Acessibilidade / Reportar erro

Participação do setor privado na governança ambiental global: Evolução, contribuições e obstáculos

The participation of the private sector in the global environmental governance: Evolution, contributions and obstacles

Resumos

Este artigo tem por objetivo analisar a evolução da participação do setor privado na Governança Ambiental Global (GAG), identificando as contribuições dadas e os principais obstáculos enfrentados por esse ator. Para atingir este objetivo, privilegiou-se a estratégia de pesquisa qualitativa baseada em análise de conteúdo da literatura acadêmica,working papers, diagnósticos e relatórios institucionais. Constatou-se que a participação do mundo dos negócios na GAG se dá pelo processo de formação e implementação de regimes ambientais internacionais e pelo desenvolvimento de regimes híbridos e privados de governança ambiental. Defende-se que o setor privado pode contribuir para a efetividade da GAG. Entretanto, existem vários obstáculos a serem superados visando uma participação mais ativa e direta desse ator na ecopolítica mundial.

Governança Ambiental Global; Setor Privado; Regimes Ambientais Internacionais; Ecopolítica Mundial


This article intends to study the evolution of the participation of the private sector in the Global Environmental Governance (GEG), identifying the contributions and the main obstacles faced by this actor. To achieve this goal, emphasis was done on qualitative research strategy based on analysis of academic literature, working papers, diagnostics and institutional reports. It shows that the participation of business in the GEG occurs through the process of formation and implementation of international environmental regimes and the development of hybrid and private environmental governance schemes. In conclusion, this article defends that the private sector can contribute to the effectiveness of GEG, however, there are several obstacles to a stronger participation of this actor in the world ecopolitics.

Global Environmental Governance; Private Sector; International Environmental Regimes; World Ecopolitics


Participação do setor privado na governança ambiental global: Evolução, contribuições e obstáculos*

The participation of the private sector in the global environmental governance: Evolution, contributions and obstacles

Jose Célio Silveira Andrade

Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), professor do Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA) da UFBA e pesquisador do Laboratório de Análise Política Mundial (LABMUNDO) do NPGA/UFBA. E-mails: celiosa@ufba.br ou celio.andrade@superig.com.br

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar a evolução da participação do setor privado na Governança Ambiental Global (GAG), identificando as contribuições dadas e os principais obstáculos enfrentados por esse ator. Para atingir este objetivo, privilegiou-se a estratégia de pesquisa qualitativa baseada em análise de conteúdo da literatura acadêmica,working papers, diagnósticos e relatórios institucionais. Constatou-se que a participação do mundo dos negócios na GAG se dá pelo processo de formação e implementação de regimes ambientais internacionais e pelo desenvolvimento de regimes híbridos e privados de governança ambiental. Defende-se que o setor privado pode contribuir para a efetividade da GAG. Entretanto, existem vários obstáculos a serem superados visando uma participação mais ativa e direta desse ator na ecopolítica mundial.

Palavras-chave: Governança Ambiental Global - Setor Privado - Regimes Ambientais Internacionais - Ecopolítica Mundial

Abstract

This article intends to study the evolution of the participation of the private sector in the Global Environmental Governance (GEG), identifying the contributions and the main obstacles faced by this actor. To achieve this goal, emphasis was done on qualitative research strategy based on analysis of academic literature, working papers, diagnostics and institutional reports. It shows that the participation of business in the GEG occurs through the process of formation and implementation of international environmental regimes and the development of hybrid and private environmental governance schemes. In conclusion, this article defends that the private sector can contribute to the effectiveness of GEG, however, there are several obstacles to a stronger participation of this actor in the world ecopolitics.

Keywords: Global Environmental Governance - Private Sector - International Environmental Regimes - World Ecopolitics

Introdução

Este artigo tem como tema a Governança Ambiental Global (GAG), entendida como um conjunto coerente de organizações, instrumentos de política internacional - tratados, instituições, agências -, mecanismos de financiamento, regras, procedimentos e normas que regulam o processo de proteção mundial do meio ambiente (NAJAM et al., 2006). A precursora do debate sobre GAG foi a Conferência Mundial sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, em junho de 1972. Durante essa Conferência, deu-se o primeiro reconhecimento, no âmbito das relações interestatais, da necessidade de um esforço coletivo da comunidade internacional em busca de soluções para os problemas ambientais globais. Assim, a conferência de Estocolmo dá início a mais de três décadas de discussões, negociações e ratificações de uma série de acordos ambientais internacionais e cria o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

A Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), realizada vinte anos mais tarde, estabelece as Convenções da Biodiversidade, Mudanças Climáticas e Desertificação e cria a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS). Existem hoje aproximadamente quinhentos acordos multilaterais sobre o meio ambiente. Cerca de quarenta instituições são membros do Grupo de Gestão Ambiental da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo, portanto, mandato em matéria de meio ambiente. Muitas reuniões são realizadas anualmente para avaliar a implementação dos acordos e convenções. Uma significativa quantidade de recursos humanos é empregada para produzir relatórios de avaliação nos níveis tanto global quanto nacionais. Esse crescimento do sistema de GAG, em pouco mais de trinta anos, responde a um aumento da complexidade dos problemas ambientais tanto quanto à escala como ao escopo. A natureza dos problemas ambientais globais está mudando muito rapidamente: tornam-se cada vez mais amplos, ignorando as fronteiras entre os Estados e as disciplinas. Requerem, portanto, uma ação coletiva mundial. Assim, a ação da comunidade internacional em favor da proteção do meio ambiente inscreve-se em um quadro organizacional e político-institucional cada vez mais complexo.

Entretanto, apesar de todo esse crescimento do sistema de GAG, nos últimos trinta anos, o estado de conservação do meio ambiente global não tem melhorado na mesma proporção. Pelo contrário. Estudos realizados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas mostram que o aquecimento global continua aumentando. O nível de CO2na atmosfera global, que era de 300 ppm em 1990, atingiu atualmente a marca de 380 ppm. O relatório intitulado Living beyond our means (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005) mostra o declínio da qualidade ambiental de 60% dos ecossistemas mundiais examinados, representando riscos reais para o planeta Terra. Desde 1980, 35% dos manguezais e 20% dos recifes de corais do planeta têm sido destruídos. Uma década depois da assinatura da Convenção Mundial da Biodiversidade, a taxa de extinção de espécies é aproximadamente mil vezes mais alta do que seria a taxa natural sem a influência antrópica. Estimativas sugerem que ainda são desmatados cerca de 150 mil km2 de florestas a cada ano no planeta (LE PRESTRE, 2005).

Atribui-se essa situação paradoxal principalmente à ineficácia do sistema de GAG. Construído coup par coup, os diagnósticos realizados mostram que o sistema de GAG sofre de falta de coerência, cooperação, coordenação e implementação. A dispersão e a fragmentação da GAG, aliadas à falta de vontade política para uma ação coletiva global efetiva, colocam em xeque o conjunto de esforços da comunidade internacional em favor do meio ambiente (IVANOVA et al., 2007). Assim, para que o estado do meio ambiente mundial saia do estágio crítico em que se encontra, faz-se necessária não somente uma melhor cooperação e coordenação das ações entre todos os atores internacionais (Estados, setor privado, organizações intergovernamentais (OIGs), organizações não governamentais (ONGs), cientistas, mídias etc.), como também uma maior participação dos atores não estatais na GAG.

Existe, portanto, um desafio para a criação, por um sistema de GAG fortemente state-centric, ou seja, centrado em torno dos atores estatais, de novos espaços político-institucionais que permitam uma participação mais efetiva dos atores não estatais no processo de concepção de regimes internacionais ambientais. Isto é, em um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, concernente à proteção do meio ambiente global, no qual há uma convergência das expectativas dos múltiplos atores envolvidos na ecopolítica mundial (KRASNER, 1983). Esse desafio está fundamentado no pressuposto de que a inclusão e participação ativa e legítima dos atores não estatais no processo de regulação internacional do meio ambiente é essencial para a melhoria da efetividade dos acordos multilaterais ambientais e, portanto, da GAG.

Apesar do pouco espaço político-institucional reservado pelo sistema da GAG a uma participação mais efetiva do setor privado, esse ator vem exercendo um papel muito importante na implementação dos mecanismos pertinentes aos acordos multilaterais sobre o meio ambiente (por exemplo, na execução de projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDLs) no âmbito do Protocolo de Quioto) e participado de maneira crescente nos fóruns internacionais de negociação para a construção dos diferentes regimes ambientais internacionais (como, por exemplo, para a proteção da camada de ozônio). Assim, a partir dos anos 1990, tem havido também uma crescente participação dos atores corporativos em pelo menos mais dois processos de GAG: desenvolvimento de regimes privados (International Organization for Standardization (ISO 14000), Atuação Responsável etc.) e híbridos (parcerias público-privadas) de governança ambiental (Pacto Global, Chicago Climate Exchange (CCX) etc.).

