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Organização do sistema de referência e contrarreferência de uma clínica-escola fonoaudiológica

Resumos

OBJETIVO:

Analisar a eficácia do fluxo de referência e contrarreferência fonoaudiológico realizados em uma clínica-escola e caracterizar o perfil dos usuários atendidos.

MÉTODOS:

Estudo do tipo avaliativo, retrospectivo e prospectivo, no qual foram selecionados 503 prontuários de pacientes sem restrição de idade atendidos numa clínica-escola e analisadas as seguintes variáveis: informações demográficas, hipótese diagnóstica fonoaudiológica e conduta fonoaudiológica. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, segundo os encaminhamentos realizados: internos (G1, n=341) e externos (G2, n=162) à própria clínica-escola.

RESULTADOS:

Prevaleceram os sujeitos do gênero masculino, com até 12 anos de idade e hipótese diagnóstica fonoaudiológica de alterações de linguagem oral de origem primária e secundária. Foi observado que 83% dos pacientes do G1 foram convocados para avaliação e terapia fonoaudiológica após, em média, 7 meses de espera; e, que dos pacientes contatados do G2 (n=101), 13,9% foram convocados e estão satisfeitos com o local indicado para terapia após, em média, 4 meses de espera. Daqueles que não conseguiram atendimento, 46% procuraram outro serviço, sendo que desses, 72,5% obtiveram êxito.

CONCLUSÃO:

Foi constatada a eficácia e adequação dos encaminhamentos realizados internamente, sugerindo que quando a equipe trabalha com objetivo comum, a rede funciona de maneira mais adequada. Entretanto, em relação aos encaminhamentos externos, esses não atingiram as metas propostas, indicando a falta de fonoaudiólogos em serviços públicos e o baixo interesse do usuário em buscar outros locais de atendimento.

Descritores
Fonoaudiologia; Triagem; Competência Clínica; Referência e Consulta


OBJECTIVE:

To analyze the effectiveness of the referral and counter-referral flow in a speech-language pathology and audiology clinic-school and to characterize the patients' profiles.

METHODS:

Evaluation, retrospective, and prospective study, in which 503 patient records, without age restriction, were selected from a clinic-school and the following variables were analyzed: demographic information, speech and hearing diagnosis, and references. Patients were distributed into two groups according to the referrals made: internal (G1, n=341) and external (G2, n=162) to the clinic-school.

RESULTS:

A prevalence of male subjects under 12 years of age and with diagnosis of language disorders (primary and secondary) was found. It was observed that 83% patients in G1 were recalled for evaluation and speech therapy after an average of 7 months of waiting; and from the patients in G2 that were contacted (n=101), 13.9% were summoned and are satisfied with the place indicated for therapy after an average of 4 months of waiting. From those who did not receive care, 46% sought another service, and of these, 72.5% were successful.

CONCLUSION:

The data show the effectiveness and appropriateness of referrals made internally, suggesting that, when the team works together, the network operates more adequately. However, in relation to external referrals, they did not reach the proposed goals, indicating a lack of speech-language pathologists in public services and the low interest of patients in looking for other places of care.

Keywords
Speech, Language and Hearing Sciences; Triage; Clinical Competence; Referral and Consultation


