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Polos regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana: cultura política em perspectiva comparada* * Versão preliminar deste artigo foi publicada nos Anais do XII Seminário da Rede Iberoamericana de Pesquisadores sobre Globalização e Território (RII) e V Encontro da Rede Iberoamericana de Editores de Revistas (RIER), realizado em Belo Horizonte/MG, em outubro de 2012.

Regional centers in the North of Rio de Janeiro and the Metropolitan Region: political culture in a comparative perspective

Resumos

O artigo tem como objetivo analisar em perspectiva comparada as semelhanças e diferenças entre a cultura política da população residente nos Polos regionais do Norte Fluminense (Macaé e Campos) e na RMRJ. Este artigo foi também motivado pela necessidade de se identificar os principais determinantes da cultura política dessas localidades, a partir dos fatores cognitivos – representados pelos indicadores de Socialização Secundária e Exposição à Mídia Informativa – e dos fatores relacionados à participação política – representados pelos indicadores de Associativismo e Mobilização Sociopolítica.

cultura política; polos regionais; associativismo; mobilização; região metropolitana


The paper aims to analyze, in a comparative perspective, the similarities and differences between the political culture of the population residing in the regional centers located in the North of the State of Rio de Janeiro (Campos and Macaé) and the political culture of the population living in the Metropolitan Region. This paper was also motivated by the need to identify the main determinants of the political culture of these places based on cognitive factors – represented by the indicators Secondary Socialization and Exposure to Informational Media – and on factors related to political participation – represented by the indicators Associations and Sociopolitical Mobilization.

political culture; regional centers; associations; mobilization; metropolitan region


Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar em perspectiva comparada as semelhanças e diferenças entre a cultura política da população residente em Campos dos Goytacazes e Macaé – os dois mais importantes municípios da região Norte Fluminense – e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). As informações que subsidiarão as análises são primárias, coletadas através de duas pesquisas de campo, financiadas pela Faperj/CNPq, realizadas pelo Observatório das Metrópoles/Rio de Janeiro que, nos polos regionais, contou com a parceria da Universidade Estadual do Norte Fluminense – Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade Cândido Mendes (Ucam-Campos). A primeira em 2008, com amostras estatisticamente representativas para a RMRJ, em seu conjunto; para o município do Rio de Janeiro e para a Baixada Fluminense; a segunda, em 2009, em Campos e Macaé, com amostras representativas para cada um dos municípios isoladamente. Nas duas pesquisas foi utilizado o mesmo questionário, garantindo a comparabilidade dos resultados.

Campos dos Goytacazes e Macaé são as duas cidades mais importantes do Norte Fluminense. Sua economia, tradicionalmente baseada na produção de cana de açúcar, passou, a partir de meados dos anos 70, por uma intensa reestruturação induzida pela estagnação, seguida de forte crise, do setor sucroalcooleiro. Os rumos dessa reestruturação foram determinados pela descoberta de petróleo na Bacia de Campos; pela instalação da Petrobrás em Macaé, em 1974; e pelo início das atividades de exploração mineral, em 1977.

A partir daquela data, as economias de Campos e Macaé são cada vez mais direta e indiretamente dinamizadas pela atividade petrolífera. Dentre os impactos diretos, destaca-se o recebimento de expressivas receitas de rendas petrolíferas (royalties e participações especiais): em 2011, esses dois municípios receberam 42,87% do total da renda petrolífera dividida entre os 87 municípios petrorentistas, do Rio de Janeiro; e 27,84%, entre os 1.031 municípios petrorentistas brasileiros, “fato que os coloca em situação privilegiada diante da maioria dos municípios brasileiros” (Fernandes, Terra e Campos, 2013FERNANDES, J. S.; TERRA, D. C. T. e CAMPOS, M. M. (2013). A mobilidade pendular entre os municípios da Ompetro-RJ (2000-2010). In: XV ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ENANPUR. Anais. Recife., p. 2).

Como efeitos indiretos, podem-se mencionar a concentração, principalmente em Macaé, de empresas de Petróleo e de seus derivados, bem como de prestadoras de serviços especializados nessa área; e os vultosos investimentos na implantação de megaprojetos de infraestrutura de grande impacto regional, como é o caso do complexo Industrial e do Porto do Açu. Mas, apesar dos benefícios trazidos pela atividade petrolífera, esses dois municípios continuam apresentando graves problemas sociais, especialmente nas áreas de saúde, educação básica, saneamento e habitação popular.

Segundo Fernandes, Terra e Campos (2012FERNANDES, J. S.; TERRA, D. C. T. e CAMPOS, M. M. (2012). O migrante na reestruturação do mercado de trabalho na zona da produção principal da bacia de Campos. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS (ABEP). Anais. Águas de Lindóia, São Paulo., p. 5),

[...] com maior dinamismo econômico, alguns municípios da região, antes expulsores de população, vêm se tornando mais atrativos para a população migrante, principalmente para aquela à procura de novas e melhores oportunidades no mercado de trabalho. Outro efeito, não menos importante do maior dinamismo econômico é a elevação do poder de retenção populacional por parte desses municípios.

Indubitavelmente o desenvolvimento da atividade petrolífera tem afetado significativamente a dinâmica demográfica regional, chamando a atenção o comportamento – com tendência à elevação – das taxas de crescimento populacional (Gráfico 1).

Gráfico 1
– Campos e Macaé: Taxa Média anual de crescimento populacional (1980-1991; 1991-2000; 2000-2010)

O município de Macaé, que em 1980 tinha uma população inferior a 60 mil pessoas, contava, em 2010, com 206.728 habitantes após experimentar, durante três décadas consecutivas, taxas de crescimento populacional superiores a 4% ao ano. Campos dos Goytacazes – que apresentou uma população praticamente estagnada, entre 1970 e 1980 (crescimento absoluto de 2.062 habitantes, a um ritmo médio anual de 0,06%) – voltou a crescer nos anos 80, embora a taxas expressivamente inferiores àquelas de Macaé. Sua população aumentou de 320.868 para 463.731 habitantes, entre 1980 e 2010. Com tais volumes populacionais, ambas são consideradas de médio porte, ressaltando-se que se trata de populações eminentemente urbanas. Segundo o Censo de 2010, 98,13% da população de Macaé residia em áreas urbanas, sendo de 90,29% o grau de urbanização da população campista.