Entretanto, apesar do crescente reconhecimento sobre a importância do papel dos atores não estatais na ecopolítica mundial, poucos estudos colocam o setor privado no centro das pesquisas sobre GAG (LEVY; NEWELL, 2005). Visando contribuir para o fortalecimento do campo de pesquisas sobre o papel das empresas na ecopolítica mundial, este artigo tem como objetivo analisar a evolução da participação do setor privado na GAG, identificando as contribuições dadas e os principais obstáculos enfrentados por esse ator.1 Para atingir tal objetivo, este estudo, baseado na revisão da literatura realizada no âmbito de um estágio pós-doutoral,2 privilegiou a estratégia de pesquisa qualitativa baseada em análise de conteúdo da literatura acadêmica, working papers, diagnósticos e relatórios institucionais.

Assim, nas três primeiras seções deste artigo, analisa-se a participação dos atores corporativos na formação e implementação de regimes ambientais internacionais, no desenvolvimento de regimes híbridos público-privados de governança ambiental e na concepção de regimes privados de governança ambiental. Nas quarta e quinta seções, apresentam-se, respectivamente, as contribuições do setor privado para uma GAG mais eficaz e os principais obstáculos a uma participação mais ativa e direta desse ator. Nas considerações finais, defen-de-se que um modelo descentralizado e híbrido em formato de rede pode contribuir para a superação do paradigma state-centric dominante na GAG.

Atores Corporativos no Desenvolvimento de Regimes Ambientais Internacionais

O setor privado é considerado um importante ator da GAG, já que seus interesses são diretamente afetados pela regulação ambiental. Historicamente vistos como opositores às políticas ambientais nacionais e globais, os atores corporativos, até a Conferência de Estocolmo em 1972, utilizavam a sua influência política junto aos atores estatais para vetar ou enfraquecer os regimes ambientais, por meio de ações de lobbying e representações junto aos governos e às organizações internacionais (PORTER; BROWN, 1996).

No entanto, a partir da Rio-92, verifica-se uma participação mais direta e crescente do setor privado nas conferências globais visando defender seus interesses diretamente nas arenas internacionais. Cabe registrar, aqui, o papel que duas instituições empresariais desempenharam na Rio-92, incentivadas por Maurice Strong, organizador da Conferência e ex-líder empresarial: o Business Council for Sustainable Development (BSCD), criado em 1990, e a Câmara de Comércio Internacional (CCI).

A partir de uma interpretação do desenvolvimento sustentável como aquele que reconcilia os interesses econômicos e ambientais, o BCSD e a CCI criaram o Conselho Mundial da Indústria para o Meio Ambiente (CMIMA). Atuando como lobista junto às delegações governamentais presentes na Rio-92, o CMIMA tinha como objetivo promover a ideia de parcerias entre setor privado, ambientalistas e comunidade internacional na busca de soluções ambientais por meio de um modelo de GAG orientado para o mercado e baseado na autorregulação.

Com base nesses princípios, essas duas instituições elaboraram um código de conduta empresarial: a Carta de Princípios Empresariais para o Desenvolvimento Sustentável da CCI (ICC Business Charter for Sustainable Development), abrindo caminho para o rápido crescimento, nos anos 1990, dos regimes privados de GAG. A governança ambiental privada iniciou-se no final da década de 1980, por meio do Programa Atuação Responsável, liderado pelas associações da indústria química dos Estados Unidos e Canadá (CLAPP, 2005).

Posteriormente, em 1995, o BCSD e o CMIMA fundiram-se para formar o Conselho Mundial das Empresas para um Desenvolvimento Sustentável (em inglês, World Business Council for Sustainable Development (WBCSD)), um dos atores empresariais mais atuantes na GAG. Em 1999, com o objetivo de estruturar a participação do setor privado nas confêrencias mundias da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, o WBSCD e a CCI lançaram uma nova iniciativa conjunta intitulada Business Action for Sustainable Development (BASD).

Assim, apesar de algumas vezes os interesses dos atores corporativos de maneira geral ou de um determinado setor industrial não serem claros ou monolíticos, a partir dos anos 1990 percebe-se uma mudança de comportamento estratégico desses atores com relação à GAG. Algumas empresas substituem uma postura reativa/defensiva por uma postura mais ofensiva, pró-ativa e inovadora, visando contribuir para a busca de soluções ambientais duráveis, como, por exemplo, a DuPont e a Imperial Chemicals Industries (ICI) ao desenvolverem substitutos para produtos degradadores da camada de ozônio (clorofluorcarbonos (CFCs)).

De acordo com Le Prestre (2005), o comportamento do mundo industrial com as questões ambientais mudou a partir dos anos 1990, por conta da(o): a) emergência da indústria "verde", que percebe na adoção de regulamentações internacionais uma oportunidade de crescimento; b) apoio de certas empresas e governos à ação de determinadas ONGs ambientalistas; c) progressiva conscientização das empresas sobre a necessidade de levar em conta os problemas ambientais, visto serem eles suscetíveis de afetar a legitimidade e competitividade empresariais; d) percepção por parte do setor empresarial de que uma GAG forte, eficiente e eficaz é central para os interesses do mundo dos negócios, pois provê um arcabouço institucional estável e favorável à sustentabilidade, fator de competitividade e legitimidade empresarial; e) incentivos, por parte de governos e OIGs, para que o setor privado desempenhe um papel mais ativo e institucionalizado nas questões ambientais globais.

Foi então que, a partir da década de 1990, Kofi Annan, então secretá-rio-geral da ONU, começou ativamente a sua cruzada por uma maior cooperação institucional com o setor privado, como parte essencial do processo de reforma da GAG. Os atores corporativos passaram a ser vistos não apenas como um problema a ser regulado, mas como parte da solução, sendo convidados, portanto, a observar e contribuir com os debates sobre a criação de regimes ambientais internacionais nas conferências globais. O status de observador permitiu, então, a presença dos atores corporativos durante os processos de negociações internacionais, a intervenção desses atores no início das sessões de negociação e a distribuição de materiais fora do plenário (IVANOVA et al., 2007).

As associações empresariais, tais como o WBCSD e a CCI, contribuíram bastante, a partir da década de 1990, para aumentar a visibilidade e a influência do mundo dos negócios nos fóruns ambientais internacionais. Chamadas de Business or Industry NGO (BINGOs) pelas instituições da ONU, essas associações exercem um papel importante nas negociações multilaterais ambientais por uma série de razões. A primeira está relacionada com o acesso das empresas à arena internacional. As BINGOs funcionam como o canal oficial de acesso das corporações às negociações multilaterais, já que o sistema de governança da ONU permite somente a presença de quatro categorias: delegações nacionais, imprensa, OIGs e observadores filiados a ONGs.

Assim, para ter presença física na arena internacional de negociações, uma empresa deve ser membro de uma BINGO devidamente registrada nas Secretarias das Convenções da ONU. Por exemplo, muitas grandes empresas multinacionais, como Shell, BP, Exxon Mobil, Chevron Texaco etc., têm participado como observadores nas negociações multilaterais ambientais por meio de várias BINGOs, pois elas tendem a escolher aquela sobre a qual exercem um maior poder de influência e um papel dominante.

Além do acesso, as BINGOs provêm também vários serviços logísticos aos seus membros durante as negociações, tais como troca de informações para formação de redes de contatos, espaços de reunião para criação e negociação de position papers, realização de eventos paralelos, colocação de estandes para difusão de informações, newsletters etc. Uma segunda função muito importante das BINGOs é a negociação de consenso entre seus membros visando apresentar uma voz uniforme quando participam das negociações multilaterais e aumentar, portanto, o seu poder de influência na ecopolítica mundial. Um terceiro papel das BINGOs na arena ambiental internacional é servir como canal oficial e legítimo para colocar seus membros dentro do processo político. Para tal, utilizam várias estratégias de comunicação e transferência de informação visando influenciar a direção das negociações multilaterais: lobbying, preparação de relatórios e position papers, cooperação e participação como convidado nas delegações nacionais etc. (PULVER, 2005).