INTRODUÇÃO

A triagem fonoaudiológica é um importante procedimento realizado para detectar alterações em indivíduos nas áreas da linguagem, voz, cognição, audição, motricidade orofacial e fala( 1Friderichs N, Swanepoel D, Hall JW. Efficacy of a community-based infant hearing screening program utilizing existing clinic personnel in Western Cape, South Africa. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(4):552-9. ). Estudos indicam que a detecção e a reabilitação precoce das alterações limitam ou minimizam as possíveis sequelas no indivíduo( 2Lipay MS, Almeida EC. A fonoaudiologia e sua inserção na saúde pública. Rev Ciênc Méd. 2007;16(1):31-41. ). Além disso, possui um custo-benefício satisfatório, pois não necessita de equipamentos especializados e permite o encaminhamento para terapia fonoaudiológica no nível de atenção à saúde mais apropriado o mais cedo possível. E, acrescido dos estudos epidemiológicos, ajuda a definir a demanda, o diagnóstico territorial e a implantação de políticas públicas apropriadas onde os atendimentos são realizados( 3Pires MRGM, Göttems LBD, Cupertino TV, Leite LS, Vale LR, Castro MA, et al. A utilização dos serviços de atenção básica e de urgência no SUS de Belo Horizonte: problema de saúde, procedimentos e escolha dos serviços. Saúde Soc. 2013;22(1):211-22. , 4César AM, Maksud SS. Caracterização da demanda de fonoaudiologia no serviço público municipal de Ribeirão das Neves - MG. Rev CEFAC. 2007;9(1):133-8. ).

A Fonoaudiologia tem sua área de atuação em serviços públicos. Portanto, desempenha funções no Sistema Único de Saúde (SUS), que trabalha em redes de atenção à saúde, contemplando os três níveis de atenção de acordo com a complexidade dos equipamentos utilizados. A atenção básica caracteriza-se como a porta de entrada ao SUS e é a ordenadora da rede, abrangendo ações de proteção, promoção, prevenção, diagnóstico, reabilitação e manutenção da saúde( 5Cavalheiro MTP. Fonoaudiologia e saúde da família. Rev CEFAC. 2009;11(2):179-368. , 6Molini-Avejonas DR, Mendes VLF, Amato CAH. Fonoaudiologia e Núcleos de Apoio à Saúde da Família: conceitos e referências. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(3):465-74. ). As ações de média e alta complexidade demandam profissionais especializados e recursos tecnológicos que possibilitem o diagnóstico e o processo terapêutico dos indivíduos e estão voltadas para os setores ambulatorial e hospitalar( 7Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis. 2010;20(3):953-72. ).

Estudos apontam que o atendimento nas redes de saúde é realizado de forma mais eficaz e integral quando se possui um sistema de referência e contrarreferência efetivo( 8Méio MDBB, Magluta C, Mello RR, Moreira MEL. Análise situacional do atendimento ambulatorial prestado a recém-nascidos egressos das unidades de terapia intensiva neonatais no estado do Rio de Janeiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(2):299-307. , 9Chiavagatti FG, Kantorski LP, Willrich JQ, Cortes JM, Jardim VMR, Rodrigues CGSS. Articulação entre Centros de Atenção Psicossocial e Serviços de Atenção Básica de Saúde. Acta Paul Enferm. 2012;25(1):11-7. ). Entende-se por referência o encaminhamento de um paciente da atenção primária para um serviço de maior complexidade, quando ele necessita de um atendimento mais especializado. A contrarreferência ocorre quando o paciente é encaminhado novamente ao nível de atenção primária, na unidade básica de saúde de sua referência( 1010 Serra CG, Rodrigues PHA. Avaliação da referência e contrarreferência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(Suppl 3):3579-86. , 1111 Rodrigues LA, Vieira JDM, Leite ICG. Avaliação do fluxo de referência para um centro de especialidades odontológicas implantado em cidade de médio porte na região Sudeste. Cad Saúde Colet. 2013;21(1):40-5. ).

Neste contexto, o Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é uma clínica-escola que presta assistência à população, realizando triagem fonoaudiológica e encaminhamentos para terapia fonoaudiológica na própria clínica (internos) e para outros serviços de saúde públicos (externos).

Na literatura nacional existem vários estudos que descrevem o perfil sociodemográfico e fonoaudiológico da população triada em clínicas-escola( 1212 Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. Rev Ciênc Méd Biol. 2009;8(1):53-59. , 1313 Barros PML, Oliveira PN. Perfil dos pacientes atendidos no setor de fonoaudiologia de um serviço público de Recife-PE. Rev CEFAC. 2010;12(1):128-33. ), mas não verificam a eficácia dos encaminhamentos realizados( 1313 Barros PML, Oliveira PN. Perfil dos pacientes atendidos no setor de fonoaudiologia de um serviço público de Recife-PE. Rev CEFAC. 2010;12(1):128-33. ).

