Acessibilidade / Reportar erro

A legitimidade da política de segurança democrática e a doutrina de segurança nacional na Colômbia

The legitimacy of democratic security policy and the doctrine of national security in Colombia

Resumos

Este artigo propõe estabelecer uma relação entre a Política de Segurança Democrática e a Doutrina de Segurança Nacional na Colômbia, para, a partir do discernimento dos traços de continuidade entre esses dois discursos, entender as implicações da Política de Segurança Democrática para a configuração do atual cenário político do país. Buscamos identificar essa continuidade por meio de uma análise de três processos: a formação das Forças Armadas colombianas, o papel dos Estados Unidos na política de segurança do país e a formação de grupos civis armados paramilitares. Articulando esses três elementos, argumentamos que o 11 de Setembro provê importante capital político para o empreendimento da Política de Segurança Democrática. Contudo, o seu conteúdo e suas implicações só ficam claros ao restabelecermos sua conexão com a Doutrina de Segurança Nacional.

Conflito Colombiano; Política de Segurança Democrática; Doutrina de Segurança Nacional; Guerra ao Terror


This article proposes to establish a relation between the democratic security policy and the doctrine of national security in Colombia, with the intent of stressing the features of continuity between these two discourses and, based on that, understand the implications of democratic security policy for the present configuration of the national political scene. We will try to identify this continuity through an analysis of three processes: the formation of the Colombian armed forces, the role of the United States in Colombia's security policy and the formation of civil armed groups of paramilitary orientation. Articulating these three elements we argue that although the events of September 11 may have provided important political capital for the undertaking of the democratic security policy, its content and implication can only be made clear when we re-establish its connection with the doctrine of national security.

Colombian Conflict; Democratic Security Policy; Doctrine of National Security; War on Terror


ARTIGOS

A legitimidade da política de segurança democrática e a doutrina de segurança nacional na Colômbia* * O autor agradece à Paula Vedoveli pelos comentários e sugestões ao artigo. Os equívocos e omissões que por ventura permaneçam são de inteira responsabilidade do autor.

The legitimacy of democratic security policy and the doctrine of national security in Colombia

Diogo Monteiro Dario

Doutorando em Relações Internacionais na School of International Relations da University of St Andrews, financiado pela Fundação CAPES. E-mails: dmdario@yahoo.com.br e dmd24@st-andrews.ac.uk

RESUMO

Este artigo propõe estabelecer uma relação entre a Política de Segurança Democrática e a Doutrina de Segurança Nacional na Colômbia, para, a partir do discernimento dos traços de continuidade entre esses dois discursos, entender as implicações da Política de Segurança Democrática para a configuração do atual cenário político do país. Buscamos identificar essa continuidade por meio de uma análise de três processos: a formação das Forças Armadas colombianas, o papel dos Estados Unidos na política de segurança do país e a formação de grupos civis armados paramilitares. Articulando esses três elementos, argumentamos que o 11 de Setembro provê importante capital político para o empreendimento da Política de Segurança Democrática. Contudo, o seu conteúdo e suas implicações só ficam claros ao restabelecermos sua conexão com a Doutrina de Segurança Nacional.

Palavras-chave: Conflito Colombiano - Política de Segurança Democrática - Doutrina de Segurança Nacional - Guerra ao Terror

ABSTRACT

This article proposes to establish a relation between the democratic security policy and the doctrine of national security in Colombia, with the intent of stressing the features of continuity between these two discourses and, based on that, understand the implications of democratic security policy for the present configuration of the national political scene. We will try to identify this continuity through an analysis of three processes: the formation of the Colombian armed forces, the role of the United States in Colombia's security policy and the formation of civil armed groups of paramilitary orientation. Articulating these three elements we argue that although the events of September 11 may have provided important political capital for the undertaking of the democratic security policy, its content and implication can only be made clear when we re-establish its connection with the doctrine of national security.

Keywords: Colombian Conflict - Democratic Security Policy - Doctrine of National Security - War on Terror

Introdução

Este artigo propõe estabelecer uma relação entre a Política de Segurança Democrática (PSD) - programa de defesa inaugurado durante o governo do presidente Álvaro Uribe (2002-2010) - e a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), que marcou a América Latina durante a Guerra Fria; e a partir disso discutir essa política no espectro político contemporâneo mais amplo. Nossa intenção, com isso, não é entender a PSD como uma reedição da DSN, mas discernir os traços de continuidade que podemos identificar entre uma e outra, e como eles nos ajudam a entender o conteúdo e as implicações da PSD.

Uma das características centrais da PSD é afirmar, em contraste com as leituras dos governos anteriores, que o que caracteriza o espaço colombiano é a existência de uma ameaça militar, não um conflito armado; e que tal ameaça militar se caracteriza fundamentalmente pelo uso do terrorismo como técnica de combate (PRESIDENCIA DE LA REPÚBLICA, 2003). Diante do diagnóstico dessa ameaça como a prioridade maior da segurança nacional do país, o governo Uribe produz seu programa alinhado com a proposta norte-americana de uma guerra global contra o terrorismo (WHITE HOUSE, 2002). Essa posição de alinhamento sugere que a nova postura ofensiva do governo Uribe extrai sua legitimidade dessa adesão à nova postura dos norteamericanos. Em contraponto a essa leitura, propomos repensar essa legitimidade de forma mais nuançada, contextualizando a política de segurança do país por meio da exposição, em perspectiva histórica, de três eixos centrais: a formação e consolidação das Forças Armadas colombianas; o papel da relação do país com os Estados Unidos em questões de segurança; e a manifestação de grupos civis armados paramilitares.

Partindo do argumento de Didier Bigo (2002; 2006) de que o que caracteriza as estratégias dos profissionais de segurança no atual cenário de segurança internacional é a "des-diferenciação" entre a segurança interna e externa (e a convergência de técnicas e competências até então claramente distinguíveis como as dos profissionais de segurança pública, controle de fronteira e serviços de inteligência), procuraremos salientar as especificidades do caso colombiano e suas implicações. Desse modo, defenderemos neste artigo o seguinte argumento.

Primeiramente, uma circunstância central para o entendimento da configuração do conflito colombiano é o fato de que, diferentemente do cenário europeu, o processo de profissionalização do Exército não se deu no contexto das lutas de independência nacional ou da demarcação dos limites territoriais do país. Em vez disso, sua formação e consolidação estiveram associadas à necessidade de repressão dos conflitos sociais que emergiram a partir da década de 1930 (CRUZ, 2009; ROUQUIE; SUFFERN, 1994). Isso fez com que a diferenciação entre a segurança interna e externa, que teve papel central na construção das práticas desses profissionais no cenário europeu, nunca houvesse sido determinante na socialização dos militares colombianos.

Posteriormente, o outro fator determinante para a formação da prática dos profissionais de segurança colombianos é a implementação da chamada Doutrina de Segurança Nacional (SÁNCHEZ, 2001; AVILÉS, 2006; HERNÁNDEZ, 2009). A DSN condiciona a prática desses profissionais em três direções: aprofunda à ênfase no conflito interno e no combate à insurgência; prescreve a participação ativa da população civil, que passa a ser treinada para atuar em combate e para exercer funções de vigilância, obtendo informações para a inteligência; e, por fim, consolida o papel dos Estados Unidos na condução da estratégia e no apoio material à política de segurança colombiana (HERNÁNDEZ, 2009, p. 223-225). A conjuntura na qual essa doutrina foi implementada consolida o reforço mútuo entre a autoridade e a autonomia que os setores militares adquirem para determinar as estratégias de repressão da insurgência, por um lado; e a posição do governo de disponibilizar recursos e mecanismos para a realização dessas estratégias. A convergência desses dois elementos se mantém eficaz até a década de 1980, quando uma plataforma de políticas reformistas alcança espaço na agenda do governo.

Essa trajetória conduz a duas implicações fundamentais para o entendimento contemporâneo do conflito: a) consolida, na prática e no discurso das Forças Armadas, tendência à criminalização dos movimentos políticos e sociais, estigmatizado-os como o "inimigo interno", e como grupos que atuam contra a realização do interesse nacional e em prol da causa de grupos "subversivos"; e b) embora a partir da década de 1980 (com as reformas iniciadas pelo governo de Belisário Betancur (1982-1986)) mecanismos de restrição das prerrogativas dos militares comecem a tomar lugar na política colombiana, esses traços que caracterizam a PSN permanecem parcialmente presentes, embora não hegemônicos. A partir do lançamento da PSD, o capital político adquirido com o discurso antiterrorista lançado pelos Estados Unidos depois do 11 de Setembro é mobilizado no sentido de suspender essas restrições, e esses traços se reintensificam. Contudo, as implicações da PSD extrapolam o campo militar, e podemos identificar a reconstrução do consenso entre o Executivo e os setores militares, tendo impacto social mais disseminado.

De forma a apresentar esse argumento, este artigo está estruturado em três partes: em um primeiro momento, discutimos a formação e consolidação do Exército colombiano e de seu papel social. Em seguida, abordamos o papel da política norte-americana para a região, ressaltando a importância não apenas da posição dos governos, mas também do estabelecimento da cooperação entre forças militares, e as implicações dessas políticas para o estabelecimento de grupos armados civis na Colômbia. Na terceira seção, analisamos o fenômeno do paramilitarismo no país, das diferentes formas que tomou até o momento atual. Em nossas considerações finais, articulamos esses três elementos para argumentar que, por meio deles, é possível evidenciar a continuidade entre a PSD e a DSN, assim como a transformação que esse discurso implica para a sociedade colombiana relativamente ao pós-Guerra Fria.