Assim, tradicionalmente percebido como um ator ausente na cena ambiental internacional, a partir dos anos 1990, parte do setor privado passa a adotar uma postura mais ativa, visando tornar-se um ator político da ecopolítica mundial. Está cada vez mais aparente, atualmente, que algumas empresas, tais como Dupont, Shell, BP etc., podem ser consideradas como atores políticos-chave da GAG, forjando os processos de regulação ambiental global de maneira direta e indireta. Individualmente ou por intermédio de associações empresariais, trabalham nos níveis local, nacional, regional e internacional por meio de mecanismos de integração vertical, tais como participando de redes transnacionais, para influenciarem o processo de formação de políticas ambientais (CLAPP; DAUVERGNE, 2005).

Entretanto, convém salientar que, em algumas circunstâncias, a influência dos atores corporativos na arena ambiental internacional mostra-se limitada. Segundo Porter e Brown (1996), uma das dificuldades encontradas pelo setor privado ao atuar nas arenas ambientais internacionais é justamente conseguir ser percebido pelos outros atores como defensor de interesses coletivos/globais e não apenas de seus próprios interesses individuais/particulares. Esses autores destacam o esforço que vem sendo dispendido pelos atores empresariais para representarem interesses econômicos e sociais mais amplos e não apenas interesses particulares de determinado setor industrial.

Assim, à medida que ganham experiência, os atores corporativos vêm desenvolvendo estratégias políticas cada vez mais sofisticadas para defenderem os seus interesses nos fóruns ambientais internacionais, para além das convencionais atividades de lobbying, doações financeiras a campanhas políticas e/ou ameaças de relocação pelo uso do poder estrutural3 que exercem na economia global.

Para Levy e Newell (2005), na negociação de muitos regimes ambientais internacionais, é crescente a participação formal de atores corporativos nos advisory panels e nos processos de autoria e revisão de relatórios científicos como knowledge-broker, provendo conhecimentos tecnológicos e econômicos na forma de artigos técnicos. Esses autores apontam também o aumento do envolvimento das empresas na GAG como inovadores tecnológicos, buscando soluções para problemas ambientais específicos, como, por exemplo, a Dupont e a ICI, no desenvolvimento de produtos substitutos ao CFC. Assim, normalmente, no conjunto de estratégias utilizadas pelos atores corporativos para assegurar tanto competitividade no mercado quanto legitimidade social, estão incluídas a inovação tecnológica, a construção de coalizões e redes transnacionais, a participação em debates públicos sobre questões ambientais etc.

Evidentemente, a legitimidade das atividades políticas desempenhadas pelos atores corporativos na GAG é uma questão complexa e controvertida. Existe toda uma literatura crítica sobre o papel do mundo dos negócios como ator ativo na busca de soluções para os problemas ambientais e não como objeto de regulação estatal. De acordo com Levy e Newell (2005, p. 10), para a maioria dos autores pertencentes à corrente crítica de GAG, permitir o envolvimento do setor privado na construção de respostas estratégicas para os desafios ambientais é o mesmo que colocar "a raposa para tomar conta das galinhas".4

Assim, o debate em torno do processo de transição do papel do setor privado na GAG de rule-taker para rule-maker,5 iniciado nos anos 1990, prossegue até a década atual. Tradicionalmente vistos somente como poluidores e lobistas contra regulações ambientais, a partir da década de 1990, o setor privado passa a ser incentivado pelo sistema das Nações Unidas a contribuir como um ator-chave para uma GAG mais forte, eficiente e eficaz. Em 2001, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) inicia uma reflexão internacional sobre a nova arquitetura institucional para regular a relação entre as nações e todos os atores não estatais engajados na GAG, visando facilitar a cooperação internacional e implementar uma política mais eficaz de proteção ambiental.

Em 2002, na Conferência de Johannesburgo sobre o Desenvolvimento Sustentável, o setor privado, por meio da coalizão empresarial, BASD, teve um importante papel ao promover o uso de iniciativas voluntárias de Responsabilidade Socioambiental Corporativa (RSAC) como uma alternativa ao modo tradicional de regulação estatal do tipo comando e controle, argumentando que a indústria deve ser percebida como um "ator-solução a mobilizar" e não somente como um "ator-problema a regular" (CLAPP; DAUVERGNE, 2005).

Johannesburgo 2002 marcou, portanto, o debate sobre a necessidade do envolvimento ativo dos atores corporativos para uma GAG forte, eficiente e eficaz, consolidando um novo tipo de governança: parcerias público-privadas para transformar princípios globais em projetos locais. Um dos mais representativos exemplos de regime híbrido (público-privado), desenvolvido em parceria com o sistema da ONU e reafirmado na conferência de Johannesburgo, foi o Pacto Global, instrumento de autorregulação voluntária de RSAC, lançado oficialmente em 2000 pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan (MORGERA, 2006).

Atores Corporativos na Criação de Regimes Híbridos de Governança Ambiental

A literatura tem dado cada vez mais atenção à análise do papel dos atores corporativos nas parcerias público-privadas como um novo tipo de regime de GAG. A racionalidade das parcerias público-priva-das está fundamentada no pressuposto de que a solução de problemas ambientais globais requer a ação coletiva e os recursos de competência de todos os segmentos da sociedade: setor privado (tecnologia, investimento, habilidades gerenciais e organizacionais), governo (investimento em infraestrutura e em serviços públicos não atrativos para a atuação sozinha de empresas), ONGs e OIGs (conhecimento e envolvimento nos níveis local e global, pressão por transparência e fonte de legitimidade).

Entretanto, Ivanova et al. (2007), defensores dos regimes híbridos de governança ambiental como uma das estratégias para o aumento da eficácia da GAG, ao analisarem 311 projetos de parceria público-pri-vadas, registrados no UN Fund for International Partnership (UNFIP) entre 1994 e 2005, totalizando um investimento de US$ 594 milhões, concluíram que esse tipo de instrumento de governança ambiental ainda apresenta vários desafios a serem superados. Entre os desafios listados por esses autores, convém destacar, por exemplo: i) a baixa representatividade do setor privado: somente 20% dos projetos tem o envolvimento de empresas e somente 2% é liderado por atores corporativos; ii) a alta representatividade do setor público estatal e não estatal: 33% dos projetos é liderado pelos governos dos países da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), 35% por ONGs internacionais ocidentais e 26% por OIGs; iii) a baixa transparência e eficácia das parcerias: somente 59 das 311 parcerias submeteram relatórios de prestação de contas e somente 1% destes relataram ter alcançado resultados previstos.

Já uma parte mais crítica da literatura percebe as parcerias públi-co-privadas como o início de um amplo processo de privatização do sistema da ONU, no qual os atores privados assumem parte do trabalho do sistema de GAG e em troca se beneficia da boa imagem dessa instituição internacional. A principal preocupação é com o conflito entre interesses públicos e privados que poderá ocorrer com o aumento da dependência do sistema de GAG com relação aos atores corporativos, como também com o grau de independência das OIGs para regular esses atores (LEVY; NEWELL, 2005).

O desenvolvimento do Pacto Global entre a ONU e o setor privado ilustra esse tipo de preocupação. Essa parceria público-privada engloba princípios relacionados com questões socioambientais, de direitos do trabalho e anticorrupção, já existentes no conjunto de convenções da ONU, que as empresas signatárias são incentivadas a incorporarem nos seus sistemas de gestão ambiental. Esse tipo de regime de GAG de caráter voluntário, considerado mais eficaz, por estar baseado no aprendizado coletivo das melhores práticas empresariais, tem como propósito principal incentivar as empresas a tornarem-se atores socioambientais mais responsáveis e parceiros da ONU no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (em inglês, Millennium Development Goals (MDGs)).

Segundo dados do site oficial da ONU, 3.864 empresas participavam do Pacto Global em fevereiro de 2008. Cerca de 50% são grandes empresas (mais do que 250 empregados em tempo integral), sendo que aproximadamente 8% dessas grandes companhias fazem parte do ranking das quinhentas maiores corporações globais do Financial Times. Dentre as empresas brasileiras signatárias do Pacto Global, pode-se citar, por exemplo, a Petrobras, a Vale, a Braskem S/A, a Aracruz Celulose S/A etc. (UN, 2008).