O objetivo deste estudo foi analisar a eficácia dos encaminhamentos fonoaudiológicos realizadas em uma clínica-escola. Especificamente, traçar o perfil demográfico e das alterações fonoaudiológicas da população atendida e analisar o fluxo das referências e contrarreferências após a triagem fonoaudiológica.

MÉTODOS

Estudo do tipo avaliativo, retrospectivo e prospectivo, que visa analisar os encaminhamentos de pacientes que procuraram atendimento na clínica-escola e foram atendidos no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde (LIFAPS) do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo (nº 072/11). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) no momento da triagem.

Os critérios de inclusão dos participantes foram: o paciente ter realizado triagem no LIFAPS, independente da faixa etária, gênero e local de residência; e atendidos entre 2010 e 2012. O único critério de exclusão foi o não consentimento do paciente ou responsável para participação na pesquisa.

Os prontuários de 503 pacientes foram divididos em dois grupos:

  • Grupo 1 (n=341): pacientes encaminhados para atendimento na própria clínica do curso de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo;

  • Grupo 2 (n=162): pacientes encaminhados para atendimento externo ao curso de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo.

O estudo consistiu de três etapas. Na etapa 1 - caracterização demográfica e fonoaudiológica dos participantes - foi realizado um levantamento dos prontuários e coletadas informações demográficas (gênero e idade), hipótese diagnóstica e encaminhamentos realizados. Na etapa 2 - análise dos encaminhamentos internos dos participantes do Grupo 1 - foi solicitado aos coordenadores responsáveis pelos laboratórios de investigação fonoaudiológica da clínica-escola da Universidade de São Paulo as informações sobre a conduta fonoaudiológica realizada na triagem: número de pacientes convocados para atendimento (incluídos os que estão em atendimento terapêutico e os que foram avaliados e estão aguardando vaga para o atendimento); quantos meses esses pacientes aguardaram para iniciar a terapia fonoaudiológica; e o número de pacientes que não se encaixaram no perfil do laboratório e foram encaminhados para outros serviços após avaliação fonoaudiológica completa. Na etapa 3 - análise dos encaminhamentos externos dos participantes do Grupo 2 - os pacientes triados ou seus responsáveis legais foram contatados via telefone. Foi realizada uma entrevista estruturada para obtenção das seguintes informações:

  1. Conseguiu atendimento fonoaudiológico no serviço referenciado?

  2. No caso de resposta afirmativa, quanto tempo aguardou para começar o atendimento fonoaudiológico e qual o grau de satisfação com o atendimento recebido (satisfeito ou insatisfeito)?

  3. No caso de resposta negativa, o porquê da mesma e se conseguiu atendimento em outro local.

As variáveis foram categorizadas em:

  • demográficas: gênero (feminino e masculino) e faixas etárias (de 1 dia a 5 anos e 11 meses, de 6 anos a 12 anos e 11 meses, de 13 anos a 17 anos e 11 meses, de 18 anos a 59 anos e 11 meses e acima de 60 anos);

  • hipótese diagnóstica: alteração de linguagem (caracterizada como primária); alteração de linguagem característica de quadro neurológico, alteração de linguagem característica de transtorno do espectro do autismo, alteração de linguagem característica de síndrome, alteração de linguagem decorrente de perda auditiva (caracterizadas como secundárias); alteração do sistema miofuncional orofacial; alteração vocal; distúrbio fonológico; alteração de leitura e escrita; alteração da fluência; mais de uma hipótese diagnóstica; sem alterações fonoaudiológica; e outros;

  • conduta fonoaudiológica: encaminhamento interno, encaminhamento externo.

As informações de todas as variáveis foram digitadas em planilha Microsoft(r) Excel por ano de coleta (2010, 2011 e 2012) e submetidas à análise estatística.