No que diz respeito às questões políticas, pode-se dizer que uma das consequências dessa rápida reestruturação econômica é um maior distanciamento entre as lideranças políticas e as novas (e não organizadas) elites econômicas de fato. Isso porque, as entidades tradicionais dos empresários locais continuam sendo o locus organizado de interação com os representantes políticos que atuam na cidade (vereadores, deputados estaduais e federais). Embora ocorra um lento movimento de ingresso de parte dos empresários recém-chegados nas associações patronais, a elite tradicional ainda mantém ampla hegemonia política.

De outro lado temos a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), constituída por 17 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Seropédica, São João de Meriti, Tanguá e Queimados.

Em 2010, a RMRJ tinha uma população de 11.835.708 habitantes, dentre os quais 6.320.446 (53,40%) residiam na grande metrópole e 3.732.108 (31,5%) nos demais municípios. A RMRJ se destaca como segunda maior região metropolitana brasileira, não apenas em termos populacionais, mas também pelo desempenho de sua economia. Mas, infelizmente, assim como as demais RMs brasileiras, a Grande Rio, como é conhecida, é marcada por expressivas desigualdades socioeconômicas e demográficas.

De um lado temos a região que compreende os municípios do Rio de Janeiro e Niterói. Segundo Oliveira (2005)OLIVEIRA, D. S. de (2005). Região Metropolitana do Rio de Janeiro: confluências e disparidades. A evolução da segregação socioespacial no contexto da RMRJ. In: IV ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÕES. Anais. Rio de Janeiro., esses dois municípios apresentam indicadores econômicos, sociais e demográficos muito próximos indicando cenários socioeconômicos bastante similares e de alto padrão, comparativamente aos demais municípios da RMRJ. É neles que se concentram os maiores volumes de investimentos produtivos, atraídos principalmente pelas atividades petrolíferas e parapetrolíferas, assim como os equipamentos e os serviços urbanos de melhor qualidade. De outro lado temos os demais municípios da RMRJ dentre os quais apenas três – Tanguá, Itaboraí e São Gonçalo – não pertencem à Baixada Fluminense.

A Baixada é uma região que, historicamente vem apresentando problemas sociais e urbanos de grande envergadura. Segundo o Observatório das Metrópoles (s/d, p. 1), os municípios de Belford Roxo, Guapimirim, Queimados, Japeri, Tanguá, Seropédica e Mesquita, todos pertencentes à Baixada, “têm em comum um baixíssimo desempenho econômico e um alto grau de precariedade nas condições de reprodução dos seus habitantes e na capacidade de gestão pública local”; no mesmo documento o Observatório das Metrópoles define os municípios de Japeri, Seropédica, Belford Roxo e Itaboraí como grandes “bolsões de pobreza”, na RMRJ.

Ressalta-se que grande parte dos habitantes da Baixada dependem das atividades econômicas do município do Rio de Janeiro e de Niterói, tendo em vista sua baixa capacidade de absorção da mão de obra. Apenas recentemente essa região vem experimentando certo dinamismo derivado de algumas atividades econômicas importantes, tais como o refino de petróleo; o fortalecimento do comércio; o crescimento de empresas de prestação de serviços, entre outras.

Do ponto de vista político, o que se repete na quase totalidade dos municípios da Baixada Fluminense é a predominância ou grande importância de um ou mais grupo familístico no poder local.

Nesse campo empírico recortado, quais seriam as diferenças, em termos de sofisticação política, entre os polos regionais (Campos dos Goytacazes e Macaé), que apesar dos vários constrangimentos sociais, apresentam grandes potencialidades de desenvolvimento socioeconômico, e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, um dos núcleos culturais mais sofisticados do país?

Cultura política e estrutura econômica

A relação entre cultura lato sensu e estrutura econômica nas ciências sociais permite uma miríade de abordagens teóricas. Analisada de forma descontextualizada, os trade offs entre essas duas dimensões nos levaria ao enigma popular “do ovo e da galinha”. Mesmo as contribuições dos clássicos ensejam diferentes interpretações, não totalmente isentas de ambiguidades. Se para Weber foi a ética protestante que – mesmo de forma não intencional, ao transferir para a vida mundana um comportamento racional – criou as condições propícias para o desenvolvimento capitalista no Ocidente, isso não significa que o mesmo não seja capaz de germinar em condições culturais mais adversas.

Em relação a Marx, se a análise canônica da conhecida relação entre “infraestrutura e superestrutura” pareceria não deixar dúvidas sobre a primazia do econômico sobre o cultural, as leituras das mais importantes correntes de seus seguidores vão em caminho contrário. Assim os papas da abordagem estruturalistas (Louis Althusser e Nicos Pollantzas) utilizam o conceito de “independência relativa” da superestrutura, compreendida como formada por diferentes esferas (política, religiosa, jurídica, artística, ideológica, entre outras) com trajetórias próprias, para mitigar os efeitos da determinação econômica. Os marxistas culturalistas, capitaneados por Antonio Gramsci – mesmo sem questionar explicitamente o modelo ortodoxo – praticamente invertem a determinação original com a criação do conceito de “hegemonia política”, segundo o qual somente quando na esfera política e ideológica ocorressem previamente mudanças capazes de tornar majoritário o apoio a uma transformação econômica profunda (no jargão marxista, a substituição de um “modo de produção” por outro) seria possível realizar uma verdadeira revolução.

