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Abrindo trilhas com leituras: reflexões sobre a gênese de O nascimento da tragédia

Opening paths with readings: reflections on the genesis of The Birth of Tragedy

Resumo:

O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a gênese de O nascimento da tragédia a partir das leituras de Nietzsche dos escritos Lições sobre belas letras e Lições sobre arte dramática de August Schlegel. Tais leituras, iniciadas no período de estudos em Pforta, atravessam os primeiros anos de docência na Basileia até ganhar forma na primeira obra de Nietzsche. Pretende-se analisar esse percurso de leituras, a fim de elucidar o processo de formação da reflexão de Nietzsche no que diz respeito às questões centrais de sua primeira obra, tais como o apolíneo e o dionisíaco, a poesia épica e a poesia dramática.

Palavras-chave:
Nietzsche; August Schlegel; apolíneo; dionisíaco; leitura; interpretação

Abstract:

This article aims to reflect on the genesis of The Birth of Tragedy based on Nietzsche's readings of Lectures on Fine Art and Literatur and Lectures on Dramatic Art by August Schlegel. Such readings, begun during his studies in Pforta, span his first years lecturing in Basel until they ultimately took shape in Nietzsche's first work. The goal is to analyze this trek of readings, in order to encover the development process of Nietzsche's thinking regarding the central issues of his first work, such as the Apollonian and Dionysian, epic poetry and dramatic poetry.

Keywords:
Nietzsche; August Schlegel; Apollinian; Dionysian; reading; interpretation

Uma das decisivas novidades de O nascimento da tragédia, como afirma Nietzsche em Ecce Homo, é a compreensão do fenômeno dionisíaco entre os antigos gregos, a formulação e apresentação desse fenômeno como a raiz única de toda a arte helênica. Em sua primeira obra, o jovem professor da Universidade da Basileia teria elaborado não apenas a primeira psicologia do dionisíaco, mas teria sido o primeiro a levar a sério e a compreender esse extraordinário fenômeno (EH/EH, O nascimento da tragédia NIETZSCHE, -. O nascimento da tragédia. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Cia das Letras, 2005.1, KSA 6.310). Essa reivindicação de originalidade com relação ao dionisíaco suscitou amplo debate na literatura ao longo do último século e contribuiu para ampliar a compreensão do diálogo de Nietzsche com as interpretações filológicas e filosóficas do mundo grego, especialmente a dos pensadores do primeiro romantismo alemão. A respeito desse debate, Ernst BehlerBEHLER, E. Nietzsche und die Frühromantische Schule. In: Nietzsche-Studien 7, 1978, pp. 59-96., e mais recentemente Richard Gray, argumentaram que se cabe a Friedrich Schlegel, no horizonte do pensamento romântico, a descoberta do dionisíaco, Nietzsche teria razão de reivindicar a primazia, pois teria sido o primeiro a extrair a fundo as consequências de se afirmar um fundamento dionisíaco da cultura grega.1 1 Cf. Behler, 1989, pp.141-155 (aqui 145), e Gray, 2009, pp. 39-64 (aqui 41). Sobre esse tema, conferir ainda, o pioneiro artigo de Bäumer, 1977, pp.123-153 (aqui 125). Assim, a provocativa afirmação de Nietzsche produz uma espécie de paradoxo,

pois ao mesmo tempo que desperta o esforço de mostrar como sua obra se insere na tradição de interpretações do mundo grego, a tensão que daí resulta demarca com tanto mais força a originalidade de seu pensamento.

O presente trabalho procura problematizar essa tensão entre as leituras de Nietzsche, em especial dos escritos de August Schlegel, e o processo de formação de seu pensamento, o que implica uma transformação muito significativa daquilo que foi lido e recebido, como atestam inúmeros textos do período de elaboração de O nascimento da tragédia. Nesse horizonte, proponho de início indagar: como se forma o pensamento de Nietzsche sobre o dionisíaco, ou melhor, como o célebre par apolíneo-dionisíaco, que não cessa ainda hoje de produzir fascínio e atrair novos leitores, ganha forma em seu pensamento? Sabe-se que o contato de Nietzsche com os clássicos gregos e com toda a produção literário-filosófica moderna sobre o mundo antigo inicia-se no período de seus estudos em Pforta. Uma das leituras que se destaca nesse período, e que é retomada ao longo dos anos de elaboração de O nascimento da tragédia, é a leitura dos escritos do pensador romântico August Schlegel. Se traçarmos um quadro de tais leituras, veremos se formar um longo percurso, que se inicia em Pforta, em 1862, no contexto dos estudos de literatura alemã, atravessa todo o período da Basileia, de 1869 a 1871, até se desdobrar e ganhar forma em sua primeira obra. Nietzsche ocupa-se com diferentes escritos do pensador romântico, tanto seus estudos estéticos, elaborados no período de mais estreito contato com o círculo de Jena, publicados em Lições sobre belas letras e arte, quanto seus estudos sobre a tragédia grega, nos quais trata, entre inúmeros temas, da epopeia e do drama, do coro trágico, de cada um dos dramaturgos antigos, publicados em Lições sobre arte dramática. Tais leituras indicam que não foram poucas as fontes de inspiração que Nietzsche encontrou no pensamento de Schlegel. Se algumas de suas anotações são excertos e transcrições de trechos da obra, outras são comentários que atestam um acalorado debate, expressando entusiasmo, mas também crítica às suas formulações. O mais preciso seria dizer que a visão do pensador romântico sobre a poesia épica e dramática instiga o pensamento de Nietzsche, o faz refletir sobre o mundo grego e assim contribui para formular questões centrais de sua primeira obra. Não se trata aqui simplesmente de identificar o acordo ou o desacordo de Nietzsche com as teses de Schlegel, se ele repete e adere a seu pensamento, ou se dele se afasta criticamente, mas sim de mostrar como o confronto com as leituras desempenha um importante papel, já que por meio delas se dá a gestação e amadurecimento das próprias concepções. Em outras palavras, trata-se de compreender a leitura não apenas como um processo de recepção das teses de outro autor, mas como um processo de transformação de tais teses, como se Nietzsche conversasse com Schlegel, o escutasse, mas amadurecesse a partir dessa escuta uma outra visão da Grécia. Vale aqui destacar a leitura como uma atividade, ela se constitui como um campo de experimentação, de jogo e de deslocamento de sentido, um processo de crítica e interpretação pelo qual se forma o pensamento. Propomo-nos, nesse encontro dos 150 anos de O nascimento da tragédia, analisar determinados momentos dessas leituras, especialmente aqueles sobre a epopeia e o drama, a fim de contribuir para ampliar a reflexão sobre o processo de nascimento da obra inaugural de Nietzsche.