Entretanto, em Johannesburgo 2002, apesar do número ainda relativamente pequeno de corporações participantes, o Pacto Global foi utilizado frequentemente pelos atores corporativos como argumento contrário à adoção de qualquer outro instrumento regulatório sobre RSAC de caráter compulsório. Assim, o Pacto Global tem sido bastante criticado por algumas ONGs pela sua inadequabilidade para promover mudanças significativas no comportamento socioambiental de atores empresariais mais resistentes, em razão da abordagem utilizada para lidar com o setor privado: de uma relação de "confrontação" pautada em instrumentos compulsórios de regulação estatal do tipo comando-controle para um novo tipo de relacionamento baseado na cooperação e fundamentado em instrumentos voluntários de autorregulação ambiental. Elas acusam algumas empresas multinacionais de estarem usando o Pacto Global para praticarem green-wash6e blue-wash7e se legitimarem perante o sistema da ONU sem, contudo, demonstrarem de maneira transparente e efetiva o cumprimento dos princípios pactuados (CLAPP, 2005; MORGERA, 2006).

Logo, visando melhor a sua legitimidade e transparência diante dos stakeholders,8 um número crescente de corporações tem utilizado como estratégia de RSAC a publicação de relatórios de sustentabilidade. Até 2003, mais de 10 mil corporações já tinham publicado relatórios de sustentabilidade empresarial, incluindo 45% das 250 maiores empresas multinacionais (NAJAM et al., 2006). Para o desenvolvimento de um conjunto de princípios-guia, internacionalmente reconhecidos, de publicação de relatórios de sustentabilidade, uma coalizão de ONGs, empresas e OIGs criou mais uma iniciativa híbrida de GAG, o Global Reporting Initiative (GRI). Por exemplo, em maio de 2008, a Petrobras ganhou o prêmio do GRI como um dos melhores relatórios de sustentabilidade do mundo. Entre as empresas brasileiras finalistas, pode-se citar a CEMIG, a Natura Comésticos, Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais, Banco Real ABN etc. (GRI, 2008).

Outro exemplo de parceria do tipo público-privado dá-se no âmbito da implementação dos mecanismos do Protocolo de Quioto. O setor privado tem feito parcerias com alguns atores públicos não estatais e/ou atores governamentais para criação de sistemas de comércio de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs).9 Levy e Newell (2005) citam, por exemplo, a parceria entre a ONG Climate Action e Alcan, BP, Dupont, Entergy, Ontario Power Generation, Pechiney, Shell e Suncor, visando a redução de cerca de 80 milhões de toneladas de CO2 e a implementação, até 2010, de um sistema de comércio de emissões de GEEs. Outro exemplo de parceria entre os setores privado e público visando atuar no mercado de carbono se refere à criação, em 2003, da CCX por algumas empresas norte-americanas, tais como American Electric Power, Du Pont, Ford, International Paper, Manitoba Hydro, Stora Enso North America, entre outras, e alguns governos municipais, como o governo da cidade de Chicago.

A criação pelo Banco Mundial e pelo Banco Japonês para Cooperação Internacional (em inglês, Japan Bank For International Cooperation (JBIC)) do Prototype Carbon Fund (PCF) visando incentivar a redução da emissão de GEEs por meio da implementação de projetos de MDL e de Implementação Conjunta é outro exemplo de parceria público-privada no âmbito do Protocolo de Quioto. Em junho de 2002, esse fundo contava com a participação de oito empresas japonesas e nove empresas europeias distribuídas entre os setores de energia (BP, Electrabel, Fortum, Gaz de France e Statoil), eletricidade (Chubu, Chugoku Eletric Power, Kyushu Eletric Power Company, RWE, Shikoku Eletric Power Co., Tohoku Eletric Power Co. e Tokyo Eletric Power Co.), finanças (Deutsche Bank e Rabobank), petróleo (Norsk Hydro), comércio (Mitsubishi e Mitsui), cinco governos nacionais (Canadá, Finlândia, Noruega, Suécia e Holanda), além de representantes de 31 países-hospedeiros de projetos de redução de emissão de GEEs (DUNN, 2005).

Convém salientar, entretanto, que algumas ONGs, baseadas no hemisfério Sul, criticam fortemente esse tipo de mecanismo de governança, fundamentado no comércio de emissões, sob o argumento de que se trata de uma maneira de os países industrializados do Norte escaparem da responsabilidade de reduzirem suas emissões de GEEs dentro das suas fronteiras nacionais. Para alguns representantes dessas ONGs, por exemplo, o MDL é moralmente errado, pois tenta transferir a responsabilidade da solução do problema para aqueles que não criaram o problema (SOUTHSOUTHNORTH, 2004). Para eles, a principal questão em jogo é a eficiência econômica ao invés do conceito de desenvolvimento sustentável, pois é mais barato realizar projetos de redução de emissões de GEEs nos países pobres do que nos países industrializados. Logo, é necessário que os países do Sul desenvolvam capacidade político-institucional para fazer com que os projetos de MDL sejam mais sócio e ambientalmente orientados.

Atores Corporativos na Concepção de Regimes Privados de Governança Ambiental

Segundo a literatura, um dos principais papéis de rule-maker desempenhados pelos atores corporativos na GAG é o desenvolvimento de regimes privados de governança ambiental. Os regimes privados de GAG são mecanismos institucionais internacionais que visam a autorregulação voluntária da RSAC, nos quais a autoridade estatal não está presente (forma pura) ou não é a autoridade política predominante (forma híbrida). Eles surgiram com grande força, no final do século XX, em um contexto marcado pela globalização econômica, pelo processo de reforma do Estado e pelo crescimento da influência de atores não estatais na ecopolítica internacional, como um contra-ponto ao modelo tradicional state-centric de GAG (FALKNER, 2003).

Para a literatura mais crítica, a emergência de regimes privados, principalmente a partir da Rio-92, tem fortalecido o princípio liberal de autorregulação, sinalizando a convergência das forças hegemônicas globais em torno de um modelo de GAG mais orientado para os mecanismos de mercado e menos baseado nos instrumentos convencionais de regulação state-centric do tipo comando e controle (BRUNO, 2002).

Levy e Newell (2005), por exemplo, argumentam que um bom indicador dessa tendência foi a inclusão no regime de mudanças climáticas de mecanismos de implementação mais flexíveis, baseados no mercado, envolvendo o sistema de comércio de emissões de GEEs. Esses autores descrevem como a indústria de seguros vem desenvolvendo seu próprio conjunto de mecanismos de governança privada para fazer frente aos riscos potenciais causados pelo fenômeno das mudanças climáticas. Eles demonstram que a estratégia dominante entre as seguradoras tem sido o desenvolvimento de novos instrumentos de mercado para aumentar a sua capacidade de suportar as grandes perdas financeiras que podem ser causadas por desastres climáticos de larga escala. Segundo Dunn (2005), estimativas feitas pela indústria alemã de seguros mostram que o fenômeno das mudanças climáticas pode custar cerca de US$ 300 bilhões/ano até 2050, em virtude das perdas causadas pelo clima e dos impactos causados na indústria e agricultura.

Falkner (2003), entretanto, deixa claro que, apesar de os regimes privados de governança transferirem algumas funções tradicionais de governança ambiental do Estado para o setor privado e contribuírem para uma maior representatividade e legitimidade dos atores corporativos na GAG, isto não significa necessariamente um declínio do poder e autoridade regulatória estatal. Para esse autor, é a relação entre Estado, setor privado e sociedade civil que está sendo redefinida de uma maneira cada vez mais complexa e interdependente, criando modelos híbridos de governança. Ele argumenta que a forma pura de governança privada ("governança sem governo") apresenta relevâncias conceitual e empírica limitadas, preferindo definir os regimes privados como formas híbridas de GAG, nas quais as fronteiras entre as esferas pública e privada são cada vez menos nítidas. Assim, mesmo que os Estados ou OIGs não sejam os atores protagonistas e responsáveis pela criação dos regimes privados de governança ambiental, eles vêm contribuindo bastante para o seu fortalecimento e legitimidade ao reconhecerem oficialmente e/ou incorporá-los no sistema de regulação ambiental internacional.

