Acessibilidade / Reportar erro

Impacto dos distúrbios da fala na qualidade de vida: proposta de questionário

Resumos

OBJETIVO:

Elaborar um questionário para analisar o impacto dos distúrbios da fala na qualidade de vida e verificar a sua confiabilidade.

MÉTODOS:

Foi realizada revisão de literatura sobre instrumentos que avaliavam a qualidade de vida, sobretudo nas alterações de comunicação. Foi elaborado questionário com 18 questões fechadas, sendo uma relativa ao comprometimento de fala, outra à qualidade de vida e as demais 16 questões abrangeram os domínios físico, emocional e social. O questionário foi aplicado em 24 sujeitos de ambos os gêneros com idades entre 12 e 50 anos, sendo 12 indivíduos (grupo caso) com distúrbio de fala de origem fonética e 12 (grupo controle) sem comprometimento de comunicação oral, pareados por idade e gênero. Para análise da confiabilidade do questionário, foi analisada a consistência interna dos itens que o compõem por meio do coeficiente Alfa de Cronbach.

RESULTADOS:

A consistência interna das 16 questões referentes aos domínios foi de á=0,93; para o domínio físico á=0,71, para o emocional á=0,77 e para o social á=0,85.

CONCLUSÃO:

O questionário apresentou boa confiabilidade para a identificação do impacto do distúrbio da fala na qualidade de vida dos indivíduos.

Qualidade de vida; Distúrbios da fala; Questionários; Avaliação; Fonoaudiologia


PURPOSE:

To develop a questionnaire to analyze the impact of speech disorders on quality of life and verify its reliability.

METHODS:

A literature review on instruments that assess the quality-of-life was performed, particularly those concerning communication disorders. The questionnaire was designed with 18 closed questions: one related to speech impairments, another about quality-of-life, and 16 questions covering the physical, emotional, and social domains. The questionnaire was applied to a population of 24 individuals of both sexes, aged between 12 and 50 years; 12 patients (case group) had phonetic speech disorders, and 12 (control group) had no impairment in oral communication. They were paired according to age and sex. To analyze the reliability of the instrument, the internal consistency of the items was assessed through Cronbach's Alpha coefficient.

RESULTS:

The internal consistency of the 16 questions concerning the domains was á=0.93; for the physical domain, á=0.71; for the emotional domain, á=0.77; and for the social domain, á=0.85.

CONCLUSION:

The questionnaire showed good reliability in identifying the impact of speech disorders on the individuals' quality of life.

Quality of Life; Speech disorders; Questionnaires; Assessment; Speech-Language Pathology and Audiology


INTRODUÇÃO

Os distúrbios de fala podem acarretar dificuldades no processo comunicativo, levar ao isolamento social e afetar a qualidade de vida dos sujeitos( 11. Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMHF, Friche AAL, Lemos SMA, Campos FR, et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50.

2. Goulart BN, Chiari BM. Prevalência de desordens de fala em escolares e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31.
- 33. Silva MR. Alterações de fala em escolares: ocorrência, identificação e condutas adotadas [Dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2008. ). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida (QV) como "percepção do indivíduo sobre sua posição na vida,... e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"( 44. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev Bras Psiquiatr. 1999;21(1):19-28. ), sendo considerado um indicador importante de Saúde Pública. Questionários de QV relacionados à voz( 55. Behlau M, Santos LMA, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9. ), gagueira( 66. Campanatti-Ostiz H, Andrade CRF. Gagueira: manutenção, generalização e transferência. Pró-Fono. 2000;12(2):121-30. , 77. Andrade CRF, Sassi FC, Juste FS, Ercolin B. Qualidade de vida em indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente. Pró-Fono. 2008;20(4):219-24. ) e deglutição( 88. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. ) têm sido utilizados na prática clínica fonoaudiológica. Atualmente, não há instrumento que mensure o impacto dos distúrbios da fala na QV e esta perspectiva poderá auxiliar o fonoaudiólogo a direcionar a intervenção, ajustando as estratégias terapêuticas às necessidades do paciente. Assim, os objetivos do estudo foram elaborar um questionário para investigar o impacto dos distúrbios da fala na QV e verificar a sua confiabilidade.

MÉTODOS

Estudo transversal, realizado no Ambulatório de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa/UFMG sob o n° 404/09, que constou de duas etapas: elaboração do questionário para avaliação da QV nos distúrbios da fala e análise da confiabilidade do instrumento.