Reconhecendo as complexas interfaces entre cultura e economia, partimos do pressuposto que o surgimento da chamada “Nova Cultura Política” – como muitos outros issues contemporâneos – está fortemente interrelacionado a diversas mudanças estruturais, com fortes trade offs entre si, que ocorrem, sobretudo, nos países capitalistas desenvolvidos a partir da segunda metade do século XX. Nesse sentido, pode-se citar, entre outras, as seguintes transformações no cenário internacional: o crescimento, apogeu e crise do Welfare State; o desenvolvimento e, posterior, perda relativa de importância do processo fordista/taylorista de produção com surgimento do processo de produção flexível; a crise da sociedade assalariada e decrescente papel dos sindicatos com o consequente sentimento de “desfiliação” da população trabalhadora; o enfraquecimento relativo dos estados nacionais, o fortalecimento de blocos regionais, a ênfase na política local, a maior visibilidade e preocupação com discriminações adscritivas (etnias, religião, imigrantes, etc.); a globalização excludente do mercado; a revolução da informática e das informações, entre outras.

Segundo Clark e Hoffmann-Martinot, mentores da “Nova Cultura Política”, ela se caracterizaria por sete elementos-chave: (1) modificação da dimensão clássica entre direito e esquerda; (2) separação explícita das questões sociais e econômicas-fiscais; (3) maior crescimento da importância das questões sociais decorrentes da exacerbação da diferenciação sociocultural do que das demandas econômicas; (4) crescimento simultâneo do individualismo de mercado e social; (5) questionamento ao Estado de Bem-Estar Social; (6) emergência de políticas centradas em questões-chave e a ampliação da participação cidadã, por um lado, e o declínio das organizações políticas hierárquicas, por outro; (7) as concepções da NCP encontram seus mais fervorosos defensores entre as sociedades menos hierárquicas e os indivíduos mais jovens, mais instruídos e os que vivem mais confortavelmente (Clark e Hoffmann-Martinot, 1998CLARK, T. N. e HOFFMANN-MARTINOT (1998). The New Political Culture. Boulder, Westview Press.).1 1 A nosso ver, valores e comportamentos relacionados à Nova Cultura Política no Brasil, mesmo que venham se fortalecendo nas últimas décadas, estão longe de se constituírem na principal gramática cultural existente. Ver a respeito Azevedo, Santos e Ribeiro (2009).

A partir dos autores que defendem esse enfoque, entre os quais se enquadram, também, Manuel Vilaverde Cabral e Felipe Carreira da Silva (Cabral e Silva, 2006CABRAL, M. V. e SILVA, F. C. da (2006). Cidade e Cidadania: o “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania política. Lisboa, mimeo.), segundo nossa leitura, a NCP associaria valores pós-modernos, com ênfase na defesa dos direitos individuais, maior tolerância para diferentes padrões de comportamento, abertura para experimentação no plano individual, menor grau de subordinação às normas preconizadas pelo Estado, muitas vezes, acompanhado de postura canônica no referente às políticas econômicas. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que, enquanto nas áreas mais urbanizadas, especialmente habitadas por setores homogêneos com maior capacidade de inserção social e econômica, tenderiam a prevalecer traços dessa cidadania pós-moderna, nas demais áreas urbanas, em contraposição, tenderiam a prevalecer os valores da cidadania clássica hegemônica do século passado, composta por suas dimensões jurídica, política e social e sua inerente fricção entre a dimensão civil (direitos individuais) e cívica (direitos coletivos).

Genericamente falando, a denominada “Nova Cultura Política” abarcaria tanto elementos considerados tradicionalmente como conservadores – responsabilidade fiscal e política monetária dura em época de crises – quanto preocupações consideradas como progressistas, sejam relativas aos chamados “direitos difusos” (meio-ambiente, igualdade de gênero, liberdade de orientação sexual, etc.), seja no que diz respeito à maior participação social e política não convencionais nos intervalos das eleições (participação em redes, apoio a ONGs, boicote a produtos nocivos ao meio ambiente, denúncias de empresas que utilizam mão de obra infantil, campanhas humanitárias, etc.). Além disso, a NCP apresentaria uma agenda nova com maior preocupação com a eficácia e legitimidade governamental (governance), sem crescimento do aparato burocrático do Welfare State, como também com as prestações de contas públicas com responsabilidades (accontability).

Segundo a abordagem descrita, seria lícito concluir, como afirma Manuel Vilaverde, que, hoje em dia, o exercício dos direitos de cidadania tende a manifestar-se de forma mais expressiva através da “geometria variável” da automobilização do que através do associativismo clássico, vinculado fundamentalmente às formas convencionais de “capital social”.2 2 Robert Putnam, em seu conhecido trabalho sobre a democracia na Itália, utiliza o conceito de “capital social”, definido como “um bem público, representado por atributos da estrutura social tais como a confiança e a disponibilidade de normas e sistemas, que servem como garantia entre os atores, facilitando ações cooperativas”, para explicar as diferenças de participação cívica entre as comunidades do norte, consideradas mais democráticas, em relação às do sul, consideradas mais conservadoras (Putnam, 1996).

Nesse estudo comparativo entre Campos dos Goytacazes, Macaé e RMRJ, vamos avaliar até que ponto haveria um “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania política. Em outras palavras, uma vez controladas variáveis clássicas como nível de escolaridade, renda, gênero, faixa etária, etc., poder-se-ia isolar um fator residual (formado pelas múltiplas interações de inúmeros issues) disponível em maior escala nas grandes metrópoles, capaz de permitir a gestação e expansão progressiva do que se poderia denominar Nova Cultura Política (NCP).

Denomina-se, do ponto de vista teórico, como “efeito metrópole”, um complexo resíduo de interações entre inúmeras variáveis não passíveis de serem desagregadas, após serem expurgadas, no limite do possível, variáveis clássicas como renda, educação, classe, gênero, etnia, acesso a infraestrutura física, a serviços de consumo coletivos, saúde, entre outras (Ribeiro, Azevedo e Santos Junior, 2010RIBEIRO, L. C. de Q; AZEVEDO, S. de e SANTOS JÚNIOR, O. A dos (2010). Cidadania na Metrópole Desigual: a cultura política na metrópole fluminense. In: 34º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais.; Cabral e Silva, 2006CABRAL, M. V. e SILVA, F. C. da (2006). Cidade e Cidadania: o “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania política. Lisboa, mimeo.).

