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Subsídios para o uso da História das Ciências no ensino: exemplos extraídos das geociências

Reasons for using the History of science in education: examples from geosciences

Resumos

Este artigo discute a relevância da utilização da História das Ciências no ensino de diferentes disciplinas, a saber: História, Língua Portuguesa, Ciências e Matemática. Apresenta exemplos desta integração, baseados em pesquisas de mestrado e/ou doutorado. É nossa intenção reforçar a percepção da importância, em todos os níveis de ensino, da História das Ciências, entendida como uma história que apresenta a ciência em toda a sua historicidade, como uma prática social e cultural realizada por seres humanos imersos numa cultura, pois, dentro de nosso marco teórico, a ciência é uma prática sociocultural. Assim sendo, a História das Ciências contribui para a conscientização sobre o funcionamento da investigação científica - assim como suas apropriações tecnológicas -, e para o questionamento da transmissão dogmática de conhecimentos.

História das Ciências; Geociências; Interdisciplinaridade


This article discusses the relevance of the use of the History of science in education, within different disciplines - namely, History, Portuguese Language, Science, and Mathematics. It presents examples of this integration, based upon researches (masters degree and, or Ph.D. thesis). We intend to strengthen the perception of the importance of the History of Science at all educational levels, understood as a history that presenting science in its full historicity, as a social and cultural praxis carried out by human beings immersed in a culture. Therefore, from our theoretical framework, science is a social-cultural practice. Therefore, the History of Science contributes to the awareness of the functioning of scientific inquiry, as well as its technological appropriations and can question the dogmatic transmission of knowledge.

History of Science; Geosciences; Interdisciplinarity


Subsídios para o uso da História das Ciências no ensino: exemplos extraídos das geociências

Reasons for using the History of science in education: examples from geosciences

Clarete Paranhos da SilvaI, 1 1 Rua Culto à Cîência, 202, ap. 48, Campinas, SP. 13.020-060 ; Silvia Fernanda de Mendonça FigueirôaII; Vivian Branco NewerlaIII; Maria Izabel Porazza MendesIV

IHistoriadora. Doutora em Ciências. Faculdades Ipep e supervisão de ensino, Secretaria Estadual de Educação, São Paulo, SP. <clareteps@gmail.com>

IIGeóloga. Livre-docente em História das Ciências. Docente, Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP. <figueiroa@ige.unicamp.br>

IIIGeóloga. Mestre em Educação Aplicada às Geociências. Colégio Técnico de Campinas. Campinas, SP. <vivian@ige.unicamp.br>

IVLicenciada em matemática. Doutora em Ciências. Universidade de Guarulhos (UnG). Guarulhos, SP. <m.isabel@miraceti.com.br>

RESUMO

Este artigo discute a relevância da utilização da História das Ciências no ensino de diferentes disciplinas, a saber: História, Língua Portuguesa, Ciências e Matemática. Apresenta exemplos desta integração, baseados em pesquisas de mestrado e/ou doutorado. É nossa intenção reforçar a percepção da importância, em todos os níveis de ensino, da História das Ciências, entendida como uma história que apresenta a ciência em toda a sua historicidade, como uma prática social e cultural realizada por seres humanos imersos numa cultura, pois, dentro de nosso marco teórico, a ciência é uma prática sociocultural. Assim sendo, a História das Ciências contribui para a conscientização sobre o funcionamento da investigação científica – assim como suas apropriações tecnológicas –, e para o questionamento da transmissão dogmática de conhecimentos.

Palavras-chave: História das Ciências. Geociências. Interdisciplinaridade.

ABSTRACT

This article discusses the relevance of the use of the History of science in education, within different disciplines – namely, History, Portuguese Language, Science, and Mathematics. It presents examples of this integration, based upon researches (masters degree and, or Ph.D. thesis). We intend to strengthen the perception of the importance of the History of Science at all educational levels, understood as a history that presenting science in its full historicity, as a social and cultural praxis carried out by human beings immersed in a culture. Therefore, from our theoretical framework, science is a social-cultural practice. Therefore, the History of Science contributes to the awareness of the functioning of scientific inquiry, as well as its technological appropriations and can question the dogmatic transmission of knowledge.

Keywords: History of Science. Geosciences. Interdisciplinarity.

Introdução

Visando fornecer alguns aportes teóricopráticos para a utilização da história das ciências em sala de aula, este trabalho fará uma breve revisão historiográfica dos estudos atuais sobre ciência – para situar o marco teórico dentro do qual estamos falando – e apresentará argumentos que, acreditamos, justificam nossa posição de que a História das Ciências pode constituir-se em elemento relevante na formação de cidadãos críticos. Na segunda parte, oferecemos alguns exemplos práticos de como usar a História das Ciências na sala de aula, com base em pesquisas realizadas no âmbito do Programa de Pós-graduação em Ensino e História de Ciências da Terra, do Instituto de Geociências da UNICAMP. De antemão, esclarecemos que este texto é "militante": nossa intenção é reforçar a percepção da importância da História das Ciências em todos os níveis de ensino. Mas não de um tipo de história que não passa de cronologia, de uma seqüência de fatos, datas e de "gênios de avental branco" confinados a laboratórios e bibliotecas, e sim de uma história que apresente a ciência em toda a sua historicidade, como uma prática social e cultural realizada por seres humanos imersos numa cultura, pois, dentro de nosso marco teórico, a ciência é uma prática sociocultural.

A História das Ciências

A visão tradicional, ainda muito presente no senso comum e mesmo entre a comunidade científica, nos apresenta a ciência como uma atividade neutra que funcionaria somente por uma lógica interna, independentemente de forças sócio-históricas e econômicas. Esta mesma visão considera os cientistas como pessoas absoluta e constantemente objetivas, abertas à comunidade, libertas de pressões sociais e econômicas, voltadas para a busca de verdades desinteressadas e possuidores de um método infalível (NEWERLA, 2000).

Contrapondo-se a esta visão, o conceito de ciência como objeto de investigação histórica vem sendo redefinido e recebendo novas abordagens desde os anos 70 do século XX. Trabalho seminal no processo de redefinição do conceito de ciência e, conseqüentemente, de sua abordagem historiográfica, é o de Kuhn (1978). Em A estrutura das revoluções científicas, Kuhn procurou demonstrar que o desenvolvimento de uma ciência dá-se tanto por fatores internos à própria ciência quanto por fatores externos, ou extracientíficos. A partir de então, os estudos das ciências passaram a considerar, cada vez mais, o contexto onde o cientista e sua prática estão inseridos. Os resultados atingiram profundamente a imagem tradicional da ciência, apresentada até então como um conjunto de enunciados com um status epistemologicamente superior ao de outras formas de saber, autônomo em relação a influências socioculturais.

Segundo Mulkay (1979), os estudos realizados até então se recusavam a ver a ciência como construção social, pois se pensava que "a substância do conhecimento científico" fosse independente de contingências sociais, ou que a ciência era "um caso sociologicamente especial" por ter um status "epistemologicamente especial". Em oposição a esta imagem, os novos estudos sobre ciências encaram-nas como uma atividade social, que resulta de um processo histórico localizado no tempo e no espaço e, sob este ponto de vista, possui um forte contingente social (MENDELSON, WEINGART, WHITLEY, 1977). A ciência é, pois, uma atividade que possui relações com o contexto político, social, econômico e cultural onde ela é praticada, e o cientista deve ser pensado como um ser envolvido neste contexto. Em consonância com este modo de pensar a ciência, Gould (1991, p. 18) afirma que, ao se estudar a história de uma ciência, deve-se ter em mente o fato de que "os cientistas não são máquinas robotizadas de indução, inferindo estruturas explicativas somente das regularidades observadas nos fenômenos naturais". Os cientistas são "seres humanos, imersos numa cultura, e debatem-se com todos os curiosos instrumentos de interferência que a mente permite".