Essas formas híbridas de regimes privados, tais como regimes de certificação (International Environmental Management Standards (ISO 14000), Forest Stewardship Council (FSC), Marine Stewardship Council (MSC)), códigos de conduta (Princípios Coalition for Environmentally Responsible Economies CERES-Valdez, Carta de Princípios Empresariais para o Desenvolvimento Sustentável da CCI, Atuação Responsável), entre outros, são frequentemente desenvolvidos em parcerias com ONGs e legitimados pelos Estados e OIGs, representando um componente cada vez mais importante da arquitetura da GAG. Eles indicam a habilidade dos atores não estatais, organizados na forma de redes transnacionais, de criarem seus próprios regimes e de influenciarem a estrutura da GAG. A inclusão desses instrumentos de regulação civil (soft civil-society-based regulation)na GAG visa preencher as lacunas de governança deixadas pelos governos referentes à regulação dos impactos ambientais causados pelas atividades empresariais. Um importante exemplo de forma híbrida de regime privado de GAG que emergiu ao largo do modelo convencional de regulação ambiental state-centric foi o FSC. Lançado em 1993 pelo World Wide Fund for Nature (WWF) e Greenpeace em parceria com atores corporativos ligados à cadeia produtiva da silvicultura, como resposta à falta de ação efetiva da comunidade estatal internacional para a proteção das florestas, o FSC estabelece critérios de manejo sustentável de florestas e certifica empresas que cumprem esses padrões (CLAPP, 2005).

Convém salientar, porém, que as ONGs desempenham um importante papel na formação e crescimento dos regimes privados de GAG, seja como agente de pressão e estímulo, como parceiro e/ou como agente de monitoramento do cumprimento dos regimes privados por parte das empresas. Para Falkner (2003), o engajamento das ONGs nos regimes privados de GAG é uma forma alternativa de ativismo ambiental global potencialmente mais efetiva do que fazer lobbying junto aos Estados para o estabelecimento de regulações ambientais internacionais de caráter mandatório. Ao investigar alianças horizontais entre corporações e ONGs para a construção de regimes privados de GAG, esse autor argumenta que é um erro conceber a eco-política mundial somente como um jogo de atores corporativos versus ONGs. Ele mostra que, por meio dessas parcerias, as ONGs podem oferecer aos atores corporativos alguns graus de legitimidade, rede de contatos e algum conhecimento científico. Os atores corporativos, em contrapartida, podem oferecer às ONGs recursos financeiros, acesso às OIGs e a oportunidade de influenciar diretamente as práticas industriais que impactam o meio ambiente.

Isto posto, pode-se entender os regimes privados de GAG como a expressão de uma necessidade percebida pelos atores corporativos de usufruir dos benefícios de um regime, em termos de estabilidade de regras, normas e procedimentos de tomada de decisão, sem a necessidade do poder estatal para monitorar e fiscalizar a sua aplicação. Na maioria dos casos, isso é feito por meio de relatórios, auditorias e inspeções realizados por outras autoridades privadas. As sanções cor-respondem normalmente à perda da certificação de um determinado produto/processo, perda de legitimação pública e consequentemente implicações financeiras associadas à erosão da marca/imagem da organização. Argumenta-se que os regimes privados de GAG refletem não somente o desejo das corporações pela autorregulação, mas também a necessidade de responderem às pressões de stakeholders.

Assim, a busca de legitimidade perante os stakeholders e a redução dos custos de transação nas operações comerciais transnacionais são os principais determinantes para o desenvolvimento de regimes privados de GAG pelos atores corporativos, principalmente por empresas multinacionais, tais como o desenvolvimento do código de conduta ambiental Princípios CERES-Valdez, após o desastre no Alasca, em 1989, com o navio petroleiro Exxon-Valdez pertencente à multinacional norte-americana Exxon.

A literatura apresenta, porém, alguns problemas relativos aos processos de participação e de distribuição de custos e benefícios dos regimes privados de GAG. Embora alguns dos regimes privados de governança tenham sido desenvolvidos em processos relativamente abertos, como o caso dos Princípios CERES-Valdez, que foi primeiramente sugerido por algumas ONGs ambientalistas, outros, contudo, tais como a Carta de Princípios Empresariais para o Desenvolvimento Sustentável da CCI, o Programa Atuação Responsável e a série ISO 14000, foram desenvolvidos de maneira mais fechada e com forte influência e domínio de representantes industriais, mesmo que em tese fosse permitida a participação de atores não industriais.

Clapp e Dauvergne (2005) mostram, por exemplo, como o processo decisório da série ISO 14000 é dominado por empresas multinacionais, mais bem representadas nas arenas de negociação, em detrimento de numerosas, porém menos mobilizadas, pequenas e médias empresas. De maneira similar, empresas com sede no hemisfério Norte são mais bem representadas do que suas contrapartes sediadas no Sul. Alguns setores industriais são mais organizados politicamente e mais bem representados do que outros na ISO 14000, como, por exemplo, os setores químico e de energia. Assim, esses autores sugerem que um dos determinantes para a criação de regimes privados de governança, tais como a série de normas ISO 14000, seja a criação de barreiras à entrada de pequenas e médias empresas nos mercados rentáveis. Como resultante, a ISO 14000 atuaria muito mais como barreira não tarifária à competição do que como um instrumento de melhoria contínua da gestão ambiental empresarial.

Contribuição dos Atores Corporativos para uma GAG mais Efetiva

Conforme mostrado nos itens anteriores, as corporações não geram somente problemas ambientais na forma de poluição para serem regulados. Elas também exercem os papéis de investidores, inovadores, experts em tecnologias, produtores de bens e serviços, desenvolvedores de regimes privados e parcerias público-privadas de governança ambiental. As empresas são, portanto, atores-chave da arquitetura institucional da GAG e não podem ser percebidas apenas como rule-takers que respondem de maneira reativa às demandas das regulações ambientais internacionais. Elas estão cada vez mais sendo incentivadas a atuarem como atores políticos globais e parceiros do sistema de GAG no papel de rule-makers, e frequentemente de rule-en-forcers, e não somente como um mero objeto de regulação ambiental estatal do tipo comando e controle.

Logo, argumenta-se que a cooperação ativa dos atores corporativos como rule-makers é chave para a efetividade da GAG, pois, segundo Najam et al. (2006), esta poderá contribuir para:

i) diminuir o déficit de implementação da GAG. O sistema de GAG encontra-se em um estado contínuo de negociação e pouco voltado para a implementação dos acordos globais existentes. Assim, o setor privado poderá contribuir para aumentar o grau de implementação dos acordos globais no nível local, ajudando a melhorar a integração vertical da GAG;

ii) abrir o processo decisório da GAG à participação de outros setores. Um número crescente de decisões relativas à GAG vem sendo tomado em outras arenas de negociação, em que os atores corporativos têm exercido um papel importante de rule-makers, tais como comércio, investimento, finanças e desenvolvimento internacional. Assim, para o sistema de GAG, como um todo, ser mais efetivo, é necessária uma maior integração e coerência entre as decisões socioambientais e as políticas econômicas, principalmente nas áreas do comércio internacional e investimento;

iii) diminuir o predomínio do paradigma state-centric na GAG. O atual sistema de GAG ainda não permite uma participação mais ativa e direta dos atores corporativos em todas as fases do processo de desenvolvimento de políticas públicas ambientais globais. Paralelamente, esses atores vêm exercendo um papel cada vez mais importante, como rule-makers, na criação de regimes privados/híbridos de governança ambiental, e como knowledge-broker, na formação de regimes públicos de governança ambiental, contribuindo, assim, para aumentar o conhecimento técnico e econômico no âmbito do sistema de GAG;

iv) aumentar a legitimidade do sistema de GAG como resultante de uma maior participação de atores não estatais.

Isto posto, defende-se que os atores corporativos poderão ajudar a melhorar a efetividade da GAG, por pelo menos três razões principais. Primeiro, porque os atores empresariais controlam recursos-chave - financeiro, tecnológico e organizacional - para a efetividade dos regimes ambientais internacionais. Segundo, porque, ao participarem de todas as fases de negociação dos tratados e acordos ambientais internacionais que os afetam diretamente, os atores corporativos ficariam mais implicados durante o período de cumprimento. Como bem ressalta Levy e Newell (2005, p. 4), "não há regime ambiental internacional que possa ser bem-sucedido politicamente sem o apoio dos maiores players corporativos". Assim, uma participação mais ativa dos atores empresariais no processo de GAG poderá levar a uma regulação mais efetiva, com alta taxa de cumprimento e baixo déficit de implementação. E terceiro, porque a participação do setor privado é central para a implementação e o funcionamento dos meca-nismos-chave dos protocolos ambientais globais. Por exemplo, as corporações são atores centrais para a governança do mercado de carbono, além de terem exercido um papel-chave na criação do MDL no âmbito do Protocolo de Quioto. Na realidade, o funcionamento eficaz do MDL depende fortemente do engajamento do setor privado.