Associativismo e mobilização em perspectiva comparada

As análises do associativismo e da mobilização política em Campos e Macaé e nas duas subáreas da RMRJ basearam-se em índices compostos. Para a estimativa desses índices consideramos as informações referentes às várias formas de associativismo – participação em algum partido político; em sindicato, grêmio ou associação profissional; em igreja ou organização religiosa; em algum grupo despor tivo, cultural ou recreativo; e em outra associação religiosa – e de mobilização política – assinar abaixo assinado; boicotar produtos por questões políticas; participar de manifestação social; participar de comício ou reunião política; contatar políticos ou funcionários do alto escalão do estado; dar dinheiro ou recolher fundos para financiar causas públicas; contatar ou aparecer na mídia; e participar em fóruns pela internet – ponderadas pela intensidade de participação dos indivíduos nas mesmas.

Em ambos os fatores de ponderação variaram de 0 (nunca participou) a 3 (participa ativamente), sendo esses os valores de referência que balisaram as análises. Em outras palavras, esses índices variam de 0, situação extrema em que nenhum indivíduo participa de nenhuma forma de associativismo ou de mobilização política, a 3, que define outra situação extrema na qual todos os indivíduos participam ativamente de todas as formas de associativismo e mobilização política.

Nas localidades estudadas, a intensidade de associativismo, independentemente de sua forma, é, em geral, muito baixa (Tabela 1). Em todos os casos verifica-se o predomínio do associativismo religioso, sendo esse expressivamente maior em Campos e Macaé comparativamente às duas subáreas – Rio-Niterói e Baixada Fluminense – da RMRJ. Esse fato não nos surpreende uma vez que o Rio de Janeiro é a metrópole que possui um maior número de pessoas não filiadas a nenhuma religião (ainda que creiam em Deus), e de agnósticos e ateus (Smiderle, 2011SMIDERLE, C. G. S. M. (2011). Entre babel e pentecostes: cosmologia evangélica no Brasil contemporâneo. Revista Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, pp. 78-104.). Esses resultados são corroborados, ainda, por pesquisas realizadas anteriormente (Azevedo, Santos Junior, Ribeiro, 2009CLARK, T. N. e HOFFMANN-MARTINOT (1998). The New Political Culture. Boulder, Westview Press.), que mostraram que o associativismo religioso, diferente dos demais, tende a ser menor nas grandes metrópoles, quando comparados com áreas urbanas não metropolitanas.

Tabela 1
– Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organização Campos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói e RMRJ

Gráfico 2
– Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organização Campos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói

No extremo oposto, a rubrica de menor participação é do ‘Partido Político’, e também nesse caso a intensidade de associativismo é menor nas duas subáreas da RMRJ, comparativamente aos polos regionais. Esse baixo envolvimento com os partidos políticos do Brasil – ainda que decorra de diversos fatores – seria afetado pelo nosso sistema de voto proporcional com “lista aberta”, no qual o eleitor é induzido a votar em pessoas e não em Partidos.3 3 Ressalte-se que este tema é bastante polêmico na medida em que autores como Wanderley Guilherme dos Santos consideram que os partidos políticos no Brasil pós regime militar apresentam uma curva de fragmentação muito próxima a existentes entre 1950-1959, relativamente comparável com o tamanho e diversidade encontrada entre partidos de muitos países ocidentais desenvolvidos (Santos, 2004).

O Gráfico 1, confeccionado a partir dos dados da Tabela 1, permite avaliarmos os níveis (dados pelo posicionamento das curvas, no par de eixos) e os padrões (dados pelo formato das curvas) de associativismo. Note-se que a intensidade de associativismo nos polos regionais superam as duas subáreas da RMRJ em todas as modalidades, com exceção da rubrica ‘sindicato, grêmio ou associação profissional’. Apenas nessa modalidade, o índice de Rio-Niterói iguala-se ao de Campos dos Goytacazes. Observe, ainda, que com exceção do associativismo religioso, praticamente idêntico em Campos (1,87) e Macaé (1,88), em todas as demais formas a intensidade de associativismo é maior em Macaé.

Em Campos, a rubrica ‘grupo desportivo, cultural ou recreativo’ aparece em segundo lugar, seguida pela participação em ‘outra associação voluntária’ e pela participação em ‘sindicato, grêmio ou outra associação profissional’, nessa ordem. Para Macaé, a segunda maior intensidade associativista se encontra em “outra associação voluntária”, seguida, respectivamente, pelas rubricas ‘grupo desportivo, cultural ou recreativo’ e ‘sindicato, grêmio ou associação profissional’.

Assim como acontece nos polos, os padrões de associativismo das duas subáreas da RMRJ são bastante semelhantes. Em ambas, a participação em outras associações voluntárias é bastante pequena, superando apenas a participação em partidos políticos. Dentre as localidades estudadas, apenas na Baixada a participação em ‘sindicatos, grêmios e outras associações profissionais’ surge como a segunda mais importante modalidade de associativismo, seguida pela participação em outras associações voluntárias. A diferença de Rio-Niterói em relação a esse padrão está justamente na inversão entre a segunda e terceira formas mais importantes de associativismo.

Ressalte-se que não se enquadrariam na ‘NCP’ tipos de associativismo como, por exemplo, ‘Partidos Políticos, Sindicatos e organizações religiosas’. Essas seriam formas clássicas de participação política e de associativismo, que tenderiam a predominar em áreas urbanas não metropolitanas.

Considerando esses pressupostos, verificamos que o associativismo religioso – mesmo que seja majoritário em todas as áreas testadas – se encaixa per feitamente nesses preceitos, uma vez que ele se apresenta forte nos dois núcleos regionais analisados e é significativamente menor nas duas subáreas da RMRJ indicando que os níveis de religiosidade são inversamente proporcionais aos de “metropolização”.