A elaboração do questionário foi baseada em artigos científicos que descrevem protocolos para avaliar a QV em diferentes situações, publicados no período de 1999 a 2009( 44. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev Bras Psiquiatr. 1999;21(1):19-28. , 55. Behlau M, Santos LMA, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9. , 77. Andrade CRF, Sassi FC, Juste FS, Ercolin B. Qualidade de vida em indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente. Pró-Fono. 2008;20(4):219-24.

8. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205.
- 99. Teixeira AR, Almeida LG, Jotz GP, De Barba MC. Qualidade de vida de adultos e idosos pós adaptação de próteses auditivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):357-61. ).

Para análise da confiabilidade do instrumento, o questionário foi aplicado como piloto em 24 sujeitos, 12 do grupo caso e 12 do grupo controle, com idades entre 12 e 50 anos, pareados por gênero e idade. Constituíram o grupo caso indivíduos com alteração de fala de origem fonética e o grupo controle, indivíduos sem comprometimento da comunicação oral, comprovado por meio de avaliação fonoaudiológica simplificada. Foram excluídos indivíduos com alterações cognitivas, neurológicas, vocais, de linguagem oral e fluência, deficiência auditiva e/ou com distúrbios da fala em fase final de tratamento. O grupo controle foi constituído por acompanhantes de pacientes atendidos no mesmo ambulatório e estes foram instruídos a responder de acordo com a percepção da sua fala.

Os fatores etiológicos e os distúrbios de fala apresentados pelos participantes do grupo caso foram: (1) fissura labiopalatina (todos operados) e distúrbios articulatórios compensatórios (como golpe de glote); (2) alteração musculoesquelética e ceceio anterior ou lateral e (3) glossectomia parcial e distorções articulatórias. Optou-se por incluir na amostra diferentes fatores etiológicos dos distúrbios da fala para verificar a adequação do questionário em uma ampla gama de causas. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As respostas das questões 2 a 17 do questionário foram graduadas em uma escala Likert: 3 pontos para a opção "Sempre", 2 pontos para "Algumas vezes", 1 ponto para "Raramente" e 0 pontos para "Nunca". A opção "Não sei" não foi considerada na análise e, portanto, não influenciou na pontuação dos resultados. Para comparação entre os grupos do estudo, a análise foi realizada considerando a porcentagem dos pontos obtidos sobre a pontuação máxima possível para cada sujeito por domínio e total das questões. A análise da consistência interna foi realizada por domínio e escore total por meio do coeficiente Alfa de Cronbach, considerando confiabilidade ruim á≤0,5, aceitável entre 0,6 e 0,7 e boa confiabilidade á≥0,8( 1010. Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986; 1(8476):307-10. ). Na análise, foram excluídas as questões cuja retirada do domínio aumentasse o valor do Alfa de Cronbach e, consequentemente, a consistência interna do questionário.

As perguntas 1 e 18 foram analisadas por meio da frequência das respostas, para identificar a autopercepção do indivíduo sobre seu problema de fala e a QV.

RESULTADOS

O questionário elaborado foi composto por 18 questões fechadas, sendo duas de autopercepção da alteração de fala e QV geral e as demais abrangendo a autopercepção dos domínios físico (questões 2 a 5), emocional (6 a 11) e social (12 a 17) (Anexo 1 Anexo 1 Questionário Impacto dos Distúrbios da Fala na Qualidade de Vida ).

A análise da consistência interna do questionário é apresentada na Tabela 1.

Questões analisadas Número de questões Alfa de Cronbach Casos (n=12) Controles (n=12) Total (n=24) Domínio físico 2 a 5 4 0,71 0,72 0,71 Domínio emocional* 6 a 10 6 0,83 0,70 0,77 Domínio social 12 a 17 6 0,77** 0,96 0,85 Escore total 2 a 17 16 0,91 0,95 0,93 *
**

Quanto à autopercepção dos distúrbios da fala (questão 1), no grupo caso seis indivíduos (50%) responderam "Sempre", dois (17%) "Algumas vezes", dois "Raramente" ou "Nunca" e dois responderam "Não sei". Já no grupo controle, dez participantes (83%) referiram "Raramente" ou "Nunca" e dois (17%) mencionaram "Algumas vezes". Sobre a QV (questão 18), no grupo caso dez indivíduos (84%) a consideraram "Boa", um (8%) "Excelente" e um (8%) "Ruim". No grupo controle, oito (67%) consideram "Boa", três (25%) "Excelente" e um (8%) "Ruim".