RESULTADOS

Perfil demográfico e fonoaudiológico

Foi observado que no G1(n=341) houve predomínio de indivíduos do gênero masculino (n=226) e faixa etária de crianças com até 5 anos e 11 meses (n=113). E, no G2 (n=162), indivíduos do gênero masculino (n=105), entre 6 anos e 12 anos e 11 meses (n=82) (Tabela 1).

Tabela 1.
Caracterização demográfica dos 503 participantes, por grupos

Relativo às hipóteses diagnósticas, verificou-se que no G1 houve predomínio de alteração de linguagem, seja ela primária ou decorrente de outras doenças (29,9% de frequência de ocorrência), seguida de distúrbio fonológico (19,6%), alteração vocal (13,8%) e alteração do sistema miofuncional orofacial (Tabela 2).

Tabela 2.
Distribuição das hipóteses diagnósticas dos 503 pacientes, por grupos

No G2 houve predomínio de mais de uma hipótese diagnóstica (17,9%), seguida de distúrbio fonológico (11,7%) e alteração de linguagem (11,7%). Somando-se as alterações de linguagem primária com as decorrentes de outras doenças (secundárias), foi verificado 33,8% de frequência de ocorrência no G2.

Análise dos encaminhamentos realizados do G1 (encaminhamento interno)

Dos pacientes que receberam encaminhamento interno (n=341), foi observado que a maioria foi convocada para avaliação e terapia fonoaudiológica (83%); os demais pacientes foram encaminhados pelos laboratórios de investigação fonoaudiológica para serviços externos à clínica-escola (17%), denotando que tais laboratórios não poderiam prestar serviço de acordo com a real necessidade do paciente (ou o perfil fonoaudiológico não atendia aos critérios de inclusão do laboratório). A média do tempo de espera do paciente para iniciar a terapia fonoaudiológica na própria clínica foi igual a sete meses (Figura 1).

Figura 1.
Fluxograma dos pacientes do G1

Análise dos encaminhamentos realizados do G2 (encaminhamento externo)

Dos pacientes que receberam encaminhamento externo (n=162), não foi possível realizar contato via telefone com 61 (37,65%) pacientes ou responsáveis, pois o número do telefone não correspondia ao número fornecido, ou não atendiam a ligação após várias tentativas, ou número do telefone não existia.

Dos 101 pacientes contatados, 13,9% foram convocados para terapia e aguardaram, em média, 4 meses para o início do atendimento. E dentre esses, 86,1% dos pacientes relataram estar satisfeitos com o atendimento prestado no local ao qual foram encaminhados (Figura 2).

Figura 2.
Fluxograma dos pacientes do G2

A maioria dos pacientes contatados do G2 não conseguiu atendimento no local para onde foi encaminhado (86,1%) (Figura 2), e forneceram diversas justificativas para tal: não havia vaga (25,3%), não houve interesse do paciente ou responsável em procurar o local indicado (22,9%), o nome do paciente está na lista de espera para avaliação ou na lista de convocação para terapia (13,8%), o local não atendia o perfil estabelecido pela hipótese diagnóstica fonoaudiológica (11,5%), o local era muito distante da residência (8,1%), o horário de atendimento era incompatível com as atividades do paciente (4,6%), não havia fonoaudiólogo no local (4,6 %) e outros motivos (9,2%).

Ainda, com relação aos pacientes contatados e que não conseguiram vaga na instituição encaminhada (n=87), 46% (n=40) procuraram outro local para atendimento fonoaudiológico; e, desses, 72,5% (n=29) conseguiram atendimento fonoaudiológico em unidades básicas de saúde (31%), convênio médico (24,1%) ou outras instituições (20,7%) (Figura 3).

Figura 3.
Distribuição dos locais onde os pacientes do G2 encontraram atendimento (n=40)

DISCUSSÃO

Para analisar a eficácia dos encaminhamentos fonoaudiológicos realizados no LIFAPS, 341 pacientes do G1 e 101 do G2 foram monitorados, totalizando 442 pacientes.