Deve-se chamar atenção, também, para o fato de que quando cruzamos tipos de associativismo com diferentes formas de mobilização sociopolítica, percebe-se outra idiossincrasia do associativismo religioso, pois apesar de ele ser o tipo de associativismo majoritário em todas as áreas estudadas as pessoas que dele participam são as que apresentam – em relação aos demais tipos de associativismos – os menores percentuais de envolvimento com todas as formas de mobilização sociopolítica.

Considerando o item “Partidos políticos”, os dois núcleos regionais aparecem com índices bastante diferenciados – Campos (0,29) e Macaé (0,43) –, porém maiores que o da Baixada Fluminense (0,12) e de Rio-Niterói (0,20). Como a intensidade de associativismo religioso é relativamente mais baixa na RMRJ, e o associativismo relacionado a “Partidos políticos” é maior na metrópole comparativamente à Baixada Fluminense, pressupõe-se que, no caso brasileiro, os associativismos clássicos – dentre eles a participação em “Partidos políticos” – ainda predominam entre as populações de maior nível de escolaridade e de melhores condições socioeconômicas.

Como ocorre em situações análogas, o caso em pauta é influenciado por variáveis independentes e intervenientes. Acreditamos que a menor escala de grandeza permite a Campos e Macaé vantagens comparativas – maiores facilidades nos contatos pessoais e menor tempo de deslocamento para se chegar ao local de destino (casa, trabalho, lazer, dentre outros) – para incrementar diferentes tipos de associativismos clássicos, em decorrência dos menores “custos de transações” (Coase, 1992COASE, R. (1992). The Problem of Social Cost (El Problema del Costo Social). Estudios Públicos, n. 45, Chile.). Por outro lado, apenas uma parte da diferença do associativismo político entre esses dois municípios e a RMRJ poderia ser assim explicada. Essas diferenças podem ser mais bem compreendidas a partir da trajetória política recente de cada um desses municípios.

Campos se caracteriza pela importante hegemonia da “máquina política” capitaneada pelo casal Rosinha e Garotinho. Ele foi prefeito de Campos por duas vezes, e também governador do Estado; ela foi reeleita prefeita nas eleições municipais de 2012. Nesse caso – como em inúmeros outros pelo Brasil – a questão do partido político é vista por esses atores apenas como um instrumento operacional. Dizemos isso porque, na última década, movido por mudanças de conjuntura política, o casal Garotinho chegou ao poder através do PSB, posteriormente se transferiu para o PMDB e mais recentemente – após ruptura com o governador Sergio Cabral, que passou a controlar o partido – se transferiu para um novo partido, o PR.

Em cada uma dessas mudanças apenas o alto escalão da “máquina” e as lideranças intermediárias foram instadas a se reinscreverem no novo partido. A força da máquina se mostra nos resultados das eleições municipais, nos quais comparados com a eleição anterior percebe-se o forte crescimento local da nova agremiação apoiada pelo casal (seja ela pequena ou forte em nível nacional) e a imensa perda de votos do antigo partido (Souza, 2004SOUZA, J. (2004). A construção social da sub-cidadania. Belo Horizonte, Editora da UFMG.).

Em Macaé, o índice de associativismo político é maior e os votos um pouco mais fragmentados porque, na última década, o acelerado crescimento populacional – resultante da elevação do poder de atração desse município sobre os migrantes – e econômico não permitiram ou dificultaram a montagem de estruturas e de “máquinas partidárias” com o grau de coesão existente em Campos. Esse parece ser um dos principais motivos dessa relativa diluição da competição política de Macaé, em termos comparativos a Campos dos Goytacazes. Na atual conjuntura, não consideramos provável que se possa explicar esse fenômeno em Macaé como, por exemplo, “decorrente de distintas correntes políticas consolidadas”, como ocorre na zonal sul da cidade do Rio de Janeiro (Carvalho, Corrêa e Ghiggino, 2010CARVALHO, N. R.; CORRÊA, F. S. e GHIGGINO, B. (2010). Entre o Localismo e Universalismo: a Geografia Social dos Votos e a Questão Metropolitana. In: 34º ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais.).

Entretanto, o que mais nos surpreende, quando comparamos os dois polos regionais com a RMRJ são as duas últimas formas de associativismo da Tabela 2, a saber: “Grupo Desportivo, Cultural ou Recreativo” (GDCR) e “Outra Associação Voluntária” (OAV). Nesses dois casos, mais especificamente no segundo, esperar-se-ia – por se tratar de tipos de associativismo da “sociedade organizada”, mais afastados do Estado e das Igrejas – uma maior intensidade de associação na RMRJ, especialmente em Rio-Niterói, onde vive uma população mais educada e sofisticada politicamente. Essa expectativa é reforçada através dos dados da Tabela 2. Note que os associativismos dos tipos GDCR e OAV são mais intensos no Brasil Metropolitano comparativamente ao Não Metropolitano.

Tabela 2
– Intensidade de Associativismo, segundo o tipo de organização – Brasil metropolitano e não metropolitano – 2008/2009

Para surpresa nossa, os dois polos regionais surgem com índices bem superiores. No caso dos associativismos em pauta, além dos menores custos de transação seria interessante pensar em um ‘efeito polo regional’ no mesmo sentido do ‘efeito metrópole, não esquecendo que os efeitos positivos dos “Polos Regionais”, são, em parte, decorrentes do ‘efeito metrópole às avessas’ (Azevedo e Souza, 2012AZEVEDO, S. de e FERNANDES, J. de S. (2012). “Cidade média” versus “periferia metropolitana”: análise comparada entre a cultura política de Macaé e da “Baixada Fluminense”. In: 4º CONGRESSO URUGUAYO DE CIÊNCIA POLÍTICA. “A Ciência Política a partir do Sul”, Asociación Uruguaya de Ciência Política, 14-16 de novembro., p. 11).

Tal como ocorreu com as formas de associativismo, as pesquisas sobre mobilização sociopolítica mostraram algumas semelhanças que reforçam as nossas hipóteses para explicar alguns resultados não esperados, que se repetem na análise comparativa da mobilização sociopolítica.