Formação e Consolidação das Forças Armadas Colombianas

A preocupação na Colômbia com a formação e consolidação de um Exército profissional remonta ao fim da Guerra dos Mil Dias (1899-1902). O país havia assistido com impotência à independência do Panamá ser conduzida pelos Estados Unidos (AVILÉS, 2006, p. 26). Apesar da resistência de forças políticas (principalmente os conservadores, que viam nos quadros do Exército espaço privilegiado para o exercício de sua influência), um debate instalou-se na sociedade colombiana a respeito do papel do Exército nacional no início do século XX, e o então presidente Rafael Reyes (1906-1910) tomou medidas que tinham por objetivo a modernização das Forças Armadas. Entre elas, reduziu significativamente o contingente, reorganizou a distribuição das tropas e dedicou parte delas às obras públicas com o objetivo de justificar seu orçamento e aproximá-las da população. Contudo, o passo central no sentido da profissionalização da instituição seria buscado com a construção de uma escola de cadetes com professores contratados por meio da criação de uma missão chilena (CRUZ, 2009).

Como nos mostra Cruz (2009), as três missões chilenas e a missão suíça contratadas para treinar o Exército colombiano entre 1906 e 1930 de uma forma geral fracassaram. O trabalho das missões acabava sendo obstruído pelas práticas sociais e partidárias. O autor, em sua conclusão, é contundente no diagnóstico da sobredeterminação das práticas envolvendo a competição político-partidária em detrimento da autonomia da prática militar:

O fracasso da profissionalização do Exército nessa etapa deve ser buscado no próprio discurso da sociedade. No início do século XX, na esfera do político não havia se consolidado o imaginário democrático. Ao contrário, as contínuas guerras civis do século XIX, assim como a ação dos partidos e das elites regionais, parecem reproduzir a imagem de uma nação desarticulada em que a competência para a apropriação e exercício do poder passa pelo assalto às débeis instituições estatais. A explicação acerca das ambiguidades da hegemonia conservadora com respeito ao processo de profissionalização dos militares pode encontrar aí seu fundamento: o Exército nacional é um elemento a mais a se colocar na balança das correlações de força (CRUZ, 2009, p. 192-193).

1 1 . Esta e as demais citações foram traduzidas livremente do espanhol ou do inglês pelo autor.

O que deu o impulso definitivo à profissionalização e à expansão das atividades do Exército colombiano foi a intensificação do conflito social nos anos 1930 e 1940 (ROUQUIE; SUFFERN, 1994). Contudo, a gradual aquisição de um ethos profissional próprio por parte dos militares e a sua autonomização em relação ao campo da competição política não se deu sem incidentes. A primeira ocasião em que os militares intervieram na política nacional foi durante a tentativa fracassada de golpe contra Alfonso López Pumarejo, em 1944. Quando ele reassumiu a Presidência, em 1942, setores da sociedade como a Igreja, o Partido Conservador e mesmo outros liberais se articularam para impedir que ele reinserisse a plataforma reformista de seus quatro primeiros anos de mandato (1934-1938). Sua reputação com os militares já havia se deteriorado quando ele prendeu e fuzilou o secretáriogeral do Ministério da Guerra, um importante oficial de carreira. Contudo, a iniciativa teve vida curta, pois o coronel que liderava a empreitada foi facilmente isolado, e o golpe fracassou (PALACIOS, 2006, p. 116-120). A relação entre as Forças Armadas e os demais grupos da sociedade se normalizou rapidamente após o incidente.

Tanto os conflitos que marcaram o período da La Violencia (1948-1966),2 2 . La Violencia refere-se a um período da história colombiana que costuma ser demarcado entre 1948 e 1966. É um período caracterizado pela intensificação da violência e da perseguição política no país a níveis até então inéditos em sua história independente. O que desencadeou a onda de violência foi a morte, em 1948, do líder político do Partido Liberal Jorge Eliécer Gaitán. Gaitán foi assassinado durante uma manifestação promovida por ocasião da IX Conferência Internacional dos Estados Americanos em Bogotá (BUSHNELL, 1993, p. 202), em evento que ficou conhecido como o Bogotazo. Imediatamente após o incidente, as ruas de Bogotá deram lugar a violentos confrontos, com ondas de saque e enfrentamentos entre manifestantes e a polícia (PALACIOS, 2006, p. 29). A partir daí, a violência alastrou-se para o meio rural e disseminou-se para todo o país, justificando um estado de sítio quase permanente durante os anos que se seguiram ao Bogotazo (PALACIOS, 2006, p. 125-130). quanto os confrontos posteriores com as guerrilhas e outros grupos armados se concentraram em áreas de colonização rural recente ou de expansão da fronteira de colonização. Eram áreas na direção das quais os grupos perseguidos se dirigiam, tendo em vista que elas não contavam com a presença das forças do Estado. Durante esse período, as Forças Armadas tiveram um papel importante na assistência aos proprietários de terra e aos criadores de gado que se localizavam em regiões próximas. Os militares trabalhavam não apenas na contenção das ações dos guerrilheiros, mas também no controle dos protestos sociais nas cidades. Paralelamente a esse processo de repressão, houve a repressão do governo em relação aos sindicatos que se multiplicavam com o crescimento do contingente de trabalhadores assalariados (AVILÉS, 2006, p. 30).

Essa demanda pela contenção da crescente agitação política levou à criação da polícia nacional, em 1950, pelo governo de Laureano Gómez (1950-1953). A nova força respondia diretamente ao ministro do Interior e foi utilizada em diversos momentos a serviço da perseguição política. Muitas cidades de predominância liberal foram invadidas por destacamentos policiais cujos membros foram recrutados em cidades de sólida hegemonia conservadora. A retaliação normalmente se se-guia na forma de uma resposta liberal armada, fosse ela contra as próprias forças ou contra as comunidades vizinhas onde elas estavam sendo recrutadas (PALACIOS, 2006, p. 159).

A criação da polícia nacional em 1950 apresenta o mesmo processo de sobredeterminação pelo campo da competição político-partidária que marcou a trajetória do Exército anteriormente à década de 1930. Contudo, nesse momento, os militares, apesar de diretamente envolvidos com a repressão dos movimentos sociais, adquiriram autonomia institucional e se haviam diferenciado dos interesses das elites de políticos profissionais. Essa tentativa de envolver a violência produzida pelo aparelho policial como um elemento da correlação de forças na barganha entre políticos gerou, contrariamente ao início do século, a tensão das relações entre civis e militares. Ao descontentamento dos setores militares, somou-se a escalada da violência no país, o que fortaleceu a oposição ao presidente. O presidente foi deposto pelo general Rojas Pinilla em 13 de junho de 1953, com apoio de grande parte dos setores da sociedade (PALACIOS, 2006, p. 144-150).

Rojas Pinilla recorreu a medidas repressivas para solucionar o problema das revoltas sociais que surgiam em diferentes partes do país. Sua gestão intensificou o processo de criminalização dos movimentos sociais. O Estatuto de Segurança de Rojas Pinilla de 1955 indicava 32 categorias de "perigo social": alguns derivados de conceitos convencionais da criminologia da Itália fascista do início do século, como vadiagem, mendicância, jogatina e "cafetinagem", além de um inaugurado pelo estatuto, o de "desenvolvimento urbano clandestino" (PALACIOS, 2006, p. 244).

Contudo, e apesar da legitimidade provida pela mobilização no cenário internacional do discurso anticomunista, o governo militar foi incapaz de acomodar as forças políticas concentradas nos partidos tradicionais. Além disso, sua ênfase na consolidação de um movimento trabalhista gerava forte controvérsia. Por meio dessa política, ele buscava, por um lado, conter as revoltas oriundas da infiltração dos comunistas no movimento operário e, por outro, cooptá-los de forma a ganhar força política para fazer oposição aos partidos tradicionais. Contudo, essa aproximação com o movimento operário fez com que ele fosse associado a uma retórica populista e, por isso, era vista com desconfiança por parte das autoridades norte-americanas (BUSHNELL, 1993, p. 219).3 3 . A oposição desses grupos fez com que o governo de Rojas Pinilla fosse acusado de várias atitudes de clara restrição da liberdade de imprensa, como quando suspendeu a publicação, em agosto de 1955, do jornal El Tiempo de Bogotá (BUSHNELL, 1993, p. 217).

À medida que ficou clara a insustentabilidade do regime militar de Rojas Pinilla, uma nova engenharia teve que ser pensada para o funcionamento da relação entre civis e militares. Nas negociações que resultariam no governo da Frente Nacional (1957-1974), os líderes civis enfatizaram a importância de que os líderes militares ficassem afastados dos assuntos políticos e de Estado. Em compensação, os militares reivindicaram maior autonomia na condução dos assuntos de segurança interna, para que a racionalidade de suas operações não fosse comprometida pelos reveses da disputa partidária (BUSHNELL, 1993, p. 35).

Essa engenharia política acabou por se provar de grande estabilidade institucional. Os militares abstinham-se de intervir no processo de competição política. Mas, em compensação, polarizavam cada vez mais a sociedade, reforçando seu papel na demarcação da fronteira entre a competição política convencional e a subversão. Em 1980, mais de 8 mil colombianos estavam presos por motivos políticos - a maioria sendo julgada em tribunais militares. Durante esse período, houve um crescimento significativo dos desaparecimentos forçados e das alegações de torturas cometidas por oficiais militares relatadas pelas organizações de direitos humanos (AVILÉS, 2006, p. 42).