As primeiras leituras: visão geral

O contato de Nietzsche com o primeiro romantismo alemão remete ao período de outubro de 1862 a março de 1863, quando elaborou um excerto (KGW I,3. 103-6) sobre os Kritische Schriften de August Wilhelm Schlegel, debruçando-se especialmente sobre dois textos: um extrato contendo parte das Lições sobre belas letras e arte, ministradas em Berlim em 1802, e o ensaio Bürger, de 1800, nos quais Schlegel expôs as principais teses da escola romântica, especialmente a sua teoria da arte.2 2 Cf. Schlegel, 1963, e Schlegel, 1962, pp. 127- 190. As traduções das citações de Schlegel e de Nietzsche, salvo indicação, são de minha autoria. Nesse período, em que cursava o ginásio em Pforta, Nietzsche foi aluno de um dos mais conceituados historiadores do pensamento romântico, Karl August Koberstein, que lecionou na célebre escola por mais de 50 anos e dedicou-se durante todo esse período a uma detalhada pesquisa sobre a história da literatura alemã. Em 1827 foi publicada a primeira edição de seu Compêndio de história da literatura nacional alemã, continuamente ampliado e enriquecido até formar, em 1866, uma obra em três volumes que tratava a história da literatura alemã e abordava com riqueza de detalhes a formação da escola romântica. Nietzsche ingressou em Pforta em 1858 e concluiu seus estudos em 1864, o que indica que o período de seus estudos coincide com a época em que Koberstein reunia material para o último volume de seu livro, voltado para a literatura moderna.3 3 Para uma detalhada análise desse tema cf. Hartmann, 2019, pp. 102-118. Os escritos de Schlegel, que despertaram o interesse de Nietzsche, foram vivamente recomendados por Koberstein em sua obra. A respeito das Lições sobre belas letras e arte, comentou que contribuíram consideravelmente para o prestígio e divulgação das concepções românticas em Berlim. Já o ensaio Bürger foi considerado “excelente”, o melhor comentário sobre o poeta.4 4 Koberstein, 1866, p. 2239. Observa-se a cada nova edição da obra, o estudo cada vez mais detalhado dos pensadores românticos, o que certamente repercutia nas aulas ministradas por Koberstein, compondo o cenário vivo de formação do jovem Nietzsche.5 5 Cf. a respeito Hartmann Cavalcanti 2021, pp. 147-174.

Em 1869, ano em que Nietzsche é nomeado professor da Universidade da Basileia, surgem novos indícios da leitura dos escritos de Schlegel, especialmente de suas famosas conferências sobre o teatro antigo e moderno, intituladas Lições sobre arte dramática e literatura.6 6 Schlegel, 1966. Para as próximas citações, utilizarei a abreviatura DK, seguida do número da página. Essas conferências foram traduzidas em inúmeros países europeus ao longo do século XIX e ficaram tão conhecidas que Josef Körner se referiu a seu autor como “o porta-

voz do romantismo alemão na Europa”.7 7 Cf. a respeito Behler, 1983, p. 349. Ao longo de todo segundo semestre de 1869, no qual prepara suas conferências O drama musical grego e Sócrates e a tragédia, Nietzsche ocupa-se intensamente com esta obra de Schlegel, na qual a arte trágica antiga é analisada em contraposição ao teatro moderno. Suas impressões de leitura foram registradas em uma longa série de anotações, na qual são comentadas a reflexão de Schlegel sobre a composição do teatro antigo, a significação do coro trágico, a análise dos três grandes dramaturgos clássicos, assim como o papel de Eurípedes na morte da tragédia. As anotações de Nietzsche, que evidenciam a leitura da quase totalidade dos capítulos da obra, são retomadas e desenvolvidas a partir de diferentes núcleos temáticos nos escritos de 1869-1870. Em O drama musical grego, Nietzsche elabora sua concepção do papel do coro na tragédia a partir de um diálogo com as teses de Schlegel sobre o espectador ideal, ao passo que em Sócrates e a tragédia, como tratado pelas pesquisas das últimas décadas8 8 Cf. Henrichs, 1986, pp. 369-397. Ver, também, sobre o tema Behler, 1989, pp. 141-155, e Crescenzi, 1993, pp. 385-392. , as teses de Schlegel sobre Eurípedes e o declínio da tragédia desempenham papel central em sua argumentação.

Alguns meses depois, em seu curso Introdução à tragédia de Sófocles, ministrado na Basileia no verão de 1870, Nietzsche não apenas dá continuidade à leitura das conferências de Schlegel, mas começa a consolidar um campo bem demarcado de interesse. A reflexão sobre o coro como espectador ideal e a visão crítica da tragédia de Eurípedes são retomadas, assim como são apresentados em uma forma mais elaborada temas que haviam sido esboçados nas anotações de 1869, como a composição da tragédia e sua distinção em relação à epopeia.

O ensaio A visão dionisíaca do mundo, enfim, no qual Nietzsche expõe pela primeira vez a interpretação da tragédia antiga a partir do par conceitual apolíneo- dionisíaco, apresenta uma notável particularidade no que diz respeito à leitura de Schlegel. Diferentemente dos escritos anteriormente mencionados, nos quais Nietzsche se mantém de certo modo próximo às teses de Schlegel, em A visão dionisíaca do mundo tais teses deixam quase inteiramente de ser visíveis e estão, por assim dizer, transfiguradas por um longo processo de leitura e apropriação. Nietzsche não apenas reformula temas tratados nas Lições sobre arte dramática, como o papel da imaginação na epopeia homérica ou o uso de máscara no teatro grego, inserindo-os em um novo horizonte, mas relê as Lições sobre belas letras e arte, cujas anotações compõem o excerto de 1862, elaborado em Pforta, remodelando uma série de conceitos desenvolvidos por Schlegel. Tais conceitos, especialmente os de ilusão e verossimilhança, cuidadosamente anotados em 1862, são retomados em A visão dionisíaca do mundo pelo então professor da Universidade da Basileia e recebem uma nova configuração no horizonte da investigação sobre a arte apolíneo-dionisíaca.

Assim, num quadro sucinto do percurso de leituras acima descrito, o diálogo de Nietzsche com Schlegel se dá a partir de diferentes núcleos temáticos, de um lado conceitos tratados pela teoria estética romântica, como ilusão e verossimilhança, de outro, questões específicas sobre a arte grega, como epopeia e drama, nascimento e declínio da tragédia. Esses dois percursos de leitura irão se encontrar e se mesclar de um modo interessante no ensaio A visão dionisíaca de mundo, pois Nietzsche irá ligar a teoria estética à reflexão sobre a poesia épica e dramática, formulando com maior precisão a trama conceitual apolíneo-dionisíaca.9 9 Para uma análise dessa temática cf. Hartmann Cavalcanti, 2008, pp. 47-68.

Epopeia e drama

A diferenciação entre epopeia e drama foi um tema relevante para a formação das noções de apolíneo e dionisíaco. Nas primeiras anotações para o ensaio A visão dionisíaca de mundo encontram-se inúmeros comentários sobre o tema, nos quais é possível acompanhar o surgimento da diferenciação entre as duas formas de arte. Na maior parte dessas notas, Nietzsche contrasta a epopeia e o drama, abordando o processo de formação da tragédia a partir do elemento musical das festas dionisíacas.

