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A educação também passa pela ciência da informação: contribuições possíveis

Education also counts on information science: possible contributions

Resumos

Considerando os inúmeros percalços escolares, pretende-se refletir sobre aqueles que podem ser associados ao processo informacional, desde a coleta até a recuperação da informação, comprometendo seu uso na produção de conhecimentos. Desse modo, busca-se demonstrar que o conhecimento acerca dos processos de organização e uso da informação, produzido ou reunido pela ciência da informação, pode constituir-se em significativa contribuição para os gestores tanto das unidades escolares quanto dos próprios sistemas de ensino. Por fim, destacam-se aspectos da ciência da informação diretamente relacionados aos problemas levantados, esperando que a temática venha a ser objeto de estudos da área no intuito de contribuir para conduzir nossa educação a um patamar mais próximo daquele em que depositamos nosso projeto ideal.

Informações escolares; Gestão escolar; Produção de conhecimento na escola


Taking into consideration the innumerable school profits, this article intends to make a reflection on those which can be associated with the information process from collection through information retrieval, compromising their use in knowledge production. This way, this article tries to prove that knowledge about the processes of information organization and use, produced or collected by information science, can be a significant contribution for managers both of school units and the teaching systems themselves. The aspects of Information Science directly related to the problems mentioned are pointed out, with the hope that this theme will be object of studies by this area in order to lead our education to a stage closer to that ideal project which is expected.

School infromation; School management; Knowledge production at school


OPINION PAPER

A educação também passa pela ciência da informação: contribuições possíveis

Education also counts on information science: possible contributions

Cláudia R. Coelho Bergo

Graduada em educação física, com especialização em educação física escolar. E-mail: claudia@compreende.com.br

RESUMO

Considerando os inúmeros percalços escolares, pretende-se refletir sobre aqueles que podem ser associados ao processo informacional, desde a coleta até a recuperação da informação, comprometendo seu uso na produção de conhecimentos. Desse modo, busca-se demonstrar que o conhecimento acerca dos processos de organização e uso da informação, produzido ou reunido pela ciência da informação, pode constituir-se em significativa contribuição para os gestores tanto das unidades escolares quanto dos próprios sistemas de ensino. Por fim, destacam-se aspectos da ciência da informação diretamente relacionados aos problemas levantados, esperando que a temática venha a ser objeto de estudos da área no intuito de contribuir para conduzir nossa educação a um patamar mais próximo daquele em que depositamos nosso projeto ideal.

PALAVRAS-CHAVE: Informações escolares. Gestão escolar. Produção de conhecimento na escola.

ABSTRACT

Taking into consideration the innumerable school profits, this article intends to make a reflection on those which can be associated with the information process from collection through information retrieval, compromising their use in knowledge production. This way, this article tries to prove that knowledge about the processes of information organization and use, produced or collected by information science, can be a significant contribution for managers both of school units and the teaching systems themselves. The aspects of Information Science directly related to the problems mentioned are pointed out, with the hope that this theme will be object of studies by this area in order to lead our education to a stage closer to that ideal project which is expected.

KEYWORDS: School infromation. School management. Knowledge production at school.

INTRODUÇÃO

São vários os fenômenos, no âmbito das escolas públicas brasileiras, que interferem no processo informacional, desde a coleta até a recuperação da informação, comprometendo seu uso na produção de conhecimentos. A maioria deles não é, entretanto, fruto das políticas locais de educação, mas de uma "crise geral que acometeu o mundo moderno em toda parte e em quase toda esfera da vida" (ARENDT, 2000, p. 221).

Em A escola vista por dentro", Araújo e Schwartzman (2002) apresentam uma "avaliação da escola sob todas as perspectivas: vista de fora, por dentro, de dentro para fora e de fora para dentro" (p.5), baseando-se nos resultados de uma pesquisa que envolveu 148 escolas, 2.289 professores e 1.380 pais ou responsáveis, em 51 municípios, por meio de questionários e entrevistas. Além de constatarem a falta de registros e o descuido para com a informação pedagógica, detectaram que o corpo docente, em geral, apresenta impressionantes falhas de formação. Referindo-se aos que trabalham com alfabetização, concluem:

Em síntese: os professores que conhecem o conceito de prontidão não conseguem utilizá-lo de forma adequada. Os que possuem uma idéia equivocada do conceito, ora são coerentes com seus equívocos [...] ora decidem de forma aleatória [...]. E há os que, além de desconhecer o conceito, o consideram irrelevante - trata-se de uma resposta do tipo "não sei do que se trata, mas não concordo". [...] não é apenas o fato de os professores não possuírem conceitos sólidos; mesmo os que possuem conceitos corretos não são capazes de aplicá-los para tomar decisões pedagógicas. Finalmente, a discussão dos dados a respeito das efetivas competências dos professores põe em dúvida sua capacidade de julgamento, inclusive sobre si próprios, e ajudam, em grande parte, a explicar o baixo desempenho dos alunos nos testes da Fundação Carlos Chagas e nos testes recorrentes do SAEB, do ENEM, do Provão e das comparações internacionais (p. 73).

Para Demo (2001), o despreparo dos professores é conseqüência de um deliberado "processo de produção da ignorância" de interesse do sistema econômico vigente. E, dentre as inúmeras iniciativas que fomentam, interessa-nos destacar a de "obstaculização das políticas educacionais", determinando que "o acesso universal e gratuito à educação básica não ocorra, pelo menos com a qualidade devida". O autor considera que

parte central da obstaculização se refere a maus tratos impostos aos docentes, tanto no sentido de formação precária, insuficiente para sustentar níveis mínimos de aprendizagem própria e dos alunos, quanto no de desvalorização profissional que os reduz a excluídos também (p. 317).

Partindo da assertiva de Demo, pode-se considerar a inexistência de pesquisas acerca da organização e uso de informação nas escolas de educação infantil no período analisado no estudo de Rocha, Silva Filho e Strenzel (2001) como um indício do descaso com a qualidade da educação. E, ainda, suspeitar que a facilitação e o aumento do acesso a informações pedagógicas por meio de livros, CDs ou da Internet têm sido, deliberadamente, a principal iniciativa de formação docente dos últimos governos brasileiros, a qual já nasceu fadada ao fracasso, pois

é necessário que o indivíduo tenha condições de elaborar este insumo recebido, transformando-o em conhecimento esclarecedor e libertador, em benefício próprio e da sociedade onde vive. [...] O produtor de informação tem condições de manipular a disponibilidade e o acesso à informação. Contudo, não pode determinar o seu uso e, principalmente, a assimilação que produz o conhecimento. No mundo da produção e distribuição da informação, a oferta pode criar demanda, mas não pode transformar esta demanda em ação dinâmica e diferenciadora, que através da assimilação gera conhecimento e promove o desenvolvimento, destino final da informação como fenômeno cognoscível (BARRETO, 2002b).

Nesse contexto de despreparo e desvalorização, caberá, ainda, aos professores, adaptarem-se à nova realidade imposta pela "mutação contemporânea da relação com o saber" (LÉVY, 2002). Em primeiro lugar, devem mudar de atitude perante a aquisição de conhecimentos, abandonando a passividade que os estudos citados anteriormente revelaram, tendo em vista a "velocidade do surgimento e da renovação dos saberes e do knowhow", determinando que "a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo de seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira". Em segundo, conscientizar-se de que

a função-mor do docente não pode mais ser uma "difusão dos conhecimentos", executada doravante com uma eficácia maior por outros meios. Sua competência deve deslocar-se para o lado do incentivo para aprender e pensar. O docente torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos dos quais se encarregou. Sua atividade terá como centro o acompanhamento e o gerenciamento dos aprendizados: incitação ao intercâmbio dos saberes, mediação relacional e simbólica, pilotagem personalizada dos percursos de aprendizado, etc. (op. cit).

Esse novo perfil, que envolve tanto mudanças de atitude quanto quebra de paradigmas, implica, ainda, experimentar um novo modus operandi: o trabalho em equipe. Em vários trechos de sua obra, Perrenoud (2001) utiliza as expressões "individualismo dominante", "cada um por si" e também "combatentes solitários", de outros autores (Hargreaves, Huberman e Gather Thurler), para caracterizar a conduta dos professores em suas escolas. Não se trata, apenas, de romper o isolamento profissional e a atitude de auto-suficiência em relação a seus pares. Mas é caso de ir além, trabalhar em cooperação tanto com seus pares quanto com seus alunos, em sala de aula, para construção do saber, pois

[a cooperação, no sentido geral, consiste no ajustamento do pensamento próprio ou das ações pessoais ao pensamento e às ações dos outros, o que se faz pondo as perspectivas em relação recíproca. Assim, um controle mútuo das atividades é exercido entre os parceiros que cooperam (MONTANGERO; MAURICE-NAVILLE, 1998, p.121). ]

O grande paradoxo desta realidade que a crise geral impingiu à instituição escola, estabelecida desde a Idade Média para abrigar a transmissão do saber, é que ela não se tornou competente nisto, nem se ocupou em produzir conhecimento acerca do que efetivamente seria esta "transmissão do saber". De modo que tal questão deslocou-se das ciências humanas para as ciências sociais aplicadas e, hoje, constitui um dos objetos da recém-surgida ciência da informação.

