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O discurso museológico e suas tipologias em um museu de história natural

The museological discourse and its typologies in a natural history museum

Resumo:

Cresce cada vez mais o interesse de se investigar como ocorre o ensino nos museus e sua contribuição para a divulgação científica devido à sua grande popularidade e seu papel social, cultural e científico. Os museus apresentam um discurso próprio, denominado museológico, que é constituído pelos diversos elementos presentes em suas exposições, com os quais os visitantes podem interagir de alguma maneira. Ao se analisar o discurso museológico presente em uma exposição paleontológica, concluiu-se que esta é basicamente contemplativa e observou-se uma predominância do discurso autoritário nos textos expostos, tal qual como acontece no discurso pedagógico. Refletir sobre as exposições museológicas e a quem se destinam, fazendo-se adequações ao seu público, é uma maneira de favorecer um aprendizado crítico em que uso de objetos interativos e textos reflexivos seriam facilitadores desse processo de construção de significados pelo próprio visitante.

Palavras-chave:
Museu; Exposição; Divulgação científica; Educação não formal; Discurso

Abstract:

Due to museums popularity and their social, cultural, and scientific roles, there has been a growing interest in investigating how teaching occurs at museums and their contributions to the public awareness of science. Museums present an innate type of discourse named museological, consisting of various elements found on explanations, which visitors can interact with. This study analyzes the museological discourse of a paleontological exhibition, concluding that it is essentially contemplative, with a predominance of authoritarian discourse on the exhibited texts, as seen in the pedagogical discourse. Reflecting on museum exhibitions and whom they are aimed at, with adjustments being made according to the audiences, what is important is the manner in which critical learning benefits and the importance of interactive objects and reflexive texts as facilitators of the process of the construction of meanings by the visitors themselves.

Keywords:
Museum; Exhibition; Scientific popularization; Non formal education; Discourse

Introdução

A cada ano, em todo o mundo, milhares de museus são criados e muitos outros são expandidos ou aprimorados (FALK; DIERKING, 2012FALK, J. H.; DIERKING, L. D. Museum experience revisited. Walnut Creek: Left Coast Press, 2012.), incluindo os museus de ciências, reconhecidos como importantes centros de divulgação científica e promotores de aprendizagem.

De acordo com o estatuto do International Council of Museums (2007)INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS. ICOM statutes. Vienna, 2007. Disponível em: <http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/Statuts/statutes_eng.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2016.
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, adotado na 22ª Assembleia Geral em Viena, Áustria, em 2007, os museus são definidos como instituições sem fins lucrativos que servem continuadamente à sociedade e ao seu desenvolvimento, por meio da aquisição, conservação, pesquisa, comunicação e exibição ao público dos patrimônios da humanidade, tangíveis e intangíveis, objetivando a educação, o estudo e o lazer.

O ensino em museus se difere do ensino escolar, em relação à intencionalidade, organização, duração da atividade, flexibilidade nos métodos de ensino e aprendizagem, entre outros aspectos (UNESCO, 2005UNESCO. NFE-MIS handbook: developing a sub-national non-formal education management information system. Paris, 2005. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001457/145791e.pdf>. Acesso em: 28 set. 2017.
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). De acordo com Studart (2005)STUDART, D. C. Aparatos interativos e o público infantil em museus: características e abordagens. In: MASSARANI, L. (Org.). O pequeno cientista amador: a divulgação científica e o público infantil. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2005. p. 65-76., na educação não formal, ao contrário daquela que acontece na escola, os interesses particulares dos indivíduos prevalecem, com liberdade de escolha de suas preferências e liberdade de acesso ao conhecimento, sem terem seu conhecimento colocado à prova. Entretanto, segundo Lopes (1991)LOPES, M. M. A favor da desescolarização dos museus. Educação e Sociedade, Campinas, n. 40, p. 443-455, 1991., observa-se na prática um processo de escolarização dos museus, com a incorporação de métodos e finalidades do ensino escolar nesses espaços de educação não formal. Tal processo ocasiona uma distorção quanto à área de atuação dos museus, restringindo-os a um complemento escolar.