Cabe ressaltar ainda que estas novas abordagens interessam-se mais em analisar os processos de construção dos conhecimentos do que apenas seus produtos finais, e buscam explicá-los de forma contextualizada, sem emitir julgamentos. Por outro lado, procuram demonstrar que as afirmações científicas que se percebem "verdadeiras" são resultados de processos sociais. Isto significa que as "verdades científicas" resultam de negociações e consensos dentro de uma comunidade científica – que implicam, quase sempre, relações de poder – e não reflexos diretos da natureza.

Esses novos estudos mostram que a imagem pública da ciência é muito mais uma "ideologia da Ciência" (MULKAY, 1979), que reforça o status epistemologicamente superior do conhecimento científico, aumenta o poder dos cientistas e eleva a posição social dos mesmos (FIGUEIRÔA, LOPES, 1996).

Por que História das Ciências no ensino?

Preocupações referentes às relações entre História, Filosofia das Ciências e Educação começam a se tornar mais sistemáticas nos anos pós Segunda Guerra Mundial. Este interesse é, em boa parte, uma reação às conseqüências sociais das relações entre Ciência & Tecnologia, com destaque para as atividades bélicas que culminaram com a produção da bomba atômica. Com base em questionamentos dos efeitos nefastos da aliança Ciência e Tecnologia, propunha-se que a educação científica servisse para a formação de uma consciência cidadã sobre as implicações sociais e tecnológicas da ciência (FIGUEIRÔA, LOPES, 1996). Esta temática, portanto, não é nova. Inúmeros trabalhos vêm sendo publicados no Brasil e no exterior, há muito tempo. Na USP, a História das Ciências é ministrada nos cursos de Física, Química, Biologia, História e Arquitetura desde os anos 1960-1970. Nos encontros da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), assim como nos da Sociedade Latino-americana de História das Ciências e da Tecnologia, temas relativos à História das Ciências e ensino estão sempre presentes desde os primeiros encontros nos anos 1980.

Diversos autores reconhecem a importância e o papel que a História das Ciências pode desempenhar na educação. Para Matthews (1994, p. 72), a História das Ciências poderia:

Humanizar as ciências e aproximá-la mais dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos; tornar as aulas mais estimulantes e reflexivas, incrementando a capacidade do pensamento crítico; contribuir para uma compreensão maior dos conteúdos científicos, [...]; melhorar a formação dos professores contribuindo para o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, isto é, a um melhor conhecimento da estrutura de ciência e seu lugar no marco intelectual das coisas.

Considerando as relações entre história das ciências e educação, Obregón (1996, p. 543) afirma que a História das Ciências deve-se constituir numa

[...] valiosa ferramenta tanto para o ensino como para o próprio trabalho científico. O conhecimento da história de uma ciência permite desenvolver a capacidade crítica, o espírito de análise e de precisão e a atitude atenta e curiosa indispensável para o pensamento científico.

Não obstante, a imagem pública da ciência ainda hoje é largamente influenciada pela visão tradicional e constitui um mito. A ciência ainda é vista por muitos como um conjunto de verdades dogmáticas resultantes da observação pura e divorciada do contexto social; como uma atividade superior, e, como tal, praticada somente por seres intelectualmente superiores. Gould (1991) alerta para os riscos que essa imagem pode trazer à própria ciência. Ao se apresentar como atividade superior, ela pode afastar aqueles que, mesmo possuindo potencialidades, não se acham capazes de ingressar num mundo reservado a uns poucos "gênios". No mundo contemporâneo, onde os avanços científicos e tecnológicos ocorrem com uma velocidade extraordinária, a História das Ciências pode ser um instrumento privilegiado não somente para a formação de cientistas, mas dos cidadãos em geral, pois "entender a ciência torna-se cada vez mais crucial num mundo de biotecnologia, computadores e bombas" (GOULD, 1991, p. 19). Acreditamos que a História das Ciências pode atuar tanto no sentido de mudar a percepção pública da ciência, como na formação de cidadãos críticos. E, nesse aspecto, a educação assume um papel primordial.

Não há como negar que a imagem tradicional de ciência, ainda muito presente entre nós é, em larga medida, veiculada pelas instituições de ensino. Se a ciência converteu-se em um mito, diz Obregón (1996), um dos grandes responsáveis por isso é o ensino de ciências. Para Hodson (1985), há fortes evidências de que as atitudes que temos perante a ciência, as quais derivam da imagem que temos dela, são forjadas desde muito cedo, durante os primeiros anos escolares, e que o aspecto determinante nesse processo é o teaching style. De fato, o que ocorre é que o professor internaliza mitos durante sua formação, transmitindo-os para as crianças, as quais crescem com estes mitos e os transmitem para outros, em um processo contínuo. O professor, ao projetar uma imagem de ciência como produto acabado, e não como um processo que envolve seres humanos e contextos, acaba por criar/reforçar a imagem da ciência enquanto atividade neutra, imparcial e superior.

A mudança deste quadro passaria, então, pela mudança da percepção que o professor tem de ciência e, conseqüentemente, em seu estilo de ensinar ciência. A História das Ciências pode ser uma ferramenta importante para a transformação de tal situação, ao apresentar a ciência como um processo que envolve pessoas comuns, contextos concretos, debates, e não como um conjunto de resultados prontos. É tarefa da História das Ciências reconstruir a aquisição dos conhecimentos científicos como uma atividade humana, mostrar como essa atividade cresce, desenvolve-se, expande-se e é influenciada pelos seres humanos e por suas aspirações, sejam elas materiais, intelectuais e, até mesmo, espirituais (JENKINS, 1989).

Entendemos que o uso da História das Ciências no ensino, em todos os níveis e em diferentes disciplinas, pode também permitir ao aluno adquirir visão mais abrangente e integrada do conteúdo, bem como compreensão crítica e abrangente do que é a ciência contemporânea. Além disto, dentro do marco teórico que aqui indicamos, o ensino da História das Ciências (e da tecnologia) deve considerar as múltiplas conexões pelas quais se dá a relação ciências, tecnologia e sociedade. A ciência e a sociedade estão intimamente imbricadas e os / as cientistas são

antes de tudo, seres humanos, com suas imperfeições, dúvidas, desejos e esperanças, enredados em teias de relações das mais simples às mais complexas, das mais pragmáticas e imediatas às mais idealistas e utópicas, das mais profissionais às mais pessoais. As histórias das ciências e da tecnologia são, assim, parte integral das histórias das nossas sociedades, em seus diferentes tempos e lugares, revelando as relações complexas, necessárias e tantas vezes conflituosas entre os componentes técnicos, científicos, culturais, políticos, econômicos, individuais e sociais que as constróem. (FIGUEIRÔA, 2003, p. 153)

Com base na História das Ciências, tais relações podem ser melhor compreendidas, o que é de extrema importância para a formação de espíritos críticos que participem de forma responsável e cidadã na avaliação das implicações sociais do uso das ciências e das tecnologias.