Sabemos da complexidade dessa questão, abordada aqui de forma simplista por não ser este o foco que se pretende dar ao presente artigo. O que nos interessa é que, com a ampliação da demanda por conhecimento e a dispersão de sua produção (OLIVEIRA, 2005, p. 34), envolvendo outros setores da sociedade, a produção de conhecimento tornou-se, ela própria, um objeto de estudo. A tal ponto, que, no setor produtivo, já se afirma que

a única vantagem sustentável que uma empresa tem é aquilo que ela coletivamente sabe, a eficiência com que ela usa o que sabe e a prontidão com que ela adquire e usa novos conhecimentos (DAVENPORT; PRUSAK, 2002, p. XV).

Há quem proponha, inclusive, a denominação "organizações do aprendizado", termo popularizado pelo trabalho de Peter Senge e assim definido por Teixeira Filho (1999):

Mais do que uma categoria ou uma definição, as organizações do aprendizado representam um ideal que vem sendo perseguido pelas empresas nessa era de valorização do capital intelectual. Uma organização do aprendizado é uma organização que facilita o aprendizado de todos os seus membros e se transforma continuamente [...].

Ora, o que deve ser uma escola se não uma imensa e intensa organização do aprendizado? A prática escolar envolve variadas ações, sejam de rotina ou não, e inúmeras decisões. Como tomá-las? Em que se basear para tal? A lição de Davenport nos parece adequada às escolas:

Algumas empresas podem basear-se na intuição e ter sorte durante alguns anos, mas as mais bem-sucedidas são as empresas que permanecem em sintonia com as informações factuais - de dentro e de fora da empresa - e as utilizam no processo decisório (2001, p.124).

Pois este conhecimento acerca dos processos de organização e uso da informação, produzido ou reunido pela ciência da informação, pode constituir em significativa contribuição para os gestores tanto das unidades escolares, quanto dos próprios sistemas de ensino.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROBLEMA

Pelo que vimos anteriormente, não parece ser a falta de informação o maior entrave nas escolas brasileiras atualmente. Tanto os parâmetros curriculares nacionais, quanto os referenciais e demais documentos de fundamentação produzidos pelo governo após a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) têm sido produzidos com o assessoramento de inúmeros especialistas das mais diversas áreas do conhecimento escolar e pedagógico. E nossa experiência nas escolas de educação básica tem demonstrado que as divergências quanto aos eixos destes documentos, quando existentes, passam longe das salas de reunião dos professores.

Recorremos novamente ao trabalho de Araújo e Schwartzman (2002) para ilustrar o quanto o discurso apropriado pelas escolas a partir dos estoques de informação a que vêm tendo acesso não se traduz em entendimento da mensagem e tampouco em atitudes coerentes e adequadas:

Mais recentemente, vem sendo introduzido o termo "competências" como forma para estabelecer os objetivos educacionais e curriculares. [...] O conceito de "competência" coloca em relevo a utilização e capacidade de aplicação do conhecimento aprendido nas várias disciplinas a situações concretas. Como no caso dos parâmetros, no Brasil, o termo vem sendo incorretamente interpretado, em grande parte da literatura e das discussões, como um substituto para o ensino das disciplinas. O nível de desorientação chega a tal ponto que muitas escolas acabam achando que o governo federal decretou o fim das disciplinas científicas e as substituiu por algo denominado "ensino por competências". Outras escolas - inclusive da amostra do presente estudo - contratam professores para cuidar das atividades inter e transdisciplinares, que passam a ocupar parte considerável do tempo (pelo menos das propostas pedagógicas), sem qualquer vinculação com as disciplinas. Secretarias de Educação, ao invés de desenvolver programas de ensino a partir dos parâmetros ou de outras orientações, chegam a retirar professores da sala de aula para estudar os parâmetros ou definir as novas "competências" (p. 117).