A história dos museus é antiga, iniciada com os colecionadores amadores, muitas vezes ligados às expedições marítimas realizadas em busca da descoberta de novas terras. Com a forte influência dos estudos de História Natural e dos naturalistas, as coleções amadoras receberam um cunho científico. Após se tornarem centros de investigação, a pretensão inicial destinada aos museus era de estímulo aos jovens para seguir a carreira científica e tecnológica. Já no século XX, a preocupação dos museus passou a ser a perspectiva educacional e de divulgação da Ciência. Acompanhando essa mudança de perspectiva, a forma de o visitante se relacionar com o espaço também mudou, e o que antes era apenas para ser contemplativo, passou a oferecer novas oportunidades de contato com o visitante (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009MARANDINO, M.; SELLES, S. E.; FERREIRA, M. S. Ensino de biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009.). Os museus tradicionais, de cunho mais expositivo, passaram a coexistir com os chamados science centers, que privilegiam a tecnologia, com o uso de recursos comunicacionais, e cujo foco é a percepção do visitante. Segundo Gruzman e Siqueira (2007)GRUZMAN, C.; SIQUEIRA, V. H. F. O papel educacional do museu de ciências: desafios e transformações conceituais. Revista Eletrônica de Enseñanaza de las Ciências, Vigo, v. 6, n. 2, p. 402-423, 2007., os museus tradicionais priorizam os aspectos históricos da Ciência de seus autores, enquanto os science centers quase ignoram esses aspectos, mas, por outro lado, se preocupam com a efetiva participação dos indivíduos. E, conforme destacam Cazelli, Marandino e Studart (2003)CAZELLI, S.; MARANDINO, M.; STUDART, D. Educação e comunicação em museus de ciências: aspectos históricos, pesquisa e prática. In: GOUVÊA, G.; MARANDINO, M.; LEAL, M. C. (Org.). Educação e museu: a construção social do caráter educativo dos museus de ciências. Rio de Janeiro: Acess: Faperj, 2003. p. 83-106., a busca por um modelo ideal de exposição científica deve ser substituída por uma integração de objetivos com diferentes perfis, indo da perspectiva contemplativa à manipulativa.

De acordo com a literatura, o espaço museal possibilita diferentes tipos de interatividade. Wangensberg (2005)WAGENSBERG, J. The "total" museum, a tool for social change. História, Ciências, Saúde Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 12, supl., p. 309-321, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12s0/14.pdf>. Acesso em: 28 set. 2017.
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e Marandino et al. (2008)MARANDINO, M. et al. Educação em museus: a mediação em foco. São Paulo: Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação da Ciência: Universidade de São Paulo, 2008. classificam a interação dos visitantes com os objetos em hands-on, minds-on, e hearts-on. A partir da manipulação de objetos e o toque, a interação hands-on permite a compreensão do funcionamento de processos e fenômenos. Em minds-on, há um engajamento intelectual, em que o sujeito seria capaz de relacionar a experiência museológica com seu cotidiano, podendo ter suas ideias e pensamentos modificados durante ou depois da visita. Em hearts on, há um estímulo emocional que pode promover uma identificação dos visitantes da comunidade local com o acervo, e um despertar para uma nova cultura quando o visitante é de outra localidade. Pavão e Leitão (2007)PAVÃO, A. C.; LEITÃO, A. Hands-on? Minds-on? Hearts-on? Social-on? Explainers-on! In: MASSARANI, L. (Org). Diálogos & ciência: mediação em museus e centros de ciência. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz: Fiocruz, 2007. p. 40-47. ainda incluem dois tipos de interação possíveis: (a) entre os visitantes (social-on); e (b) a interação promovida pelos monitores nesses espaços (explainers-on). Para Silva (1999)SILVA, D. F. Padrões de interação e aprendizagem em museus de ciências. 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) - Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: <http://www.btdea.ufscar.br/arquivos/td/1999_SILVA_D_UFRJ.pdf >. Acesso em: 28 set. 2017.
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, a contemplação também pode ser considerada um tipo de interação que ocorre em um plano exclusivamente simbólico.

Quanto ao museu como objeto de pesquisa, Marandino (2006)MARANDINO, M. Perspectivas da pesquisa educacional em museus. In: SANTOS, F. M. T.; GRECA, I. M. A pesquisa em ensino de ciências no Brasil e suas metodologias. Ijuí: Editora Unijuí, 2006. p. 89-116. afirma que, nos últimos anos, houve um aumento nas investigações envolvendo as exposições e/ou práticas culturais e educacionais em museus, utilizando-se de metodologias aplicadas especificamente a esses espaços. De acordo com Desvallées e Mairesse (2010)DESVALLÉES, A.; MAIRESSE, F. Conceptos claves de museología. Paris: Armand Colin: ICOM, 2010., o termo exposição pode ter basicamente dois significados: (a) o resultado da ação de expor; e (b) o conjunto do que é exposto juntamente com o local em que se expõe. Os autores ressaltam que a exposição é definida também por seus visitantes, caracterizando o espaço da exposição como um ambiente específico de interação social.