Por fim, acreditamos que o uso da História das Ciências pode enriquecer nossas aulas e torná-las mais interessantes, na medida em que pode ser um elemento de contextualização dos conteúdos trabalhados e, também, de articulação entre diferentes disciplinas. Citemos, a título de exemplo, uma aula de história cujo conteúdo a ser desenvolvido é a Primeira Guerra Mundial. Ora, a I Guerra Mundial não pode ser estudada de forma abrangente se colocarmos de lado uma questão de extrema importância: o desenvolvimento da Química na Alemanha e, posteriormente, em outros países. Os professores de História e os professores de Química têm aqui uma excelente oportunidade de desenvolver um programa conjunto que trate da I Guerra enfocando aspectos políticos, econômicos, bélicos e, também, científicos. O mesmo tipo de articulação poderia ser realizado entre professores de História e de Física em relação à II Guerra Mundial e o desenvolvimento da Física de alta energia. Como estes, há inúmeros exemplos de como a História das Ciências pode ser usada para abordar conteúdos de forma contextualizada e integrada a outras disciplinas do currículo escolar.

Subsídios para o uso educacional da História das Ciências

Visões de ciência nos livros didáticos de História

Ao considerarmos que a utilização da História das Ciências pode enriquecer as nossas aulas e ser um importante instrumento para a formação de cidadãos críticos, precisamos ter em mente que visões de ciência não são, de forma alguma, consensuais, mas estão presentes, mesmo que implicitamente, em qualquer material didático, independentemente do meio escolhido (livro texto, CD-Rom, vídeo etc.) (NEWERLA, 2000). Pensando nesta questão, oferecemos aqui alguns subsídios para discussão, em sala de aula, de visões de ciências contidas em livros didáticos de História do Ensino Médio, com base em um estudo realizado por Silva (2005, 2001).

A proposta é apresentar uma breve análise de alguns livros didáticos de História utilizados no Ensino Médio da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo, investigando se estes trazem referências às atividades científicas no Brasil colonial e, em caso afirmativo, como tratam a questão. Deseja-se verificar se os autores consideram a possibilidade de ter havido atividades científicas no Brasil Colônia e qual visão de ciência está embutida em seus textos. Foram selecionados quatro autores considerados representativos por serem utilizados por boa parte dos professores da rede, sendo, portanto, importantes instrumentos de transmissão de visões tanto para os estudantes como para os próprios professores. Os livros didáticos analisados são:

1 História do Brasil (FERREIRA, 1995). Com 450 páginas, é composto de vinte capítulos, divididos em três partes: a Colônia (cap. 1-8); a Monarquia (cap. 9-14); a República (cap. 15-20).

2 História da sociedade brasileira (ALENCAR, CARPI, RIBEIRO, 1990). O livro possui 334 páginas e é dividido em três partes e suas subdivisões (unidades): a Colônia (seis unidades); o Império (quatro unidades) e a República (cinco unidades).

3 História e consciência do Brasil (COTRIM, 1995). Nas 352 páginas contém vinte capítulos também divididos em três partes: a Colônia (cap. 1-10); o Império (cap. 11-13); a República (14-20).

4 História do Brasil (PILETTI, 1992). Com 244 páginas, o livro é composto de 25 capítulos que procuram cobrir a história do Brasil desde a Colônia até a República.

Optamos pela apresentação destas análises porque uma releitura muito recente de edições atualizadas dos textos indicados mostrou os mesmos resultados. Antes de iniciar a análise dos referidos textos, é necessário fazer algumas reflexões preliminares sobre temas como a ciência na "periferia" e quais as imagens mais comuns de ciência no Brasil, para, finalmente, podermos perceber qual a visão de ciência presente nos livros didáticos.

Desde a década de 1980, tem se discutido profundamente a questão da ciência nos países considerados periféricos. Como afirma Saldaña (1993), a historiografia atual tem se empenhado em descobrir que existe uma problemática particular da ciência das regiões periféricas que importa tanto aos próprios países periféricos, como à historiografia geral da ciência. Uma nova maneira de olhar a ciência tem permitido "descobri-la" no Brasil, desde os tempos coloniais. No bojo dessas discussões, o conceito de ciência universal passou a ser questionado contundentemente. Sobre isso, Polanco (1986, p. 41) já escrevia que

a hipótese de uma ciência universal, no sentido de uma ciência sem contexto e como que flutuando no éter das idéias é uma ficção. Em conseqüência, proponho como alternativa a hipótese de uma 'ecologia da ciência', ou seja, estudar e conceber a ciência em suas relações com o meio no qual ela se desenvolve. De estudar as relações existentes entre as ciências, as tecnologias e o meio ambiente cultural, social e econômico no qual nascem, se desenvolvem e morrem; de estudar as relações entre suas propriedades e as do meio.

O questionamento do conceito de universalidade da ciência estava – e está – diretamente ligado à crítica ao eurocentrismo que dominou a história da ciência na América Latina. A ciência universal era vista sempre como ciência européia, daí as tentativas fracassadas de encontrar no continente a mesma ciência tal como praticada na Europa. Era preciso, pois, fazer frente a essa ideologia europeizante, buscando-se alternativas para o estudo das ciências no contexto real da América Latina. Seguindo estas novas orientações teóricas, a ciência brasileira, traduzida enquanto "atividades científicas", passou a ser estudada desde os tempos coloniais. Entretanto, as discussões aqui colocadas muito sucintamente, as quais permitiram revelar a existência de atividades científicas no Brasil desde os tempos coloniais, parecem ainda circunscritas aos círculos acadêmicos, não tendo se refletido no público em geral e, tampouco, nos livros didáticos.

Vejamos agora se os autores dos livros didáticos supracitados incorporaram o tema ciência em seus textos e, se o fizeram, qual a visão de ciência apresentada.

Uma primeira leitura dos textos nos deixa a impressão de que as atividades científicas ocorrem fora do contexto histórico-cultural. Apenas dois dos autores escolhidos para análise – a saber, Piletti (1992) e Ferreira (1995) – dedicam capítulo especial para tratar da cultura no Brasil colonial2 2 Pilleti dedica o capítulo 23 de seu livro ao tema. O capítulo Desenvolvimento cultural é subdividido em "culturas brasileiras", "cultura universitária", "literatura", "teatro", "artes plásticas", "cinema", "cultura de massa", "cultura popular". Ferreira reserva ao tema o capítulo 8, A cultura da época colonial, com a seguinte subdivisão: "o ensino", "a literatura", "a arquitetura e as artes plásticas", "a música". . Nos outros autores, essa questão é tratada em pequenos itens, dentro do capítulo em que tratam do período da mineração de ouro e diamantes. Todavia, o tratamento dado à questão é o mesmo em todos os autores. Ao considerarem a cultura no Brasil colonial, os autores concentram-se em falar da literatura, da música, da arquitetura e da escultura desenvolvidas principalmente no século XVIII na região das Minas. Em nenhum momento são tratadas as atividades científicas que se desenvolveram na região, levadas a cabo por brasileiros, com o objetivo de pesquisar materiais minerais. Por não fazerem referência às atividades científicas que eram realizadas na região mineira durante o século XVIII3 3 Para ficarmos em um só exemplo, citemos as pesquisas realizadas pelo mineralogista brasileiro José Vieira Couto (1752-1827). Este realizou suas pesquisas na região mineira entre os anos de 1799 e 1805. O seu trabalho ficou registrado em quatro Memórias de caráter mineralógico e geológico escritas por ele como resultado de suas pesquisas. Em Novais (1995) podem ser encontrados inúmeros outros exemplos de trabalhos científicos que buscavam resolver os problemas da agricultura e da mineração no Brasil, especialmente na segunda metade do século XVIII. que, para todos os autores, foi a região de maior desenvolvimento cultural durante o período colonial, a separação entre ciência e cultura surge quase que naturalmente.