Convém salientar, porém, que não há consenso na literatura sobre o real benefício de uma maior participação do setor privado na GAG. Questiona-se principalmente a legitimidade da participação do setor privado como rule-maker. Para a literatura mais crítica, uma maior e mais direta participação do setor privado no processo decisório da GAG é problemática, já que os atores corporativos, além de não terem sido legitimados por meio de eleição e não representarem o interesse público, possuem um grande poder de barganha. Assim, o aumento da participação do setor corporativo na GAG poderá contribuir para a criação de regimes mais favoráveis ao atingimento de objetivos econômicos do que propriamente socioambientais (CLAPP; DAUVERGNE, 2005; BÄCKSTRAND, 2006).

Obstáculos à Participação dos Atores Corporativos como rule-maker na GAG

Apesar da crescente influência do setor privado no processo de formação de regimes ambientais globais, nota-se que algumas empresas e setores industriais são mais engajados que outros e que a maioria das empresas ainda permanece ausente dos fóruns ambientais internacionais, preferindo adotar um corportamento defensivo/passivo de rule-taker. Destaca-se principalmente a participação de grandes empresas multinacionais e a ausência de pequenas e médias empresas, politicamente menos organizadas e consequentemente sub-repre-sentadas nos fóruns ambientais globais (IVANOVA et al., 2007).

Por exemplo, conforme relatado por Dunn (2005), três grandes empresas assumiram uma posição de liderança durante o processo de regulação global do fenômeno das mudanças climáticas: Du Pont, BP e Shell. Ao perceberem as mudanças climáticas como uma grande oportunidade para novos negócios mais sustentáveis, essas empresas adotaram uma postura proativa de rule-maker, assumindo um papel de líder do mundo corporativo nas negociações multilaterais e contribuindo para a criação e implementação das regras do jogo. Entretanto, a maioria dos atores corporativos ainda percebem o processo de regulação das mudanças climáticas como muito complexo e ameaçador à competitividade empresarial e continuam a adotar uma estratégia reativa/passiva.

Assim, o engajamento proativo da totalidade do mundo dos negócios na criação de futuros regimes ambientais globais ainda é uma questão em aberto. Isto se deve, justamente, ao comportamento dominante rule-taker de grande parte dos atores corporativos ainda ausentes da arena ambiental global e, principalmente, aos obstáculos existentes à atuação como rule-maker por parte das empresas que já participam dos processos de negociação multilaterais.

Esses obstáculos podem ser tanto externos quanto inerentes aos próprios atores corporativos. Para a ICC (2007), um dos principais obstáculos externos que impede uma maior participação do mundo dos negócios na formação e implementação de regimes ambientais globais é o alto grau de fragmentação e duplicação institucional do sistema multilateral de GAG da ONU. Mais de vinte OIGs desempenham algum tipo de papel com relação à regulação hídrica, por exemplo. Um outro importante obstáculo externo que pode ser destacado é a falta de espaço político-institucional no sistema da ONU para uma participação dos atores corporativos como rule-makers enão somente como observadores. Esse obstáculo é apontado por alguns autores como um dos principais limites a uma participação mais ativa do mundo empresarial na GAG (NAJAM et al., 2006; LEVY; NEWELL, 2005). Eles argumentam que, apesar de o setor privado desempenhar um papel muito importante na implementação dos mecanismos pertinentes aos acordos multilaterais sobre o meio ambiente, os atores corporativos ainda atuam de maneira bastante limitada nos fóruns internacionais de negociação para a construção dos diferentes regimes ambientais internacionais.

Assim, não obstante o importante papel que desempenha na implementação dos mecanismos de governança ambiental, a arquitetura político-institucional do sistema de GAG impõe obstáculos à participação do setor privado nos fóruns de negociação como rule-maker. Logo, o acesso e a intervenção direta do setor privado no seio dos principais fóruns de negociação para a construção de regimes internacionais ambientais ainda são muito marginais.

Quanto aos obstáculos inerentes aos próprios atores corporativos, Bled (2007) destaca os conflitos intra e intersetoriais e a falta de consenso em relação à resposta estratégica mais adequada para influenciar o processo de formação de regimes ambientais globais. Segundo essa autora, esses limites enfraquecem a capacidade do setor privado de ter uma voz uniforme quando participa da ecopolítica mundial. Convém salientar que o setor privado não é monolítico. Em outras palavras, nem todos os atores corporativos estão engajados na política ambiental internacional, nem todos compartilham os mesmos interesses e nem todos igualmente contribuem de maneira positiva para o sucesso da ecopolítica mundial.

Os conflitos intra e intersetoriais empresariais aparecem porque os marcos regulatórios ambientais internacionais apresentam diferentes impactos, com relação tanto às empresas de maneira individual, quanto aos setores industriais. Por exemplo, apesar do Protocolo de Montreal ter sido alvo de oposição sistemática de grandes empresas químicas líderes do mercado mundial e de empresas nacionais usuárias de CFCs, foi apoiado pela Dupont e ICI, empresas detentoras da patente para fabricação de substitutos para os CFCs, fato citado frequentemente como uma das maiores razões para o seu sucesso do regime de proteção da camada de ozônio (PORTER; BROWN, 1996).

No caso do processo para a criação do regime internacional das mudanças climáticas, pode-se citar o conflito de interesses inter e intrasetorias existente no interior da Global Climate Coalition (GCC). Fundada em 1989, a GCC era considerada um dos principais grupos de pressão empresarial, juntamente com a CCI e a International Petroleum Industry Environmental Conservation Association (IPIECA), durante o início das negociações multilaterais no âmbito da convenção do clima.

Embora a GCC incluísse, no início dos anos 1990, uma grande quantidade de setores empresariais interessados no processo de negociação para regulação das mudanças climáticas, alguns setores industriais, como os setores de petróleo e energia, fortemente contrários a qualquer imposição legal visando controlar as emissões de GEEs, monopolizavam a visão da indústria com relação a essa questão. Os atores corporativos contrários à regulação das emissões de GEEs argumentam que isso implicaria em elevados custos para as indústrias de carvão, petróleo, automóveis e outros segmentos intensivos em energia, como químico, papel, cimento, alumínio, aço etc. (DUNN, 2005).

Entre 1991 e 1996, quatro empresas de petróleo norte-americanas, Exxon, Mobil, Chevron e Texaco, que ocupavam posição de liderança na GCC, usavam essa BINGO para fazer lobbying contra o processo de regulação do clima global. Entretanto, mesmo no interior dos setores contrários, os conflitos de interesses persistiam, fazendo com que, entre 1997 e 2000, algumas empresas com posicionamentos mais favoráveis à adoção de respostas estratégicas mais proativas, tais como BP, Shell, Du Pont, Ford, Daimler-Chrysler e GM, abandonassem a GCC.

Essas empresas dissidentes acabaram aderindo a coalizões empresariais mais positivamente engajadas nas negociações multilaterais do clima, tais como o WBCSD, fundado em 1995, ou criaram novas BINGOs alternativas à GCC.

Por exemplo, a BP e a Shell, após mudarem de posição em relação à regulação do clima global e saírem da GCC, frustadas pelo contro-le/liderança exercido por empresas norte-americanas (Exxon-Mobil e Chevron-Texaco), fundaram, em 1998, uma nova BINGO: o Pew Center on Global Climate Change's Business Environmental Leadership Council. Assim, a perda sucessiva de membros fez com que a GCC, que representava mais de 40% da economia dos Estados Unidos, se retirasse, em 2002, da arena ambiental global (FALKNER, 2007).

Entretanto, para Pulver (2005), o conflito de interesses existente dentro do mundo corporativo, em geral, e no seio de determinados setores industriais, em particular, não é uma explicação suficiente para a limitada capacidade do setor privado de apresentar uma voz uniforme quando participa da ecopolítica mundial. Segundo essa autora, as empresas preferem não atuar diretamente como atores políticos nas negociações multilaterais, preferindo deixar esse papel para as associações empresariais e industriais (BINGOs).

Assim, uma das funções das BINGOs é criar um distanciamento entre suas empresas-membros e o processo político de negociação, permitindo a participação dos seus associados na ecopolítica mundial, sem contudo aparecerem diretamente como atores políticos. Entrevistas realizadas por Suzana Pulver com representantes de empresas petrolíferas revelam que estas preferem adotar uma "identidade apolítica", evitando intervir e influenciar diretamente o processo político, sob o pretexto de que sua presença durante as negociações multilaterais é como "observadores" passivos e não como "participantes" ativos. As empresas entrevistadas dizem adotar esse mesmo distanciamento fictício entre o "mundo empresarial" e o "mundo da política" no nível nacional, ao denominarem seu papel como de advisors enão como de political decision-makers, papel destinado aos governos.