O discurso museológico

A presente pesquisa adota a perspectiva da teoria da Análise do Discurso de filiação francesa, sendo que o termo discurso, aqui utilizado, é entendido como o efeito de sentido entre locutores (PÊCHEUX, 1990PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso. Campinas: Ed. Unicamp, 1990. p. 61-161.). Sobre essa definição, Pacífico (2011)PACÍFICO, S. M. R. Argumentação e autoria nos escritos universitários: o discurso sobre alunos de universidades públicas e particulares. Revista Práticas de Linguagem, Juiz de Fora, v. 1, n. 2, jul./dez., 2011. relata que esse efeito de sentido se encontra em um contexto sócio-histórico-ideológico que afeta os interlocutores do discurso. Orlandi (2009)______. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 11. ed. Campinas: Pontes, 2009., também com base em Pêcheux, explica que a mensagem se configura como o envio de uma informação/mensagem, por parte do emissor, ao receptor, por meio de um código que se refere a um elemento da realidade, e segue um determinado esquema em série: emissor, receptor, código, referente e mensagem. Já o discurso não segue essa mesma disposição dos elementos e, como a língua difere dos demais códigos, a distinção entre receptor e emissor não é tão clara, estes não interagem de forma seriada como esquematizado na mensagem. Mais do que uma simples transmissão de informação, o discurso diz respeito às relações entre sujeitos e aos sentidos que estes dão à linguagem. Indo além da comunicação, os discursos "são processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetividade, de construção de realidade etc." (ORLANDI, 2009______. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 11. ed. Campinas: Pontes, 2009., p. 21).

Para Orlandi (1987)ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987., uma vez que se pretende analisar o discurso, é necessário o estabelecimento de uma, ou várias, tipologia(s), que funcionam como um princípio organizador e possibilitam generalizar características, agrupar propriedades e distinguir classes. A autora utiliza a tipologia referida à perspectiva das instituições, tendo como exemplo o discurso político, religioso, jornalístico, etc. O presente trabalho adotou o termo discurso museológico para referir-se ao discurso presente na instituição museu.

A autora também propõe uma classificação a partir de uma tipologia discursiva, tendo como base os elementos constitutivos de suas condições de produção e suas relações com o modo de produção de sentidos com seus efeitos, incluindo o discurso lúdico, o polêmico e o autoritário (ORLANDI, 1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987.). Nessa classificação, o discurso lúdico é aquele caracterizado pela reversibilidade total entre os interlocutores, mantendo o objeto do discurso tal como exposto e resultando em uma polissemia aberta. O discurso polêmico apresenta reversibilidade ocasional, com o objeto direcionado pelos participantes, que indicam perspectivas particulares, caracterizando uma polissemia controlada. O discurso autoritário possui reversibilidade quase nula e objeto do discurso oculto pelo dizer, sendo apresentado apenas um único agente no discurso, sem interlocutores, com polissemia contida.

Nessa perspectiva, esta pesquisa objetivou caracterizar o discurso museológico e suas tipologias em uma exposição de um museu de História Natural, por meio da análise do espaço físico e seus constituintes.

Metodologia

O trabalho foi realizado no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão (CPHNAMA), criado em 2002, pelo Governo do Estado do Maranhão. O CPHNAMA conta com três espaços com exposições temáticas nas áreas de Paleontologia, Arqueologia e Etnologia. O local recebe um público diversificado, composto por estudantes da Educação Básica e Superior, da rede pública e privada da região, além de visitantes oriundos do interior do estado, turistas nacionais, estrangeiros e pesquisadores. A equipe realiza atividades educativas junto à população, com produção e distribuição de material didático, auxílio na realização de feiras culturais e montagem de mostras itinerantes. Essas ações buscam proporcionar uma sensibilização quanto à responsabilidade social na tarefa de preservar os bens culturais do Maranhão (LEITE FILHO, 2013LEITE FILHO, D. C. Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão: conhecendo, valorizando e preservando o patrimônio cultural maranhense. São Luís: Secretaria de Estado da Cultura, 2013.). Esta pesquisa analisou a exposição permanente de Paleontologia, que é composta por fósseis, réplicas de animais e plantas, painéis e dioramas, que representam o paleoambiente no Maranhão durante o período do Cretáceo.

A caracterização do discurso museológico foi feita por meio de levantamento do perfil do visitante, análise do espaço e dos textos, além de entrevistas com funcionários do setor de Paleontologia. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, a fim de manter a identidade dos entrevistados preservada, os elaboradores da exposição foram identificados neste artigo como E1 e E2 e os monitores como M1 e M2.

Quanto ao perfil do público e à caracterização das visitas, realizou-se análise documental dos relatórios destinados à Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, entre os anos de 2010 e 2015, e foi possível identificar o perfil geral do visitante ao CPHNAMA, não apenas dos visitantes à exposição estudada neste trabalho.

