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Pesquisa social interpretativa: Uma introdução

Interpretative social research: An introduction

ROSENTHAL, Gabriele. Pesquisa social interpretativa:. uma introdução. da Costa, Tomás. Porto Alegre: Edipucrs, no prelo

Ao buscarmos alternativas para o desenvolvimento de pesquisas empíricas em ciências sociais, é comum que nos deparemos com um vasto arranjo de publicações que abrangem aquilo que chamamos “métodos qualitativos”, posicionados opostamente ou como complementares ao uso de “métodos quantitativos”. Esta diferenciação, comum a manuais metodológicos, abrange uma esfera absolutamente fundamental para qualquer projeto empírico, porém, parece muitas vezes não perscrutar diferenciações inerentes ao próprio panorama das metodologias qualitativas. O trabalho da socióloga alemã Gabriele Rosenthal, originalmente publicado sob o título Interpretative Sozialforschung: Eine Einführung, e traduzido por Tomás da Costa como Pesquisa social interpretativa: uma introdução (Edipucrs, no prelo), recoloca tal discussão em pauta, tecendo um contraste que aparece ao leitor em dois níveis: a tessitura da linguagem “interpretativa” e suas particularidades em relação a outros métodos qualitativos, e em um segundo plano, a distinção entre um “projeto interpretativo” e um “projeto quantitativo”.

O esforço essencial de Rosenthal, entretanto, reside no enfoque daqueles métodos qualitativos que seguem especificamente os princípios metodológicos e teóricos que partem do próprio objeto investigado para a descoberta de hipóteses e teorias. Explora, neste sentido, as possibilidades de “roteiros abertos”, baseados em escolhas que buscam, atender às especificidades e relevâncias dos próprios sujeitos pesquisados. A reflexão que se coloca ao leitor, por tanto. diz respeito às questões de adequação entre as formas de coleta, os tipos de material, e os métodos reconstrutivos de escolha, devendo possibilitar: a) a investigação do novo e do desconhecido; b) a apreensão do sentido subjetivamente visado e a reconstrução do sentido latente; c) a descrições microscopicamente detalhadas do agir e/ou dos milieu sociais; d) a reconstrução da complexidade das estruturas de ação a partir do caso particular, buscando chegar a conclusões amplamente válidas; e e) a verificação de hipóteses e de teorias a partir do caso particular.

O primeiro capítulo, intitulado Pesquisa social qualitativa e interpretativa, busca dar conta do desenvolvimento histórico do referencial interpretativo nas ciências sociais, remontando o surgimento de tradições como o interacionismo simbólico, a sociologia do conhecimento de orientação fenomenológica e a etnometodologia, bem como algumas das principais denominações qualitativas delas derivadas: pesquisa social comunicativa (Fritz Schütze), pesquisa social reconstrutiva (Ralf Bohnsack), teoria fundamentada (grounded theory, de Barney Glaser e Anselm Strauss), hermenêutica objetiva (Ulrich Oevermann), princípios etnometodológicos (Harold Garfinkel, Aaron Cicourel, entre outros), análise etnometodológica de entrevistas etc.

O segundo capítulo, intitulado Fundamentos e princípios da pesquisa social interpretativa, dá especial enfoque aos princípios da pesquisa social interpretativa, concentrando-se no que as diferentes abordagens têm em comum, ou seja: o princípio comunicacional, onde o mundo social é interpretado e constituído em processos de interação (trabalha com autores como Alfred Schütz e Goffman); e o princípio de abertura na coleta e na análise dos materiais empíricos, onde acontece a recusa de geração de dados a partir de hipóteses, e as hipóteses são explicações provisórias a posteriori, originadas na reconstrução sequencial e abdutiva.

O terceiro capítulo, Processo e esquema de pesquisa, volta-se menos para os atributos teóricos e de fundamentação epistemológica dos instrumentos interpretativos, e mais ao processo de pesquisa propriamente dito. Ou seja, o capítulo enfoca na aplicação dos princípios explanados anteriormente de forma pragmática na constituição dos planos de pesquisa, desde a adequação das formas de coleta de dados, o levantamento de amostragem teórica durante a investigação (sampling e saturação teórica) e a estruturação geral da proposta de investigação.

No quarto capítulo, sob o título Pesquisa de campo etnográfica: observação participativa – análise de vídeo, Gabriele Rosenthal e Nicole Witt fazem uma breve reconstrução dos princípios históricos da pesquisa de campo qualitativa até a etnografia atual, reforçando sua produção a partir de contextos cotidianos, bem como retratando as diferentes posturas possíveis para os pesquisadores e as formas de análise a partir de protocolos de observação, diários de campo, e reconstruções de materiais em vídeo.

O quinto capítulo, sob o título Da entrevista roteirizada aberta à entrevista narrativa, busca abrir possibilidades para o uso de entrevistas não roteirizadas, trabalhando especificamente com a modalidade de entrevista narrativa. A autora tece uma breve introdução acerca da entrevista qualitativa ou aberta, destacando sua intenção de acesso ao ponto de vista do entrevistado, bem como daquilo que está por trás de sua perspectiva: a entrevista aberta, de forma mais sistemática, toma o entrevistado como referência.

O sexto capítulo, intitulado Pesquisa biográfica e reconstrução de caso, volta-se especificamente para o trabalho de pesquisa biográfica e reconstruções de caso, buscando expor os objetivos e as concepções teóricas e metodológicas que a fundamenta. Além disso, a autora expõe de forma mais minuciosa os passos do método de reconstrução biográfica, considerando exemplos empíricos que ilustram e servem como ponto de partida para a compreensão das noções analíticas envolvidas no processo, desde o momento da entrevista até as possibilidades de generalização dos casos.

Por fim, o sétimo capítulo, chamado Análise de conteúdo: codificação na teoria fundamentada (grounded theory) – análises do discurso, aponta para as possibilidades e limitações das diferentes formas de análise textual – de conteúdo e discurso. A autora trabalha com as ideias desenvolvidas na grounded theory acerca do processo de codificação, e pelo teórico alemão Phillip Mayring sobre análise de conteúdo, cujas bases, para a autora, não abrangeriam integralmente os princípios da metodologia interpretativa, mantendo um apelo quantitativista significativo. Em seguida temos a apresentação de um breve histórico da análise de conteúdo, bem como as particularidades da teoria de discurso foucaultiana. Por fim, em conjunto com Bettina Völter, a autora apresenta, de forma esquemática, uma proposta de “análise reconstrutiva do discurso”, que toma como referência os princípios de abertura, reconstrução e sequencialidade próprios da abordagem interpretativa.

Exemplos de pesquisas desenvolvidas pela autora e por sua equipe, bem como trabalhos empíricos exponentes de autores reconhecidos na Alemanha e outros países, são expostos como forma de ampliar o quadro de referência acerca dos pressupostos imanentes a processos interpretativos, e a maneira como são integrados às formas de coleta e análise de dados. Gabriele Rosenthal apresenta exemplos como pedras angulares que demonstram limites, potenciais, e processos de adequação às situações de pesquisa, e este talvez seja o maior mérito de sua obra: a proximidade entre a metodologia de sua escrita e a metodologia de sua práxis sociológica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2014
  • Aceito
    14 Abr 2014
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