Os anos 1980 foram marcados por uma gradativa subordinação dos militares à autoridade civil. Após o Estatuto de Segurança de Turbay Ayala (1978-1982), considerado por historiadores como Avilés (2006) e Palacios (2006) como o auge da repressão política na Colômbia, o governo de Belisário Betancur assumiu uma plataforma reformista. Prerrogativas das quais os militares gozavam até os anos 1970, como treinar e armar civis e patrulhas de autodefesa, além de julgar civis em cortes militares, foram revogadas por decisões judiciais e por decretos presidenciais. Contudo, o controle militar sobre o Ministério da Defesa, as agências de inteligência e a justiça militar foi mantido (AVILÉS, 2006, p. 47).

Na década de 1990, o conflito, assim como as atividades ligadas ao tráfico de drogas, atingiu níveis sem precedentes. O contexto colombiano mostrou-se particularmente conturbado em razão da violência política. Após a desmobilização de diversos grupos armados, envolvidos em uma negociação que incluía sua participação na Assembleia Constituinte em 1990, a eleição que se seguiu foi marcada pelo assassinato de três candidatos a presidente, tendo sido ganha pelo liberal César Gavíria (1990-1994) (LEONGÓMEZ, 2004, p. 93). Os ataques às instalações dos grandes cartéis de droga, e a tentativa de extraditar seus líderes para os Estados Unidos, geraram respostas violentas por parte dessas organizações.

Por um lado, isso foi incapaz de impedir a "modernização" da relação entre civis e militares, e o aprofundamento das reformas iniciadas na década de 1980. Foram estabelecidos controles civis sobre instâncias como as questões de justiça militar e o acesso a foro militar privilegiado.4 4 . Apesar de os militares terem conseguido que a Constituição de 1991 não interviesse em seus direitos a foro militar privilegiado, agências preexistentes, lideradas por civis, assim como escritórios desenvolvidos pela Constituição de 1991, tinham a prerrogativa de investigar os órgãos militares acusados de violações de direitos humanos. Muitos casos de direitos humanos envolvendo militares foram iniciados pelo Ministério Público. O escritório do procurador-geral foi investido da responsabilidade de trazer acusações contra os membros das forças do Estado, incluindo os membros das Forças Armadas. Ele passava a ter o direito de investigar violações de direitos humanos e de ordenar a remoção do serviço de membros das Forças Armadas, da polícia nacional e de qualquer outro ator do Estado responsável por essas violações (AVILÉS, 2006, p. 95). Por outro lado, essa conjuntura também provocou a intensificação da atividade paramilitar no país, e uma demanda por parte da população civil de continuar se armando de forma privada para enfrentar o momento de instabilidade (AVILÉS, 2006, p. 96).

O programa que se mostrou uma variável central na transformação dessa equação foi o Plano Colômbia, ainda durante o governo de Andrés Pastrana (1998-2002), plano estimado em US$ 7,5 bilhões (a ser dividido entre um grande conjunto de doadores). A proposta final, redigida em 1998, focava em programas de redistribuição e ampliação do apoio do governo às áreas que haviam durante muito tempo sido negligenciadas pelo Estado. Contudo, esse desenho não convergia com a prioridade da agenda norte-americana (principal financiadora do projeto), e dentro de um ano essa proposta foi descartada em função de outra, que enfatizava investidas militares a regiões de plantio de coca, além da modernização e do fortalecimento geral das Forças Armadas (AVILÉS, 2006, p. 130).

Dos 1,6 bilhão aplicados pelos norte-americanos nessa nova versão do Plano Colômbia (ao longo de cinco anos), quase US$ 1 bilhão foi destinado às Forças Armadas colombianas, o que incluiu o equipamento e o treinamento de três batalhões antinarcóticos. Essa ajuda foi fornecida mesmo a grupos com comprovada ou suspeita ligação com grupos paramilitares ou que houvessem sido acusados de violações de direitos humanos. O plano incluía um procedimento que permitia que o presidente dos Estados Unidos abrisse mão das condicionalidades associadas ao monitoramento do quadro de direitos humanos dos países receptores, como a Emenda Leahy,5 5 . A Emenda Leahy foi originalmente introduzida pelo senador norte-americano Patrick Leahy como uma restrição ao ato executivo de apoio às operações estrangeiras. A emenda tinha por objetivo evitar o envio de ajuda norte-americana a forças militares estrangeiras "contra as quais existam alegações críveis de violações flagrantes de direitos humanos". para prover uma ajuda que fosse do interesse da segurança nacional norte-americana (AVILÉS, 2006, p. 130). Os recursos provenientes do Plano Colômbia possibilitaram o reaparelhamento e melhor treinamento das Forças Armadas, iniciando a expansão que se radicalizaria no governo Uribe. Foi o Plano Colômbia que possibilitou ao Exército a retomada da ofensiva dentro da dinâmica do conflito.

A administração de Álvaro Uribe não somente aumentou muito significativamente o gasto público com o orçamento militar, como também implementou outras estratégias como parte de sua PSD, levando a lógica do conflito para dentro da dinâmica da sociedade civil. Em uma disposição parecida com a do presidente Pastrana, mas de forma muito mais aberta e assertiva, o presidente Uribe criticou os grupos de direitos humanos por relatarem os abusos dos militares, sugerindo que eles atuam como "fronts" dos terroristas (MASON, 2003, p. 400).

Primeiramente por meio de decretos executivos e, depois, por meio de legislação antiterrorista, Uribe começou a prover as autoridades militares com poderes de polícia. A primeira lei antiterror, de abril de 2003, tinha por intuito munir as forças de segurança do Estado, entre policiais e militares, de poderes legais de caráter permanente para interceptar as comunicações, conduzir buscas domiciliares e prender indivíduos sem mandato judicial (AVILÉS, 2006, p. 130).

Uma segunda lei antiterror foi submetida pelo Executivo ao Congresso em julho de 2003, com foco na reforma do código penal, da regulação da expedição de processos judiciais e das punições para uma série de crimes pretensamente relacionados a atos de terrorismo. Além dessas leis, o governo propôs uma reforma constitucional e do sistema judicial ampla, que incluía restrições às competências da Corte Constitucional de Justiça (AVILÉS, 2006, p. 130).

Outro processo que marcou o programa do governo Uribe foi a mobilização da população civil. Desde a campanha eleitoral, Uribe anunciou sua intenção de iniciar uma rede de mais de um milhão de colaboradores civis e informantes pagos para obter informações sobre a guerrilha.6 6 . A proposta que envolveu mais diretamente a participação da população civil foi a de organizar milícias camponesas semitreinadas cujos membros operariam em suas próprias comunidades. Elas são alistadas nos batalhões ou brigadas para três meses de treinamento básico e depois retornam para suas comunidades, onde a princípio serviriam como guardas municipais diurnos, voltando para suas casas à noite (AVILÉS, 2006, p. 136). Todavia, o fato de estarem servindo em suas próprias comunidades fez com que eles e suas famílias fossem facilmente identificáveis e se tornassem alvos frequentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) (LATIN AMERICA REPORT, 2003, p. 3-4). Dessa forma, civis estariam sendo expostos a níveis inaceitáveis de risco. Ambos os lados ameaçam os civis, já que as FARC sequestram as famílias dos soldados camponeses e de suspeitos de serem colaboradores e informantes (LATIN AMERICA REPORT, 2003, p. 3-4).

O governo promoverá a cooperação voluntária e patriótica dos cidadãos em cumprimento de seus deveres constitucionais e na aplicação do princípio de solidariedade que exige o moderno Estado social de direito, a fim de que cada cidadão contribua para a prevenção do terrorismo e da delinquência, proporcionando informação relacionada com as organizações armadas ilegais [...].

Uma rede de cidadãos de zonas urbanas e rurais do país cooperará ativa, voluntária e desinteressadamente com as autoridades, participando de programas cidadãos de cultura para a segurança e fornecendo informação que permita a prevenção ou a investigação de um crime [...].

De maneira complementar, colocou-se em prática um programa de recompensas para aquelas pessoas que, como informantes dos organismos de segurança do Estado, deem informação que conduza à prevenção de atentados terroristas ou à captura de integrantes das organizações armadas ilegais (PRESIDENCIA DE LA REPÚBLICA, 2003, p. 61).

Principalmente nos primeiros anos do governo Uribe, houve uma notável expansão das atividades do Exército ao longo do território nacional. Contudo, essa expansão veio acompanhada de uma série de controvérsias. Vários grupos criticaram a arbitrariedade da ação das forças colombianas, ressaltando a gravidade de suas consequências, e apontando para as reiteradas violações de direitos humanos e do direito internacional humanitário (LATIN AMERICA BRIEFING, 2009, p. 2).

Com o tempo, entretanto, e apesar da enorme popularidade do governo, do presidente e de sua política de segurança, os excessos cometidos pelas Forças Armadas colombianas e a própria truculência do governo em relação a seus opositores começaram a desgastá-lo. Em 2008, surgiu uma onda de denúncias na mídia colombiana em relação ao comportamento das forças públicas colombianas e da produção dos chamados "falsos positivos".7 7 . "Falsos positivos" são assassinatos de cidadãos inocentes apresentados pelas forças de segurança como mortes de membros dos grupos armados ilegais, com o objetivo de inflar a contagem de baixas e, dessa forma, melhorar a imagem de eficiência do Exército para obter promoções e recompensas financeiras. "Positivo" é um eufemismo usado pelos oficiais colombianos para se referir à morte de um combatente guerrilheiro ou paramilitar. Para exemplos de denúncias ocorridas durante o período, ver Delegado... (2008) e Amenazas... (2008). Como resultado do escândalo proveniente dessas denúncias, em 29 de outubro de 2008, o governo afastou definitivamente 27 oficiais do Exército, incluindo três generais e quatro coronéis, além de provocar a decisão do comandante do Exército, general Mario Montoya, de pedir demissão de seu cargo (LATIN AMERICA BRIEFING, 2009, p. 8-9).

