Belterra - PA, período de setembro de 2015 a agosto de 2016

Os três sistemas agroflorestais estudados são compostos pelas seguintes espécies: sistema agroflorestal 1 (SAF 1): cumaru (Dipteryx spp.), pimenta do reino (Piper nigrum L.), banana (Musa spp.), cupuaçu (Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum) e açaí (Euterpe oleracea Mart.); sistema agroflorestal 2 (SAF 2): taperebá (Spondias mombin L.), pimenta do reino (Piper nigrum L.) e feijão guandu (Cajanus cajan); e sistema agroflorestal 3 (SAF 3): pimenta do reino, moringa (Moringa oleifera Lam.) e cumaru (Dipteryx spp.).

O SAF 1 está localizado nas coordenadas S -3°31’35” e W -54°52’16”, situado a cerca de 140 km da cidade de Santarém na rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163). O histórico de uso da terra nesse sistema foi construído durante cinco anos a partir do desflorestamento da área seguido de criação de pastagem para rebanho bovino. Este sistema possui área de 1,5 ha-1 e foi implantado no ano de 2012 com cultivo a princípio de macaxeira (Manihot sp.) nas entrelinhas dos plantios perenes e semi-perenes nos dois primeiros anos, e em 2015 foi plantado o cupuaçu para obtenção de uma segunda fonte de renda. O preparo do solo durante a implantação baseou-se em adubação com fertilizante mineral (NPK 10-28-20), e para manutenção da qualidade do solo é aplicado esterco de gado e de galinha uma vez por ano ao longo do plantio. Esse procedimento é realizado no mês anterior ao início do período chuvoso da região. É realizada também a poda das espécies, cupuaçu, banana e pimenta do reino para incorporação ao solo, além de práticas de manejo habituais, como capina, roçagem e limpeza da área.

O SAF 2 localiza-se no km 140, às margens da Rodovia Cuiabá-Santarém nas coordenadas S -3°32’36” e W -54°52’22”. Este sistema foi criado aproveitando-se uma área de regeneração natural de taperebá que serve como tutor vivo para fixação da pimenta do reino, implantada no ano de 2007. Em 2015, houve a incorporação do feijão guandu de forma aleatória para servir de adubação verde para o sistema. Neste plantio, que possui área de aproximadamente 0,5 ha-1, não é realizado nenhum tipo de trato silvicultural por parte do produtor.

O SAF 3 está localizado no km 20 com acesso pelo km 135 da rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163), nas coordenadas S -3°28’23” e W -54°48’17”. Possui área de aproximadamente 1,0 ha-1, sendo implantado em sítio com histórico anterior de cultivo de pastagem por 15 anos, após esse período foi realizado o cultivo de plantações anuais, como macaxeira e abacaxi (Ananas sp). No ano de 2012, foi implantado o sistema agroflorestal com a realização de adubação por meio da compostagem na cova, antes do plantio das espécies no arranjo. Neste plantio é realizado manejo e tratos silviculturais, considerando a poda da moringa para cobertura e adubação do solo e a aplicação de compostagem orgânica nos cultivos, caracterizando-o como sistema de produção orgânica, pois não há aplicação de insumos industriais.

A espécie Piper nigrum (pimenta do reino), nos três sistemas agroflorestais, é a principal cultura de interesse econômico para os produtores, devido ao seu rápido retorno econômico e a demanda de mercado nacional e internacional. Além disso, por permitir armazenamento a longo prazo (até 4 anos), diferentemente das outras espécies com produtos perecíveis que demandam um acondicionamento de alto custo, torna-se o produto mais seguro para produtores agrícolas estocarem e investirem. As propriedades físicas e químicas do solo de cada área foram descritas por Silva, Pauletto e Silva (2020) e encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1
Propriedades físicas e químicas do solo de cada área

2.2 Coleta de serapilheira produzida e acumulada

Para as coletas, foi considerado como serapilheira todo material vegetal aportado e acumulado no solo, como: folhas, material reprodutivo (flores e frutos), material lenhoso (galhos finos de até 0,5 cm e cascas) e miscelânea (restos não identificáveis). A produção de serapilheira foi obtida a partir da coleta mensal do material por 12 meses (setembro de 2015 a agosto de 2016), com o uso de 18 coletores de madeira de 0,50 x 0,50 m, sendo distribuídos seis em cada sistema agroflorestal. Esses coletores são construídos com fundo em tela de náilon e malha de 1,0 x 1,0 mm, são dispostos a 0,85 cm do solo, os quais foram distribuídos aleatoriamente nas linhas de plantio de espécies perenes nas áreas consideradas.