Como se pode observar na Tabela 3, os índices de Mobilização sociopolítica de Campos e Macaé são muito próximos (1,07 e 1,08, respectivamente) e significativamente superiores aos estimados para a Baixada Fluminense (0,64) e Rio-Niterói (0,70).

Tabela 3
– Intensidade de Mobilização Sociopolítica segundo a modalidade de ação política Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009

Gráfico 3
– Intensidade de Mobilização Sociopolítica segundo a modalidade de ação política Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009

O que chama atenção nos dados sobre mobilização sociopolítica – tal como ocorreu com as modalidades de Associativismo – é a primazia dos polos regionais em todas as formas de mobilização quando os comparamos com as subáreas da RMRJ.

“Assinar um abaixo-assinado” aparece como o principal componente da mobilização sociopolítica em Macaé, na Baixada Fluminense e em Rio-Niterói, destacando-se, em Campos dos Goytacazes, como o segundo mais relevante. Sua importância, muito provavelmente se relaciona ao pouco gasto de energia e envolvimento pessoal. Em Campos, a participação em comícios ou reuniões políticas foi apontada como a principal forma de mobilização sociopolítica. “Contatar ou aparecer na mídia” surge sempre como o componente menos importante, apresentando-se mais significativo em Campos (0,62) e em Macaé (0,63) comparativamente à Baixada (0,46) e a Rio-Niterói (0,52).

As hipóteses para esses resultados, no nosso entender, são as mesmas que utilizamos para o caso similar do associativismo, ou seja, os maiores “custos de transação” (Coase, 1992COASE, R. (1992). The Problem of Social Cost (El Problema del Costo Social). Estudios Públicos, n. 45, Chile.) das grandes metrópoles em virtude dos constrangimentos e dificuldades decorrentes do tamanho exacerbado das mesmas e, por outro lado, as virtudes dos Polos Regionais em função de alguns “ganhos de escalas” (não existentes ou de menor porte nas médias e pequenas cidades) sem ter que enfrentar os problemas da Região Metropolitana, responsáveis por gerarem inúmeros “efeitos perversos”, denominados provisoriamente de “efeito metrópole às avessas”.

A “sofisticação política” nos polos regionais e na grande metrópole

Para efeitos desse trabalho, a “Sofisticação Política” será analisada a partir de dois índices, a saber:

1) Socialização Secundária, aqui entendida como um índice que mede a intensidade com que os indivíduos conversam sobre política no local de trabalho, em encontro com amigos, em casa com os familiares, em reuniões associativas e em conversas com os vizinhos.

2) Exposição à Mídia, aqui definida como um índice que mede a intensidade com que os indivíduos recebem informações sobre política através de jornais, televisão, rádio e internet.

Para possibilitar as comparações diretas, assim como a análise dos principais determinantes da cultura política, esses índices foram estimados obedecendo aos mesmos critérios de ponderação dos índices de associativismo e mobilização sociopolítica.4 4 No caso da socialização secundária, o procedimento para a padronização do índice consistiu em substituir os pesos tradicionais (Nunca = 1, Raramente = 2, Algumas vezes = 3, Frequentemente = 4) pelos pesos 0, 1, 2 e 3, respectivamente. No caso da exposição à mídia, como havia no questionário da pesquisa cinco possibilidades de resposta, houve a necessidade de agregar duas possibilidades sob um único peso. Tradicionalmente, esse indicador é calculado com as seguintes ponderações: Nunca = 1, Esporadicamente = 2; 1 a 2 dias por semana = 3; 3 a 4 dias por semana = 4 e Todos os dias da semana = 5. Seguindo o novo critério temos: Nunca = 0; Esporadicamente = 1; 1 a 2 dias por semana = 1; 3 a 4 dias por semana = 2; e Todos os dias da semana = 3.

Campos e Macaé apresentam índices de socialização secundária – 1,65 e 1,36, respectivamente – significativamente mais elevados, comparativamente às subáreas da RMRJ (0,97), como se pode observar no Gráfico 4.

Gráfico 4
– Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice Médio de Socialização Secundária

Observe, no Gráfico 5, que o índice médio de socialização secundária é maior em Campos, mais baixo em Macaé e ainda menor nas duas subáreas da RMRJ. Em Campos e Macaé, as conversas sobre política ‘no local de trabalho’, ‘em casa com os familiares’ e ‘em encontro com os amigos são, nessa ordem, os principais componentes desse índice. Nas duas subáreas da RMRJ, a socialização secundária dá-se, principalmente, através de ‘encontros com os amigos’; seguida pelas conversas sobre políticas ‘em casa com os familiares’ e apenas em terceiro lugar pelas conversas sobre política ‘no local de trabalho’, ressaltando-se que, nesse caso, comparativamente aos polos regionais, as diferenças entre esses componentes são menos acentuadas (curva mais suavizada entre esses três pontos). Em todas as áreas estudadas, os componentes menos importantes na conformação do índice são as conversas sobre política ‘com os vizinhos’, e as ‘reuniões associativas’, respectivamente.

Gráfico 5
– Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice de Socialização Secundária

Assim como no caso anterior, a exposição à mídia informativa é maior em Campos e Macaé, comparativamente às duas subáreas RMRJ, mas, nesse caso, os diferenciais de níveis são menores (Gráfico 6).

Gráfico 6
– Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice Médio de Exposição à Mídia

Outra observação que merece destaque diz respeito à composição interna do índice de exposição à mídia informativa. Nas quatro áreas estudadas, a população obtém informações sobre política, principalmente através dos telejornais e de veículos de radiodifusão, respectivamente (Gráfico 7). No entanto, considera-se a leitura de assuntos de política nos jornais o elemento mais importante desse índice, pressupondo-se que as informações dos Diários são, em média, mais sofisticadas e detalhadas quando comparadas às da televisão e do rádio, exigindo maior grau de interesse, atenção e compreensão cognitiva por parte dos indivíduos.