Um outro aspecto diz respeito à ligação direta que os autores fazem entre cultura e urbanização. Todos são unânimes em afirmar que a cultura mais brilhante do Brasil Colônia floresceu na região mineira, no auge da produção aurífera. Ferreira é o mais enfático ao tratar do tema. No capítulo 8, intitulado "a cultura na época colonial", escreve que "o caráter da colonização portuguesa, predominantemente rural e escravista, estabeleceu os limites das manifestações culturais no Brasil colonial". Para o autor, o pequeno tamanho dos núcleos urbanos e sua dispersão por um enorme território dificultavam a comunicação, tanto interna como em relação à Europa ou outras regiões do continente Americano. Por isso, a "produção cultural mais brilhante" ocorreu no século XVIII, na região mineira, "não por acaso, na região mais urbanizada da colônia", onde o surgimento de uma camada média de homens livres possibilitou o desenvolvimento das artes e dos ofícios.

Algumas questões podem ser inferidas e discutidas em sala de aula, com base na leitura dos textos analisados. A primeira é a de que não teria havido práticas científicas no Brasil colonial, a não ser em momentos de exceção, por obra e vontade dos estrangeiros. A segunda é a de que a ciência dá-se fora do contexto cultural, já que, mesmo ao tratar da cultura "erudita", os autores não fazem referência à ciência enquanto parte desta mesma cultura. Somente quando falam do governo de Maurício de Nassau (1637-1644) e do período Joanino (1808-1822) é que os autores citam rápida e superficialmente a vinda de cientistas estrangeiros ou a criação de instituições científicas. É esclarecedor dizer que mesmo estas rápidas referências não são feitas nos momentos em que os autores tratam do tema cultura. Manuel [Ferreira] da Câmara é o único brasileiro lembrado (por um único autor) como cientista, aparecendo como exceção entre tantos estrangeiros.

Os autores projetam um olhar eurocêntrico e descontextualizado ao afirmar, entre outras coisas, que a condição colonial impedia o desenvolvimento cultural, já que não se reproduziam aqui as condições necessárias para tal. Um dos maiores obstáculos apontados refere-se ao fato de que não éramos uma sociedade urbana. A nosso ver, é o mesmo que dizer que em sociedades de economia agrária não existe desenvolvimento cultural e, conseqüentemente, científico4 4 Como já foi apontado em outro momento, Dias (1968) enumera uma gama de atividades científicas no Brasil Colônia, no período ilustrado, em sua maioria desenvolvidas por brasileiros oriundos da Universidade de Coimbra. A maioria destas atividades buscava soluções para os problemas da agricultura brasileira. . Os autores traçam uma relação quase que direta entre desenvolvimento econômico e florescimento cultural. A cultura floresceu nas Minas Gerais do XVIII por causa do crescimento econômico derivado da exploração de ouro. Cabe aqui perguntar se essa causalidade direta encontra amparo nas evidências. Lafuente e Ortega (1992) refutam a idéia de que o desenvolvimento cultural e, conseqüentemente, o científico, estejam sempre diretamente ligados a desenvolvimento econômico. Estes autores observam que a relação entre ciência e economia não é de causalidade, mesmo porque historicamente nem sempre os centros hegemônicos do ponto de vista econômico o foram do ponto de vista científico.

Com exceção de Ferreira (1995), os autores compartilham a idéia de que o que acontecia no Brasil Colônia, em termos de produção intelectual, era puro reflexo do que se fazia na Europa. Em oposição à teoria do puro reflexo, no âmbito da América Latina, os novos estudos de História das Ciências vêm mostrando o papel ativo de cientistas locais no desenvolvimento das atividades científicas no período colonial. Tais personagens não agiram passivamente como meros reprodutores de uma ciência produzida alhures, mas foram agentes e interlocutores, ainda que, dentro do contexto colonial, essas relações fossem muitas vezes pautadas por assimetrias. Em relação a esta problemática, pensamos aqui ser oportuno citar um fragmento de documento escrito pelo naturalista brasileiro José Vieira Couto, em 1799, o qual reforça a opinião de que havia uma preocupação explícita, por parte dos brasileiros, em reelaborar e adaptar idéias criadas em contextos tão diferentes daquele em que viviam. Ao propor a construção de uma "fábrica de ferro" na Colônia, Couto diz que o diretor dessa primeira "escola régia" deveria ser um bom físico e um bom químico porque

[...] hum official commum nunca foi, nem será capaz para transportar huma arte de hum paíz para outro, e elevalla ao mesmo tempo a hum alto gráo de perfeição: esta no seu transporte deve deixar muitas cousas na terra, e adoptar outras muitas do novo clima para onde vai. (COUTO, 1799, apud SILVA, 2002, p. 61-2, grifos nossos)

Sobre a nítida aversão ao ensino religioso, expressada por Alencar, Carpi e Ribeiro (1990) é oportuno atentarmos para as considerações de Saldaña (1993). O autor critica a historiografia tradicional, que impõe uma separação radical entre pensamento científico e cultura religiosa. A história da América Latina, assim como a européia e a norte-americana, sempre referidas como modelos, é profundamente marcada por uma cultura religiosa e este elemento não pode ser desprezado pelos historiadores das ciências. É exatamente por conta da oposição absoluta entre ciência e religião que muitos trabalhos científicos foram desprezados, ou declarados inexplicáveis, pela historiografia tradicional, ao não se encaixarem nos seus esquemas interpretativos. Para Saldaña, foi preciso romper com a atadura da história tradicional para que emergissem personagens, textos científicos e técnicos, instituições científicas etc. De resto, a separação radical entre ciência e religião, tão propalada pela historiografia tradicional, é questionável pelo fato de que, quando a ciência moderna surgiu, a religião constituía um dos fatores mais poderosos da vida cultural. O que as pessoas pensavam de Deus (ou dos deuses) influenciava sua concepção de natureza, o que, por sua vez, influenciava os seus processos de investigação da natureza, ou seja, de sua ciência (HOOYKAAS, 1988). No caso específico do Brasil, a cultura religiosa é tão marcante, que desprezá-la significa abdicar de parte da própria história do país. Felizmente, uma exceção a ser apontada são os trabalhos de Camenietzki (2003) sobre os jesuítas e os estudos matemáticos e astronômicos no âmbito do império português (particularmente na América portuguesa). Nas suas oportunas e claras palavras,

ainda que submetida à crítica sistemática por longos anos, a idéia segundo a qual esta terra constituiu sobretudo um imenso espaço de onde a metrópole retirava riquezas contribuiu sensivelmente para o esvaziamento do interesse na investigação dos problemas ligados à vida cultural e científica. O postulado de que não caberia cultura erudita, vida acadêmica real e atividade científica na América Portuguesa se fixou como conseqüência desta idéia de colônia. O que se podia constatar em termos de produção cultural neste domínio enquadra-se facilmente na condição de pastiche, mera cópia sem interesse, de uma dinâmica metropolitana. [...] Não é à toa que esse ator social, o intelectual, tenha tanta dificuldade de ser encontrado em Portugal e mesmo na América Portuguesa. [...] se não faltam testemunhos eloqüentes, embora não muito numerosos, da vida intelectual mazomba, falta o olhar que lhes dê alguma importância. Mesmo no restrito caso da matéria científica, os testemunhos são conhecidos há tempos – ainda que volta e meia novos documentos sejam encontrados. Mas o principal elemento tarda a amadurecer e a se consolidar: uma imagem da colônia que aceite como coisa provável a existência de alguma atividade científica nestas terras. (CAMENIETSKI, 2003, p. 102, 105)

Apresentadas estas considerações, importa ainda esclarecer que, ao contrário de alguns críticos, achamos o livro didático um material importante, tanto para os professores como para os alunos. No entanto, é preciso dialogar com o mesmo. A nosso ver, a História das Ciências pode nos proporcionar aportes teóricos importantes para que realizemos tal diálogo, juntamente com nossos alunos.