Outro escândalo recente envolvendo profissionais de segurança do governo foram as denúncias de que o Departamento Administrativo de Segurança (DAS), serviço de inteligência que responde diretamente à Presidência, tinha ordens para monitorar as atividades de juízes e políticos de oposição, como no caso do senador Gustavo Petro Urrego, por "possíveis vínculos com organizações terroristas", sem que tivesse qualquer autorização judicial para conduzir tal investigação (DIRECTORA..., 2008).

O Papel dos Estados Unidos

O papel dos norte-americanos na configuração contemporânea do conflito colombiano passa a ser com a consolidação da aliança diplomática entre os dois países após a Segunda Guerra Mundial. A Colômbia foi o único país da América Latina a mandar tropas para a Guerra da Coreia, onde seus soldados se tornaram familiarizados com as táticas e instrumentos de contrainsurgência que estavam sendo utilizados pelos norte-americanos (PALACIOS, 2006, p. 115). Por outro lado, o embaixador norte-americano apoiava publicamente as medidas autoritárias do presidente Mariano Ospina Perez. Diante do crescimento dos níveis de violência do país, Ospina passou a recorrer frequentemente ao Exército para restabelecer o controle. Da mesma forma, a recém-criada força policial era largamente utilizada como instrumento repressivo (AVILÉS, 2006, p. 30).

No imediato pós-Segunda Guerra Mundial, pela primeira vez, duas missões militares norte-americanas vieram à Colômbia como consultoras para auxiliar os trabalhos da Marinha e da Aeronáutica (PALACIOS, 2006, p. 116). Por trás do apoio norte-americano à Ospina Perez, estavam a promoção da Doutrina de Segurança Nacional e a importância atribuída à "luta contra o comunismo". Isso muitas vezes implicava o apoio a regimes anticomunistas autoritários por meio de ajuda econômica e militar (AVILÉS, 2006, p. 37).

A DSN surgiu no contexto posterior à Segunda Guerra Mundial e está associada ao fortalecimento do papel dos Estados Unidos na política de segurança da região, por meio dos termos do Pacto do Rio de 1947 e da Carta da Organização dos Estados Americanos, de 1948 (HERNÁNDEZ, 2009, p. 222-223). Trata-se de um conjunto interrelacionado de conceitos que enfatiza a segurança interna sobre a segurança externa. Ela não necessariamente lida apenas com aspectos militares, mas pode incorporar uma série de medidas de desenvolvimento social com vistas a solapar a base de apoio dos grupos insurgentes (AVILÉS, 2006, p. 38). Contudo, é necessário destacar que a articulação das eventuais políticas de desenvolvimento toma lugar em função de uma estratégia que está baseada no discernimento operado pelas forças militares entre a cidadania e a subversão. A maior parte desses planos era levada a cabo por meio da implementação de um "estado de exceção permanente", que atribui amplos poderes ao Executivo e aos militares, para a realização de ações específicas, tais como: o julgamento de civis em tribunais militares, o treinamento militar de grupos de autodefesa nas zonas rurais (justificado, igualmente, pelo princípio da defesa civil), o estabelecimento de zonas de ordem pública e a intensificação das operações militares contra as guerrilhas (HERNÁNDEZ, 2009, p. 226).

Em 1952, a Colômbia e os Estados Unidos assinaram um Acordo de Assistência de Defesa Mútua, por meio do qual os norte-americanos concordavam em prover assistência militar à Colômbia com o objetivo de "manter a paz no hemisfério ocidental" (PALACIOS, 2006, p.

163). Os resultados dessa aliança com os norte-americanos continuaram repercutindo na década de 1960. Um deles foi o Plano Lazo, que incorporava o planejamento de obras públicas, assim como o fornecimento de armas e o treinamento de civis em patrulhas de autodefesa. Esses programas, envolvendo o armamento de civis, eram substancialmente financiados pela Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional (em inglês, United States Agency for International Development (USAID)) e por programas de auxílio das Forças Armadas norte-americanas, e não pelo orçamento doméstico colombiano (AVILÉS, 2006, p. 38).

O apoio da política norte-americana ao armamento e treinamento de civis na Colômbia teve como resultado um aumento das atividades paramilitares no país. Em 1962, as Forças Armadas norte-americanas recomendaram ainda que os militares colombianos "selecionassem pessoal civil e militar para treinamento clandestino em operações de resistência" e que fossem utilizadas operações paramilitares, táticas de sabotagem e atividades terroristas contra conhecidos proponentes comunistas (AVILÉS, 2006, p. 106; HUMAN RIGHTS WATCH, 1996).

Nos anos 1980, a direção da política externa norte-americana em relação à Colômbia e aos demais países andinos deu uma guinada decisiva na direção do discurso da "guerra contra as drogas". Em abril de 1986, o então presidente Ronald Reagan emitiu uma Decisão Diretiva de Segurança Nacional (em inglês, National Security Decision Directive (NSDD)) na qual qualificava o tráfico de drogas como uma ameaça "letal" à segurança dos Estados Unidos (AVILÉS, 2006, p. 47-48). Apesar do novo enfoque, a mudança política se deu por meio da continuidade de algumas das práticas centrais na formulação da DSN: manutenção da prioridade do combate ao inimigo interno, utilização de unidades paramilitares e apoio ao estabelecimento de redes de informação que contavam com a participação da população civil.

Em 1989, a Agência Central de Inteligência (CIA) dedicava um quarto de seus esforços na América Latina para a guerra contra as drogas, e as Forças Especiais das Forças Armadas Norte-americanas (em inglês, U.S. Army Special Forces) foram autorizadas a acompanhar as forças colombianas no treinamento de patrulhas antinarcóticos.8 8 . Entre 1988 e 1991, a ajuda militar dos Estados Unidos à Colômbia aumentou sete vezes (AVILÉS, 2006, p. 49). Em 1991, o Congresso norte-americano requisitou que os programas internacionais de educação e treinamento militar fornecidos pelo Pentágono fossem expandidos para focar nas necessidades das "novas democracias" (AVILÉS, 2006, p. 59).

Durante o governo Gavíria, os Estados Unidos aprofundaram seu envolvimento no apoio aos serviços de segurança na região andina. A centralização dos serviços de segurança era vista particularmente como central na guerra contra as drogas. Logo, a aplicação de tais diretrizes para a Colômbia implicou na criação de 34 redes de inteligência urbanas e rurais. De fato, em 1991 as forças especiais norteamericanas enviaram membros de seu pessoal para cada uma das catorze bases regionais da polícia nacional colombiana (AVILÉS, 2006, p. 101).

Contudo, durante a década de 1990, houve uma divergência no discurso do Departamento de Estado e Departamento de Defesa norteamericanos em relação à Colômbia. O crescimento do lobby de organizações de defesa de direitos humanos nos Estados Unidos começou a obstruir a cooperação militar com a Colômbia e outros países. O Departamento de Estado acusou as Forças Armadas colombianas de apoiarem grupos paramilitares que incidiram na condução de massacres e outras violações sistemáticas de direitos humanos entre 1993 e 1998.

Baseados nos relatórios do Departamento de Estado, congressistas norteamericanos buscaram mecanismos para restringir e condicionar esse tipo de apoio. Foi em vista de um desses dispositivos legislativos que o Departamento de Estado, em 1997, demandou que o governo colombiano assinasse um acordo que previa que todas as unidades recebendo apoio militar norte-americano deveriam ser avaliadas minuciosamente no seu cumprimento das normas de direitos humanos antes de recebê-las. Na Colômbia, a oposição à assinatura do acordo causou a demissão do ministro da Defesa Harold Bedoya. Os ministros que o sucederam na pasta apoiaram os termos do tratado em nome do Executivo, mas foram duramente criticados por vários grupos de militares colombianos que se opunham à condicionalidade (AVILÉS, 2006, p. 101).

Depois de relações muito tensas com o governo de Ernesto Samper (1994-1998), que acabou enfraquecido interna e externamente por acusações de financiamento ilícito de campanha por traficantes de drogas, o presidente Andrés Pastrana subiu ao poder com forte apoio norte-americano, o que elevou os valores do financiamento norteamericano à Colômbia a níveis sem precedentes. Em 1998, a Colômbia tornou-se o terceiro maior receptor de ajuda norte-americana, atrás apenas de Israel e do Egito. A contribuição dos norte-americanos ao Plano Colômbia e o papel central que tiveram na sua reformulação refletem claramente a dimensão de sua influência na formulação e execução da política de segurança colombiana do período. Por sua vez, nenhum outro país tinha tantos soldados sendo treinados nos Estados Unidos nem tantas tropas especiais sendo auxiliadas pelos norte-americanos quanto a Colômbia (LEONGÓMEZ, 2004, p. 268).

Entre 2000 e 2004, a ajuda norte-americana sofreu uma transformação. Inicialmente, a ajuda militar esteve destinada, prioritariamente, ao combate às drogas. Apesar de a agenda própria do governo Pastrana ser o fortalecimento do combate à insurgência, os funcionários norteamericanos continuaram reafirmando de maneira taxativa que a luta contra o tráfico de drogas continuaria sendo o tema central da agenda bilateral entre Washington e Bogotá (LEONGÓMEZ, 2004, p. 269). No entanto, a partir de 11 de setembro de 2001, a política externa de Washington tendeu a se voltar para a conformação de uma coalizão mundial antiterrorista, e abriram-se as comportas para a utilização direta desses recursos em uma estratégia que visasse deliberadamente a repressão de organizações armadas não estatais9 9 . Em 8 de novembro de 2001, Mark Souder, presidente do grupo de ação contra as drogas da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, depois de uma reunião com o presidente Andrés Pastrana, sustentou que "a linha que podia existir entre insurgência, narcotráfico e terrorismo desapareceu totalmente", e portanto, que os recursos entregues a seu país para a luta antinarcóticos poderiam ser utilizados para combater as FARC, o ELN e as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), se o governo colombiano assim o quisesse (LEONGÓMEZ, 2004, p. 277). (LEONGÓMEZ, 2004, p. 257). De fato, após 2001 o governo Bush negou-se a aplicar dispositivos como a Emenda Leahy ao apoio oferecido às Forças Armadas colombianas.