Para determinação do estoque, coletaram-se seis amostras de serapilheira, considerando as dimensões de um gabarito de madeira de 0,50 m x 0,50 m em cada plantio. As coletas foram realizadas em três períodos, uma no começo do período seco (agosto de 2015), uma no começo do período chuvoso (janeiro de 2016) e a última no final do período chuvoso (junho de 2016).

Após a coleta das amostras (material produzido e acumulado sobre o solo) foram identificadas e armazenadas no Laboratório de Sementes Florestais (LSF) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Esse material foi seco em estufa (70 °C) até obtenção de peso constante, posteriormente foi estratificado em fração foliar, material lenhoso (galhos e cascas), estrutura reprodutiva (flores, frutos e sementes) e material fragmentado (capim, fragmentos de adubo orgânico, fezes de animais e estruturas não identificadas). Por fim, foram pesadas em balança de precisão, obtendo assim o peso da matéria seca por metro quadrado.

2.3 Análise química e quantificação de nutrientes na serapilheira

O material foliar da serapilheira acumulada foi enviado ao Laboratório de Solos da Embrapa Amazônia Oriental para análise química de macronutrientes: nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca) e magnésio (Mg). Os resultados dos teores e estoque de nutrientes entre os sistemas agroflorestais foram analisados por meio da análise de variância (p < 0,05), com aplicação do teste Tukey para comparação de médias. As análises foram processadas no software Assistat 7.7.

2.4 Estimativa da taxa de decomposição da serapilheira

O modelo utilizado para a decomposição da serapilheira baseia-se na probabilidade de que uma dada quantidade de massa se decompõe em um determinado lapso de tempo. Assim, a taxa de decomposição da serapilheira foi estimada a partir da Equação (1) proposta por Olson (1963OLSON, J. S. Energy storage and the balance of producers in ecological systems. Ecology, v. 44, p. 322 - 331, 1963.):

K = L X (1)

Em que: L = quantidade de serapilheira produzida anualmente (g m-2 ano-1); X = média anual de serapilheira acumulada sobre o solo (g m-2 ano-1); K = constante de decomposição (ano-1).

O coeficiente K é um indicador da taxa de decomposição, quanto maior o seu valor mais rápido é a velocidade de decomposição da camada de serapilheira e, consequentemente, a liberação de nutrientes para o solo dos plantios.

O tempo médio de renovação, a partir do valor K, foi estimado por 1/k. Calculou-se também a velocidade de decomposição, segundo Shanks e Olson (1961SHANKS, R.; OLSON, J. S. First year breakdown of leaf litter in Southern Appalachia. Forest Science, v. 134, n. 3473, p. 194 - 195, 1961.), considerando o tempo estimado necessário para que ocorra decomposição de 50% e 95% da serapilheira nos plantios por meio das Equações (2) e (3):

T 0,5 = - l n 0,5 K (2)

T 0,05 = 3 K (3)

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Quantificação de nutrientes da serapilheira acumulada

Na Tabela 2, são apresentados em ordem decrescente o retorno de macronutrientes ao solo, teores e estoque na fração foliar da serapilheira em cada sistema. Para o sistema 1, foi observado a ordem N > Ca > Mg > K > P, sistema 2 os nutrientes Ca > N > K > Mg > P e sistema 3 a ordem N > Ca > K > Mg > P.

Apesar da ordem diferente de retorno de nutrientes nos três sistemas, observa-se que o nitrogênio (N) e cálcio (Ca) estiveram presentes como os macronutrientes em maior quantidade a ser aportada ao solo pela serapilheira. De acordo com Cunha Neto et al. (2013CUNHA NETO, F. V. et al. Acúmulo e decomposição da serapilheira em quatro formações florestais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 23, n. 3, p. 379-387, 2013. ), a distinção nutricional observada entre solos de plantios ou ecossistemas florestais pode estar associada a diversos fatores, dentre eles, a participação de nutrientes como componente estrutural de moléculas orgânicas e a constituição de paredes celulares, tipo de solo, vegetação, densidade populacional, habilidade da espécie em absorver, utilizar e redistribuir os nutrientes, dependência micorrízica e a bactérias diazotróficas, taxa de retranslocação de nutrientes e também de acordo com a idade das árvores.