As empresas-membros esperam, portanto, que suas BINGOs atuem como anti-politics machines, causando pelo menos dois grandes obstáculos para a projeção de uma única voz do setor privado nas negociações multilaterais ambientais. Primeiro, a função antipolítica das BINGOs exacerba a tensão entre diferentes estilos de fazer política. Segundo, ela torna mais difícil para as BINGOs acomodar os conflitos existentes entre seus membros.

Ao investigar o papel desempenhado pelas BINGOs nas negociações multilaterais para a criação do regime global de mudanças climáticas, Pulver (2005) mostra que o insucesso da GCC, associação empresarial baseada nos EUA, deveu-se a:

i) sua tentativa de exportar para a arena ambiental internacional um modelo político norte-americano, alienando do processo os seus membros europeus. As empresas norte-americanas e europeias discordavam não somente quanto às respostas mais apropriadas aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, mas também quanto ao comportamento político mais adequado da GCC na arena ambiental internacional. BP e Shell rejeitavam frequentemente as agressivas estratégias de lobbying realizadas pela GCC e a imagem negativa que isso gerava, preferindo adotar uma ação política mais baseada no diálogo e menos no confronto. Assim, o conflito entre os estilos nor-te-americano e europeu de fazer lobbying foi central para o insucesso da GCC na arena ambiental internacional;

ii) sua dificuldade de acomodar os conflitos internos existentes em virtude da competição exacerbada entre seus membros pelo seu controle. As empresas-membros da GCC competiam ferozmente pelo seu controle e frequentemente expressavam suas opiniões individuais em nome da associação. Isto tornou difícil a obtenção de consenso interno, levou à criação de novos grupos empresariais, que passaram a competir entre si, e culminou com a retirada dessa BINGO da arena ambiental internacional.

Uma possível explicação sobre a estratégia dos atores corporativos de projetarem uma imagem não política na arena ambiental internacional está relacionada ao acesso privilegiado desses atores aos governos. Isto é, como algumas empresas têm acesso garantido aos governos nacionais pela sua importância estratégica e econômica, elas preferem exercer seu poder de influência fora do espaço público. Pode-se inferir, portanto, que há uma relação inversa entre acesso aos governos e visibilidade da influência política.

Logo, a relação próxima com os atores governamentais faz com que os atores corporativos não sintam uma real necessidade de intervirem e influenciarem diretamente no processo de negociações multilaterais ambientais, preferindo projetar uma imagem não política na arena ambiental internacional, valendo-se do status oficial de "observadores".

Clapp e Dauvergne (2005) chamam atenção para o fato de que, apesar de as empresas fazerem poucas intervenções públicas nas arenas internacionais de negociação ambiental, elas são muito ativas tanto nos corredores quanto "escondidas" nas delegações nacionais, fazendo lobbying e tentando influenciar o posicionamento dos Estados. Convém salientar, entretanto, que nem sempre há uma completa convergência entre os interesses do mundo dos negócios e dos atores governamentais, fazendo com que os atores corporativos precisem se expor publicamente e coordenar melhor as suas ações políticas na arena ambiental internacional, visando dar maior visibilidade ao seu posicionamento político, sob pena de ficarem alijados do processo de negociação multilateral.

Considerações Finais

Ao considerar o setor privado como ator político global exercendo múltiplos papéis, conforme apresentado anteriormente, este artigo defende que o processo político de negociação e criação de regimes ambientais internacionais, baseado no modelo state-centric de barganha interestatal, necessita ser revisto e que os espaços político-ins-titucionais de participação dos atores corporativos no atual sistema de GAG precisam ser redesenhados para adequar-se à realidade.

Assim, para que a GAG atenda aos desafios da evolução da ecopolítica internacional e responda com eficácia às demandas futuras de problemas ambientais globais cada vez mais complexos, é necessário encorajar uma evolução do papel dos atores não estatais de rule-taker para rule-maker. Argumenta-se, portanto, que a inclusão e participação ativa e legítima dos atores corporativos no processo de regulação internacional do meio ambiente são essenciais para a melhoria da efetividade dos acordos multilaterais ambientais, conforme discutido na quarta seção.

Entretanto, esse ponto crítico parece não ter ressonância na visão dominante dos atores estatais incentivadores da reforma do sistema de GAG visando aumentar a sua efetividade. Esses atores, como, por exemplo, a França, continuam defendendo modelos centralizados e pautados no tradicional paradigma state-centric de regimes, como a criação de uma Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONUMA).

Faz-se necessário, portanto, o debate sobre a transição do papel do setor privado de rule-taker para rule-maker e sobre o redesenho dos espaços político-institucionais de participação desses atores no processo de concepção e implementação de regimes internacionais ambientais no centro da discussão sobre a reforma do sistema de GAG. Defende-se que um modelo de GAG descentralizado em formato de rede e pautado na concepção de que todos os diferentes atores da eco-política mundial, estatais e não estatais, possam interagir, barganhar e formar alianças é mais eficaz para conceber e responder à agenda ambiental global do que um modelo centralizado baseado no paradigma state-centric.

Convém salientar, porém, que os atores privados não podem e não devem substituir os governos. Os instrumentos de autorregulação voluntária e os mecanismos de regulação privada baseados no mercado mostram-se limitados na ausência da regulação estatal. Nesse contexto, a efetividade do sistema de GAG é alcançada não pela diminuição do poder regulatório dos Estados, mas pelo seu fortalecimento e complementaridade com os modos de regulação privada. Ou seja, a efetividade da GAG depende do equilíbrio entre regulação pública do tipo mandatória e regulação privada voluntária.

Isto posto, torna-se necessário discutir que espaço político-instituci-onal para uma participação do setor privado como rule-maker reservaria um modelo de governança descentralizado em forma de redes. Defende-se que o setor privado deva beneficiar-se de mecanismos de participação direta nas negociações multilaterais ambientais, porém não se trata de um novo mecanismo consultivo (Business Consultative Mechanism), como já foi proposto, em 1994, pela Nova Zelândia, nem da permissão que empresas privadas individuais possam registrar diretamente como observadores, prerrogativa já existente nas negociações multilaterais da Convenção da Biodiversidade.

Mais do que a criação de um canal adicional, oficial e legítimo de comunicação direta entre os atores empresariais individuais e o processo político, permitindo que as empresas possam contribuir diretamente no processo de negociações multilaterais ambientais sem a necessidade de serem filiadas a uma determinada BINGO, defende-se aqui uma reforma da arquitetura político-institucional do sistema de GAG baseada em um modelo descentralizado de governança em forma de redes híbridas público-privadas, encorajando a participação rule-maker do setor privado como ator político global.

Trata-se, portanto, de encorajar uma mudança de status do setor privado no processo de formação de regimes ambientais internacionais: de observador indireto por meio das BINGOs para participante direto do processo político. Essa mudança contribuiria para enfraquecer a função antipolítica atualmente exercida pelas BINGOs e colocar o setor privado fora da sua "zona de conforto". Isto é, o setor privado não teria mais como usar o seu atual status de observador no processo de negociação multilateral ambiental para projetar uma imagem de "ator apolítico", não expondo publicamente o seu posicionamento político e não se responsabilizando pelas decisões tomadas, deixan-do-as somente a cargo dos atores estatais.

Porém, algumas questões fundamentais ainda permanecem em aberto, encorajando novas pesquisas e debates sobre o papel dos atores corporativos na GAG. Quais os incentivos necessários para que os atores corporativos se apoderem dos novos espaços político-institu-cionais de participação rule-maker que seriam a eles reservados por um modelo descentralizado de GAG? Qual a legitimidade e representatividade de uma expansão do papel do setor privado de rule-ta-ker para rule-maker na GAG, considerando-se que os atores corporativos são não eleitos e numerosos?

Notas

1. Ao longo de todo o artigo, empregam-se os termos "setor privado", "atores corporativos", "atores empresariais", "empresas" e "corporações" como sinôminos.

2. O autor agradece a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa para realização de pós-doutorado na Universidade Laval, em Quebec, Canadá.

3. Capacidade de corporações multinacionais influenciarem a formação e a implementação de políticas públicas, utilizando-se de sua posição dominante na economia global (FALKNER, 2007, p. 23).