Gráfico 7
– Campos, Macaé e RMRJ Índice de exposição à mídia informativa

Apesar de Campos apresentar o maior índice médio de exposição à mídia (Gráfico 6), é em Rio-Niterói e depois em Macaé que se verificam as maiores intensidades de obtenção de informações sobre política, através de leitura em jornais impressos (Gráfico 8). Em Campos, esse é apenas o quarto – e último – componente do índice de exposição à mídia; em Macaé, em Rio-Niterói e também na Baixada Fluminense (onde a intensidade média de leitura de jornais é ainda menor comparativamente a Campos), esse aparece como o terceiro componente.

Gráfico 8
– Campos, Macaé, Rio-Niterói e Baixada Fluminense Índice Médio de Intensidade de Leitura de assuntos sobre política em jornais

Os índices de socialização secundária e de exposição à mídia também são maiores nos polos comparativamente às duas subáreas da RMRJ. Na socialização secundária, os diferenciais de níveis são maiores, mas as diferenças nos padrões de comportamento são menores; na exposição à mídia, apesar do menor diferencial de nível, há significativas diferenças nos padrões comportamentais. Dentre elas, chama atenção o posicionamento do componente ‘leitura de assuntos sobre política em jornais’ – considerado o elemento mais sofisticado de exposição à mídia informativa – na conformação desse indicador, para as localidades estudadas.

Em Campos, localidade onde a exposição à mídia se apresenta mais intensa, esse seria o componente de menor importância ao passo que em Macaé, Rio-Niterói e na Baixada Fluminense esse seria o terceiro componente do referido indicador.

Chama a atenção, ainda, o fato de que a população de baixa escolaridade residente na Baixada Fluminense busca mais informações sobre política em jornais do que aquela residente em Campos, em Macaé e, inclusive, na própria região Rio-Niterói. Esses resultados sugerem que os resultados relativos à Baixada Fluminense – área predominantemente popular – possivelmente estejam refletindo os impactos positivos do ‘efeito metrópole’.

À guisa de um balanço provisório

Este artigo foi também motivado pela necessidade de se identificar quais são os principais determinantes da cultura política de Macaé e da Baixada Fluminense: se os fatores cognitivos – aqui representados pelos indicadores de ‘Socialização Secundária’ e ‘Exposição à Mídia Informativa’ – ou os fatores relacionados à participação política – aqui representados pelos indicadores de ‘Associativismo’ e ‘Mobilização Sociopolítica’.

Como os índices de associativismo, mobilização sociopolítica, exposição à mídia informativa e socialização secundária são sempre maiores em Campos e Macaé (Gráfico 9), conclui-se que nesses municípios a cultura política é maior do que nas duas subáreas da RMRJ, ressaltando-se que na realidade ela é baixa em todas as localidades estudadas.

Gráfico 9
– Campos, Macaé e RMRJ Determinantes da Cultura Política

Além disso, o Gráfico 9 nos mostra que os fatores cognitivos associados à cultura política são, em geral, mais elevados do que os fatores relacionados à participação política. Nas duas subáreas da RMRJ – Baixada Fluminense e Rio-Niterói – os determinantes da cultura política são, em ordem decrescente de importância, o acesso à mídia informativa, destacando-se a obtenção de informações sobre política nos telejornais, nos noticiários das rádios e na mídia impressa, respectivamente; a socialização secundária, principalmente através de conversas sobre política em encontros com os amigos e em casa com a família; a mobilização sociopolítica, principalmente através de participação em abaixos-assinado; e, por último, o associativismo, com destaque para aquele de natureza religiosa. Essa mesma ordenação é observada em Macaé. Apenas em Campos há uma inversão. Nesse município, os determinantes da cultura política são, em ordem decrescente de importância, a socialização secundária, destacando-se a importância das conversas sobre política no local de trabalho, em casa com os familiares, e nos encontros com os amigos; a exposição à mídia; mobilização sociopolítica; e associativismo.

Como se trata de um trabalho exploratório restrito a duas subáreas da RMRJ – Baixada Fluminense e Rio-Niterói – e a duas cidades médias – Campos dos Goytacazes e Macaé – do norte fluminense, torna-se temerário realizar qualquer tipo de generalização do que foi aqui discutido, sem a replicação desse tipo de estudo para outras regiões do país.

A primeira novidade que surgiu de forma consistente foi a predominância do associativismo – notadamente do religioso – e da mobilização sociopolítica – nos “Polos Regionais” em relação à RMRJ. Quando iniciamos a pesquisa, não imaginávamos que os índices dos Polos Regionais – Campos dos Goytacazes e Macaé – poderiam superar os da RMRJ, considerada um dos maiores centros culturais do país.

A nosso ver, esses resultados refletem duas vantagens relativas dos polos regionais, a saber:

a) os menores “custos de transações” (Coase, 1992COASE, R. (1992). The Problem of Social Cost (El Problema del Costo Social). Estudios Públicos, n. 45, Chile.), uma vez que nos Polos os constrangimentos – transporte coletivo saturado, tempo de deslocamento elevado, alto custo de moradia, enorme contingente de população pobre nas periferias, entre outros – são menores comparativamente à RMRJ, afetando positivamente os índices de associativismo e mobilização sociopolítica;

b) os ganhos de escala em relação às “áreas urbanas não metropolitanas”, uma vez que nesses municípios há indústrias e comércio mais sofisticados, serviços especializados, equipamentos de consumo coletivos, escolas, cultura, entre outras. Em decorrência dessa característica, sugerimos como hipótese exploratória pensar em um “efeito polo regional” (no mesmo sentido positivo do denominado “efeito metrópole”), quando se compara os Polos Regionais com os demais conjuntos urbanos não metropolitanos.

Esses resultados refletem, ainda, os efeitos perversos da grande concentração populacional – fruto de um crescimento não planejado e em grande escala – na RMRJ.