Foi evidenciado que o perfil demográfico da população total (n=503) atendida compreendia, em sua maioria, pacientes do gênero masculino, o que sabemos ser uma realidade nos serviços fonoaudiológicos( 1414 Silva GMD, Couto MIV, Molini-Avejonas DR. Risk factors identification in children with speech disorders: pilot study. CoDAS. 2013;25(5):456-62. , 1515 Samelli AG, Rondon S, Oliver FC, Junqueira SR, Molini-Avejonas DR. Referred speech-language and hearing complaints in the western region of São Paulo, Brazil. Clinics. 2014;69(6):413-9. ) e que pode estar relacionado à maturação cerebral mais lenta, aos fatores genéticos ou aos fatores sociais (interação da criança com o meio em que vive), principalmente no que se refere às alterações de linguagem( 4César AM, Maksud SS. Caracterização da demanda de fonoaudiologia no serviço público municipal de Ribeirão das Neves - MG. Rev CEFAC. 2007;9(1):133-8. , 1212 Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. Rev Ciênc Méd Biol. 2009;8(1):53-59. , 1313 Barros PML, Oliveira PN. Perfil dos pacientes atendidos no setor de fonoaudiologia de um serviço público de Recife-PE. Rev CEFAC. 2010;12(1):128-33. , 1616 Mandrá PP, Diniz MV. Caracterização do perfil diagnóstico e fluxo de um ambulatório de fonoaudiologia hospitalar na área de linguagem infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):121-5. , 1717 Diniz RD, Bordin R. Demanda em Fonoaudiologia em um serviço público municipal da região Sul do Brasil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):126-31. ).

Houve predomínio de crianças (com até 12 anos e 11 meses de idade) com alterações de linguagem (79,7%), provavelmente porque os pais e professores dessa faixa etária estão mais atentos ao desenvolvimento da linguagem oral e escrita( 4César AM, Maksud SS. Caracterização da demanda de fonoaudiologia no serviço público municipal de Ribeirão das Neves - MG. Rev CEFAC. 2007;9(1):133-8. , 1212 Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. Rev Ciênc Méd Biol. 2009;8(1):53-59. , 1313 Barros PML, Oliveira PN. Perfil dos pacientes atendidos no setor de fonoaudiologia de um serviço público de Recife-PE. Rev CEFAC. 2010;12(1):128-33. , 1616 Mandrá PP, Diniz MV. Caracterização do perfil diagnóstico e fluxo de um ambulatório de fonoaudiologia hospitalar na área de linguagem infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):121-5. , 1717 Diniz RD, Bordin R. Demanda em Fonoaudiologia em um serviço público municipal da região Sul do Brasil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):126-31. ). Contudo, a longa extensão dessa faixa etária pode estar relacionada com a origem da alteração fonoaudiológica, que pode ser do desenvolvimento ou adquirida; com o tempo que o responsável pela criança demorou a perceber e procurar o atendimento; e com o tempo que demorou a realizar a triagem( 1616 Mandrá PP, Diniz MV. Caracterização do perfil diagnóstico e fluxo de um ambulatório de fonoaudiologia hospitalar na área de linguagem infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):121-5. ). As crianças estão chegando cada vez mais cedo para a triagem fonoaudiológica, mas ainda há um número expressivo de sujeitos que procuram o atendimento fonoaudiológico tardiamente. Isso pode ocorrer por falta de informação (não sabe qual o papel do fonoaudiólogo), por orientações errôneas (os pais são orientados por profissionais da saúde e educação a aguardar até os cinco anos para procurar atendimento) e por falta do profissional fonoaudiólogo no serviço público.