A organização do espaço foi primeiramente caracterizada por meio de um levantamento do acervo presente na exposição. Foram contabilizados os objetos museológicos: fósseis, réplicas, dioramas, painéis, quadros, etiquetas e placas. Em seguida, foi feita uma categorização quanto à função do museu de acordo com as ações propostas, que podem ser de cunho: (a) científico (coleta sistemática, identificação, conservação, categorização, etc.); (b) educativo (aprimoramento intelectual, cultural, ideológico e promover ao público a reflexão de sua realidade); e c) social (herança/patrimônio e cumprimento da cidadania) (BRUNO, 1996BRUNO, C. Museologia: algumas ideias para a sua organização disciplinar. Cadernos de Sociomuseologia, Lisboa, v. 9, n. 9, p. 9-33, 1996. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/291>. Acesso em: 28 set. 2017.
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; MARANDINO, 2001______. MARANDINO, M. O conhecimento biológico nas exposições de museus de ciências: análise do processo de construção do discurso expositivo. 2001. 443 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001a.a).

Também foram classificados os objetos de acordo com o tipo de acesso ao acervo que a exposição permite ao visitante, sendo estes de contemplação ou manipulação. Segundo Nascimento (1998)NASCIMENTO, R. O objecto museal, sua historicidade: implicações na acção documental e na dimensão pedagógica do museu. Cadernos de Sociomuseologia, Lisboa, v. 11, n. 11, p. 1-121, 1998. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/issue/view/28>. Acesso em: 3 out. 2017.
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, os objetos de contemplação enfatizam a observação e requerem padrões de comportamento para a apreciação do acervo. Quanto aos objetos de manipulação, Marandino (2001a)______. MARANDINO, M. O conhecimento biológico nas exposições de museus de ciências: análise do processo de construção do discurso expositivo. 2001. 443 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001a. afirma que estes são caracterizados pela possibilidade de contato físico, que vai desde apertar botões à execução e acompanhamento de experimentos.

Em relação aos textos expostos, buscou-se inicialmente contabilizá-los e classificá-los de acordo com o gênero textual. Marcushi define o gênero textual como "os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sóciocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica" (MARCUSHI, 2003MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais & ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. p. 19-36., p. 23). Posteriormente, foi realizada uma análise quanto à formatação e linguagem utilizadas.

Os textos também foram analisados de acordo com a identificação das tipologias de discursos, por meio do referencial proposto por Orlandi (1987)ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987., segundo dois critérios principais: (1) o modo como os interlocutores se consideram e a possibilidade de reversibilidade; e (2) a relação dos interlocutores com o objeto do discurso. A partir do segundo critério, a polissemia é apresentada, com a multiplicidade de sentidos que podem ser atribuídos ao discurso, contrária à paráfrase, em que um único sentido permanece.

A polissemia e a paráfrase são processos que apresentam uma tensão. De um lado, a paráfrase retorna a um mesmo dizer sedimentado, de outro, a polissemia configura uma busca pelo rompimento do dizer. Nessa perspectiva, o discurso lúdico é polissêmico, pois apresenta uma multiplicidade de sentidos; já o autoritário é caracterizado pela paráfrase, com a permanência de um sentido único em diferentes formas; e o discurso polêmico traz consigo a alternância constante entre a polissemia e a paráfrase (ORLANDI, 1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987.).

Resultados e discussões

Perfil do visitante e caracterização das visitas

Por meio da análise documental dos relatórios elaborados pelo CPHNAMA destinados a Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão traçou-se um perfil geral do visitante ao Centro. Tal análise é relevante uma vez que, conforme dito anteriormente, para a caracterização de um discurso se faz necessário conhecer o interlocutor ao qual se destina.

Entre 2010 e 2015, o CPHNAMA recebeu uma média de 16.366 visitantes ao ano, com maior visitação nos meses de julho a setembro e menor no mês de dezembro. O público que visita o Centro é composto majoritariamente por estudantes (da Educação Básica e Ensino Superior), seguido de professores, profissionais liberais, funcionários públicos e aposentados. O público identificado é bem variado, formado por pessoas de diferentes faixas etárias, gêneros e ocupações.

De acordo com os funcionários entrevistados, as visitas não seguem um padrão e variam de acordo com os visitantes. Para eles, o público principal é composto pelas escolas de Educação Básica, que agendam as visitas monitoradas, cuja a duração é de cerca de trinta minutos. Nesses casos, de acordo com M1, os monitores consultam os professores para saber qual o objetivo da visita, sendo que, segundo ele, a maioria visa a contribuição dos conteúdos que estão sendo trabalhados em sala de aula. Tanto M1 quanto M2 relatam que o público em geral fica mais livre durante a visitação, realizando visitas rápidas, com registros fotográficos. Nesses casos, os monitores sempre ficam à disposição para sanar dúvidas ou mesmo fazer todo o percurso, desde que solicitado pelo visitante.