Os índices de Socialização Secundária e Exposição à Mídia apresentaram-se, em todas as localidades estudadas, superiores aos índices de Associativismo e de Mobilização Sociopolítica ressaltando-se que apenas em Campos dos Goytacazes, a Socialização Secundária apresentou-se mais intensa comparativamente à Exposição à Mídia Informativa.

Considerando a ‘leitura de jornais’ – o componente mais sofisticado do índice de exposição à mídia, percebe-se a hegemonia de Rio-Niterói (Zona Sul ampliada) sobre os dois polos regionais e, obviamente, sobre a Baixada Fluminense. Isso nos permite levantar a hipótese de que Niterói e Rio apresentam uma maior sofisticação política, inclusive nos demais indicadores analisados neste artigo, ainda que, quantitativamente, esses se apresentem menores do que nos dos polos regionais.

Essa hipótese é reforçada quando, nesse item de maior sofisticação política, comparamos a intensidade de leitura de jornais, segundo os menores níveis de escolaridade entre as localidades analisadas. Nesse caso, verificamos que a Baixada Fluminense supera os dois polos regionais, o que poderia ser explicado pelo ‘efeito metrópole’.

Em outras palavras, a população de baixa escolaridade residente na Baixada Fluminense busca mais informações sobre política em jornais do que a população com nível de escolaridade semelhante, residente em Campos, em Macaé e, inclusive, em Rio-Niterói. Além disso, na Baixada, a intensidade dessa leitura entre os indivíduos de baixa escolaridade (0,95) é apenas ligeiramente inferior à intensidade estimada para aqueles com escolaridade média (1,01); nas demais localidades as diferenças são mais significativas entre esses dois segmentos.

Esses resultados sugerem que, apesar de a Baixada apresentar uma menor intensidade de exposição à mídia, para os indivíduos de escolaridade mais baixa essa ocorre de maneira mais sofisticada se comparada a de Campos dos Goytacazes, localidade onde a exposição à mídia como um todo se apresenta mais intensa.

Mediante tais considerações é necessário ressaltar que, muito possivelmente os resultados relativos à Baixada Fluminense – área predominantemente popular – estejam refletindo os impactos positivos do ‘efeito metrópole’. Em outras palavras, a ligação umbilical com Rio-Niterói – um dos locus culturais mais sofisticados do país, e onde trabalha grande parte da população economicamente ativa residente na Baixada – possibilita uma série de trade-offs entre essas duas localidades, dentre elas, uma maior sofisticação de exposição à mídia, à população residente na Baixada Fluminense.

Finalmente, acreditamos que os dados apresentados antes de apresentarem resultados conclusivos suscitam uma série de novas questões a serem pesquisadas, possibilitando a elaboração de diferentes tipos de abordagens e de novas hipóteses. Uma alternativa seria replicar esse tipo de pesquisa em outras regiões metropolitanas e em outros polos regionais; outra possibilidade interessante seria utilizar um maior número de indicadores que permitissem avaliar não somente a quantidade, mas especialmente a ‘qualidade’ da participação política. Mesmo na ‘leitura de jornais’, considerado, nesse artigo, o elemento mais sofisticado de exposição à mídia, há diferenças imensas entre jornais de alcance nacional em relação a diários de circulação restrita aos polos.

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  • SOUZA, J. (2004). A construção social da sub-cidadania Belo Horizonte, Editora da UFMG.
  • *
    Versão preliminar deste artigo foi publicada nos Anais do XII Seminário da Rede Iberoamericana de Pesquisadores sobre Globalização e Território (RII) e V Encontro da Rede Iberoamericana de Editores de Revistas (RIER), realizado em Belo Horizonte/MG, em outubro de 2012.
  • 1
    A nosso ver, valores e comportamentos relacionados à Nova Cultura Política no Brasil, mesmo que venham se fortalecendo nas últimas décadas, estão longe de se constituírem na principal gramática cultural existente. Ver a respeito Azevedo, Santos e Ribeiro (2009)AZEVEDO, S.; SANTOS JÚNIOR, O. A. dos e RIBEIRO, L. C. de Q. (2009). Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 11, n. 22, pp. 347-366..
  • 2
    Robert Putnam, em seu conhecido trabalho sobre a democracia na Itália, utiliza o conceito de “capital social”, definido como “um bem público, representado por atributos da estrutura social tais como a confiança e a disponibilidade de normas e sistemas, que servem como garantia entre os atores, facilitando ações cooperativas”, para explicar as diferenças de participação cívica entre as comunidades do norte, consideradas mais democráticas, em relação às do sul, consideradas mais conservadoras (Putnam, 1996PUTNAM, R. D. (1996). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas.).
  • 3
    Ressalte-se que este tema é bastante polêmico na medida em que autores como Wanderley Guilherme dos Santos consideram que os partidos políticos no Brasil pós regime militar apresentam uma curva de fragmentação muito próxima a existentes entre 1950-1959, relativamente comparável com o tamanho e diversidade encontrada entre partidos de muitos países ocidentais desenvolvidos (Santos, 2004SANTOS JUNIOR, O. A. dos; RIBEIRO, L. C. de Q. e AZEVEDO, S. de (orgs.) (2004). Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase.).
  • 4
    No caso da socialização secundária, o procedimento para a padronização do índice consistiu em substituir os pesos tradicionais (Nunca = 1, Raramente = 2, Algumas vezes = 3, Frequentemente = 4) pelos pesos 0, 1, 2 e 3, respectivamente. No caso da exposição à mídia, como havia no questionário da pesquisa cinco possibilidades de resposta, houve a necessidade de agregar duas possibilidades sob um único peso. Tradicionalmente, esse indicador é calculado com as seguintes ponderações: Nunca = 1, Esporadicamente = 2; 1 a 2 dias por semana = 3; 3 a 4 dias por semana = 4 e Todos os dias da semana = 5. Seguindo o novo critério temos: Nunca = 0; Esporadicamente = 1; 1 a 2 dias por semana = 1; 3 a 4 dias por semana = 2; e Todos os dias da semana = 3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    4 Nov 2013
  • Aceito
    15 Dez 2013
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