Acessibilidade / Reportar erro

"Also spricht meine Seele". O Zaratustra de Nietzsche no Livro vermelho de Jung: a verdade como vida entre experiência e experimento* * Tradução de Larissa Morgato. A citação do título foi retirada da edição alemã de JUNG, C. G. Das Rote Buch: Liber novus. Düsseldorf: Patmos Verlag GmbH & CO. KG, 2010, p. 301. A primeira edição impressa do texto foi publicada em inglês: The red Book: Liber Novus. Ed. By S. Shamdasani. New York/London: W. W. Norton & Company, 2009. Aqui será usada como referência a edição italiana: Il libro rosso: liber novus. S. Shamdasani (Org.). Torino: Bollati Boringhieri, 2010, daqui para frente indicada nas notas com a abreviação RB seguida pelo número da página. Agradeço os amigos e colegas do Seminário permanente nietzschiano (SPN) com os quais tive oportunidade, em diversas ocasiões, de discutir sobre o problema da verdade, no Zaratustra, ao qual são dedicadas duas edições do seminário, em especial, Pietro Gori e Paolo Stellino. Obrigado a Vincenzo Continanza e obrigado à doutora Diana Gran Dall'Olio pela leitura atenta do texto, pelas observações sempre pertinentes e pelas propostas de correção e a Regina Greber por sua sensibilidade na leitura atenta do texto. "O Liber novus", explica o curador, "é um corpus textual incompleto, atestado por um conjunto de testemunhos (manuscritos e cópias datilografadas), nenhum dos quais traz uma redação que possa ser considerada definitiva" e precisa que "não é completamente claro como Jung quisesse completar a obra ou de que forma a teria publicado, caso tivesse decidido fazê-lo". (S. Shamdasani, Nota editorial, In: RB 222). O curador reconstrói a complexa trama textual (Livros negros, Minutas, transcrições etc.) que gira em torno do núcleo central do corpus, ou seja, o volume caligráfico deixado incompleto, ao qual Jung referia-se indicando-o seja como Livro vermelho, seja como Liber novus (cf. RB 193). Se quiséssemos precisar a definição filológica do RB fornecida por Shamdasani, deveríamos acrescentar que este, volume caligráfico à parte, é uma escolha particular e argumentada de textos inéditos, realizada pelos curadores; inéditos que giram em torno ao volume caligráfico. À diferença do curador de RB, prefiro utilizar aqui o título editorial, Livro vermelho, para indicar, em conjunto, seja o volume caligráfico, seja os escritos satélites que se lhe referem. À luz do fato que Shamdasani considera que Liber novus parece "corresponder ao título efetivo" do volume caligráfico (RB 193), é singular a escolha editorial de trazer tal locução como subtítulo em caracteres menores no frontispício das edições inglesa e italiana (completamente ausente na edição alemã, na qual ela aparece apenas nas páginas internas).

Resumo

Sabe-se que o encontro com o pensamento de Nietzsche foi realmente crucial para Jung; pode-se provar pelos seminários realizados por ele entre 1934 e 1939 e dedicado à interpretação de Assim falou Zaratustra. Traços da influência deste trabalho estão presentes na estrutura, linguagem, temas e atmosferas do Livro vermelho, bem como referências explícitas ao próprio Nietzsche. Aqui eu gostaria de propor um levantamento preliminar de alguns desses vestígios. Será uma pesquisa muito limitada, a fim de possibilitar reflexões mais amplas. Os vestígios revelam uma afinidade básica entre os textos de Nietzsche e Jung, e confirma um horizonte temático e teórico comum. Acima de tudo, parece-me - e eu vou tentar provar isso - que ambas as obras compartilham uma função semelhante como dispositivos performativas de representação, mas também da produção da verdade e do confronto com ele. Na esteira dessa linha de argumento, vou me concentrar em alguns dos núcleos textuais no Livro vermelho, relacionando com a questão da verdade em Nietzsche. Nas páginas de Ecce homo que são dedicadas a Zaratustra descobrimos, de forma concentrada, questões que, como veremos, serão retomadas e desenvolvidas também no Livro vermelho: Zaratustra é definido como uma "revelação da verdade" expressa por símbolos; uma "investigação sobre a alma", uma obra em que "o que está mais próximo, o que é realmente diário, fala [...] de coisas inéditas". E a personagem Zaratustra como um homem que se "sente a mais elevada espécie de existência" justamente porque tem "acesso a todos as oposições", sem a isso sucumbir; a mais profunda e conciliadora alma, capaz de experimentar o tempo da maneira mais abissal e imanente do eterno retorno; expressão do "conceito de Dioniso", uma visão antiga, porém renovada do divino e do sagrado.

Palavras-chave
Jung; Livro vermelho; alma; verdade

Grupo de Estudos Nietzsche Rodovia Porto Seguro - Eunápolis/BA BR367 km10, 45810-000 Porto Seguro - Bahia - Brasil, Tel.: (55 73) 3616 - 3380 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosnietzsche@ufsb.edu.br