A reflexão sobre a arte dramática é elaborada em contínua oposição à narrativa épica e no centro dessa construção está a contraposição entre as esferas da imaginação e do pathos, correspondentes às noções da arte apolínea e dionisíaca. Ao longo desse período, como vimos, encontram-se inúmeras anotações sobre as Lições sobre arte dramática de Schlegel. Aqui percebe-se o entusiasmo de Nietzsche:

Imagem brilhante de Schlegel: a epopeia homérica é na poesia o que o relevo é na escultura. O baixo-relevo é ilimitado, deixa-se prolongar para frente e para trás e por isso os antigos escolheram, de preferência, objetos que se deixavam estender indeterminadamente, tais como procissões sacrificiais, danças, sequências de lutas. Por isso elaboraram também baixos-relevos em superfícies ovais, como vasos, frisos de uma rotunda, nos quais as duas extremidades são ocultadas pela curvatura, de tal modo que quando nos movemos uma aparece e a outra desaparece. A leitura dos cantos homéricos guarda grande semelhança com esse andar em círculo, pois nos concentra no que está diante de nós, fazendo desaparecer o que veio antes e o que veio depois (Nachlass/FP 1 [105], KSA7.40-41).

O que Nietzsche considera brilhante na imagem de Schlegel é mostrar, através da analogia com o baixo-relevo, que a poesia épica estimula a imaginação do ouvinte e o leva a concentrar sua atenção inteiramente nas passagens que estão sendo narradas, enquanto os acontecimentos anteriores e posteriores ficam em segundo plano. Aqui são indicados dois importantes aspectos que caracterizam a narrativa épica: 1 - o de suscitar a atividade da imaginação, a produção interna de representações, capaz de captar a atenção do ouvinte e transportá-lo para a narrativa; 2 - o esquecimento suscitado pelo estado de contemplação das imagens, pelo qual o ouvinte perde-se prazerosamente no jogo de impressões produzido pela narrativa.

Esse tema foi tratado também nas Lições sobre belas letras, nas quais Schlegel refere-se à arte como a esfera da “aparência lúdica” (spielenden Schein), à qual “a alma encantada se entrega voluntariamente, esquecida do presente imediato, sem deixar de se manter consciente da ficção”.10 10 0 Cf. Schlegel, 1963, p. 86. Apesar de o ouvinte estar imerso no mundo dos personagens, envolvido com as imagens vivas que brotam da narrativa, ele não deixa de manter um distanciamento, de permanecer consciente da ficção. Em A visão dionisíaca do mundo é possível perceber os desdobramentos da leitura de Schlegel na reflexão de Nietzsche. A arte apolínea é concebida como o domínio da “visão, do belo, da aparência”, no qual devemos “ver não com os olhos abertos”, mas com “imagens interiores”, cuja produção o rapsodo procura nos estimular (DW/VD2, KSA1.563). Se, de um lado, no estado de sonho, o ouvinte é levado a uma “composição artística”, de outro, ele se mantém consciente da criação, já que pertence ao domínio da arte apolínea manter bem demarcados os limites das imagens de sonho. É possível identificar aqui uma notável conexão entre as concepções desenvolvidas por Schlegel e a reflexão de Nietzsche sobre a arte apolínea, na qual a epopeia é concebida como entrelaçamento entre a atividade da imaginação e da consciência. Em O nascimento da tragédia, enfim, desdobra-se a analogia entre as imagens de sonho e a visão apolínea da arte: Apolo “reina sobre a bela aparência do mundo interior da fantasia” (GT/NT1, KSA1.27) e, ao mesmo tempo, tal fantasia não se confunde com a realidade, mantendo bem delimitadas suas fronteiras.

Já no que diz respeito à arte dramática, Nietzsche expressa distanciamento em relação a Schlegel. Em suas Lições sobre arte dramática, Schlegel concebe o coro como “espectador ideal”, como representante da visão do poeta (DK, 64-65). Ao coro é atribuído o papel de atenuar, através da expressão lírica, as emoções do espectador e transportá-lo para um estado contemplativo, tornando possível uma reflexão sobre a situação trágica. Em O drama musical grego, Nietzsche refere-se a essa passagem, indicando sua concordância parcial com a interpretação de Schlegel. Se de um lado, o papel do coro seria expressar a visão do poeta, de outro, seu papel não seria atenuar os sentimentos e possibilitar a contemplação, mas, ao contrário, comparado a uma “caixa de ressonância”, seu papel seria o de produzir uma “ampliação colossal” das emoções do espectador (GMD/DM, KSA1.525). Nietzsche alude aqui ao elemento central da contraposição entre epopeia e drama, construída a partir da distinção entre o estado contemplativo do artista apolíneo, consciente de sua criação, e o estado de êxtase dionisíaco, o pathos que caracteriza a criação dramática. Observe-se que é justamente em torno do elemento dionisíaco da tragédia, o elemento musical, que Nietzsche se afasta da concepção de Schlegel, ao mesmo tempo que utiliza sua reflexão para construir sua interpretação.

O coro trágico: noção de verossimilhança

Em A visão dionisíaca do mundo, a busca de elucidação do elemento musical da tragédia atua, mais uma vez, como fio condutor do debate com Schlegel. Aqui surgem evidências não apenas de uma releitura das Lições sobre belas letras, mas de passagens que foram anotadas por Nietzsche em 1862. Em seu excerto, Nietzsche transcreve um longo parágrafo, no qual Schlegel faz um jogo com a palavra alemã “Wahrscheinlichkeit”, verossimilhança, composta pela combinação dos termos “wahr” (verdadeiro) e “scheinen” (parecer). Trata-se da seguinte passagem das Lições:

A autêntica verossimilhança (Wahrscheinlichkeit) repousa sobre cálculos do entendimento que não podem ser aplicados a uma bela obra de arte; na poesia não se pode tratar de outra verossimilhança senão que algo pareça verdadeiro (wahr scheine) e isso pode ocorrer muito bem, inclusive em relação a algo que nunca poderá ser verdadeiro. Trata-se apenas de um poeta saber nos inserir, por meio do encantamento da representação, num mundo estranho, e assim ele pode operar livremente segundo suas próprias leis.11 11 Cf. Schlegel, 1963, p. 87. Utilizei aqui a tradução brasileira: Werle, 2014, p. 100.

O pensador romântico explora as possibilidades semânticas da palavra para criar um contraste entre o que é provável, verossímil, como princípio predominante no naturalismo estético, e o que parece verdadeiro, no sentido do encantamento produzido por uma representação artística. Diferentemente do princípio da verossimilhança, nesse mundo construído a partir de leis artísticas basta que algo pareça verdadeiro, que por meio da fantasia a disposição e a relação determinada das coisas na realidade possam ser transformadas e vivenciadas de novas perspectivas.