Resgatar o perfil de naturalista do "Patriarca da Independência"

Outro exercício interessante de se realizar em sala de aula fazendo uso da História das Ciências diz respeito ao estudo da trajetória de José Bonifácio de Andrada e Silva. Nos livros didáticos de história, este personagem é apresentado quase tão-somente em seu perfil de homem público quando, na realidade, no período em que viveu, essa separação não existia, como veremos a seguir.

José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), exaustivamente tratado pela historiografia brasileira como o "patriarca da independência", mas praticamente esquecido como estudioso de História Natural mereceu, até bem pouco tempo, pouca atenção por parte da história da ciência brasileira. Grande parte dos estudos sobre José Bonifácio está centrada na sua atuação política no Brasil, depois do retorno de Portugal, em 1819. Estudos recentes, com destaque para o de Varela (2006), começam a mudar esta realidade na medida em que se preocupam em resgatar o perfil de homem de ciência de José Bonifácio sem dissociá-lo de seu perfil de homem público.

José Bonifácio de Andrada e Silva estudou na Universidade de Coimbra, onde recebeu uma formação típica do período da Ilustração: enciclopédica, pragmática e utilitária. Nessa universidade, Bonifácio obteve, em 1787, o título de Bacharel em Filosofia e Leis. Tal formação será fundamental na sua prática científica, caracterizada pela adesão ao enciclopedismo, pela ideologia científica do progresso, pelo utilitarismo e pelo pragmatismo, todos elementos marcantes do moderno pensamento científico europeu. Ainda no âmbito de sua formação e profissionalização, José Bonifácio realizou uma viagem científica de dez anos pela Europa Central e do Norte, em companhia de Manuel Ferreira da Câmara e Joaquim Pedro Fragoso de Sequeira, todos com bolsa de estudos do governo português. Durante a viagem, José Bonifácio visitou minas, escolas de minas, associou-se a diversas instituições científicas e freqüentou cursos nos mais importantes centros de ciência do período, particularmente aqueles relacionados à Mineralogia e à Química. A "Viagem Filosófica" de Bonifácio complementou sua formação na universidade e permitiu sua especialização em Mineralogia e Metalurgia. Foi sua atuação na Academia Real das Ciências de Lisboa que lhe abriu as portas para a carreira de filósofo natural. Nesta instituição, José Bonifácio atuou como sócio e publicou diversas Memórias científicas. Com base no estudo destas Memórias, Varela (2006) busca apreender, entre outras coisas, os conceitos de ciência e de natureza presentes no pensamento de José Bonifácio. Em seus escritos, o naturalista se mostrou um homem conectado ao seu tempo ao apresentar a idéia de uma ciência que deveria ser útil ao Estado e à sociedade.

O estudo de Varela (2006) demonstra, de forma clara, quão equivocada é a usual separação do perfil de homem público e de naturalista na trajetória de José Bonifácio. Além de atuar na Academia Real das Ciências de Lisboa e de ser nomeado Lente da Cadeira de Metalurgia na Universidade de Coimbra, José Bonifácio acumulou cargos públicos estratégicos dentro do contexto da ilustração portuguesa, como o de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino e Administrador das Antigas Minas de Carvão de Buarcos, entre outros. Em geral, aqueles que serviam ao Estado eram escolhidos dentre os que possuíam formação científica, o que, nas palavras de Varela, "demonstra o reconhecimento do poder da ciência pelo Estado" (VARELA, 2006, p. 174)

Ao escrever as memórias de cunho mineralógico, José Bonifácio cumpria um dos objetivos de sua função como Intendente Geral das Minas do Reino qual seja, "descobrir" e apontar a melhor forma de aproveitar as riquezas minerais existentes em solo português. Assim, as Memórias mineralógicas apresentadas à Academia Real das Ciências de Lisboa, segundo Varela (2006), tinham caráter de relatório oficial dos resultados de sua atuação na Intendência. É, portanto, na atuação de José Bonifácio como intendente das minas que podemos notar mais claramente que o seu perfil do homem público é inseparável do seu perfil de filósofo natural.

Como se pode perceber, José Bonifácio foi muito conhecido em seu tempo, não somente como homem público, mas também como um importante pesquisador do mundo natural. Pesquisou as riquezas naturais do Reino português, fez viagens científicas, associou-se a diversas instituições científicas e deixou inúmeras memórias no campo da História Natural, especialmente no campo da Mineralogia. Descreveu diversos minerais novos, sobretudo contendo o elemento lítio, dentre os quais destaca-se a wernerita, assim denominado em homenagem a seu professor de mineralogia na Academia de Minas de Freiberg, Abraham Gottlob Werner. Em reconhecimento a seus trabalhos e descobertas mineralógicas, uma variedade do mineral granada tem seu nome (andradita). Além – e por causa – disto, ocupou diversos cargos públicos importantes em Portugal já que, dentro dos ideais de uma ilustração de cunho fortemente cientificista, o Estado procurava atribuir cargos públicos estratégicos a homens com sólida formação científica. Portanto, a atuação política de Bonifácio, tanto em Portugal, como quando do seu retorno ao Brasil, não pode ser dissociada de sua atuação de cientista porque, dentro do contexto daquele período, esta separação simplesmente não existia.

Detivemo-nos aqui no exemplo de José Bonifácio pelo papel que este personagem ocupa nos livros didáticos. Em consonância com a visão de que a ciência é parte da cultura, e não um saber que está acima desta, pensamos que resgatar trajetórias dos naturalistas brasílicos dos séculos XVIII e XIX pode se constituir em caminho privilegiado para o estudo da história da cultura desse período. Entretanto, é preciso ressaltar que, para a concepção de ciência e de História das Ciências de que partilhamos, o resgate de trajetórias não se confunde com a tradição que apresenta histórias dos grandes "gênios" descobridores, à parte e acima dos mortais comuns. Em nossa concepção, o resgate de trajetórias só se reveste de sentido na revelação das relações entre ciência e sociedade e na humanização dos cientistas, apresentando-os como pessoas comuns, com interesses pessoais, científicos, ambições políticas etc. Nesse sentido, as biografias, além de um interessante exercício de investigação para nossos alunos, podem ser trabalhadas para desmistificar a ciência e os cientistas.