Ou seja, a escola, local onde profissionais se ocupam de um processo que denominam ensino-aprendizagem, tem se mostrado incapaz de aprender. Mas por quê? Talvez a resposta esteja mesmo na competência, mas na competência dos educadores:

As competências consistem ao mesmo tempo, sempre que possível, em pensar o impensável e em dizer o não dito, bem como em "fazer com" sempre que é impossível. Nas competências dos professores, a capacidade de tomar consciência, de explicitar e descrever sem julgar é essencial. Somente ela permitirá que se deixe de lado a comédia do domínio e que se trabalhe aberta e coletivamente com os verdadeiros problemas (PERRENOUD, 2001, p. 24).

A palavra "domínio" apresentada por Perrenoud diz respeito a uma nova proposta pedagógica que vem tomando corpo nos países desenvolvidos e logo estará por aqui, para ser devorada sem nunca ser assimilada, como a maior parte das que lhe antecederam. Isso porque talvez não tenham conseguido ultrapassar o status do que Barreto (2002b) denominou discurso de informação:

Assim grande parte dos estoques estáticos de informação transforma-se meramente em discursos de informação, em apenas uma manifestação de interesse formalmente elaborada. O discurso da informação, independentemente de sua vestimenta tecnológica, utiliza um código comum, geralmente a linguagem, e um canal de comunicação adequado e, apesar de seu poder de convencimento e de sua promessa de verdade, o discurso somente particulariza a informação. Esta só possui o poder de ação quando adquire a condição de mensagem, com intenção específica e assimilação possível. Como ação, a informação transforma-se em atitude com vigor dinâmico, que se realiza na realidade ao modificar esta realidade de acordo com a intenção. Discursos de informação não traduzidos e não assimilados foram excedentes nos estoques em poder dos produtores, excedentes estes que não criam riqueza em forma de conhecimento e conduzem apenas a um elevado custo social.

Perrenoud foi irônico em relação à denominada "Pedagogia do Domínio", por considerar que os problemas cruciais da escola, muito embora tenham impacto sobre os resultados alcançados pelos alunos, não são solucionados com novas propostas pedagógicas.

É esse o ponto, pois: o de confluência do fazer escolar com o fazer de outras "organizações do aprendizado", cujas experiências devem ser consideradas para, a partir delas, obter subsídios para melhor compreender a situação das escolas e vislumbrar perspectivas de superação. O problema parece se constituir, então, em identificar, no cotidiano escolar, os componentes desta situação de não-aprendizado que dizem respeito à organização e uso da informação.

A título de ilustração, alguns conceitos da área de ciência da informação parecem extensíveis a situações freqüentemente vivenciadas nas unidades escolares. Um destes termos, customização, diz respeito a uma condição que deveria ser padrão no cotidiano escolar:

A era do acesso interativo

on-line

a repositórios (multimídia) de informações em todo mundo já chegou. Hoje o usuário, conectado a Internet, tem a possibilidade de navegar no ciberespaço e acessar os mais diferentes tipos de informações. Dentro deste contexto, o processo de customização tem a finalidade de proporcionar ao indivíduo a facilidade de obter uma informação necessária quando necessário. Em outras palavras, customização significa transformar a informação entrante numa informação que seja adequada às necessidades de um indivíduo num determinado instante. Assim, a customização da informação ocorre imediatamente antes do uso dela (SILVA FILHO, 2002).

Lamentavelmente, o que ocorre com maior freqüência é a falta da informação adequada: seja uma disposição legal, uma portaria municipal, uma restrição nutricional etc. Onde estará ela? Em qual arquivo, livro, CD, disquete? Quem conhece bem o cotidiano de uma unidade escolar sabe que o modo como as informações são estocadas é freqüentemente caótico e apenas os mais próximos à equipe diretiva da escola têm conhecimento do que as gavetas abrigam. O trabalho de recuperação é geralmente moroso quando não malsucedido. Quando se trata, então, de algum tipo de conhecimento tácito, a situação se agrava, porque