Vejamos de forma sucinta, antes de prosseguir, de que modo o jogo de palavras, acima descrito, é tratado em A visão dionisíaca do mundo. Nietzsche diferencia epopeia e drama, demarcando suas fronteiras e elucidando o efeito estético de cada forma de arte. Enquanto o elemento da epopeia é a beleza, a tragédia forma um mundo intermediário entre a beleza e a verdade, constituído não pela “bela aparência, mas pela aparência”, não pela “verdade, mas pela verossimilhança” (DW/VD3, KSA1.567). O mundo dionisíaco, a embriaguez das multidões que cantam e dançam, deixa de ser verdade sob o efeito do elemento artístico apolíneo, que transforma em aparência, desdobrando no mundo visível da cena, o pathos dionisíaco. O elemento musical dionisíaco, por sua vez, retira da aparência seu brilho e beleza, transformando-a em signo ou símbolo. A partir do conceito “verossimilhança”, Wahrscheinlichkeit, é ressaltado o surgimento de um novo fenômeno na arte grega, não mais a ilusão apolínea, através da qual era encoberto o aspecto terrível da existência, mas a apresentação simbólica da desmedida dionisíaca.

No drama, diferentemente da epopeia, não se trata de representar o belo, mas de produzir um mundo artístico que “pareça verdadeiro”, o que corresponde ao termo alemão wahr scheint (DW/VD4, KSA1.574). Aqui reside a diferença decisiva entre o efeito estético da arte apolínea, que desperta o prazer na contemplação das imagens, e o da tragédia antiga, na qual a música do canto coral transforma a cena em uma alegoria do pathos dionisíaco. A cena teatral é, segundo Nietzsche, um acontecimento simbólico, ela conta a história do herói trágico como uma expressão alegórica dos combates de Dioniso cantados pelo coro. No espetáculo trágico a cena está associada à música e ao canto coral, como se a emoção e o lirismo do coro se tornassem visíveis, ganhassem movimento na ação e no diálogo dos personagens. Aqui não se trata mais de produzir o efeito estético da “ilusão”, de encobrir e embelezar, mas sim o da “verossimilhança”, de figuração simbólica das forças dionisíacas.

Nietzsche não menciona o pensador romântico no ensaio A visão dionisíaca do mundo, mas se apropria de seu jogo de palavras, grifando os termos Wahrscheinlichkeit e wahr scheinen sempre que os utiliza. Enquanto Schlegel contrapõe os dois termos, Nietzsche estabelece entre eles uma relação complementar, a fim de abrir caminho para uma interpretação da tragédia que priorize o elemento musical-dionisíaco. No drama, descrito como mundo artístico da “verossimilhança”, não se trata de “representar o belo, é suficiente o parecer verdadeiro” (DW/VD4, KSA1.574, grifos de Nietzsche). O termo verossimilhança corresponde a um novo uso do meio artístico da aparência, no qual a cena adquire uma dimensão simbólica, não expressa mais a bela forma apolínea, mas indica na figura do herói o pathos de Dioniso. A música, com seu lirismo, faz com que o símbolo aja como verdade, que o mundo da cena possa ser experimentado como um mundo que parece verdadeiro (DW/VD4, KSA1.571;574), tornando possível o envolvimento na emoção dionisíaca simbolizada nos personagens trágicos. Enquanto Schlegel enfatiza o papel da atividade da imaginação na arte, Nietzsche investiga a interação entre a cena e o coro na tragédia, especialmente o efeito estético produzido pelo elemento musical. Em O nascimento da tragédia, esse conjunto de termos de Schlegel não será mais empregado, mas Nietzsche irá retomar a noção de espectador ideal e aprofundar a concepção do coro como alegoria do pathos dionisíaco.

O coro trágico: noção de espectador ideal

Em sua primeira obra, a tese sobre o coro trágico como elemento primitivo da tragédia concentra-se nos capítulos 7 e 8, nos quais repete-se, de certo modo, o movimento em relação a Schlegel que observamos nas conferências e escritos não publicados: ao mesmo tempo em que diverge do pensador romântico, Nietzsche faz uso de seus conceitos, evocando-os para esclarecer sua própria tese sobre o coro trágico. No capítulo 7, a noção do coro como espectador ideal é retomada e interpretada como “a suma e o extrato da multidão de espectadores” (GT/NT7, KSA1.53). Schlegel é aqui criticado por ter compreendido mal o público do teatro grego, levando-nos a crer, com sua expressão, que haveria uma identidade entre espectador e coro no modo de observar a cena. Já no capítulo 8, introduzindo a relação entre a forma primitiva do coro, associada aos rituais dionisíacos, e sua forma trágica, Nietzsche reabilita a noção de espectador ideal, antes criticada, enfatizando que na tragédia “não se dava nenhuma contraposição entre público e coro” (GT/NT8, KSA1.59).12 12 Sobre a ambivalência da posição de Nietzsche em relação a Schlegel, cf. Behler, 1983, p. 351, e Reibnitz 1992, pp.191-192. A identidade entre espectador e coro trágico, enunciada por Schlegel, é curiosamente reabilitada após um deslocamento de sentido operado no texto. Diferentemente de Schlegel, que se refere ao longo de sua argumentação ao coro da tragédia, ou seja, ao coro em sua forma histórica, Nietzsche elabora uma estreita articulação entre o coro satírico do ditirambo, o coro em sua forma primitiva, e o coro da tragédia. Para Schlegel, o coro interage com as personagens trágicas, com a trama que se passa no palco, observando-a atentamente e compartilhando liricamente sua visão com o público. Já para Nietzsche o canto e a dança do coro desempenham o papel de tornar presente ao espectador a trama trágico-dionisíaca; a cena torna-se uma alegoria que remete a um drama originário, o de Dioniso despedaçado pelos Titãs e renascido como deus do vinho e da embriaguez.

Nietzsche explora e desdobra a tese da tradição antiga, segundo a qual a tragédia teria surgido do canto coral e, em sua origem, seria unicamente coro. De sua perspectiva, o coro seria o elemento mais antigo e importante, do qual nasce a tragédia, e tal primazia teria permanecido ao longo de todo o desenvolvimento ulterior. A tragédia seria em sua forma primitiva multidão que canta e que dança, o coro dos “encantados servidores de Dioniso” (GT/NT8, KSA1.59). De tais cultos desdobra-se, pouco a pouco, uma forma artística de celebração, o ditirambo, no qual um coro de homens vestidos de sátiros, torna vivo e presente, através do canto, os combates de Dioniso. Esse desenvolvimento artístico adquire, enfim, uma nova forma com o surgimento da tragédia, compreendida como um desdobramento da história e das lutas do deus, celebrados liricamente pelo coro, em elementos dramáticos. A tragédia se forma, portanto, a partir do coro, ela é, em sua forma primitiva, unicamente canto, emoção lírica, celebração e vivência do acontecimento ligado a Dioniso.