Poesia, ciência e História das Ciências em aulas de Língua Portuguesa

Os professores e, em especial os do Ensino Médio, têm discutido exaustivamente a importância do trabalho com os diversos gêneros do discurso em sala de aula. A seguir, apresentaremos um exercício utilizando excerto de uma Memória científica do XVIII. No período em questão – e também no século XIX – este tipo de texto circulava dentro da esfera que hoje chamaríamos de acadêmica, e tinha como objetivo apresentar resultados de pesquisas em História Natural. A Memória que aqui utilizaremos foi escrita, em 1799, pelo naturalista/mineralogista brasileiro José Vieira Couto, como resultado de pesquisas mineralógicas e geológicas na então Capitania de Minas Gerais5 5 "Memoria sobre a Capitania de Minas Geraes, seu território, clima e producções mettalicas: sobre a necessidade de se restabelecer e animar a mineração decadente no Brazil; sobre o commercio e exportação de metaes e interesses regios, com um apendice sobre os diamantes e nitro natural". Escrita em 1799, relata suas pesquisas pela região do Serro Frio. Foi publicada pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico, tomo 11, em 1848, p. 229-335. Sobre José Vieira Couto, ver Silva (2002). . O objetivo do exercício é mostrar as mudanças na linguagem científica que, por sua vez, refletem mudanças dentro da própria ciência. No século XVIII, a ciência ainda não conhecia a especialização que caracteriza a ciência contemporânea, e os textos científicos refletiam isto. Nos textos de História Natural, por exemplo, os naturalistas-viajantes6 6 As "Memórias" de História Natural resultavam, em sua maioria, de pesquisas de campo. Os naturalistas tinham de reconhecer imensos territórios, pois muito estava ainda por ser inventariado. Daí que os consideramos "cientistas em viagem". raramente se limitavam a escrever sobre um único campo. Nos seus relatos, juntavam-se observações de caráter antropológico, cultural e político às observações dos três reinos da natureza. A História Natural era a disciplina responsável pelo reconhecimento científico dos recursos naturais, e o naturalista – a maioria deles comissionada pelo Estado – era o responsável por reconhecer, analisar e propor formas de aproveitamento desses mesmos recursos. Daí a necessidade de uma linguagem que não fosse hermética, como na atualidade. A linguagem não só não era hermética, mas também não estava ainda "depurada" de certos elementos que, hoje, se considerariam "subjetivos" e prejudiciais ao rigor científico.

No caso de Couto (1799, apud SILVA, 2002), além de suas observações de caráter mineralógico, ele anota impressões sobre os moradores, sobre os aspectos arquitetônicos das construções nos arraiais e vilas, e sobre as atividades econômicas às quais se dedicavam os habitantes das localidades pelas quais passava; abre longos parênteses para falar da agricultura, da criação de animais e de outras atividades econômicas que achava serem importantes, além da mineração. Os fragmentos da Memória de Couto, que utilizaremos a seguir, são exemplares pela utilização de uma linguagem vibrante e poética, estranha a um texto científico nos dias atuais.

Um exercício que consideramos instigante é o de propor, para os alunos, a reescrita, dentro das normas atuais, dos textos que seguem.

No primeiro deles, de forma poética, Couto explica que, em seus estudos de caráter mineralógico e geológico, não se preocuparia em descobrir os processos geológicos que conformaram os terrenos da região que observava. Seu objetivo principal seria o de descrever apenas as características externas da crosta, ou seja, as suas regularidades estáticas. Para dizer isto, é assim que Couto se expressa: "O Natureza, o Santa Deoza, como zombas dos delirios dos sabios! Eu seguirei sómente os teus vestigios, te observarei somte nos teus effeitos e não procurarei entrar nos teus reconditos mistérios" (COUTO, 1799, apud SILVA, 2002, p. 15).

Na introdução de sua Memória, quando apresenta um resumo do que realizara em suas viagens científicas, Couto utiliza o mesmo estilo de linguagem:

Foi-me intimado em nome de Vossa Mag.e, seis dias faz hoje sobre o anno, que eu desse huma exacta relação dos metaes desta comarca, e dos interesses regios que dos mesmos se poderiam esperar: foram vozes estas que bem assentarão e fizerão impressão em minha alma, vozes da minha Soberana e da Patria! [...] Voei ao pico das serras, desci as profundezas das cavernas, e recolhi-me das minhas peregrinaçoens com as amostras de quaze todos os metaes, que neste cofre exponho aos pés do Throno. (COUTO, 1799, apud SILVA, 2002, p. 1)

Pensamos que discutir textos de caráter científico pode ser uma atividade interessante se o professor conseguir estabelecer comparações entre textos que circulam em uma mesma esfera de comunicação, porém em contextos e tempos históricos diferentes. Neste caso, a História das Ciências constitui chave essencial para a realização de uma atividade deste tipo.

Ensino de ciências, meio ambiente e História das Ciências

São muito raras as tentativas que procuram operacionalizar e articular estudos de caso e a história, sociologia e epistemologia das ciências no ensino de ciências. Adicionar a esta tentativa de articulação aspectos ambientais numa perspectiva científica e histórica também é pouco realizado. A proposta de trabalho discutida na dissertação de mestrado de Newerla (2000) caminha nesta confluência entre problemas ambientais, ensino de ciência dentro de uma perspectiva abrangente, envolvendo além de conteúdos científicos, também História das Ciências e História do ambiente. Tais conteúdos se entrelaçam a partir do estudo de caso das bacias dos Rios Feio/Aguapeí e do Peixe, situadas na região oeste do Estado de São Paulo, investigadas cientificamente, pela primeira vez, durante as expedições realizadas pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo no começo do século XX.

A visão atual do meio físico e natural, assim como da ocupação destas bacias, instiga tentar compreender os processos naturais atuantes, bem como os processos biológicos e físico-químicos a eles associados e o papel do homem na modelagem da paisagem, a indagar qual era o aspecto desta paisagem antes da colonização, e mesmo a desejar a projeção de um outro futuro. Os conceitos físicos, químicos e biológicos, desarticulados e distantes do cotidiano nos manuais escolares e paradidáticos e do dia-a-dia dos cidadãos, ganham sentido e articulação com diferentes temporalidades se relacionados à dinâmica dos processos naturais de natureza geocientífica. As barreiras disciplinares, se a intenção é compreender o global localmente, não se sustentam e um único campo disciplinar não explica suficientemente a problemática posta.

As vilas e hoje cidades são situações recentes nos vales do Peixe e Feio/Aguapeí e começaram a surgir apenas nas décadas de 1920-30 no século XX, acompanhando as rotas dos trens que percorrem os divisores de água, os altos topográficos e as propriedades agrícolas, quase exclusivamente cafeeiras, que foram se instalando ao longo e nas proximidades das rotas ferroviárias. Mas nem as propriedades agrícolas e nem as ferrovias chegaram antes dos conflitos de terra. A região é palco da disputa pela terra pública muito antes da sua efetiva ocupação. A Lei n.º 601, denominada Lei de Terras de 1850, extinguia a apropriação de terras, punindo quem o fizesse, mas oferecia um prazo para que as antigas posses fossem validadas. Isto provocou uma corrida de candidatos às terras públicas às paróquias das vilas, que exerciam, na época, o papel dos atuais cartórios em todo país. Não foi diferente na região das bacias dos rios do Peixe e Feio. Estes candidatos a proprietários disputavam imensas extensões de terra e tentavam provar que habitavam e exerciam uma atividade econômica na região antes da promulgação da Lei. A dificuldade do Estado de arbitrar e fiscalizar a situação fundiária resultou em disputas longas, acirradas e juridicamente suspeitas que se estendem até os dias de hoje, como acontece no famoso Pontal do Paranapanema.

Em meio à demanda por terra, a um papel cada vez mais atuante e influente do Estado, a uma situação de expansão econômica, a um processo de valorização e institucionalização da ciência, é criada, em abril de 1886, a Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo, instituição científica que, superando a transitoriedade que o nome sugere, atuou no Estado até 1931. Desempenhou papel fundamental no reconhecimento, mapeamento e estudo da região nas áreas de História Natural e Geografia e foi o núcleo inicial de diversas instituições paulistas ainda hoje existentes, como: Instituto de Botânica, Instituto Florestal, Instituto Astronômico e Geofísico, Museu Paulista, Museu de Zoologia, Instituto Geográfico e Cartográfico e Instituto Geológico (FIGUEIRÔA, 1987).