Tabela 2
Teores médios (a) e estoque de macronutrientes (b) na fração foliar da serapilheira acumulada no solo em três sistemas agroflorestais

Não houve diferença estatística para o teor de nitrogênio entres os sistemas (Tabela 2a). Giácomo et al. (2017GIÁCOMO, R. et al. Deposição de serapilheira e carbono em plantios de sabiá, andiroba e floresta secundária. Floresta, v. 47, v. 2, p. 187-196, 2017.) também verificaram que o conteúdo de nitrogênio da serapilheira, em diferentes áreas estudadas, apresentou padrão similar aos sistemas agroflorestais deste estudo. No entanto, para o estoque de serapilheira (Tabela 2b), o nitrogênio apresentou destaque no SAF 2, devido principalmente à grande quantidade de fração foliar contida nesse sistema, contribuindo para o alto valor observado deste nutriente, além da presença de uma espécie com grande potencial em fixar nitrogênio, como é o caso da leguminosa feijão guandu. Tanto para o teor quanto para o estoque de nitrogênio da serapilheira, encontraram-se valores mais elevados no período chuvoso da região em todos os sistemas avaliados. Isso estaria relacionado à influência mais efetiva e rápida de variáveis meteorológicas (precipitação e temperatura) que favorece a ação dos organismos que se refletiu em maior produção, acúmulo de serapilheira e disponibilidade de nutrientes no período chuvoso (BARBOSA et al., 2017BARBOSA, V. et al. Biomassa, Carbono e Nitrogênio na Serapilheira Acumulada de Florestas Plantadas e Nativa. Floresta e Ambiente, v. 24, e20150243, 2017.).

Em todos os diferentes SAFs, o fósforo (P) foi o macronutriente observado em menores teores e estoque na serapilheira, não diferindo estatisticamente entre os sistemas. Esses resultados podem estar relacionados a uma maior competição das plantas por esse nutriente no ambiente, visto que as plantas translocam o P para as partes jovens em crescimento antes da deposição na camada de serapilheira do solo. Além disso, solos brasileiros em sua maioria são ácidos e caracterizados por apresentarem baixa disponibilidade de P para os vegetais (FONSECA, 2015FONSECA, P. R. B. et al. Aplicação de diferentes tipos de calcário na cultura do milho. Revista Eletrônica da Faculdade de Ciências Exatas e da Terra Produção/Construção e Tecnologia, v. 4, n. 7, 2015.; ANDRADE et al., 2019ANDRADE, R. P. A. et al. Aplicação de calcário calcítico em função de diferentes relações Ca: Mg no desenvolvimento inicial da cultura do milho. Almanaque Ciências Agrárias, v. 1, n. 1, p. 20-28, 2019. ), o que explica os menores valores de composição nas folhas.

Os teores de potássio (K) e cálcio (Ca) na serapilheira também não diferiram estatisticamente, porém com relação ao estoque, no SAF 2 foi observado um maior valor de Ca em comparação aos outros sistemas, possivelmente devido ao grande estoque da fração foliar nesse sistema. O macronutriente K apresenta alta mobilidade nos tecidos das plantas, o que justifica ser um dos nutrientes menos encontrado nas folhas (ROSOLEM et al., 2012ROSOLEM, C. A. et al. Acúmulo de nitrogênio, fósforo e potássio pelo algodoeiro sob irrigação cultivado em sistemas convencional e adensado. Rev. Bras. Ciênc. Solo, v. 36, n. 2, p. 457-466, 2012.). Embora o K+ seja, de maneira geral, o segundo nutriente mais exigido pelas culturas, não se encontra nos solos em teores tão limitantes quanto o fósforo. Precedido pelo P, é o nutriente mais consumido como fertilizante pela agricultura brasileira, além disso é um dos elementos mais exportados nas colheitas, justificando a resposta à adubação potássica.

O Ca é considerado um elemento pouco móvel nos vegetais por estar fixado nos tecidos estruturais, provavelmente essa é a explicação para os elevados valores encontrados no material aportado (VILLA et al., 2016VILLA, E. B. et al. Aporte de Serapilheira e Nutrientes em Área de Restauração Florestal com Diferentes Espaçamentos de Plantio. Floresta e Ambiente, v. 23, n.1, p. 90 - 99, 2016.), em virtude de o nutriente permanecer nas folhas mesmo após sua senescência, assim, acredita-se que quanto mais velha for a folha, maior será o teor de cálcio, o que pode explicar os altos valores verificados na serapilheira deste estudo, sendo um dos principais nutrientes retornados ao solo por meio da ciclagem.