No capítulo 8, esse complexo processo será apresentado de forma extremamente condensada. As multidões que cantam e dançam formam o coro dos “encantados servidores de Dioniso”, ao passo que a posterior constituição da tragédia irá requerer a separação entre os “servidores” e os “espectadores” dionisíacos (GT/NT8, KSA1.59) Nietzsche entende a tragédia como “imitação artística” das multidões que celebravam a morte e renascimento de Dioniso. Embora este não esteja presente como personagem na cena trágica, pode-se dizer que ela o evoca alegoricamente, estimulada pelo simbolismo e pelo canto do coro. Com a introdução do mundo da cena e do diálogo, o canto coral irá ocupar a orquestra, que se situa entre o palco e os espectadores. Nietzsche atribui, em sua interpretação, especial relevância a essa disposição arquitetônica. O coro trágico situa-se em primeiro plano para o espectador; isso significa que o público compreende a cena do ponto de vista do canto coral, ou seja, do pathos suscitado pela intensidade das variações líricas. Dessa perspectiva, o núcleo da tragédia não repousa na ação, ou seja, no que se passa em cena, mas no canto coral. É nesse sentido que se deve compreender a afirmação de Nietzsche de que Dioniso é o “efetivo herói cênico” e que todas as figuras do palco grego são apenas “máscaras” do deus (GT/NT10, KSA1.69). O coro, com seu forte simbolismo, desempenha o papel de fazer emergir a trama trágico-dionisíaca, ao passo que o espectador, ao se identificar com o coro, vê o destino do herói trágico como representação do destino de Dioniso.

Nesse horizonte, precisamente, Nietzsche retoma a noção de espectador ideal, observando que ela se abre a um “sentido mais profundo” (GT/NT8, KSA1.59). O coro seria o espectador ideal na medida em que tem a visão, ele vê desdobrar-se em cena o drama dionisíaco. Observe-se que a sentença schlegeliana só se torna “profunda” aos olhos de Nietzsche quando foi inserida e, por assim dizer, incorporada ao campo de relações de sua própria interpretação. Schlegel, como observado, concebe o coro como representante da visão do poeta, o coro indicaria ao espectador como ele deve apreender a cena, encarnando assim o “espectador ideal”. Em sua argumentação, encontra-se muito claramente diferenciada a significação primitiva do coro, que “remeteria às festas de Baco”, e sua significação posterior, na qual o coro observava com interesse a cena, ou interagia com ela, personificando uma espécie de pensamento ou reflexão sobre a ação dramática (DK, 63). O coro expressa, como tal, o “sentido republicano” dos gregos, segundo o qual todo acontecimento relevante deveria transcorrer publicamente, aos olhos do conjunto de cidadãos (DK, 49). Nietzsche, por sua vez, concebe o coro como o “símbolo da multidão dionisiacamente excitada” (GT/NT8, KSA1.61), remetendo, como num espelhamento, à configuração primitiva da tragédia. O coro indica o modo como o espectador apreende a cena, mas tal cena não é a dos personagens trágicos, e sim o desdobrar-se alegórico da trama trágico-dionisíaca.

Assim, é possível observar paralelos entre a estratégia de leitura de A visão dionisíaca de mundo e a de O nascimento da tragédia. No primeiro caso, Nietzsche silencia sobre Schlegel, mas utiliza seus termos, apropriando-se deles e lhes atribuindo novos significados. Já no segundo caso, o pensador romântico é comentado e citado diretamente; sua concepção, no entanto, só se torna interessante e profunda quando Nietzsche já o assimilou, inserindo sua “brilhante expressão” (GT/NT7, KSA1.52) no contexto de sua própria argumentação.

Dioniso e a cena trágica: noção de máscara

Uma semelhante estratégia de leitura ocorre com a concepção de máscara, desenvolvida por Nietzsche em A visão dionisíaca de mundo, em diálogo com as formulações de Lições sobre arte dramática, e retomada em O nascimento da tragédia.13 13 A respeito do diálogo de Nietzsche com Schlegel quanto à noção de máscara cf. Hartmann Cavalcanti., 2008, pp. 63-66. Na arte trágica, como vimos, a aparência não é experimentada como aparência, mas sim como símbolo do pathos dionisíaco. Isso significa que o mundo individualizado da cena perde pouco a pouco seu poder, enquanto o efeito do coro trágico, ou seja, do elemento musical, se torna cada vez mais forte. A máscara do ator é o sinal mais evidente de uma certa “indiferença pela aparência”, pois a partir dela são apagados o contorno e os traços individuais, características fundamentais da aparência. Em A visão dionisíaca de mundo, Nietzsche utiliza a interpretação de Schlegel do uso da máscara na tragédia, mas a desloca de seu contexto, transformando-a em um apoio para a elaboração de sua própria tese sobre o dionisíaco. É possível acompanhar, a partir dos fragmentos póstumos, esse processo de leitura e apropriação. No fragmento 1[76] (Nachlass/FP, KSA7.34), que se encontra em uma longa sequência de trabalhos preparatórios a O drama musical grego, Nietzsche tece comentários sobre o capítulo no qual Schlegel interpreta o uso da máscara.

Nesse capítulo, que corresponde à quarta lição sobre arte dramática, Schlegel desenvolve sua interpretação da tragédia grega, ressaltando a diferença desta em relação ao teatro moderno. Ele estabelece, em primeiro lugar, uma relação entre o caráter religioso da tragédia e a forma como era representada, mostrando como a intenção dos gregos, ao encenar suas peças ao ar livre, à luz do dia, era a de representá-las sob os olhos das divindades, para que estas fossem testemunhas das lutas e dos sofrimentos dos homens. Schlegel analisa também a disposição dos atores no palco, assim como o papel que os coturnos e máscaras desempenhavam no teatro antigo. Nesse contexto, observa que os gregos, através do uso de máscaras, sempre evitaram representar suas divindades sob “traços individuais” (DK, 54). Suas máscaras, que tinham grandes cavidades para os olhos, assim como eram vivamente pintadas, eram compreendidas como signos da divindade: “O uso de máscaras, para nós estranho, era essencial, ..., pois os gregos teriam considerado como uma verdadeira profanação representar um Apolo ou um Hércules com traços comuns, não nobres, em todo caso, com traços demasiado individuais” (DK, 54).

Em um fragmento de 1869, no qual é comentado não somente o uso de máscaras, mas também a relação do teatro grego com a religião popular, Nietzsche faz uma série de anotações sobre o texto de Schlegel, entre elas a seguinte: “Máscara, nenhum traço individual” (Nachlass/FP, 1 [76], KSA7.34). Essa anotação, retomada no ensaio A visão dionisíaca de mundo, dá lugar a uma singular interpretação do uso de máscara na tragédia, na qual Nietzsche afirma que a máscara expressa o surgimento de um novo aspecto na arte dramática, uma “certa indiferença em relação à aparência”:

A verdade é agora simbolizada, ela se serve da aparência, ela pode e deve também usar as artes da aparência. (...) Ao mesmo tempo nós observamos uma certa indiferença em relação à aparência, que aqui tem que abandonar as suas eternas pretensões e a suas exigências soberanas. O mais claro sinal dessa depreciação em relação aparência é a máscara (DW/DV3, KSA. 571, grifos de NietzscheNIETZSCHE, -. Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe (KSA). hrg. v. G. Colli e M. Montinari. München: Walter de Gruyter: 1980.).