os professores não falam do que sabem fazer. Preferem escondê-lo. O ambiente profissional não desenvolveu nenhuma linguagem diferenciada para falar dos alunos, das situações didáticas, dos processos de ensino, das configurações relacionais. Nos ambientes artesanais ou artísticos, nas sociedades sem escrita, a cultura propõe uma grande abundância de noções e de palavras para descrever as facetas da realidade e das práticas. Nada disso acontece no ensino. [...] O saber dos professores é pouco compartilhado, eles não têm uma linguagem comum para falar da tipologia de alunos ou de erros, do seu modo de organização do tempo ou do espaço, de suas reações à desordem, de sua angústia nos conflitos, de suas estratégias para enfrentar o imprevisto,do tempo que passa, da depressão e da dúvida. É cada um por si não só na prática, mas - e isso é apenas "meio" lógico - também na teoria de sua prática. Se não há "palavras para dizer", cada um se fecha em sua experiência. Não quer dizer que não constrói nenhum saber, mas que esses saberes não são socializados, não são comparados com outros, não se enriquecem com a história dos outros (PERRENOUD, 2001, p. 164).

No que diz respeito à demanda e à oferta de informação, o ambiente escolar parece ilustrar bem a Pirâmide Informacional descrita por Barreto (2002a):

Na pirâmide das necessidades humanas, o indivíduo movimenta-se da base para o topo, passando de um estágio para o outro somente quando todas as suas necessidades, naquele estágio, fossem satisfeitas. A configuração piramidal procura indicar um maior número de pessoas na base do que no topo. Na base da pirâmide estariam as pessoas que procuram [...] prioritariamente, informação de utilidade para a sua necessidade de segurança, ordem e liberdade do medo e da ameaça. No estágio acima [...] a demanda, então, é basicamente por informação que lhes garantam a permanência segura nos diversos contextos em que habitam e que desejam permanecer. Elaboram a informação em proveito próprio e das instituições em que participam. No topo da pirâmide, os indivíduos [...] vinculam-se à informação com compromissos de reflexão, criatividade e realização de seu potencial. Ao se configurar a demanda nesta forma simplificada, pode-se deduzir, contudo, que o fluxo de informações agrega qualidade no sentido da base para o topo. Acredita-se que a oferta de informação, ou seja, a estrutura dos estoques, relaciona-se à demanda como uma pirâmide invertida, inversamente proporcional em termos quantitativos e qualitativos às posições da informação demandada [...], configurando situações de racionamento e excedente de informação nos seus extremos.

Por analogia, entende-se que as informações pedagógicas estão no topo da pirâmide de oferta. Na base, as informações utilitárias: estatutos, regulamentos, registros escolares, comunicações internas etc. Estas, além da diversidade, têm por característica sua transitoriedade, o que pode até justificar o desequilíbrio entre demanda e oferta. Ainda sobre a demanda, afirma Barreto (2002c):

Consideramos, assim, a existência de três tipos principais de demanda: - demanda básica: responsável pelas necessidades básicas de informação do indivíduo no exercício de sua cidadania, corresponde às condições de demanda que se justificam pela necessidade dos indivíduos em habitação, alimentação, vestuário, saúde e instrução; - demanda contextual: responsável pelas transações correntes de informação para que o indivíduo possa permanecer e se manter em seus espaços de convivência profissional, social, econômica e política; - demanda reflexiva: de informação que se orienta para o pensar, a pesquisa, o inovar - é a demanda por informação que induz ao pensamento criativo da reelaboração e reformatação da informação em nova informação, permitindo a inovação em todos os seus aspectos.

Considerando, então, que as informações pedagógicas não faltam, é possível supor que a problemática relacionada à informação na escola resida na obtenção, organização e uso daquelas que constituem a base da pirâmide de oferta. Em outras palavras, apesar da oferta, não há demanda reflexiva. As demandas que se impõem, ao que parece, são a básica e a contextual. Tendo em vista que "é muito mais difícil a administração e o controle da demanda por informação" (BARRETO, 2002c), as ações de formação dos governos só se preocupem com a oferta. Só ofertam o que possuem em abundância. E não parecem atentar-se para o fato de que

[...] ao contrário do que ocorre em outros ambientes profissionais, o corpo docente não opõe aos saberes eruditos outros saberes declarativos ou procedimentais explícitos, valorizados e compartilhados. O individualismo dominante reconhece que todo bom professor mobiliza saberes não adquiridos na escola normal ou na universidade. Quanto à sua natureza e fundamentação... bem, isso depende de cada um. A profissão não tem nenhum discurso substancial sobre o que os professores sabem, por exemplo, sobre crianças e adolescentes, sobre os saberes escolares e sua transposição didática, sobre a gestão de classe, a relação intersubjetiva, as dinâmicas de grupo, o tratamento das diferenças, a negociação e o contrato (PERRENOUD, 2001, p. 163-164).