Uma sequência de eventos ilustra de forma clara a nova postura do governo norte-americano e a perda de influência do lobby de direitos humanos. Em 10 de dezembro de 2008, quando a Colômbia se submeteu à revisão universal periódica do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o relatório resultante expôs com dureza grande parte das críticas que já vinham sendo feitas à administração Uribe (SITUACIÓN..., 2008). Contudo, no mês seguinte, em 12 de janeiro de 2009, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, homenageou Alvaro Uribe com a Medalha da Liberdade, maior condecoração passível de ser oferecida a um civil pelo Estado norte-americano, pelo papel exemplar que a política de segurança colombiana representaria para a defesa da liberdade no mundo (URIBE..., 2009).

Com a subida ao poder do governo democrata de Barack Obama, essas tendências se mantêm, embora a convergência não seja tão automática. Obama reformulou a estratégia de segurança nacional norteamericana de forma a desvinculá-la, deliberadamente, da retórica de uma "guerra contra o terrorismo" (WHITE HOUSE, 2010). Mas o apoio à PSD continua; e a cooperação militar entre os dois países é frequente. Episódios como a colaboração com os norte-americanos na complexa operação que resultou na morte de Raúl Reyes (EN FRONTERA..., 2008) e o acordo envolvendo a cessão de bases militares colombianas indicam essa continuidade. Contudo, opositores à linha do governo colombiano nos Estados Unidos têm tentado se mobilizar em outras esferas. Isso vem se refletindo, por exemplo, na obstrução dos democratas à aprovação do Tratado de Livre Comércio (TLC) com a Colômbia. O tratado, particularmente importante para a economia colombiana, está envolvido em um processo de negociação que já vem se arrastando por anos - segundo muitos analistas colombianos, fruto da resistência dos democratas à política de segurança do país (EX PRESIDENTE..., 2010).

Grupos Paramilitares e outras Milícias Armadas

Vários grupos irregulares, além dos movimentos guerrilheiros, podiam ser identificados na Colômbia, principalmente a partir da época da violência: assassinos, sicários, esquadrões da morte, formações armadas privadas diversas e grupos de autodefesa de formação militar. Sua origem na maioria dos casos se encontrou na necessidade de defender grupos de proprietários de terra e criadores de gado que eram vítimas de ataques e de práticas de extorsão dos grupos insurgentes. Havia ainda a motivação de organizar grupos para cumprir os serviços de proteção que esses grupos guerrilheiros supriam. Tanto guerrilheiros quanto paramilitares cumprem funções de proteção em algumas regiões (LEONGÓMEZ, 2004; ROCHLIN, 2003). Contudo, como expõe Sanchez, esses grupos remontam a um período anterior a La Violencia e têm sua configuração contemporânea transformada pela implementação da Doutrina de Segurança Nacional:

Os grupos de autodefesa têm diversas raízes históricas. Estas incluem Exércitos privados que cumpriam um papel importante nas guerras civis do século XIX, as várias formas de polícia privada que os proprietários de terra utilizavam para se contrapor ao conflito agrário no início deste século e, mais claramente, os grupos antiguerrilheiros formados durante a confrontação bipartidária nos anos 1950. Contudo, falando especificamente da sua atual configuração, os grupos de autodefesa são um produto típico da bem conhecida doutrina de "segurança nacional" que se espalhou por toda a América Latina durante os anos 1970 e 1980 como parte de uma estratégia global contra o comunismo. Na Colômbia, os grupos de autodefesa receberam apoio inicial das associações de criadores de gado e dos traficantes de drogas, que eram os mais novos e alguns dos maiores proprietários de terra no país. Com o tempo e o colapso do comunismo, a dinâmica dos grupos de autodefesa, assim como das guerrilhas, tornou-se um projeto menos ideológico e mais pragmático, envolvendo conflito por território e recursos (SÁNCHEZ, 2001, p. 21).

Durante o período La Violencia, os conservadores começaram uma campanha de intimidação assassinando políticos liberais, queimando escritórios do partido e destruindo os jornais. Isso foi feito com a ajuda de pajáros, assassinos políticos que estiveram ativos na região desde 1947. A violência disseminou-se no início dos anos 1950, em parte graças à cumplicidade dos militares com chefes conservadores locais no financiamento desses pajáros10 10 . Em meados do século XX, estima-se que duzentos desses grupos operavam no país (PALACIOS, 2006, p. 160). (PALACIOS, 2006, p. 165).

O uso desses grupos irregulares de defesa, um aspecto crescentemente destrutivo da era da Violencia, foi expandido em 1961 e endossado pela lei em 1965 - e mais uma vez em 1968 (PALACIOS, 2006, p. 190). As leis promulgadas em 1965 e 1968 permitiam aos cidadãos portar armas com salvo-condutos. As leis permitiam ainda que os cidadãos manifestassem a iniciativa de se organizar militarmente com a ajuda das Forças Armadas.

A organização dos grupos de autodefesa foi incorporada nos manuais militares que enfatizavam a importância de uma "rede de autodefesa" e utilizavam esses grupos para "busca, controle e operações destrutivas". Os manuais de treinamento de 1969, 1979, 1982 e 1987 enfatizavam a importância de organizar a população civil. Os grupos de autodefesa iriam apoiar as operações de combate militar contra a "subversão" por meio da compilação de informações de inteligência, a condução de operações militares contra a insurgência e/ou atuando como guias para ataques militares (NCOS, 1995, p. 21-27). Esses documentos de treinamento recomendavam que camponeses percebidos como suspeitos deveriam ser ameaçados de forma a que abandonassem a região ou que se referissem a eles como "o inimigo" (ibid, p. 14-15). O regulamento de combate antiguerrilheiro EJC3-10, de 1987, enfatizava que os potenciais subversivos incluíam "trabalhadores, estudantes e movimentos políticos camponeses etc.", de maneira consistente com a concepção da Doutrina de Segurança Nacional de "inimigo interno" (Centro de Investigación y Educación Populas, 2003, p. 1) (AVILÉS, 2006, p. 107).

No fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, aparecem organizações armadas de diferentes tipos como reação ao fortalecimento dos grupos guerrilheiros no país.

Ainda por volta dos anos 1970, esquadrões da morte apareceram em Cali, Medelín e Pereira, dedicados à "higiene social" - em outras palavras, ao extermínio dos assim chamados dispensáveis, incluindo crianças de rua, mendigos, prostitutas, homossexuais e pequenos criminosos. A noção de "desechables" [descartáveis] indica uma clara mentalidade fascista em setores tanto da classe média quanto da classe dominante (PALACIOS, 2006, p. 241).

Quando parentes de traficantes de drogas foram sequestrados pelo grupo guerrilheiro M-19 no final da década de 1970, suas famílias resolveram reagir, recrutaram simpatizantes e estabeleceram a primeira organização paramilitar moderna da história da Colômbia, o grupo Morte aos Sequestradores (MAS), fundado em 1981 (AVILÉS, 2006, p. 108; PALACIOS, 2006, p. 199).

A formação de esquadrões da morte, segundo Palacios, alcançou uma institucionalidade significativa nos anos 1980.11 11 . É necessário diferenciar grupos paramilitares de esquadrões da morte. Os primeiros, enquanto pese sua natureza ilegal ou sua ação irregular, são grupos estruturados, com comando central e funções definidas de maneira explícita. Os segundos são grupos informais, com estrutura flexível, sem sede ou composição conhecidas. Sua composição corresponde justamente à necessidade de preservar a identidade de seus membros na hora de desempenhar funções clandestinas (LEONGÓMEZ, 2004, p. 116). Segundo Fernando Cubides (2001), os paramilitares, diferentemente dos demais grupos, têm uma plataforma política deliberadamente voltada para a eliminação da guerrilha, ao mesmo tempo em que lançam mão de métodos e técnicas muito semelhantes aos desses grupos. Os jovens criminosos considerados mais promissores eram mandados para uma escola de assassinos em Medelín, onde eram preparados para se juntar à elite de atiradores dos cartéis de drogas (PALACIOS, 2006, p. 241).

No final da década de 1980, diante das pressões para que o governo tomasse medidas para o controle da violência que assolava o país, o presidente Virgílio Barco revogou a lei 48 de 1968, que autorizava as Forças Armadas a formar grupos de autodefesa; e estabeleceu o decreto 1.194 de 1989, que prevê pena de prisão aos que financiem ou promovam grupos paramilitares (LEONGÓMEZ, 2004, p. 119).

Contudo, nos anos 1990, diante do crescimento dos grupos guerrilheiros, as elites agrárias e setores do Exército pressionavam para que uma política para a construção de milícias civis voltasse a se desenvolver. O decreto 1.194 de 1989 determinava que o Exército não podia armar diretamente grupos civis de autodefesa. Portanto, o novo decreto 356, de fevereiro de 1994, assinado pelo presidente César Gavíria (19901994), permitia que qualquer um, com autorização do Ministério da Defesa, providenciasse a sua própria segurança. Para regulamentar esse processo, o governo criou os serviços especiais de vigilância e segurança, a base legal das Associações Comunitárias de Vigilância Rural (CONVIVIR). Essas organizações deveriam estar limitadas a uma função defensiva, apoiando as Forças Armadas com trabalho de inteligência nas comunidades locais. Entre 1994 e 1997, mais de quinhentas CONVIVIR foram fundadas, o que significava mais de 10 mil homens armados. Um dos maiores entusiastas desse projeto foi o então governador de Antioquia Alvaro Uribe.