DISCUSSÃO

Como na literatura( 99. Teixeira AR, Almeida LG, Jotz GP, De Barba MC. Qualidade de vida de adultos e idosos pós adaptação de próteses auditivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):357-61. , 1111. Papalia DE, Olds SW. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. , 1212. Bressmann T, Uy C, Irish JC. Analysing normal and partial glossectomee tongues using ultrasound. Clin Linguist Phon. 2005;19(1):35-52. ), o instrumento foi empregado previamente em uma população piloto e apresentou boa confiabilidade nos domínios e no questionário como um todo.

Entre os domínios, a consistência interna variou de aceitável (á=0,71 - domínio físico para o grupo caso) a boa (á=0,96 - domínio social para o grupo controle). A retirada das questões 11 do domínio físico e 16 do domínio social aumentou a consistência interna de ambos os domínios e, portanto, devem ser mais bem investigadas com amostra maior. Em relação ao escore total do questionário, a consistência interna foi boa tanto para o grupo caso (á=0,91) como para o grupo controle (á=0,95). A autopercepção da alteração da fala ocorreu predominantemente no grupo caso, mas aparentemente sem impacto na QV em ambos os grupos. São necessários estudos futuros nesta mesma temática, visto que este é o primeiro estudo (brasileiro), segundo o nosso conhecimento. Estudos com maior casuística e poder estatístico satisfatório poderão avaliar de forma mais precisa a QV nos distúrbios da fala.

Algumas limitações devem ser consideradas como o tamanho da amostra, que deverá ser ampliado, e a seleção dos casos, abrangendo outros distúrbios da fala e outras faixas etárias. Desta forma, novas análises deverão ser empregadas em estudo futuro de validação do questionário.

Apesar disso, os altos valores do Alfa de Cronbach encontrados para o escore total do questionário nos dois grupos indicam que este parece ser um construto confiável para avaliar a QV em indivíduos com distúrbios da fala.

CONCLUSÃO

Foi elaborado um protocolo para avaliação da QV em sujeitos com distúrbios de fala com 18 questões e que contemplou os domínios físico, emocional e social. O questionário mostrou ser um instrumento com boa confiabilidade tanto para os domínios quanto para o questionário como um todo.

Anexo 1 Questionário Impacto dos Distúrbios da Fala na Qualidade de Vida

REFERENCES

  • 1
    Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMHF, Friche AAL, Lemos SMA, Campos FR, et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50.
  • 2
    Goulart BN, Chiari BM. Prevalência de desordens de fala em escolares e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31.
  • 3
    Silva MR. Alterações de fala em escolares: ocorrência, identificação e condutas adotadas [Dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2008.
  • 4
    Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev Bras Psiquiatr. 1999;21(1):19-28.
  • 5
    Behlau M, Santos LMA, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9.
  • 6
    Campanatti-Ostiz H, Andrade CRF. Gagueira: manutenção, generalização e transferência. Pró-Fono. 2000;12(2):121-30.
  • 7
    Andrade CRF, Sassi FC, Juste FS, Ercolin B. Qualidade de vida em indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente. Pró-Fono. 2008;20(4):219-24.
  • 8
    Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205.
  • 9
    Teixeira AR, Almeida LG, Jotz GP, De Barba MC. Qualidade de vida de adultos e idosos pós adaptação de próteses auditivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):357-61.
  • 10
    Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986; 1(8476):307-10.
  • 11
    Papalia DE, Olds SW. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000.
  • 12
    Bressmann T, Uy C, Irish JC. Analysing normal and partial glossectomee tongues using ultrasound. Clin Linguist Phon. 2005;19(1):35-52.
  • *GSL foi responsável pelo projeto e delineamento do estudo, bem como coleta e tabulação dos dados; TVCP participou da tabulação, análise dos dados e elaboração do manuscrito; LCCV acompanhou a coleta, colaborou com a análise dos dados e orientou todas as etapas da pesquisa; AALF foi responsável pela análise dos dados e orientação geral das etapas de execução e elaboração do manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2013
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2012
  • Aceito
    28 Out 2013
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br