As hipóteses diagnósticas predominantes (alterações de linguagem primária e secundária) corroboram estudo anterior, que ressalta a importância de uma classificação mais homogênea das mesmas, a fim de facilitar a comparação dos dados de pesquisas( 1212 Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. Rev Ciênc Méd Biol. 2009;8(1):53-59. ). Há falta de unanimidade nas produções científicas nacionais sobre a nomenclatura utilizada nas hipóteses diagnósticas, o que interfere na comparação dos resultados do presente estudo com os demais. Entretanto, as categorias selecionadas para este estudo facilitaram a classificação dessa variável e ainda são utilizadas na clínica-escola. Ao mesmo tempo, as questões de linguagem são extremamente complexas, e rotular simplesmente como alteração de linguagem todos os diferentes quadros que são acometidos por esse transtorno também não seria correto. Faz-se necessário um estudo com rigor metodológico para discussão dessa categoria.

Por muito tempo as alterações fonológicas e de fluência foram predominantes na clínica-escola em questão( 1414 Silva GMD, Couto MIV, Molini-Avejonas DR. Risk factors identification in children with speech disorders: pilot study. CoDAS. 2013;25(5):456-62. , 1818 Hermogenes C, Rocha CH, Molini-Avejonas DR, Wenceslau LGC, Couto MIV, La Torre R. Perfil dos pacientes atendidos na triagem fonoaudiológica em uma clínica-escola: estudo piloto. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(Suplemento). Disponível em http://www.sbfa.org.br/portal/suplementorsbfa..
http://www.sbfa.org.br/portal/suplemento...
), mas há alguns anos as alterações de linguagem têm sido prevalentes, demonstrando que as alterações fonoaudiológicas podem prevalecer diferentemente com o tempo e que a população está compreendendo melhor as diferentes áreas de atuação do fonoaudiólogo.

A maioria dos indivíduos do G1 (83%) conseguiu atendimento nos laboratórios internos da clínica-escola, denotando a eficácia e adequação do processo de referência realizado. Isso se deve provavelmente pela adequação dos instrumentos, procedimentos e análise das informações utilizados na triagem( 1313 Barros PML, Oliveira PN. Perfil dos pacientes atendidos no setor de fonoaudiologia de um serviço público de Recife-PE. Rev CEFAC. 2010;12(1):128-33. ), à facilidade de articulação entre os profissionais da clínica e à equipe do LIFAPS.

Em oposição, somente para a minoria dos indivíduos contatados do G2 (13,9%) o encaminhamento foi eficaz. As justificativas podem estar relacionadas com: número reduzido de fonoaudiólogos nos serviços públicos de saúde, o que aumenta o tempo de espera para o atendimento e reduz o número de vagas; e também pela falta de organização e comunicação dos profissionais que compõem a rede de atenção à saúde( 1010 Serra CG, Rodrigues PHA. Avaliação da referência e contrarreferência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(Suppl 3):3579-86. , 1616 Mandrá PP, Diniz MV. Caracterização do perfil diagnóstico e fluxo de um ambulatório de fonoaudiologia hospitalar na área de linguagem infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):121-5. , 1919 Bazzo LMF, Noronha CV. A ótica dos usuários sobre a oferta de atendimento fonoaudiológico no Sistema Único de Saúde em Salvador. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(Suppl 1):1553-64. , 2020 Tôrres AKV, Sarinho SW, Feliciano KVO, Kovacs MH. Acessibilidade organizacional de crianças com paralisia cerebral à reabilitação motora na cidade do Recife. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2011;11(4):427-36. ). O número de fonoaudiólogos nos serviços públicos de saúde ainda é muito reduzido. O pressuposto de 1 fonoaudiólogo para cada 10 mil habitantes, não é seguido( 2121 Lessa FJ, Miranda GMD. Fonoaudiologia e saúde pública. In: Britto ATBO, organizador. Livro de fonoaudiologia. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2005. , 2222 Conselho Regional de Fonoaudiologia 2ª Região, São Paulo [Internet]. Atuação Fonoaudiológica nas Políticas Públicas: subsídios para construção, acompanhamento e participação dos fonoaudiólogos. Conselho Regional de Fonoaudiologia. São Paulo: CRF; 2006. Disponível em: http://www.fonosp.org.br/publicar/publicacoes/atuacao_fonoaudiologica_2a_rev.pdf
http://www.fonosp.org.br/publicar/public...
).