A aparência deve agora renunciar às suas “exigências soberanas”, à forma e à beleza, para tornar-se um símbolo do pathos dionisíaco. E justamente na música, como observa Nietzsche a seguir, reside o poder que priva de força a aparência e a transforma em um signo. Percebe-se que Nietzsche, ao interpretar o uso de máscara como dissolução da aparência, não quis apenas chamar atenção para a presença de divindades no palco grego, mas sim compreender o papel de um determinado elemento na tragédia antiga, o canto coral, como expressão da primazia de uma divindade, Dioniso. Reaparece aqui a ideia da máscara como apagamento dos traços individuais, retirada das Lições, mas essa ideia foi inserida em uma nova rede de relações: o caráter religioso do uso da máscara, afirmado por Schlegel, dá lugar à tese sobre o papel que desempenha o elemento dionisíaco na arte trágica.

Essa apropriação do conceito é corroborada pelo capítulo 10 de O nascimento da tragédia, no qual Nietzsche afirma que os gregos “não podiam suportar indivíduos na cena trágica” (GT/NT10, KSA1.71). Em seguida, observa que Dioniso é o “único herói presente sobre a cena” e que todas as figuras do palco grego, Prometeu, Édipo, Antígona, não são senão máscaras do deus: “Que por trás de todas essas máscaras se esconda uma divindade, eis o único fundamento essencial para a tão amiúde admirada ‘idealidade’ típica daquelas célebres figuras” (GT/NT10, KSA1.71).14 14 Utilizei aqui a tradução de Guinsburg, 2005, p. 69. As figuras do mito trágico são as múltiplas máscaras através das quais Dioniso se manifesta, os sofrimentos do deus representado de inúmeras e diferentes formas. Os atores trágicos que, sobre seus coturnos e portando enormes máscaras, interpretam Prometeu, Édipo ou Antígona, transformam em imagens vivas os sofrimentos e combates do deus cantados pelo coro. A máscara desempenha, portanto, o papel de apagar os traços e feições individuais, indicando que a cena trágica simboliza o mundo da experiência dionisíaca. Justamente a contraposição entre indivíduo e divindade simbolizada na máscara, que para Schlegel valia como signo do caráter religioso da arte trágica, é reformulada por Nietzsche no sentido da fundamentação de sua tese de tal arte como expressão do sofrimento de Dioniso. Depois de interpretar, em A visão dionisíaca de mundo, o uso da máscara como signo de certa “indiferença pela aparência”, Nietzsche retoma seus pensamentos e defende a tese, em O nascimento da tragédia, de que o herói trágico é somente uma “máscara” de Dioniso, atuando como símbolo do pathos dionisíaco. Nietzsche mobiliza, portanto, um conjunto de conceitos retirados das Lições, os insere em uma nova rede de relações, nas quais recebem significações inteiramente distintas.

Leitura e apropriação

Analisamos aqui momentos do processo que constitui as leituras de Nietzsche dos escritos de Schlegel nos anos de juventude. Tais leituras, iniciadas, como vimos, no período escolar, desdobram-se ao longo dos anos 1869 a 1871 em conferências, cursos e escritos não publicados até ganhar forma em sua primeira obra. Nietzsche utiliza o diálogo com as Lições como meio de amadurecer seus próprios pensamentos, a partir dos quais desenvolveu uma nova interpretação da arte e da cultura gregas. Esse papel desempenhado pelas leituras evidencia-se nos três casos acima abordados, relativos às noções de verossimilhança, espectador ideal e máscara, nos quais identifica-se, com algumas variações, uma trajetória que articula leitura, anotação, obra publicada.15 15 Cf. Montinari, 1987, pp. 245-248. A leitura de Nietzsche, no que diz respeito à noção schlegeliana de verossimilhança, ganha forma escrita no excerto elaborado em 1862, no período escolar, e é retomada anos depois, em 1870, servindo de base para o amadurecimento das reflexões sobre a tragédia. É possível constatar aqui algo interessante, que contribui para esclarecer as práticas de leitura e escrita de nosso filósofo: Nietzsche recorre ao longo dos anos às suas anotações, mesmo as mais antigas, tais como as do período escolar, e interage com elas no processo de elaboração de seu pensamento.16 16 Prática semelhante observa-se na leitura de O valor da vida [Der Werth des Lebens] de Dühring: Nietzsche elabora em 1875 um excerto sobre tal obra e o utiliza ao longo de vários anos. Cf a respeito Sommer, 2019, pp. 9- 43 (aqui p.18). Se o excerto apresenta um registro de sua leitura, e nele encontra-se transcrito, com riqueza de detalhes, o jogo de Schlegel com o termo verossimilhança, no ensaio A visão dionisíaca de mundo, como vimos, é possível elucidar o modo como Nietzsche assimila tal jogo e como o converte em meio de amadurecimento de sua compreensão do coro trágico.

Já no caso da noção de “espectador ideal”, é possível acompanhar um longo período de confrontação de Nietzsche, registrado na conferência O drama musical grego e nos fragmentos póstumos de 1871 até seu desdobramento nos capítulos 7 e 8 de O nascimento da tragédia. Em seu debate com Schlegel observa-se o movimento de crítica à concepção de espectador ideal, sobretudo no capítulo 7. Curiosamente, no entanto, observa-se também o movimento de assimilação, já que o termo é deslocado de seu sentido, no capítulo 8, e reinserido no horizonte da reflexão de Nietzsche. Algo semelhante ocorre, como vimos, no que diz respeito ao significado do uso de máscara no teatro grego. Constata-se nos fragmentos póstumos e escritos não publicados o registro de um longo diálogo com a tese schegeliana sobre o uso de máscara como apagamento dos traços individuais até que, em O nascimento da tragédia, tal uso encontra-se mesclado com uma nova interpretação do coro trágico, assimilado, portanto, em uma nova rede de relações, e inteiramente modificado.