A regulação sobre essas organizações era quase inexistente, uma vez que, segundo Avilés, o governo dedicava poucos recursos para o trabalho de supervisão. Depois de uma série de relatórios de organizações de direitos humanos indicando os abusos cometidos pelas organizações inscritas nos programas, das evidências de ligações entre as CONVIVIR e os grupos paramilitares, e de críticas internacionais vindas inclusive da Organização das Nações Unidas, a administração de Ernesto Samper suspendeu a criação de novas associações (LEONGÓMEZ, 2004, p. 118-119).

Paralelamente a esse processo, as atividades paramilitares na Colômbia começaram a se intensificar e se centralizar. No fim de 1994, por meio da liderança de Carlos Castaño e de suas Autodefesas Unidas de Urabá e de Córdoba, tomou lugar a Primeira Conferência Nacional das Autodefesas. Três anos depois, na Primeira Conferência Nacional de dirigentes e comandantes de Autodefesas Camponesas, formaramse as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), com uma direção única e um Estado-Maior conjunto (LEONGÓMEZ, 2004, p. 122).

Após a criação das AUC, a atividade dos paramilitares na Colômbia conheceu uma expansão dramática. Elas cresceram ininterruptamente até 2003, quando, durante a Presidência de Álvaro Uribe, foi iniciado um processo de desmobilização desses grupos. O processo previa que os grupos paramilitares que estivessem dispostos a negociar a sua desmobilização fossem providos de uma zona desmilitarizada onde poderiam conduzir suas negociações sem medo de serem presos e extraditados para os Estados Unidos por acusações de tráfico de drogas (AVILÉS, 2006, p. 137).

O congresso aprovou, em junho de 2005, a Lei de Justiça e Paz, que regula a participação dos paramilitares na sociedade civil, assinada por Uribe no mês seguinte. Essa lei garantia às AUC status político, o que era negado às FARC por meio da retórica do antiterrorismo:

O processo de desmobilização começou em novembro de 2003, foi acelerado no final de 2004, e deixou mais de 30 mil ex-paramilitares desmobilizados em março de 2005. Comandantes declararam que, em vez de ir para a cadeia por "excessos" cometidos "em defesa da pátriamãe", eles iriam pegar em armas novamente. Extradição para os Estados Unidos estava fora de questão; assim como reparações para as famílias das vítimas. Em abril de 2005, com as negociações a ponto de entrarem em impasse, o porta-voz político das AUC Ivan Duque, codinome "Ernesto Báez", ameaçou "retornar para as montanhas". Mas uma vez que o presidente Uribe sinalizou com a Lei de Justiça e Paz, Báez convocou a formação de um movimento político, e descreveu o processo de formação de um paraestado com candura: "nós penetramos, de forma permanente, no processo político, construindo estruturas de poder regionais e locais... nosso objetivo é atravessarmos a guerra e nos transformarmos em um movimento democrático que oferecerá aos eleitores uma alternativa (HYLTON, 2006, p. 116-117).

Entretanto, esse processo vem sendo severamente criticado, principalmente pelos ativistas de direitos humanos. Os relatórios da Humans Rights Watch (HRW) denunciam que os processos de apuração e mesmo de responsabilização são muito negligentes, que não desarticulam as redes de informação e influência que esses grupos construíram, e que não se fez uma investigação séria para desarticular as fontes de organização e de financiamento desses grupos, normalmente ligadas ao tráfico de drogas. Segundo a Human Rights Watch, o resultado da aplicação da lei de Justiça e Paz é a de que os paramilitares não confessam seus crimes, não são reveladas informações a respeito de como esses grupos operam, nem se os obriga a entregarem sua riqueza adquirida ilegalmente (HUMAN RIGHTS WATCH, 2005, p. 2).

O que vem sendo denunciado sistematicamente desde que esse processo de desmobilização ocorreu é que novos grupos paramilitares estão surgindo, e justamente nas áreas onde o cultivo de coca vem crescendo (LATIN AMERICA BRIEFING, 2006). Existe uma preocupação crescente dentro e fora da Colômbia sobre a continuidade e o crescimento da atividade paramilitar, principalmente no Norte, Sudeste e Leste da Colômbia. Esses grupos se envolvem em diversas atividades criminais, notadamente o tráfico de drogas e o recrutamento, frequentemente forçado, de números cada vez maiores de exparamilitares que abandonaram o Programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração do governo. Esses novos grupos têm ainda intimidado e assassinado líderes sociais, representantes de vítimas em processos contra paramilitares, militantes de direitos das mulheres, sindicalistas, defensores de direitos humanos e procuradores, sobretudo os que vêm trabalhando em processos de reparação de vítimas dos paramilitares (LATIN AMERICA BRIEFING, 2009, p. 3).

Analisar essa nova configuração por esse ângulo sugere que o processo de desmobilização, da forma como foi feito, terminou por oferecer a um empreendimento criminoso um verniz de legalidade. Contudo, a questão está em que, ao fazer isso, passou-se a ter ainda menos controle sobre a disseminação desses grupos e o alcance de suas redes de poder locais e regionais. A jornalista Maria Jimena Duzan, em reportagem ao periódico El Tiempo, sintetiza com propriedade o dilema:

É provável que não seja politicamente correto nessa Colômbia Joseobdulesca,12 12 . José Obdulio Gavíria é um advogado e intelectual colombiano que foi assessor presidencial de Alvaro Uribe e é considerado o pensador por trás da ideologia política do ex-presidente. Envolveu-se em diversas polêmicas públicas para defender a legitimidade da Política de Segurança Democrática e a ideia de que não existe um conflito armado na Colômbia. que crê de pés juntos que as únicas manifestações que valem a pena são as que reforçam a tese governamental de que a Colômbia não vive um conflito, e sim uma ameaça militar, que são as FARC, e que uma manifestação contra os paramilitares é uma estupidez porque, como nos hão dito repetidamente, os "paracos" já não existem desde que o governo os desmobilizou com êxito e prendeu seus principais líderes.

Nada mas falso do que essa premissa. O paramilitarismo no país não se acabou. Continua vivo e ativo, contudo transformado em uma outra monstruosidade: uma máfia regional praticamente legalizada e aceita socialmente, que já não somente se nutre do narcotráfico, como também do dinheiro público, ao estilo da máfia napolitana e siciliana. É uma máfia que aprendeu a ganhar as eleições, que tem senadores que representam seus interesses e que agora é a grande dona de postos e contratos, a mesma que lava seu dinheiro nas pirâmides financeiras que agora estão caindo. Uma máfia que sobreviveu à desmobilização e ao encarceramento de alguns de seus chefes militares pelo fato de que esse processo foi conduzido de maneira incompleta, de modo a deixar intactas as estruturas de poder dessas organizações criminosas (DUZAN, 2008).

Conclusão: Autoritarismo e Transformação da Sociedade Colombiana

A subida ao poder do presidente Alvaro Uribe e a sua proposta, baseada em um apoio sólido dos militares, de uma reformulação da política de segurança têm implicações importantes para a política colombiana. A transformação em curso no espaço político colombiano foi tornada possível pela convergência de três eventos: a retomada da ofensiva dos militares, que se inicia no governo Pastrana, mas se radicaliza no governo Uribe; a legitimação que estratégias e discursos antiterroristas ganham depois do 11 de Setembro; e o fracasso estrondoso das negociações conduzidas com as FARC entre 1998 e 2002, que consolidou no censo comum o entendimento (até então não hegemônico na sociedade colombiana) de que um processo de paz negociada com os grupos guerrilheiros é inviável. Tal processo teve como seus grandes detratores, enquanto ainda em curso, justamente Alvaro Uribe e os setores militares.

Essa conjuntura reconfigura o espaço social de maneira significativa: gera um sólido consenso entre as elites econômicas e militares que talvez não se observe na Colômbia desde o final dos anos 1970. Nos anos 1980 e 1990, as elites política e econômica nunca deixaram de se mostrar reticentes em relação à postura dos militares diante do conflito. Dessa forma, a autonomia dos setores militares no desenvolvimento das estratégias de combate à insurgência, mesmo que não fosse questionada diretamente, era contrabalançada por grupos políticos que pressionavam o governo para que provesse espaço político para a negociação. Os grupos econômicos mostravam-se incertos sobre as consequências da escalada de violência sobre a viabilidade de seus negócios e a imagem internacional do país. Contudo, com o 11 de Setembro e os primeiros resultados alardeados pela PSD do governo Uribe, o que se verificou é que a insistência no discurso antiterrorista reforçava a imagem internacional do país em vez de desgastá-la.

A PSD defende a necessidade de se repensar a segurança na Colômbia como uma responsabilidade de toda a sociedade, e não como uma atribuição exclusiva da força pública. Dessa forma, o que o documento propõe é articular diferentes setores da sociedade e instituições nacionais para oferecer uma resposta integrada às ameaças que afligem a sociedade colombiana.

Em contraste com essa apresentação holística e abrangente, a PSD caracteriza de forma direta e restrita a natureza da ameaça a ser combatida: a grande ameaça que aflige a democracia na Colômbia e no mundo é a utilização do terrorismo definido como um método de combate que atenta especificamente contra a estabilidade do Estado. Enfrentar esta ameaça deve estar acima dos conflitos democráticos e partidários. Digno de nota nessa definição é o fato de a estabilidade do Estado ser reafirmada como ponto de referência último da segurança da sociedade.