Nos casos em que não houve interesse em procurar o local indicado (n=20), é possível que os familiares não tenham compreendido o impacto da alteração fonoaudiológica no desempenho social daqueles pacientes e como a terapia fonoaudiológica poderia reverter e/ou minimizar esse impacto. A orientação ao paciente sempre deve ser realizada de forma clara e cautelosa na triagem, ou seja, certificar-se de que o paciente ou responsável compreendeu quais são as alterações, suas consequências e os encaminhamentos; e informar que o encaminhamento realizado é uma das alternativas para o paciente, pois os setores de acolhimento das unidades básicas de saúde (UBS) e das instituições devem estar estruturados para auxiliar o paciente a encontrar o serviço fonoaudiológico apropriado.

Em outro contexto, o sucesso dos poucos encaminhamentos externos (14%) pode estar relacionado à disponibilidade e ao acesso da população aos serviços nas UBS, como oferta de atendimentos, horários de consultas, dentre outros( 1010 Serra CG, Rodrigues PHA. Avaliação da referência e contrarreferência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(Suppl 3):3579-86. ). Portanto, para que o sistema de referência e contrarreferência seja efetivo é necessário que se encaminhe o paciente ao local que se ajuste às suas necessidades, possuindo os recursos adequados e que seja próximo à sua residência, o que não é uma tarefa fácil. Isso posto, ressalta-se que o local que mais garantiu o atendimento fonoaudiológico foram as UBS, demonstrando a importância do fonoaudiólogo na atenção primária à saúde e no processo de contrarreferência.

É imprescindível a articulação entre os serviços de saúde primário, secundário e terciário para que a rede de atenção à saúde funcione adequadamente( 1010 Serra CG, Rodrigues PHA. Avaliação da referência e contrarreferência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(Suppl 3):3579-86. , 2020 Tôrres AKV, Sarinho SW, Feliciano KVO, Kovacs MH. Acessibilidade organizacional de crianças com paralisia cerebral à reabilitação motora na cidade do Recife. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2011;11(4):427-36. ). Muitas vezes os encaminhamentos são feitos sem informações da presença do fonoaudiólogo na equipe referenciada e do perfil atendido na instituição referenciada. Da mesma forma, existe a necessidade de um cuidado maior com a contrarreferência. São raros os casos que são encaminhados para a UBS, após o tratamento no secundário ou terciário, demonstrando uma falha na rede de atenção à saúde.

CONCLUSÃO

Conclui-se que quando o serviço trabalha de maneira articulada entre os profissionais da atenção primária, secundária e terciária o processo de referência e contrarreferência ocorre de maneira eficaz, e o direito à saúde do indivíduo é garantido.

Entretanto, quando esse trabalho em rede não acontece, ou é falho, somado ao número reduzido de fonoaudiólogos na rede pública de saúde, o usuário não tem acesso ao tratamento fonoaudiológico. Ressalta-se a necessidade de aprimorar a forma adotada para os encaminhamentos externos realizados, seja para referência ou contrarreferência, visto que a carta de encaminhamento utilizada e a listagem dos locais de encaminhamento disponíveis não foram suficientes para auxiliar a finalização do processo. Além disso, a conscientização da família sobre a importância de procurar o serviço referenciado deve ser melhor trabalhada.

Sugere-se a continuação de estudos que monitorem as referências e contrarreferências no atendimento fonoaudiológico, para que os princípios do SUS possam ser cumpridos.

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  • Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.
  • *DRMA realizou a concepção e o planejamento do projeto, análise e interpretação dos dados, contribuiu significativamente na elaboração do rascunho e na revisão crítica do conteúdo e também foi responsável pelas últimas correções; SFE participou da coleta, análise e interpretação dos dados, contribui significativamente na elaboração do rascunho e participou da aprovação da versão final do manuscrito; MIVC auxiliou na análise e interpretação dos dados, contribui na elaboração do rascunho e na revisão crítica do conteúdo e participou da aprovação final do manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2014
  • Aceito
    26 Dez 2015
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