Os teores de Magnésio (Mg) variaram de forma distinta entre os sistemas estudados. No SAF 3, foi verificada a maior concentração desse nutriente, padrão distinto do observado no SAF 2. Os resultados observados para o Mg permitem inferir que as atividades adotadas no sistema de produção orgânica (SAF 3), como o menor revolvimento do solo, o uso de plantas de cobertura e a adição de materiais orgânicos, podem estar favorecendo a manutenção e o acúmulo do magnésio no sistema. Segundo Delfino et al. (2018DELFINO, G. de O. A. et al. Impacto da gliricídia (Gliricidia sepium) sob indicadores de qualidade química do solo para uso em sistemas de ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta). In: Seminário De Iniciação Científica E Pós-Graduação Da Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2018, Anais [...], Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2018. n. 8. ), os maiores níveis de Mg em sistemas de plantios podem estar relacionados a presença de plantas leguminosas, espécies desse tipo desempenham funções essenciais em sistemas agroflorestais, visto que atuam como protagonistas de uma retroalimentação positiva no sistema, com o enriquecimento nutricional da serapilheira que retorna ao sistema de forma natural e necessária ao crescimento e a sobrevivência dos organismos presentes nas áreas de cultivo.

Em geral, os maiores teores de macronutrientes foram encontrados no SAF 3. Esse padrão pode ocorrer devido ao manejo e práticas silviculturais realizadas na área, tais como a poda das árvores, como é o caso da espécie Moringa oleifera (moringa). A poda da vegetação, por exemplo, permite uma maior absorção dos nutrientes em profundidade no solo, com posterior deposição em superfície, pois a raiz, ao explorar um maior volume do substrato por causa da renovação constante, extrai mais nutrientes do solo e contribui para um maior aporte.

Além disso, a biomassa aportada ao solo pode conter maiores teores de nutrientes, visto que, durante a poda, os nutrientes não foram translocados internamente pela planta, como ocorre no processo de abscisão foliar. Em se tratando de estoque de material orgânico, os maiores valores de macronutrientes foram quantificados no SAF 2, o que está relacionado ao maior estoque da fração foliar nesse sistema, devido à característica caducifólia da espécie Spondias mombin (taperebá), enfatizando a importância na manutenção dessa espécie nativa de regeneração natural em plantios agroflorestais, pois apresenta potencialidades em adicionar material vegetal com riqueza nutricional ao solo, necessário para gerar biomassa em grande quantidade, e suprir a necessidade de outras culturas inseridas no sistema.

3.2 Estimativa da taxa de decomposição (k)

Os valores calculados para o tempo necessário de decomposição de 50 e 95% da serapilheira, segundo Shanks e Olson (1961SHANKS, R.; OLSON, J. S. First year breakdown of leaf litter in Southern Appalachia. Forest Science, v. 134, n. 3473, p. 194 - 195, 1961.), são apresentados na Tabela 3. Os resultados apontam que o tempo necessário para a decomposição de 50 e 95% da serapilheira foi, respectivamente, 149 e 643 dias para o SAF 1, 213 e 921 dias para o SAF 2 e 81 a 352 dias para o SAF 3.

As diferenças na taxa de decomposição da serapilheira encontradas neste estudo podem estar associadas às quantidades distintas de serapilheira acumulada verificada nos sistemas estudados que podem ser submetidos a interferências e alterações em função de diversos fatores, como progênie, tipo de espécie, cobertura florestal, estágio sucessional, idade, época da coleta, tipo de sistema e local. Além disso, podem variar em função de variáveis climáticas e do relevo (CALDEIRA et al., 2013CALDEIRA, M. V. W. et al. Biomassa e nutrientes da serapilheira em diferentes coberturas florestais. Comunicata Scientiae, v. 4, n. 2, p. 111-119, 2013.).

Tabela 3
Produção total da liteira, estoque médio da liteira, taxa de decomposição (K), tempo necessário para decomposição de 50 e 95% da serapilheira e taxa de renovação (1/K) em três sistemas agroflorestais

Para o coeficiente de decomposição K, observa-se o menor valor (1,19) na área de regeneração natural com taperebá (SAF 2) e, consequentemente, o maior tempo médio de permanência da serapilheira (0,84 anos). Para o SAF 1, foi verificada uma taxa de decomposição estimada de 1,70, e tempo estimado necessário para decompor de 50% a 95% da serapilheira produzida de 0,41 e 1,76 anos, respectivamente. Entre os sistemas agroflorestais estudados, no SAF 3 observou-se o menor tempo necessário para decomposição de serapilheira, com valor K de 3,11. O tempo médio para a renovação da serapilheira (1/K) foi de aproximadamente sete meses para o SAF 1, dez meses para o SAF 2 e quatro meses para o SAF 3.