Empiricamente, a Colômbia mostra-se um país fragmentado, onde os diferentes atores armados (incluindo as forças públicas) incidem em alguma medida sobre a insegurança da população. Essa articulação (entre a segurança da sociedade e a estabilidade do Estado) está sustentada não em uma correlação empírica entre a presença do Estado e o aumento da segurança dos indivíduos, mas nas práticas dos profissionais de segurança e no reforço de sua autoridade para definir a "natureza" de um grupo terrorista, assim como para estabelecer os padrões de reconhecimento de sua atuação e legitimar as medidas necessárias para contê-los.

Contudo, para além da facticidade da correlação, essa articulação discursiva tem um papel central na mediação de outras relações, como as empreendidas entre o governo, as diferentes instituições nacionais e os setores da sociedade civil. Esse discurso possibilita ao governo se apropriar do capital político da guerra contra o terrorismo e investi-lo na demarcação da fronteira entre a competição política e a subversão em espaços outros que não o militar. Tal processo de centralização encerra uma dupla perversidade: por um lado, suprime os espaços para a manifestação das posições políticas alternativas e viabiliza o processo de concentração de poderes que tem se verificado na Colômbia nos últimos anos;13 13 . Conforme discutido no elucidativo estudo de Villegas e Rebolledo (2009), nos anos do governo Uribe observou-se um processo de concentração de poderes nas mãos do Executivo. Essa dinâmica de concentração de poder, segundo os autores, teria duas dimensões: uma horizontal, a partir da qual o Executivo atua no aparelhamento de instituições públicas e expande sua influência sobre órgãos que deveriam contrabalançar sua autoridade no exercício do poder político. (A pesquisa conduzida por Villegas e Rebolledo faz uma análise da expansão da influência do Executivo sobre seis instituições que têm papel importante na arquitetura da política colombiana: a Corte Constitucional, a Defensoria Pública, o Conselho Nacional de Televisão, o Banco da República, o Conselho Superior de Advocacia e o Conselho Nacional Eleitoral.) A essa dimensão, soma-se outra, vertical, que marca o processo a partir do qual a autoridade do governo central se sobrepõe sobre a autoridade dos governos locais, intervindo diretamente por meio de conselhos comunitários e concentrando os recursos para a execução dos programas sociais e de transferência de renda (VILLEGAS; SILVA, 2009). por outro lado, consolida e reforça essa despolitização por meio da criminalização dessas alternativas. Com frequência, o governo rebateu críticas a suas políticas, acusando jornalistas, líderes sociais, ativistas, estudantes, intelectuais e juízes de ter vínculos com a guerrilha e de estarem trabalhando a serviço dos terroristas.14 14 . Em um dos exemplos recentes mais flagrantes, quando a Corte Constitucional de Justiça da Colômbia se opôs a que o paramilitarismo fosse tratado como um delito político (condição central para o estabelecimento da Lei de Justiça e Paz, de 2005), o presidente desqualificou a Corte dizendo que a decisão tinha um viés ideológico, que os magistrados tinham caído na armadilha do terrorismo agonizante e que tal postura representava um ataque contra a paz na Colômbia (VILLEGAS; REBOLLEDO, 2009, p. 355-356).

A singularidade desse processo na Colômbia está em que, se por um lado a hegemonia dos militares sobre a visão da sociedade está solidamente associada com uma concentração de poderes no Executivo, por outro essa concentração coexiste com a presença de grupos armados não estatais, estabelecendo regimes parainstitucionais. Essa relação se torna visível nas cada vez mais frequentes acusações atribuídas aos parlamentares colombianos de terem vínculos com paramilitares, assim como no apoio que esses grupos demonstraram na reeleição de Uribe em 2006 e durante seus dois mandatos15 15 . Para uma análise sistemática da relação dos paramilitares com a política colombiana em geral e com o governo Uribe em particular (cobrindo o momento do primeiro mandato), ver Hylton (2006). Para uma análise mais atualizada, e focada em um conjunto mais pontual de escândalos, ver Giraldo (2008). (HYLTON, 2006; GIRALDO, 2008).

Por mais contraditória que possa parecer essa coexistência, ambas as práticas buscam legitimidade no discurso antiterrorista. Contudo, tal discurso, por si só não explica as características desse processo ou seu impacto para a sociedade colombiana. Conforme argumentado ao longo do artigo, é por meio de uma perspectiva histórica sobre os processos envolvidos na construção do discurso de segurança na Colômbia, principalmente da forma como eles se combinam na Doutrina de Segurança Nacional, que podemos entender o contexto da implementação da PSD, assim como suas implicações mais amplas.

Notas

Artigo recebido em novembro e aprovado para publicação em dezembro de 2010.