Caracterização do espaço físico

O setor de Paleontologia é composto basicamente por três áreas: a exposição permanente (Figura 1), que recebe o público visitante; o laboratório, onde a equipe realiza seus estudos e em que os fósseis coletados passam por limpeza, manutenção, triagem e preparação; e a Reserva Técnica, em que todo material referente às pesquisas é tombado e depositado.

Figura 1
Exposição Paleontológica do CPHNAMA. Visão geral da exposição, onde é possível observar seus elementos e sua organização. A maioria encontra-se isolada por cordões ou redomas de vidro.

O acervo presente no setor de Paleontologia é composto por cento e quarenta e sete fósseis e dezoito réplicas de animais e plantas, além de sete painéis, uma maquete que representa um projeto de construção de um parque paleontológico, uma televisão que exibe materiais sobre o assunto tratado na exposição e três dioramas, em que cada um deles traz exemplos de réplicas de diferentes espécies de animais e plantas, reconstituindo o ambiente original em que habitavam durante o Cretáceo. Marandino e Martins (2005)MARANDINO, M.; MARTINS, L. C. Um dia no museu: a ação educativa vista através de uma visita. In: MASSARANI, L. (Org.). O pequeno cientista amador: a divulgação científica e o público infantil. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2005. p. 77-84. explicam que a característica primordial dos dioramas é reproduzir o contexto original do objeto ou de sua utilização ao compor cenários utilizando os objetos patrimoniais do museu.

Quanto à função do museu, foi possível identificar os três tipos propostos por Bruno (1996)BRUNO, C. Museologia: algumas ideias para a sua organização disciplinar. Cadernos de Sociomuseologia, Lisboa, v. 9, n. 9, p. 9-33, 1996. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/291>. Acesso em: 28 set. 2017.
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e Marandino (2001a)______. MARANDINO, M. O conhecimento biológico nas exposições de museus de ciências: análise do processo de construção do discurso expositivo. 2001. 443 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001a.: ações educativas, ações sociais e de caráter científico. Os objetos educativos e de ações sociais se encontram na exposição, enquanto os de caráter científico permanecem na Reserva Técnica, inacessíveis ao público em geral. Para Bruno (1996)BRUNO, C. Museologia: algumas ideias para a sua organização disciplinar. Cadernos de Sociomuseologia, Lisboa, v. 9, n. 9, p. 9-33, 1996. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/291>. Acesso em: 28 set. 2017.
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, a função dos objetos presentes nos museus está diretamente relacionada à função básica do museu, que é a de preservação e, a partir disso, surgem as outras atribuições relacionadas a dois grandes blocos inerentes à musealização: salvaguarda e comunicação dos indicadores de memória. Dentre as atividades salvaguarda, o autor cita a coleta/estudo, documentação, conservação e armazenamento. As atividades de comunicação incluem a exposição, projetos educativos, ação sócio-educativo-cultural e avaliação. Estes dois grandes blocos formam as coleções, que têm um papel social por meio da produção científica, como também pelas suas formas de intervenção educacional e comunicacional.

No que se refere aos tipos de objetos que compõem a exposição, estes são majoritariamente contemplativos e estão isolados dos visitantes por redomas de vidros e cordões, impossibilitando uma maior aproximação. No entanto, há duas peças (Figura 2), um fóssil de fragmento de osso de dinossauro e um fóssil de tronco de árvore, juntamente com uma placa contendo a indicação "pode tocar nas peças". Tais peças foram classificadas como manipulativas uma vez que a exposição permite aos visitantes terem contato físico com as peças.

Figura 2
Peças manipulativas do CPHNAMA. À esquerda, fóssil de tronco de árvore; à direita, fóssil de osso de dinossauro; ao meio, placa de orientação.

O toque por si só não garante envolvimento cognitivo por parte do visitante. Portanto, ao se planejar a organização de uma exposição, deve-se avaliar a interpretação que o visitante pode dar aos objetos no contexto da exposição, não apenas a quantidade de peças manipulativas ou contemplativa.

Os resultados encontrados convergem com Marandino (2001a)______. MARANDINO, M. O conhecimento biológico nas exposições de museus de ciências: análise do processo de construção do discurso expositivo. 2001. 443 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001a. que, ao pesquisar as potencialidades dos objetos em diferentes espaços não formais de ensino, identificou ser comum a existência de objetos contemplativos quando se trata da Biologia em museus de ciências, especialmente em temáticas sobre História Natural, como neste trabalho. A autora destaca que assuntos referentes a Biologia são mais escassos em science centers e levanta a hipótese de que, por destacarem aspectos contemplativos na interação com o visitante, os objetos biológicos não teriam sido historicamente utilizados em museus de linguagem mais interativa. Entretanto, já se observa uma mudança em relação a esse uso de objetos biológicos na atualidade.