4. Para maior aprofundamento sobre essa questão, ver também Bäckstrand (2006).

5. O papel de rule-taker corresponde ao ator que se contenta em seguir, algumas vezes, mesmo contra a sua vontade, as regras do jogo estabelecidas por outros atores. Já o rule-maker é aquele que participa diretamente e ativamente do processo de construção das regras do jogo.

6. Estratégia na qual uma empresa tenta convencer consumidores e demais partes interessadas de que é ambientalmente responsável, porém o propósito é mais de melhorar a sua imagem do que realizar ações concretas para reduzir os seus impactos ambientais (CLAPP; DAUVERGNE, 2005, p. 115).

7. Estratégia utilizada pelas empresas para serem percebidas como parte integrante da comunidade humanitária mundial, por meio de parcerias voluntárias com o sistema da ONU, sem, contudo, esforçar-se para serem mais transparentes (BRUNO, 2002, p. 18).

8. Um indivíduo ou grupo social que tem interesse nas decisões e atividades de uma organização (BÄCKSTRAND, 2006, p. 291).

9. Grupo formado pelo Dióxido de Carbono (CO2), Metano (CH4), Óxido Nitroso (N2O), Perfluorcarbonos (PFCs), Hidrofluorcarbonos (HFCs) e Hexafluoreto de Enxofre (SF6).

10. Para maior aprofundamento sobre essa questão, ver também Bruno (2002).

Referências Bibliográficas

BÄCKSTRAND, K. Multi-stakeholder partnerships for sustainable development: rethinking legitimacy, accountability and effectiveness. European Environment, v. 16, n. 2, p. 290-306, 2006.

BLED, A. How to study the influence of business in environmental governance? The limits of international relations and international political economy approaches. In: ECPR CONFERENCE ON INTERNATIONAL RELATIONS, Turim, 2007.

BRUNO, K. Greenwash +10: the UN's Global Compact, corporate accountability and the Johannesburg Earth Summit. California: CorpWatch, 2002.

CLAPP, J. Global environmental governance for corporate responsibility and accountability. Global Environmental Politics, v. 5, n. 3, p. 23-34, 2005.

_____; DAUVERGNE, P. Paths to a green world: the political economy of the global environment. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2005.

DUNN, S. Down to business on climate change: an overview of corporate strategies. In: BEGG, K.; WOERD, F.; LEVY, D. L. (Ed.). The business of climate change: corporate responses to Kyoto. Sheffield, UK: Greenleaf Pub., 2005. p. 31-46.

FALKNER, R. Private environmental governance and international relations: exploring the links. Global Environmental Politics, v. 3, n. 2, p. 72-87, 2003.

_____. Business power and conflict in international environmental politics. Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan, 2007.

GRI - Global Reporting Initiative. Readers' choice awards. 2008. Disponível em: <http://www.globalreporting.org>. Acesso em: 10 ago. 2008.

ICC - International Chamber of Commerce. ICC comment on "delivering as one". Report of the UN secretary-general's High-Level Panel on System-Wide Coherence. Paris: ICC, 2007.

IVANOVA, M.; GORDON, D.; ROY, J. Towards institutional symbiosis: business and the United Nations in environmental governance. RECIEL,v.16, n. 2, p. 123-134, 2007.

CONTEXTO INTERNACIONAL - vol. 32, nº2, maio/agosto 2009

KRASNER, S. D. (Ed.). International Regimes. Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1983.

LE PR ESTR E, P. Protection de l 'env ironnement et re lations internationales: les défis de l'écopolitique mondiale. Armand Colin: Paris, 2005.

LEVY, D. L.; NEWELL, P. J. (Ed.). The business of global environmental governance. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2005.

MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. Living beyond our means: natural assets and human well-being. 2005. Disponível em: <http://www.millenniumassessment.org/en/BoardStatement.aspx>. Acesso em: 7 out. 2009.

MORGERA, E. The UN and corporate environmental responsibility: between international regulation and partnerships. RECIEL, v. 15, n. 1, p. 93-109, 2006.

NAJAM, A.; PAPA, M.; TAIYAB, N. Global environmental governance:are-form agenda. Winnipeg, Manitoba: IDDRI, 2006.

PORTER, G.; BROWN, J. Global environmental politics. Boulder: Westview Press, 1996.

PULVER, S. Organising business: industry NGOs in the climate debates. In: BEGG, K.; WOERD, F.; LEVY, D. L. (Ed.). The business of climate change: corporate responses to Kyoto. Sheffield, UK: Greenleaf Pub, 2005. p. 47-60.

SOUTHSOUTHNORTH. Climate change and the Kyoto Protocol's Clean Development Mechanism. London: ITDG Publishing, 2004.

UN - United Nations. Global compact. Disponível em: <http://www.unglobalcompact.org>. Acesso em: 10 fev. 2008.

*Artigo recebido em junho de 2008 e aprovado para publicação em setembro de 2008.

  • BÄCKSTRAND, K. Multi-stakeholder partnerships for sustainable development: rethinking legitimacy, accountability and effectiveness. European Environment, v. 16, n. 2, p. 290-306, 2006.
  • BLED, A. How to study the influence of business in environmental governance? The limits of international relations and international political economy approaches. In: ECPR CONFERENCE ON INTERNATIONAL RELATIONS, Turim, 2007.
  • BRUNO, K. Greenwash +10: the UN's Global Compact, corporate accountability and the Johannesburg Earth Summit. California: CorpWatch, 2002.
  • CLAPP, J. Global environmental governance for corporate responsibility and accountability. Global Environmental Politics, v. 5, n. 3, p. 23-34, 2005.
  • _____; DAUVERGNE, P. Paths to a green world: the political economy of the global environment. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2005.
  • DUNN, S. Down to business on climate change: an overview of corporate strategies. In: BEGG, K.; WOERD, F.; LEVY, D. L. (Ed.). The business of climate change: corporate responses to Kyoto. Sheffield, UK: Greenleaf Pub., 2005. p. 31-46.
  • FALKNER, R. Private environmental governance and international relations: exploring the links. Global Environmental Politics, v. 3, n. 2, p. 72-87, 2003.
  • _____. Business power and conflict in international environmental politics Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan, 2007.
  • GRI - Global Reporting Initiative. Readers' choice awards 2008. Disponível em: <http://www.globalreporting.org>. Acesso em: 10 ago. 2008.
  • ICC - International Chamber of Commerce. ICC comment on "delivering as one" Report of the UN secretary-general's High-Level Panel on System-Wide Coherence. Paris: ICC, 2007.
  • IVANOVA, M.; GORDON, D.; ROY, J. Towards institutional symbiosis: business and the United Nations in environmental governance. RECIEL,v.16, n. 2, p. 123-134, 2007.
  • CONTEXTO INTERNACIONAL - vol. 32, nş2, maio/agosto 2009
  • KRASNER, S. D. (Ed.). International Regimes Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1983.
  • LE PR ESTR E, P. Protection de l 'env ironnement et re lations internationales: les défis de l'écopolitique mondiale. Armand Colin: Paris, 2005.
  • LEVY, D. L.; NEWELL, P. J. (Ed.). The business of global environmental governance Cambridge, Mass.: MIT Press, 2005.
  • MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. Living beyond our means: natural assets and human well-being. 2005. Disponível em: <http://www.millenniumassessment.org/en/BoardStatement.aspx>. Acesso em: 7 out. 2009.
  • MORGERA, E. The UN and corporate environmental responsibility: between international regulation and partnerships. RECIEL, v. 15, n. 1, p. 93-109, 2006.
  • NAJAM, A.; PAPA, M.; TAIYAB, N. Global environmental governance:are-form agenda. Winnipeg, Manitoba: IDDRI, 2006.
  • PORTER, G.; BROWN, J. Global environmental politics Boulder: Westview Press, 1996.
  • PULVER, S. Organising business: industry NGOs in the climate debates. In: BEGG, K.; WOERD, F.; LEVY, D. L. (Ed.). The business of climate change: corporate responses to Kyoto. Sheffield, UK: Greenleaf Pub, 2005. p. 47-60.
  • SOUTHSOUTHNORTH. Climate change and the Kyoto Protocol's Clean Development Mechanism London: ITDG Publishing, 2004.
  • UN - United Nations. Global compact Disponível em: <http://www.unglobalcompact.org>. Acesso em: 10 fev. 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2008
    • Aceito
      Set 2008
  • Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais Rua Marques de São Vicente, 225 - Casa 20 , 22453-900 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3527-2284, Fax: (55 21) 3527-1560 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: cintjournal@puc-rio.br