Uma chave instigante de compreensão do papel das leituras na formação do pensamento de Nietzsche encontra-se em uma passagem do excerto elaborado no período de Pforta. Nietzsche transcreve um longo trecho no qual Schlegel concebe a natureza como uma espécie dinâmica de modelo, um tipo de modelo ele mesmo produtor, ou artístico, que estimula o observador a um confronto produtivo, a inspirar- se no modelo não para repeti-lo, mas para fazê-lo seu, para transformá-lo produtivamente. Trata-se da seguinte passagem:

Se, pois, a natureza é então compreendida nesse mais digno significado, não como massa de produções, mas como o próprio produzir, e a expressão imitação no sentido mais nobre, o que não significa macaquear a exterioridade de um homem, mas se apropriar do modo de seu agir, então nada mais há a objetar a esse princípio, antes há o que acrescentar: a arte deve imitar a natureza, isto é, ela deve, como a natureza, criar autonomamente, organizada e organizando, formar obras vivas (KGW I/3, 104, grifos de NietzscheNIETZSCHE, -. Werke Kritische Gesamtausgabe. Nachgelassene Aufzeichnungen (Herbst 1862 - Sommer 1864) Hrsg. v. Figl, Johann / Hödl, Hans-Gerald. Berlin-New York: Walter de Gruyter, 2006.).

Schlegel refuta as teses do naturalismo na arte, argumentando que a natureza não consiste em um conjunto de objetos, que estaria fora de nós, mas é ela mesma o produzir, uma força que incessantemente cria e volta a criar. Já o artista, em sua relação com tal modelo, não imita coisas ou exterioridades, mas molda e figura, como a natureza, convertendo o impulso em forma. Observe-se que Nietzsche grifa diversos termos, todos eles ligados a essa singular relação que se estabelece entre o modelo artístico e o observador, aqui especificamente, o artista. Escapa aos objetivos do presente artigo empreender uma análise detalhada de tal concepção de Schlegel, o que se pretende aqui é justamente estabelecer uma relação, a nosso ver fecunda, entre a leitura e o modelo entendido em sentido artístico. O modelo é algo que nos inspira e que nos guia, mas é também uma imagem com a qual nos confrontamos e da qual nos diferenciamos. De modo análogo, o gesto de ler delimita um certo horizonte no qual movemos nosso pensamento, mas tal delimitação suscita por sua vez linhas de ruptura, lançando-nos para fora de um certo traçado ou para suas fronteiras. Nietzsche exercita a leitura dessa forma, por meio dela constitui horizontes, ela o instiga e estimula, mas por outro lado ele a converte em um confronto no sentido produtivo, pelo qual assimila e transforma o que foi recebido.

À luz do modelo artístico formulado por Schlegel, é possível figurar em uma única imagem diferentes facetas da prática de leitura do período de redação de O nascimento da tragédia. Se de um lado, Nietzsche se entusiasma com a reflexão de Schlegel sobre o papel da imaginação na epopeia, inspirando-se em aspectos de tal reflexão na elaboração da arte apolínea, de outro, distancia-se do pensador romântico no que diz respeito ao drama, empregando o debate como meio de se diferenciar e amadurecer seu pensamento sobre o coro trágico-dionisíaco. A leitura atua aqui como um modelo que atrai e instiga, suscita trilhas e caminhos, ao mesmo tempo que produz uma emulação, um movimento de diferenciação e confrontação.

Esse aspecto interpretativo e agonístico implicado na leitura nos remete ao ensaio Utilidade e desvantagem da história para a vida, no qual Nietzsche reflete sobre a relação dos modernos com o passado, especificamente com a Antiguidade clássica. Aqui a relação do filólogo com o passado é concebida como uma forma de interpretação que se apropria criativamente do modelo clássico e o torna fecundo para sua época. Nietzsche nomeia essa capacidade apropriadora, que diz respeito “a um homem, a um povo, a uma cultura”, de força plástica e a descreve como a “capacidade de crescer por si mesmo, transformar e incorporar o estranho e passado” (HL/Co. Ext. II, 1, KSA1. 251). A atividade da força plástica se equipara a uma forma de incorporação, um tipo de metabolismo que molda e assimila o estranho, e assim o torna seu, o anexa.

Destaca-se na leitura, tal como praticada nos anos de juventude, uma espécie de jogo e de movimento de apropriação.17 17 Para uma interessante análise sobre a leitura como processo ativo e interpretativo, ver Heit, 2021, p. 29-48 (aqui 44-46). Nietzsche não faz, em A visão dionisíaca de mundo, referência direta a Schlegel, porém grifa os conceitos de verossimilhança e de máscara sempre que os utiliza, o que provavelmente indica que não visava aos conceitos no sentido apresentado pelo pensador romântico, mas sim experimentá-los, abri-los a novas possibilidades. É esclarecedor quanto a isso o gesto de grifar os termos de Schlegel sem citá-lo diretamente. Ao enfatizar e ressaltar os termos, grifá-los, Nietzsche ao mesmo tempo apropria-se deles, apreende-os de outra perspectiva, o que traduz com muita precisão o movimento implicado na leitura, o gesto de apanhar um conceito, deslocá-lo de seu contexto e fazê-lo agir em nova rede de relações.

Já em O nascimento da tragédia, primeira obra publicada, Nietzsche cita Schlegel e grifa seus termos. Tal gesto, no entanto, adquire uma curiosa forma, pois no capítulo 7 Schlegel é mencionado, sua concepção é refutada, ao passo que no capítulo seguinte, a mesma concepção é reabilitada e passa a funcionar em um outro contexto, o da interpretação de Nietzsche. Citar desempenha aqui o papel de propiciar um debate, com demarcação de posições, mas desempenha também o papel de um movimento de apropriação, no qual o termo espectador ideal tem seu sentido duplicado: o sentido do texto de Schlegel, tal como interpretado por Nietzsche, e o sentido do texto de Nietzsche, que incorpora e anexa o termo, e assim o dobra, fazendo emergir outra perspectiva de relação entre o espectador e o coro trágico. Tal gesto de anexação é acompanhado de uma série de aspas e grifos, como se assinalasse a cada vez uma dimensão de sentido: “A sentença de Schlegel deve aqui se abrir a um sentido mais profundo. O coro é o ‘espectador ideal’, na medida em que é o único que , ele vê o mundo visionário da cena” (GT/NT8, KSA1.59. Grifos de NietzscheNIETZSCHE, -. Sobre a utilidade e a desvantagem da história para a vida. Tradução de André Luís Mota Itaparica. São Paulo: Hedra, 2017.). Enquanto no capítulo 7 a concepção do coro como “extrato da multidão de espectadores” é tida como equivocada e estranha à tradição antiga, no capítulo 8 ela deixa-se apreender em um sentido mais profundo, já que se encontra assimilada e integrada na malha interpretativa tecida por Nietzsche.

As leituras de Nietzsche, do período de redação de O nascimento da tragédia, contribuem para compreender aspectos significativos da relação que estabelece com a tradição filosófica: ele se confronta em suas leituras e comentários continuamente com a tradição, mas nesse confronto é criado algo novo, algo que implica uma transformação da tradição. Se Nietzsche levou a sério o fenômeno dionisíaco, se a partir de sua investigação das mais antigas formas de culto e de arte dionisíaca reconfigurou com vigor e originalidade a própria compreensão da visão de mundo grega, tal renovação nos remete a um longo percurso de recepção, elaboração e transformação, no qual em um processo de crítica e interpretação modelou e imprimiu forma a sua filosofia.