Uma dificuldade apontada pelo entrevistado E1 é fato de o sobrado colonial, que abriga o CPHNAMA, ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o que limita as possibilidades de expansão ou mesmo o uso de objetos tecnológicos que exijam alterações no espaço físico.

Vale ressaltar que os objetos possuem uma íntima relação com os textos que compõem uma exposição e estes, em conjunto, constituem o discurso museológico e influenciam os modos de apropriação pelo público visitante.

Caracterização dos textos

De maneira geral, a exposição paleontológica do CPHNAMA apresenta textos que se diferenciam em sua estrutura, conteúdo e forma. Em relação aos gêneros textuais, foram identificados os seguintes tipos: placas de orientação; etiquetas de identificação; placas informativas e quadros.

Registrou-se a ocorrência de uma única placa de orientação, indicando permissão aos visitantes para tocar em algumas peças. As etiquetas de identificação se referem a fósseis exibidos ou a réplicas. São textos sucintos, que definem a peça e, no caso dos fósseis, contêm a informação do local de coleta, totalizando quarenta e uma etiquetas.

Os quadros e placas informativas normalmente se relacionam às réplicas, fósseis, dioramas ou painéis, com um título, identificando o assunto abordado, seguido de informações relacionadas a História da Ciência e às características biológicas, comportamentais, geográficas e evolutivas referentes aos objetos. Esses dois gêneros textuais totalizam dezesseis textos.

No que diz respeito às características físicas dos textos, as letras apresentam fontes de diferentes tamanhos e tipos, serifadas e não serifadas. De modo geral, as letras dos textos são pequenas e, quando associadas à baixa luminosidade local e ao distanciamento do leitor devido ao cordão de isolamento, dificultam a leitura. Com exceção das etiquetas e algumas placas informativas, os demais textos são longos, o que poderia tornar a leitura cansativa. Os monitores fizeram ressalvas em relação aos textos, apontando que alguns idosos reclamaram do tamanho reduzido das letras e disposição inadequada quanto à altura dos textos.

Quanto à linguagem utilizada, observa-se o uso predominante de terminologias científicas, como no texto referente à formação Alcântara (Texto 1).

A formação Alcântara, uma importante unidade estratigráfica do início do Cenomaniano do Período Cretáceo no Brasil, foi depositada sob condições transicionais (estuarinas), e no registro fóssil inclui os pterossauros. Répteis voadores que viviam às margens arenosas dos cursos d'água do grande estuário parecem ter servido de berçários para os pterossauros que viviam ao norte maranhense. Os milhares de dentes encontrados mostram que eles se agrupavam em bandos, provavelmente para se alimentar e reproduzir. O tamanho dos dentes indica que estes répteis voadores tinham vários metros de envergadura de asa. [Texto 1, grifos nossos].

Foi identificado também o uso de analogias e linguagem coloquial, presentes nas expressões "dentes serrilhados como faca de pão" e "possantes mandíbulas", respectivamente, ambas contidas no texto "Carcharodontosaurus" (Texto 2), apresentado no trecho a seguir.

Com possantes mandíbulas podia abater um animal duas vezes maior que ele mesmo. Sua forma grácil permitia grande agilidade e uma vez encurraladas, suas vítimas dificilmente escapariam dos seus enormes dentes serrilhados como facas de pão. Aterrorizou as manadas de grandes saurópodes do Cretáceo por incontáveis gerações. [Texto 2, grifos nossos].

O entrevistado M2 acrescenta que, devido à linguagem científica, os textos são inacessíveis ao público infantil e ao público leigo. De acordo com os monitores, a maioria do público visitante não faz uso dos textos durante o percurso.

Devido ao predomínio de terminologias científicas, destacamos que os textos podem dificultar o entendimento do público visitante. Uma vez que o público é amplo e heterogêneo, seria necessária uma variedade de textos que contemplasse essa diversidade, tanto em relação à estrutura quanto à linguagem utilizadas, já que se espera que o interlocutor seja considerado na construção.

Marandino (2002)MARANDINO, M. A biologia nos museus de ciências: a questão dos textos em bioexposições. Ciência & Educação, Bauru, v. 8, n. 2, p. 187-202, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132002000200004>. Acesso em: 28 set. 2017.
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define o texto específico do museu como um texto expositivo, que deve considerar, em sua estrutura, formato, edição e linguagem, as características do espaço e a maneira com que o público age no local. Na elaboração textual, deve-se atentar para "o tamanho de letra, distância entre letras e palavras, entre linhas, com a qualidade visual, cor, iluminação, preservação, pensando assim naquele leitor que visita o espaço e que em geral realiza uma forma específica de interação" (MARANDINO, 2002MARANDINO, M. A biologia nos museus de ciências: a questão dos textos em bioexposições. Ciência & Educação, Bauru, v. 8, n. 2, p. 187-202, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132002000200004>. Acesso em: 28 set. 2017.
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, p. 199). Em seu trabalho, a autora observou a escassez de elementos didatizantes, decorrente da tentativa de atender desde o público escolar ao especialista. Textos longos muitas vezes são evitados, em razão da falta de costume do visitante e do fato de o visitante estar em pé durante toda visita. No caso de um público amplo, em que os objetivos são educacionais e de divulgação, torna-se necessário substituir a linguagem científica e usar recursos linguísticos, de forma que o texto se torne acessível ao visitante.