Os responsáveis pela criação da Comissão foram o Presidente da Província de São Paulo, João Alfredo Corrêa de Oliveira, seu proponente executivo, e Antônio Carlos de Arruda Botelho, Visconde do Pinhal, líder do partido liberal na Assembléia Legislativa, fazendeiro e industrial, autor do projeto de lei e da justificativa acompanhante. Aliados neste projeto, concordavam que a instituição deveria servir de apoio às iniciativas públicas e privadas, mas com significativas diferenças quanto ao papel que a ciência e a Comissão deveriam desempenhar no projeto econômico e desenvolvimentista do Estado. Para Corrêa de Oliveira, à Província em franco desenvolvimento faltavam informações. Tratando da função a ser desempenhada pela Comissão, para o presidente da Província "avulta a ausência de informações exatas e minuciosas sobre a Geografia, relevo do solo, vias de comunicação, estrutura geológica, riqueza mineral e caráter das diversas qualidades de terras. [...] É a meu ver uma das mais urgentes necessidades da Província o estudo do seu território [...]"7 7 Parecer de Botelho e relatório Corrêa de Oliveira, reproduzido em Lefevre, 1966, p. 30. . Já Botelho diz que: "sabem todos a extensão da província de São Paulo e quanto ainda há coberto e, por assim dizer, desconhecido. Devem também saber, que é justamente nesta parte onde se acham conciliados a uberdade da terra com o clima temperado, primeira condição de nossa principal lavoura que é a do café [...]". Botelho prossegue, afirmando que, sobre o coberto e desconhecido, sabe-se que a qualidade da terra é boa, o clima é temperado e, assim, propício ao café. Mas, se o dito desconhecido, segundo ele, não é tão desconhecido assim, o que é, de fato, desconhecido? Ou melhor, o que é que torna a região, tão sabidamente urbe, desconhecida? "Falta de conhecimento topográfico da província", diz Botelho, "[...] não se apresenta um mapa porque não há", prossegue. Estudos minuciosos e detalhados para um e mapas para outro, objetivos diferentes que se casam numa mesma proposta.

Há aproximadamente 100 anos, em 1905 e 1906, a Comissão levou a cabo um conjunto de expedições que percorreram os principais rios do oeste paulista, dentre eles o Feio/Aguapeí e do Peixe, numa região ainda florestada, habitada por índios e posseiros, sobre a qual não havia informações nem cartográficas, nem de seus aspectos naturais compiladas segundo parâmetros científicos da época. Seus relatórios descrevem e mapeiam os rios com minúcias, descrevem a paisagem, apresentam os primeiros estudos da flora, fauna, geologia da região e dados meteorológicos, além de dados sobre os índios que aí habitavam. São dados científicos de uma paisagem que será profundamente transformada num curto espaço de tempo. Antecedidos pelos grileiros, contemporâneos aos construtores de ferrovias e aos pioneiros, os pesquisadores portavam, juntamente com os instrumentos de medição, com os cadernos de anotação, com os olhos atentos e analíticos, com as máquinas fotográficas, uma visão sobre a relação homem e natureza, que por meio e em meio dos relatórios posteriormente produzidos é divulgada ao público letrado em geral.

A idéia de progresso por meio da produção industrial e agrícola, tendo como esteio a tecnologia e a ciência, é um conceito-chave para a compreensão da relação entre homem e natureza no século XX e seus reflexos no século XXI. E a idéia de progresso é parte integrante e indissociável dos trabalhos da Comissão realizados nos rios Feio, do Peixe e também nos rios Tietê e Paraná na mesma época.

Esta idéia, explícita em vários trechos do texto dos relatórios, perpassa as fotografias e mapas, assim como influi no modus operandi da própria atividade científica e técnica. O estudo dos relatórios revela a história, recentíssima para os padrões de tempo geológico do ambiente, a partir desta interação homem e natureza, ao fornecer dados para comparar a paisagem ontem e hoje; e, da mesma forma, revela o papel da ciência nesta apropriação, explicitando a influência do ideário de forma ampla na atividade científica, desde as próprias teorias e conceitos até seus produtos.

No Brasil, o meio ambiente, a natureza, não é um valor cultural, porque há um histórico jogo de interesses objetivando mascarar e camuflar o que, para nós, é o ponto de partida desta discussão: compreender que construir novas atitudes e valores em relação ao meio ambiente implica entender que a crise ambiental não é um fato restrito ao campo da ciência ou da técnica. Isto porque a apropriação da natureza é realizada segundo o conhecimento científico que temos sobre ela, mas não se limita a este conhecimento. Entram em cena outros conjuntos de fatores – econômicos, políticos, sociais –, e valores – afetivos, estéticos, éticos, conceituais, religiosos e ideológicos –, tão ou mais decisivos a movimentar a apropriação pelo ser humano. Estudos de caso, como este, enfocando a realidade local e tratando de temas relacionados aos problemas ambientais historicamente determinados, podem ser uma alternativa para as propostas que defendem um ensino de ciências com uma concepção ampla, com conteúdos articulados e socialmente relevantes.

Hipertextos e História das Ciências: uma conexão para o ensino de ciências e matemática?

O século XVIII e, em particular, suas primeiras décadas, foi marcado por inúmeras controvérsias científicas bastante complexas, dentro das quais encontramos muitos tópicos discutidos em currículos de ciências. As idéias cartesianas e newtonianas, que se opunham umas às outras, foram objeto de fortes debates a respeito da forma da Terra ou, mais precisamente, a direção de seu achatamento. Fundamentados nas idéias de turbilhões, os cartesianos supunham que a Terra tivesse o formato de um pepino, enquanto os newtonianos, baseados nas idéias de força, gravidade e movimento, explicavam que a Terra era achatada na direção dos pólos.

Alguns tópicos presentes nos livros didáticos das últimas séries do Ensino Fundamental e os primeiros anos do Médio encontram-se historicamente situados nesse período e não se limitam ao estudo das biografias de Newton e de Descartes. Portanto, ao escolher esse tema para sua dissertação de mestrado, Mendes (2001) vislumbrou a possibilidade de produzir um hipertexto (<http://paginas.terra.com.br/educacao/formadaterra/>) e articular conteúdos, professores e alunos num trabalho que permitisse contribuir para compreensão de alguns pontos importantes no ensino de ciências. A História das Ciências, como parte integrante de um currículo de ciências, poderá permitir que sejam estabelecidas interligações entre os eventos, os personagens, os conceitos, os fatos científicos, tornando-os mais contextualizados. A possibilidade de se construir estas conexões é bem expressa por Nicolescu (1999, p. 38), quando escreve que é essencial "ser capaz de estabelecer pontes - entre os diferentes saberes, entre estes saberes e seus significados para nossa vida cotidiana; entre estes saberes e significados e nossas capacidades interiores".

Alguns autores, no início da década de 1990, dissertaram sobre a ligação entre aprendizagem e hipertexto, e aproximaram a aprendizagem de alguns princípios da psicologia cognitiva. Para Jonassen e Grabinger (1990, p. 87), por exemplo, a "aprendizagem é a reorganização das estruturas do conhecimento". Se admitirmos essa idéia de criação de uma rede de relações, podemos até visualizar um mapa que representaria estas contextualizações. Partindo da idéia de se criarem possibilidades de aprendizagem para que as pessoas tornem-se cada vez mais independentes e responsáveis, a proposta deste trabalho foi a de apresentar a ligação entre o ensino de História das Ciências em currículos de ciências num ambiente hipertextual. Podemos pensar desta forma imaginando que, a partir de um tema de História das Ciências, é possível criar-se um mapa com características hipertextuais, pois os eventos não ocorrem isoladamente e sempre estão influenciando e, ou sendo influenciados por outros acontecimentos.