Referências

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  • SOMMER, A. U. O que Nietzsche leu e o que não leu. In: Cadernos Nietzsche, 2019, v. 40, n. 1, pp. 9-43.
  • 1
    Cf. Behler, 1989BEHLER, E. Sokrates und die Griechische Tragödie. Nietzsche und die Brüder Schlegel über den Ursprung der Moderne. In: Nietzsche-Studien 18, 1989, pp.141-155., pp.141-155 (aqui 145), e Gray, 2009GRAY, R.: Skeptische Philologie: Friedrich Schlegel, Friedrich Nietzsche und eine Philologie der Zukunft In: Nietzsche-Studien 38, 2009. pp. 39-64., pp. 39-64 (aqui 41). Sobre esse tema, conferir ainda, o pioneiro artigo de Bäumer, 1977BÄUMER, M. Das moderne Phänomen des dionysischen und seine Entdeckung“ durch Nietzsche. In: Nietzsche-Studien 6, 1977, pp.123-153., pp.123-153 (aqui 125).
  • 2
    Cf. Schlegel, 1963SCHLEGEL, A.W. Vorlesungen über dramatische Kunst und Literatur In: Kritische Schriften. organizado por E. Lohner, vol. 5, Stuttgart: Kohlhammer Verlag , 1963., e Schlegel, 1962SCHLEGEL, A.W. Bürger. In: Kritische Schriften. Staiger, E. (org). Zürich und Stuttgart: Artemis Verlag, 1962., pp. 127- 190. As traduções das citações de Schlegel e de Nietzsche, salvo indicação, são de minha autoria.
  • 3
    Para uma detalhada análise desse tema cf. Hartmann, 2019HARTMANN CAVALCANTI, A. Antigas sagas e canções; o despertar de Nietzsche para a estética romântica em Pforta. In: Estudos Nietzsche, 2019, vol. 10, n.2, pp. 102- 118., pp. 102-118.
  • 4
    Koberstein, 1866KOBERSTEIN, A. Grundriss zur Geschichte der deutschen Nationalliteratur. 4ª edição, vol.3, Leipzig: Vogel, 1866., p. 2239.
  • 5
    Cf. a respeito Hartmann Cavalcanti 2021HARTMANN CAVALCANTI, A. Da estética romântica à arte do estilo: conexões do jovem Nietzsche com August Koberstein. In: Cadernos Nietzsche, 2021, v.42, n.2, p. 147-174. |, pp. 147-174.
  • 6
    Schlegel, 1966. Para as próximas citações, utilizarei a abreviatura DK, seguida do número da página.
  • 7
    Cf. a respeito Behler, 1983BEHLER, E Die Auffassung des Dionysischen durch die Brüder Schlegel und Friedrich Nietzsche. In: Nietzsche-Studien 12, 1983, pp. 335-354., p. 349.
  • 8
    Cf. Henrichs, 1986HENRICHS, A. The last of the detractors: Friedrich Nietzsche’s condemnation of Euripides. Greek, Roman and Byzantine Studies 27, 1986, p. 369-397., pp. 369-397. Ver, também, sobre o tema Behler, 1989BEHLER, E. Sokrates und die Griechische Tragödie. Nietzsche und die Brüder Schlegel über den Ursprung der Moderne. In: Nietzsche-Studien 18, 1989, pp.141-155., pp. 141-155, e Crescenzi, 1993CRESCENZI, L. Nietzsche, August Wilhelm Schlegel und die Spuren Lessings. In: Nietzsche Studien 23, 1993 pp. 385-392., pp. 385-392.
  • 9
    Para uma análise dessa temática cf. Hartmann Cavalcanti, 2008HARTMANN CAVALCANTI, A. Nietzsche leitor de August Schlegel. In: Paschoal, E.; Frezzatti, W. (Org.) 120 anos de Para a Genealogia da Moral. Ijuí: Editora Ijuí, 2008, pp. 47-68., pp. 47-68.
  • 10
    0 Cf. Schlegel, 1963SCHLEGEL, A.W. Die Kunstlehre. Kritische Schriften. Org. E. Lohner, vol.2, Stuttgart: Kohlhammer Verlag, 1963., p. 86.
  • 11
    Cf. Schlegel, 1963SCHLEGEL, A.W. Die Kunstlehre. Kritische Schriften. Org. E. Lohner, vol.2, Stuttgart: Kohlhammer Verlag, 1963., p. 87. Utilizei aqui a tradução brasileira: Werle, 2014SCHLEGEL, A.W. Doutrina da Arte. Tradução, apresentação e notas de Marco Aurélio Werle. São Paulo: Edusp, 2014., p. 100.
  • 12
    Sobre a ambivalência da posição de Nietzsche em relação a Schlegel, cf. Behler, 1983BEHLER, E Die Auffassung des Dionysischen durch die Brüder Schlegel und Friedrich Nietzsche. In: Nietzsche-Studien 12, 1983, pp. 335-354., p. 351, e Reibnitz 1992REIBNITZ, B. Ein Kommentar zu Friedrich Nietzsche "Die Geburt der Tragödie aus dem Geist der Musik", Stuttgart/Weimar: J. B. Metzler, 1992., pp.191-192.
  • 13
    A respeito do diálogo de Nietzsche com Schlegel quanto à noção de máscara cf. Hartmann Cavalcanti., 2008HARTMANN CAVALCANTI, A. Nietzsche leitor de August Schlegel. In: Paschoal, E.; Frezzatti, W. (Org.) 120 anos de Para a Genealogia da Moral. Ijuí: Editora Ijuí, 2008, pp. 47-68., pp. 63-66.
  • 14
    Utilizei aqui a tradução de Guinsburg, 2005, p. 69.
  • 15
    Cf. Montinari, 1987MONTINARI, M. Zum Verhältniss Lektüre-Nachlass-Werk bei Nietzsche. In: Editio, n 1, 1987, Tübingen, pp 245-248., pp. 245-248.
  • 16
    Prática semelhante observa-se na leitura de O valor da vida [Der Werth des Lebens] de Dühring: Nietzsche elabora em 1875 um excerto sobre tal obra e o utiliza ao longo de vários anos. Cf a respeito Sommer, 2019SOMMER, A. U. O que Nietzsche leu e o que não leu. In: Cadernos Nietzsche, 2019, v. 40, n. 1, pp. 9-43., pp. 9- 43 (aqui p.18).
  • 17
    Para uma interessante análise sobre a leitura como processo ativo e interpretativo, ver Heit, 2021HEIT, H. Quellenforschung als positive Wissenschaft? Nutzen und Nachteile im Umgang mit Nietzsches Autorenbibliothek. In: Hans-Peter Anschütz, Armin Thomas Müller, Mike Rottmann, Yannick Souladié (Org.): Nietzsche als Leser. Berlin, Boston: 2021, p. 29-48., p. 29-48 (aqui 44-46).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2023
  • Aceito
    15 Jul 2023
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