Quanto à análise do processo discursivo, catorze dos dezesseis textos expostos são exclusivamente de discursos autoritários, uma vez que não há polissemia. Sem espaço para o leitor construir seu próprio significado, as informações são apenas reproduzidas e o sentido se mantém único, configurando-se como paráfrase. Nesses textos, não é possível a reversibilidade, pois o ouvinte não é considerado. O locutor domina o objeto do discurso, como agente exclusivo. No caso específico das etiquetas, evidencia-se a linguagem nominal. Esse tipo de linguagem, segundo Orlandi (1987)ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987., é característica do discurso autoritário.

Como exemplo, no Texto 1, além de se notar a ausência de polissemia e reversibilidade, percebe-se um texto caracterizado por definições e descrições, com a identificação singular do locutor. Os saberes estão prontos, não há espaço para o leitor construir seu próprio pensamento, cabendo apenas a reprodução de ideias. Os demais textos analisados apresentam essas mesmas características.

Em dois textos, "Juntando as peças" (Figura 3) e "Uma janela do tempo", foi possível identificar o discurso polêmico, pois há alternância entre polissemia e paráfrase. O autor faz uso da polissemia ao convidar o leitor a imaginar, no início do texto, dando espaço para que ele possa usar sua criatividade, porém, logo em seguida, restringe a possibilidade de sentidos atribuídos fazendo uso somente da paráfrase.

Figura 3
Fragmento do texto "Juntando as peças", Exposição Paleontológica CPHNAMA. Texto que apresenta discurso do tipo polêmico, no qual há alternância entre polissemia e paráfrase.

O discurso não é apenas a transmissão de informação, mas um efeito de sentidos oriundo da interação. Diante das análises apresentadas, pode-se inferir que o discurso do museu estudado é similar ao discurso pedagógico descrito por Orlandi (1987)ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987., uma vez que ambos são dominados pelo discurso autoritário. A autora caracteriza o discurso pedagógico (DP) na atualidade como um discurso autoritário e define-o como:

[...] um discurso circular, isto é, um dizer institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantindo a instituição em que se origina e para a qual tende: a escola. O fato de estar vinculado à escola, uma instituição, portanto, faz do DP aquilo que ele é, e o mostra (revela) em sua função (ORLANDI, 1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987., p. 28).

O discurso institucional seria reflexo das relações institucionais das quais participa. Nesse contexto, relações autoritárias formariam discursos autoritários. O discurso pedagógico é descrito como um discurso que difunde uma informação, não apresenta problema de enunciação e, consequentemente, não cria uma tensão, pois é centrado na paráfrase. O discurso pedagógico é também marcado pela nominalização, prevalência do uso de definições, configurando-se como puramente informacional. Uma forma de tomar uma posição crítica quanto ao discurso pedagógico é torná-lo polêmico (ORLANDI, 1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987.). Nesta pesquisa, o discurso museológico analisado apresentou semelhanças com o discurso pedagógico definido pela autora, pois está permeado por nominalizações, tem predomínio da metalinguagem da Ciência e função informacional.

Ao conceber o museu como um espaço de aquisição de conhecimento, o uso do discurso polêmico potencializa um aprendizado crítico, pois possibilita ao ouvinte construir seus próprios sentidos, assumir também a posição de locutor e ter um maior domínio sobre a sua aprendizagem, o que pode ser alcançado com o uso de textos reflexivos (ALMEIDA, 1997ALMEIDA, A. M. Sociedades de multimídias: dimensões comunicacionais de cultura museológica. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 7, p. 99-107, 1997. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revmae/article/viewFile/109299/107797>. Acesso em: 28 set. 2017.
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). Nesse sentido, o discurso polêmico habilitaria o ouvinte a discordar e a não aceitar permanecer apenas nessa posição. Para essa mudança de perspectiva, é necessário questionar aquilo que está implícito, quebrar a ideia de informações prontas, predeterminadas e atingir seus efeitos de sentido quanto às informações inseridas nos textos por meio de uma forma não autoritária do discurso pedagógico (ORLANDI, 1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. rev. e aum. Campinas: Pontes, 1987.).