A proposta é de se criar uma malha com diversos subtemas relacionados com o tema inicial e com aqueles que possam surgir com base no diálogo com os alunos, de forma a permitir que os estudantes possam visualizar o contexto dentro do qual se insere o assunto abordado, ponto de partida para a aprendizagem. Os subtemas estarão também conectados a outros temas, que podem ter ou não ligações com o início. Após a construção e visualização do mapa, o trabalho pode se iniciar permitindo que cada grupo de alunos parta de um ponto diferente. A união das pesquisas realizadas posteriormente trará ao grupo a possibilidade de estabelecer conexões e de partilhar suas pesquisas, atingindo, até mesmo, o propósito de se criarem redes colaborativas entre eles, favorecendo um processo de aprendizagem horizontal.

A proposta deste tipo de mapa é que ele não seja hierárquico, no sentido de apresentar níveis seqüenciais ou de tornar necessário o cumprimento de certas etapas, de forma que elas sejam pré-requisitos, ainda, de outras posteriores. Todos os temas estão num mesmo nível, e o início por um ponto, e não por outro, depende da escolha do aluno e da orientação do professor. O estudo destas relações históricas construídas com base em um tema inicial permite que se encontrem significados para vários outros conteúdos. Estas relações nos situam no tempo e espaço, e fazem-nos perceber que a ciência não está dissociada da realidade, diminuindo a distância entre ela e sua aprendizagem. O importante é perceber que a estrutura de um hipertexto, quando inserida no ensino de História das Ciências, transforma-se numa proposta de trabalho pedagógico que poderá favorecer - tanto a alunos como a professores - uma mudança na concepção de educação, que considera a complexidade do pensamento atual como uma peça importante para o ser humano contemporâneo. É por meio dessa proposta que Mendes (2001) apresenta uma opção de trabalho mais dinâmico, e cuja relevância encontra-se na aproximação com redes de associações, construídas quando se pesquisa e estuda algum assunto.

Uma das mais fortes contribuições que a História das Ciências, juntamente com o hipertexto, pode proporcionar é a possibilidade de reorientação do conceito de ciência, fazendo com que se compreenda que o conhecimento humano não se restringe somente ao científico. Partindo do conhecimento prévio de cada um, encorajando a pesquisa, respeitando o estilo individual de aprendizagem, o hipertexto, utilizado como plataforma para o ensino de História das Ciências, pode permitir ainda mais: que se visualizem os pacotes de informação relacionados a outros temas. A presença de um mapa hipertextual – portanto, associativo, e não hierárquico – facilitará a circulação entre diversos temas e proporcionará uma compreensão mais abrangente do assunto que se está estudando.

Considerações finais

Pensamos que as reflexões e os argumentos que aqui apresentamos justificam nossa crença de que a História das Ciências pode desempenhar um papel importante no processo educativo e na formação de cidadãos críticos. Além disto, acreditamos na introdução do ensino da História das Ciências enquanto um fio condutor capaz de explicitar relações entre disciplinas e o contexto histórico de seu surgimento. Utilizada como um elemento transversal, permite também a contextualização histórica e a articulação de diferentes saberes, tanto dentro de uma mesma disciplina (como as aulas de História e de Português), como entre disciplinas diferentes (articulação entre Química e História ou entre Física e História com base em temas como a I e a II Guerras, por exemplo). Pensamos ainda que a História das Ciências, além de propiciar a compreensão crítica do pensamento científico contemporâneo, permite demonstrar o caráter histórico e, portanto, de mobilidade dos processos e dos métodos científicos. Sua introdução, como conteúdo programático ou metodologia de ensino, auxilia na compreensão da complexa relação ciência e sociedade, que ocorre nos níveis político, econômico, cultural e institucional. Neste sentido, a História das Ciências deve revelar: a interdependência de fatores científicos e extracientíficos na própria construção do conhecimento científico; a interferência de políticas gerais ou específicas no direcionamento de linhas e / ou no estabelecimento de prioridades de pesquisa; a relação inextricável e dinâmica entre o saber técnico-científico e os diferentes contextos culturais, entre outros. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

É importante considerar que as ciências, assim como as tecnologias, são construções humanas situadas historicamente e que os objetos de estudo por elas construídos e os discursos por elas elaborados não se confundem com o mundo físico e natural, embora este seja referido nesses discursos. [...]. E, ainda, cabe compreender os princípios científicos presentes nas tecnologias, associá-las aos problemas que se propõe solucionar e resolver os problemas de forma contextualizada, aplicando aqueles princípios científicos a situações reais ou simuladas. (BRASIL, 2000, p. 20)

Por fim, a História das Ciências contribui para a conscientização sobre o funcionamento da investigação científica – assim como suas apropriações tecnológicas –, e para o questionamento da transmissão dogmática de conhecimentos.

Artigo recebido em setembro de 2007 e aprovado em março de 2008.

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  • 1
    Rua Culto à Cîência, 202, ap. 48, Campinas, SP. 13.020-060
  • 2
    Pilleti dedica o capítulo 23 de seu livro ao tema. O capítulo
    Desenvolvimento cultural é subdividido em "culturas brasileiras", "cultura universitária", "literatura", "teatro", "artes plásticas", "cinema", "cultura de massa", "cultura popular". Ferreira reserva ao tema o capítulo 8,
    A cultura da época colonial, com a seguinte subdivisão: "o ensino", "a literatura", "a arquitetura e as artes plásticas", "a música".
  • 3
    Para ficarmos em um só exemplo, citemos as pesquisas realizadas pelo mineralogista brasileiro José Vieira Couto (1752-1827). Este realizou suas pesquisas na região mineira entre os anos de 1799 e 1805. O seu trabalho ficou registrado em quatro
    Memórias de caráter mineralógico e geológico escritas por ele como resultado de suas pesquisas. Em Novais (1995) podem ser encontrados inúmeros outros exemplos de trabalhos científicos que buscavam resolver os problemas da agricultura e da mineração no Brasil, especialmente na segunda metade do século XVIII.
  • 4
    Como já foi apontado em outro momento, Dias (1968) enumera uma gama de atividades científicas no Brasil Colônia, no período ilustrado, em sua maioria desenvolvidas por brasileiros oriundos da Universidade de Coimbra. A maioria destas atividades buscava soluções para os problemas da agricultura brasileira.
  • 5
    "Memoria sobre a Capitania de Minas Geraes, seu território, clima e producções mettalicas: sobre a necessidade de se restabelecer e animar a mineração decadente no Brazil; sobre o commercio e exportação de metaes e interesses regios, com um apendice sobre os diamantes e nitro natural". Escrita em 1799, relata suas pesquisas pela região do Serro Frio. Foi publicada pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico, tomo 11, em 1848, p. 229-335. Sobre José Vieira Couto, ver Silva (2002).
  • 6
    As "Memórias" de História Natural resultavam, em sua maioria, de pesquisas de campo. Os naturalistas tinham de reconhecer imensos territórios, pois muito estava ainda por ser inventariado. Daí que os consideramos "cientistas em viagem".
  • 7
    Parecer de Botelho e relatório Corrêa de Oliveira, reproduzido em Lefevre, 1966, p. 30.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      Set 2007
    • Aceito
      Mar 2008
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