O menor valor de K encontrado no SAF 2 pode ser influenciado pela presença da espécie caducifólia no sistema (taperebá) que acumula um grande estoque de serapilheira sobre a superfície do solo, o que demanda mais tempo para a decomposição. Esse padrão pode também estar associado a características morfofisiológicas da folha desta espécie, como tamanho, espessura, presença de lignina, celulose e hemicelulose, as quais podem dificultar o processo de decomposição. Outro fato que pode explicar esse padrão é o adensamento, que nesse caso, em relação aos outros sistemas, é o SAF com menor espaçamento entre árvores, maior quantidade de indivíduos, menor diversidade de espécies, e copas que se entrelaçam, favorecendo o acúmulo de material formador de serapilheira.

A rápida taxa de decomposição evidenciada no SAF 3 (K = 3,11) pode ser explicada pela presença da espécie Moringa oleifera, que possui uma arquitetura foliar de tamanho menor e maior superfície específica, quebrando-se com facilidade, o que favorece a ação dos organismos decompositores e com isso acelerando o processo de decomposição. Também é possível inferir que, dentre povoamentos florestais, o sistema que apresentar em seu arranjo leguminosas, como por exemplo o cumaru, seria o mais eficiente na adição de nitrogênio e favoreceria a ciclagem de nutrientes, uma vez que a decomposição da serapilheira nestas áreas ocorreria de forma mais acelerada, o que pode implicar em rápida liberação de nutrientes para o solo e posterior absorção pela vegetação. Tal fato torna-se de suma importância em áreas de solos de baixa fertilidade (CUNHA NETO et al., 2013CUNHA NETO, F. V. et al. Acúmulo e decomposição da serapilheira em quatro formações florestais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 23, n. 3, p. 379-387, 2013. ) como é o caso das áreas de estudo e, em geral, na bacia Amazônica.

Sugere-se que as variações encontradas para o tempo médio de renovação em cada sistema podem ser decorrentes das diferentes espécies inseridas nos sistemas que produzem qualidades diferentes da serapilheira, das condições climáticas e meteorológicas de cada sítio e/ou da composição da microbiota e da mesofauna. No SAF 3, no qual foi verificada a maior taxa de decomposição e menor tempo de renovação, a presença da Moringa oleifera (moringa) provavelmente é o fator de maior relevância para a menor taxa de renovação (0,32), indicando que neste sistema o estoque de serapilheira é decomposto e incorporado ao solo em aproximadamente quatro meses. Em decorrência da velocidade de decomposição dos componentes de um ecossistema florestal, a renovação da serapilheira se dá em menos de um ano, o que torna os sistemas em estudos eficiente do ponto de vista de ciclagem de nutrientes e com comportamento semelhante a formações florestais naturais.

4 CONCLUSÕES

O nitrogênio foi o nutriente quantificado em maior proporção na serapilheira para os diferentes sistemas agroflorestais da região de Belterra/PA.

A espécie Moringa oleífera implantada em sistemas agroflorestais contribuiu para os maiores teores de nitrogênio. A espécie Spondias mombin implantada em sistemas agroflorestais ou conduzida de regeneração natural apresenta maior estoque de nitrogênio na serapilheira devido ao maior conteúdo de fração foliar produzido por esta espécie.

No sistema 3, composto pelas espécies pimenta do reino (Piper nigrum), moringa (Moringa oleifera.) e cumaru (Dipteryx spp.), foi verificada a maior taxa de decomposição, menor tempo de renovação e a maior adição de nitrogênio proveniente da fixação biológica de nitrogênio, resultando na maior ciclagem de nutrientes entre os sistemas avaliados.

O conteúdo nutricional da serapilheira, entre os três sistemas agroflorestais avaliados, é quimicamente muito semelhante estatisticamente. Nesse sentido, uma alternativa para favorecer a fertilidade do solo através da serapilheira seria inserir espécies nutricionalmente mais favoráveis, como é o caso das leguminosas que possuem rápido crescimento e são grandes fixadoras de nitrogênio, além de espécies com rápida decomposição, ou aumentar a produção de serapilheira com podas ou pela implantação de mais indivíduos ou espécies nos sistemas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2020
  • Aceito
    04 Out 2022
  • Publicado
    23 Nov 2022
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