Almeida (2012)ALMEIDA. M. J. P. M. Discurso pedagógico e formação de professores das ciências da natureza: foco do professor de física. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 5, n. 2, p. 29-41, 2012. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/alexandria/article/view/37712/28886>. Acesso em: 28 set. 2017.
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, ao analisar o discurso pedagógico presente em manuais didáticos, também constatou o predomínio da metalinguagem científica e a priorização do uso de definições, sendo que tais características podem contribuir para a formulação do discurso autoritário. A autora destaca ainda que, por mais que o ensino de Ciências exija o uso da metalinguagem científica, isso deveria ser feito de maneira gradativa, incluindo também o uso da linguagem comum no ensino de Ciências, que facilita a reversibilidade entre os interlocutores, professor e alunos.

Conhecer o código utilizado nos museus e decifrá-lo não é o suficiente para que ocorra o processo de aprendizagem, é necessário relacionar as mensagens decifradas com outras informações, acarretando a criação de novas relações com o mundo. Pacífico e Romão (2012)PACÍFICO, S. M. R.; ROMÃO, L. Letramento, autoria e interpretação: a propósito de uma competição. Linguasagem, São Paulo, n. 16, p. 1-15,2011. Disponível em: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao16/art_002.pdf>. Acesso em: 28 set. 2017.
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constataram que grande parte das atividades que ocorrem no espaço escolar são baseadas na paráfrase, havendo um predomínio do discurso autoritário, o que inabilitaria ao aluno ocupar a posição de autor. Tal resultado se assemelha com o obtido no presente trabalho, já que o discurso predominante no museu analisado foi do tipo autoritário, o que aproximaria esse espaço museal do ambiente escolar. Lopes (1991)LOPES, M. M. A favor da desescolarização dos museus. Educação e Sociedade, Campinas, n. 40, p. 443-455, 1991., problematiza a escolarização museológica e destaca que os museus tradicionais apresentam exposições basicamente passivas, centradas em conhecimentos prontos e acabados. Diante dessa perspectiva e, de acordo com o referencial adotado nessa pesquisa, acredita-se que a ênfase do discurso autoritário contribuiria para o processo de escolarização dos museus. O uso escolarizado dos museus deve ser evitado (MARANDINO, 2001b______. MARANDINO, M. Interfaces na relação museu-escola. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 85-100, abr. 2001b. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6692/6159>. Acesso em: 28 set. 2017.
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), com o estímulo à apropriação e circulação de discursos polêmicos e lúdicos nesses espaços.

Considerações finais

O discurso, compreendido em essência pelo contexto em que está inserido, estabelece efeitos de sentido entre os sujeitos. No presente trabalho, foi possível identificar que a maioria dos textos expositivos carrega características típicas do discurso autoritário, presentes também no discurso pedagógico dos espaços formais de ensino. Essa identificação pode evidenciar a ocorrência do processo de escolarização no referido museu. Os discursos presentes nas instituições tendem a reproduzir as relações vigentes na sociedade, sendo o uso do discurso autoritário marcado principalmente pelo predomínio da paráfrase. Em contrapartida, o uso do discurso polêmico estimularia o sujeito a ter uma leitura crítica dos textos, já que a alternância entre paráfrase e polissemia o possibilitaria discordar e não aceitar permanecer em uma posição passiva. A utilização de textos reflexivos e de objetos manipulativos facilitaria o processo de construção de significados pelo próprio visitante, uma vez que valorizam a multiplicidade de sentidos.

Exposições referentes a museus de História Natural normalmente têm um caráter mais tradicional, em que os objetos biológicos que as compõem são majoritariamente contemplativos. Porém, objetos manipulativos e interativos são cada vez mais comuns em todos os tipos de museus. Os objetos podem exercer diferentes papéis, seja de apenas oferecerem a oportunidade de aproximação física do visitante com a exposição, ou de permitirem, a partir dessa interação, também um envolvimento intelectual.

Em relação à elaboração de uma exposição como um todo, é necessário, portanto, se promover uma reflexão sobre os objetivos e o perfil do público a que se destina. A forma e o conteúdo dos textos interferem na interação do visitante com a exposição. Considerando-se a heterogeneidade do público, é interessante que haja diferentes tipos de textos, quanto à estrutura e linguagem, e de objetos, quanto à funcionalidade, para que assim sejam garantidos espaços para a construção de múltiplos significados pelo visitante.

Além de se analisar os textos e objetos que compõem uma exposição, seria importante também compreender o uso que se faz dos elementos museológicos. Portando, posteriores trabalhos que investiguem a utilização desses elementos por monitores, professores e visitantes contribuiriam para uma análise mais ampla da apropriação e circulação dos discursos presentes nesse espaço, bem como uma compreensão mais aprofundada das funções sociais e comunicativas dos museus.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão (CPHNAMA) pela colaboração para a realização dessa pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2016
  • Aceito
    13 Fev 2017
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