  • AMENAZAS a líderes cívicos en Ariari. El Tiempo, 26 mar. 2008. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4036342>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • AVILÉS, William. Global capitalism, democracy and civil-military relations in Colombia New York: State University of New York Press, 2006.
  • BIGO, Didier. Security and immigration: toward a critique of the governamentality of Unease. Alternatives, n. 27, special issue, 2002.
  • ______. Globilized (in)security: the field and the ban-opticon. In: ______; TSOUKALA, A. (Ed.). Illiberal practices in liberal regimes: the (in)security games. Paris: L'Harmatan, 2006.
  • BUSHNELL, David. The making of modern Colombia: a nation on spite of itself. Berkeley: University of California Press, 1993.
  • CUBIDES C., Fernando. From private to public violence: the paramilitaries. In: BERGQUIST, C. et al. (Ed.). Violence in Colombia 1990-2000: waging war and negotianting peace. Willington: Scholary Resources Books, 2001.
  • CRUZ, Adolfo Leon. La Construcción del Ejercito Nacional en Colombia: 1907-1930. Bogotá: Carreta Historica, 2009.
  • DELEGADO de la ONU destaca lucha contra falsos positivos. El Tiempo, 9 jan. 2008. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM2788077>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • DIRECTORA del DAS admite responsabilidad política en seguimientos al senador Gustavo Petro. El Tiempo, 22 out. 2008. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4618276>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • DUZAN, Maria Jimena. El paramilitarismo no se ha acabado. El Tiempo, 18 fev. 2008. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM2831023>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • EN FRONTERA con Ecuador se cerró cerco sobre 'R. Reyes. El Tiempo, 2 mar. 2008. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM2847666>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • EX PRESIDENTE Uribe dice que Estados Unidos "no tiene excusas" para no ratificar el TLC con Colombia. El Tiempo, 21 set. 2010. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-7942280>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • GIRALDO, Juan Carlos. Eleonora Pineda y Rocío Arias: las comadres de la parapolítica. Bogotá: Intermedio Editores, 2008
  • HERNÁNDEZ, Carolina Galindo. De la seguridad nacional a la seguridad democratica: nuevos problemas, viejos esquemas. In: AMAYA, Adolfo Chaparro; HERNÁNDEZ, Carolina Galindo. Génesis y transformaciones del Estado Nación en Colombia: una mirada topológica a los estudios sociales desde la filosofía política. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009.
  • HYLTON, Forrest. Evil hour in Colombia New York: Verso, 2006.
  • HUMAN RIGHTS WATCH. Colombia's killers networks: the militaryparamilitary partnership and the United States. 1º nov. 1996. Disponível em: <http://www.hrw.org/legacy/reports/1996/killertoc.htm>. Acesso em: 6 fev. 2011.
  • ______. Colombia: displaced and discarded - the plight of internally displaced persons in Bogotá and Cartagena. 14 out. 2005. Disponível em: <http://hrw.org/reports/2005/colombia1005/>. Acesso em: 6 fev. 2011.
  • LATIN AMERICA BRIEFING. Tougher challenges ahead for Colombia's Uribe. International Crisis Group, 20 out. 2006. Disponível em: <http://www.crisisgroup.org/library/documents/latin_america/b11_colombia_uribe_s_second_term.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.
  • ______. The virtuous twins: protecting human rights and improving security in Colombia. International Crisis Group, 25 mai. 2009. Disponível em: <http://www.crisisgroup.org/library/documents/latin_america/twins___protecting_human_rights_and_improving_security_in_colombia.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.
  • LATIN AMERICA REPORT. Colombia: president Uribe's democratic security policy. International Crisis Group, 13 nov. 2003. Disponível em: <http://www.crisisgroup.org/library/documents/latin_america/06_colombia__uribe_dem__security.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.
  • LEONGÓMEZ, Eduardo Pizarro. Una democracia asediada: balance y perspectivas del conflicto armado en Colombia. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2004.
  • MASON, Ann. Colombia's democratic security agenda: public order in the security tripod. Security Dialogue, v. 34, n. 4, 2003.
  • PALACIOS, Marco. Between legitimacy and violence: a history of Colombia 1875-2002. Duham: Duke University Press, 2006.
  • PRESIDENCIA DE LA REPÚBLICA - Ministério de Defensa Nacional. Política de defensa y securidad democrática Bogotá: Ministério de Defensa, 2003.
  • ROCHLIN, James F. Vanguard revolutionaries in Latin America: Peru, Colombia, Mexico. London: Lynne Reinner Publishers, 2003.
  • ROUQUIE, Alain; SUFFERN, Stephen. The military in Latin American politics since 1930. In: Cambridge History of Latin America, v. VI, part. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • SÁNCHEZ, Gonzalo G. Introduction: problems of violence, prospects for peace. In: BERGQUIST, C. et al. (Ed.). Violence in Colombia 1990-2000: waging war and negotianting peace. Willington: Scholary Resources Books, 2001.
  • SITUACIÓN de Derechos Humanos en Colombia fue debatida por Consejo de DD.HH. de la ONU. El Tiempo, 10 dez. 2008. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4715006>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • URIBE recibió "Medalla a la Libertad", máxima distinción que otorga Estados Unidos a un civil. El Tiempo, 12 jan. 2009. Disponível em: <http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4750248>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • VILLEGAS, Maurício Garcia; REBOLLEDO, Javier Eduardo Revedo. La concentración del poder en Colombia. In: ______ (Org.). Mayorías sin democracia: desequilibrio de poderes y Estado de derecho en Colombia 2002-2009. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, Dejusticia, 2009.
  • VILLEGAS, Maurício Garcia; SILVA, Catalina Vargas. El processo de concentración en su dimensión vertical. In: VILLEGAS, M. G.; REBOLLEDO, J. E. R. (Org.). Mayorías sin democracia: desequilibrio de poderes y Estado de derecho en Colombia 2002-2009. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, Dejusticia, 2009.
  • WHITE HOUSE. National security strategy. Washington, 2002. Disponível em: <http://www.globalsecurity.org/military/library/policy/national/nss-020920.pdf>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • ______. National security strategy. Washington, 2010. Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strat egy.pdf>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • 1
    . Esta e as demais citações foram traduzidas livremente do espanhol ou do inglês pelo autor.
  • 2
    .
    La Violencia refere-se a um período da história colombiana que costuma ser demarcado entre 1948 e 1966. É um período caracterizado pela intensificação da violência e da perseguição política no país a níveis até então inéditos em sua história independente. O que desencadeou a onda de violência foi a morte, em 1948, do líder político do Partido Liberal Jorge Eliécer Gaitán. Gaitán foi assassinado durante uma manifestação promovida por ocasião da IX Conferência Internacional dos Estados Americanos em Bogotá (BUSHNELL, 1993, p. 202), em evento que ficou conhecido como o Bogotazo. Imediatamente após o incidente, as ruas de Bogotá deram lugar a violentos confrontos, com ondas de saque e enfrentamentos entre manifestantes e a polícia (PALACIOS, 2006, p. 29). A partir daí, a violência alastrou-se para o meio rural e disseminou-se para todo o país, justificando um estado de sítio quase permanente durante os anos que se seguiram ao Bogotazo (PALACIOS, 2006, p. 125-130).
  • 3
    . A oposição desses grupos fez com que o governo de Rojas Pinilla fosse acusado de várias atitudes de clara restrição da liberdade de imprensa, como quando suspendeu a publicação, em agosto de 1955, do jornal El Tiempo de Bogotá (BUSHNELL, 1993, p. 217).
  • 4
    . Apesar de os militares terem conseguido que a Constituição de 1991 não interviesse em seus direitos a foro militar privilegiado, agências preexistentes, lideradas por civis, assim como escritórios desenvolvidos pela Constituição de 1991, tinham a prerrogativa de investigar os órgãos militares acusados de violações de direitos humanos. Muitos casos de direitos humanos envolvendo militares foram iniciados pelo Ministério Público. O escritório do procurador-geral foi investido da responsabilidade de trazer acusações contra os membros das forças do Estado, incluindo os membros das Forças Armadas. Ele passava a ter o direito de investigar violações de direitos humanos e de ordenar a remoção do serviço de membros das Forças Armadas, da polícia nacional e de qualquer outro ator do Estado responsável por essas violações (AVILÉS, 2006, p. 95).
  • 5
    . A Emenda Leahy foi originalmente introduzida pelo senador norte-americano Patrick Leahy como uma restrição ao ato executivo de apoio às operações estrangeiras. A emenda tinha por objetivo evitar o envio de ajuda norte-americana a forças militares estrangeiras "contra as quais existam alegações críveis de violações flagrantes de direitos humanos".
  • 6
    . A proposta que envolveu mais diretamente a participação da população civil foi a de organizar milícias camponesas semitreinadas cujos membros operariam em suas próprias comunidades. Elas são alistadas nos batalhões ou brigadas para três meses de treinamento básico e depois retornam para suas comunidades, onde a princípio serviriam como guardas municipais diurnos, voltando para suas casas à noite (AVILÉS, 2006, p. 136). Todavia, o fato de estarem servindo em suas próprias comunidades fez com que eles e suas famílias fossem facilmente identificáveis e se tornassem alvos frequentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) (LATIN AMERICA REPORT, 2003, p. 3-4). Dessa forma, civis estariam sendo expostos a níveis inaceitáveis de risco. Ambos os lados ameaçam os civis, já que as FARC sequestram as famílias dos soldados camponeses e de suspeitos de serem colaboradores e informantes (LATIN AMERICA REPORT, 2003, p. 3-4).
  • 7
    . "Falsos positivos" são assassinatos de cidadãos inocentes apresentados pelas forças de segurança como mortes de membros dos grupos armados ilegais, com o objetivo de inflar a contagem de baixas e, dessa forma, melhorar a imagem de eficiência do Exército para obter promoções e recompensas financeiras. "Positivo" é um eufemismo usado pelos oficiais colombianos para se referir à morte de um combatente guerrilheiro ou paramilitar. Para exemplos de denúncias ocorridas durante o período, ver Delegado... (2008) e Amenazas... (2008).
  • 8
    . Entre 1988 e 1991, a ajuda militar dos Estados Unidos à Colômbia aumentou sete vezes (AVILÉS, 2006, p. 49).
  • 9
    . Em 8 de novembro de 2001, Mark Souder, presidente do grupo de ação contra as drogas da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, depois de uma reunião com o presidente Andrés Pastrana, sustentou que "a linha que podia existir entre insurgência, narcotráfico e terrorismo desapareceu totalmente", e portanto, que os recursos entregues a seu país para a luta antinarcóticos poderiam ser utilizados para combater as FARC, o ELN e as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), se o governo colombiano assim o quisesse (LEONGÓMEZ, 2004, p. 277).
  • 10
    . Em meados do século XX, estima-se que duzentos desses grupos operavam no país (PALACIOS, 2006, p. 160).
  • 11
    . É necessário diferenciar grupos paramilitares de esquadrões da morte. Os primeiros, enquanto pese sua natureza ilegal ou sua ação irregular, são grupos estruturados, com comando central e funções definidas de maneira explícita. Os segundos são grupos informais, com estrutura flexível, sem sede ou composição conhecidas. Sua composição corresponde justamente à necessidade de preservar a identidade de seus membros na hora de desempenhar funções clandestinas (LEONGÓMEZ, 2004, p. 116). Segundo Fernando Cubides (2001), os paramilitares, diferentemente dos demais grupos, têm uma plataforma política deliberadamente voltada para a eliminação da guerrilha, ao mesmo tempo em que lançam mão de métodos e técnicas muito semelhantes aos desses grupos.
  • 12
    . José Obdulio Gavíria é um advogado e intelectual colombiano que foi assessor presidencial de Alvaro Uribe e é considerado o pensador por trás da ideologia política do ex-presidente. Envolveu-se em diversas polêmicas públicas para defender a legitimidade da Política de Segurança Democrática e a ideia de que não existe um conflito armado na Colômbia.
  • 13
    . Conforme discutido no elucidativo estudo de Villegas e Rebolledo (2009), nos anos do governo Uribe observou-se um processo de concentração de poderes nas mãos do Executivo. Essa dinâmica de concentração de poder, segundo os autores, teria duas dimensões: uma horizontal, a partir da qual o Executivo atua no aparelhamento de instituições públicas e expande sua influência sobre órgãos que deveriam contrabalançar sua autoridade no exercício do poder político. (A pesquisa conduzida por Villegas e Rebolledo faz uma análise da expansão da influência do Executivo sobre seis instituições que têm papel importante na arquitetura da política colombiana: a Corte Constitucional, a Defensoria Pública, o Conselho Nacional de Televisão, o Banco da República, o Conselho Superior de Advocacia e o Conselho Nacional Eleitoral.) A essa dimensão, soma-se outra, vertical, que marca o processo a partir do qual a autoridade do governo central se sobrepõe sobre a autoridade dos governos locais, intervindo diretamente por meio de conselhos comunitários e concentrando os recursos para a execução dos programas sociais e de transferência de renda (VILLEGAS; SILVA, 2009).
  • 14
    . Em um dos exemplos recentes mais flagrantes, quando a Corte Constitucional de Justiça da Colômbia se opôs a que o paramilitarismo fosse tratado como um delito político (condição central para o estabelecimento da Lei de Justiça e Paz, de 2005), o presidente desqualificou a Corte dizendo que a decisão tinha um viés ideológico, que os magistrados tinham caído na armadilha do terrorismo agonizante e que tal postura representava um ataque contra a paz na Colômbia (VILLEGAS; REBOLLEDO, 2009, p. 355-356).
  • 15
    . Para uma análise sistemática da relação dos paramilitares com a política colombiana em geral e com o governo Uribe em particular (cobrindo o momento do primeiro mandato), ver Hylton (2006). Para uma análise mais atualizada, e focada em um conjunto mais pontual de escândalos, ver Giraldo (2008).
  • *
    O autor agradece à Paula Vedoveli pelos comentários e sugestões ao artigo. Os equívocos e omissões que por ventura permaneçam são de inteira responsabilidade do autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      Dez 2010
    • Recebido
      Nov 2010
    Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais Rua Marques de São Vicente, 225 - Casa 20 , 22453-900 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3527-2284, Fax: (55 21) 3527-1560 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: cintjournal@puc-rio.br