Todos estes argumentos nos remetem à ciência da informação como a área do conhecimento com potencial para contribuir com a educação na compreensão e conseqüente superação de seus problemas. Além de necessária - como já se demonstrou -, uma incursão em alguns dos mais citados autores da área poderá mostrar o quanto estudos nesta direção são, também, pertinentes.

Senge (1994) recomenda programas de longo prazo de aprendizado e prática para desenvolver a capacidade de desenvolvimento individual (maestria pessoal), um repertório referência para ações e decisões no ambiente de trabalho (modelos mentais), o comprometimento com objetivos comuns na equipe (visão compartilhada), a capacidade de desenvolver conhecimentos (aprendizado em equipe) e ferramentas para lidar com os processos de mudança (habilidades coletivas e pensamento sistêmico). O aprendizado do que denominou cinco "disciplinas" - um processo permanente - desencadeia um ciclo de eterna mudança que envolve sensibilidade e consciência em relação ao ambiente em que a organização atua, o que assegura a constante evolução de atitudes e crenças e o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos.

O Modelo Genérico de Prusak e McGee (1994) envolve o reconhecimento da informação estratégica, planejamento da aquisição e coleta, classificação e armazenamento, tratamento e apresentação, desenvolvimento de produtos e serviços, distribuição e disseminação e análise do uso da informação,

Na abordagem ecológica da informação, proposta por Davenport (2001), a ênfase ao ambiente em sua totalidade - estratégias, equipes, cultura, comportamento, processo de trabalho, política informacional, tecnologia - permite algumas inferências e analogias em relação às premissas e os componentes críticos.

Nonaka e Takeuchi (1997), com sua Teoria de Criação de Conhecimento nas Empresas, lançam um contraponto à natureza absoluta, estática e não-humana do conhecimento, estabelecida pela epistemologia tradicional, apresentando o conhecimento como um processo humano dinâmico de justificar a crença pessoal com relação à verdade. E estabelecem as condições para a criação de novos conhecimentos, analisando as possibilidades de conversão de conhecimento tácito para explícito.

Por fim, Chun Wei Choo (2003) revela e analisa as interdependências entre três modos de utilização da informação de uma organização - criação de significados, construção de conhecimento e tomada de decisões -, demonstrando sua complementaridade. Além disso, propõe "uma abordagem para analisar e comparar os comportamentos de uso da informação nas organizações" (p. 61).

Os aspectos da produção de cada um dos autores que se escolheu enfatizar foram os que apontaram para os problemas destacados ao longo deste artigo. As cinco disciplinas de Senge, por exemplo, podem permitir a superação das falhas de formação tão nitidamente apontadas por Araújo e Schwartzman (2002). Os estudos de Prusak e McGee (1994) podem contribuir para que os estoques de informação criados possam gerar o conhecimento esclarecedor e libertador de que fala Barreto (2002b). Ou a abordagem ecológica de Davenport (2001) pode auxiliar os professores na adaptação preconizada por Lèvy (2002), enquanto Nonaka e Takeuchy os auxiliam a construir condições para criar novos conhecimentos, superando, assim, a função de "difusor dos conhecimentos". Chun Wei Choo (2003), por sua vez, pode auxiliar a escola a

teorizar e valorizar os saberes provenientes da experiência, fazer com que circulem, compará-los entre si, relacioná- los aos saberes eruditos. Trabalhar por uma epistemologia da reflexão na ação e dos saberes dela provenientes (PERRENOUD, 2001, p. 166).

A ciência da informação, como vimos, tem muito a oferecer para que se possam aumentar os "saberes" e desenvolver as "competências" adequadas para esta que Perrenoud qualifica como uma profissão complexa. Certamente assim se poderá, cada vez menos, agir na urgência e decidir na incerteza.

E é exatamente nesta direção que este artigo acena, conclamando os cientistas da informação a se aprofundarem nestas e outras questões tão cruciais para a educação. Uma ajuda mais do que bem-vinda, de tão importante e necessária que se faz. Com ela, certamente a educação poderá alçar patamares cada vez mais próximos daquele em que depositamos nosso projeto ideal.

Artigo recebido em 31/08/2007 e aceito para publicação em 16/05/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2007

Histórico

  • Aceito
    16 Maio 2008
  • Recebido
    31 Ago 2007
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