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Características da aquisição da ortografia de consoantes soantes em crianças de um município paulista

Resumos

Objetivos:

Descrever o desempenho ortográfico de crianças, no que se refere ao registro de consoantes soantes do Português Brasileiro; verificar se os erros em seus registros sofrem influência do acento no interior da palavra e categorizar os tipos de erros encontrados.

MÉTODOS:

Para a presente pesquisa, foram selecionadas 801 produções textuais resultantes do desenvolvimento de 14 diferentes propostas temáticas, realizadas por 76 crianças da primeira série do ensino fundamental, em 2001, de duas escolas de um município paulista. Dessas, foram selecionadas as palavras com ocorrência de consoantes soantes em posição silábica de ataque simples. Foram, então, organizadas conforme aparecessem em sílabas pré-tônicas, tônicas, pós-tônicas, monossílabos átonos e tônicos.

RESULTADOS:

Observou-se: quantidade de acertos extremamente maior do que de erros; maior ocorrência de erros em sílabas não acentuadas; maior ocorrência de substituições fonológicas seguida de omissões e, por fim, de substituições ortográficas; e maior número de ocorrência de substituições que envolveram grafemas referentes à classe das consoantes soantes.

CONCLUSÃO:

Considerar a distribuição de dados ortográficos entre acertos e erros, bem como suas relações com aspectos fonético-fonológicos, pode contribuir para o entendimento das dificuldades escolares encontradas nas séries iniciais de alfabetização.

Descritores
Escrita manual; Desenvolvimento da Linguagem; Criança; Fonética; Linguística


PURPOSE:

To describe the spelling performance of children with regard to the record of sonorant consonants in Brazilian Portuguese language, to verify if the errors in their records were influenced by the accent in the word, and to categorize the kinds of errors found.

METHODS:

For this current survey, 801 text productions were selected as a result of the development of 14 different thematic proposals, prepared by 76 children from the first grade of primary school, in 2001, coming from two schools of a city from São Paulo, Brazil. Of these productions, all words with sonorant consonants in a syllabic position of simple onset were selected. They were then organized as they appeared as pre-tonic, tonic, and post-tonic syllables, unstressed and tonic monosyllables.

RESULTS:

The following was observed: the number of hits was extremely higher than that of errors; higher occurrence of errors in non-accented syllables; higher occurrence of phonological substitutions followed by omissions and, at last, orthographic substitutions; and higher number of substitutions that involved graphemes referring to the sonorant class.

CONCLUSION:

Considering the distribution of orthographic data between hits and errors, as well as their relationship with phonetic-phonological aspects, may contribute to the comprehension of school difficulties, which are usually found in the first years of literacy instruction.

Keywords
Handwriting; Language Development; Child; Phonetics; Linguistics


INTRODUÇÃO

A aquisição da escrita tem se tornado um objeto constante de investigação, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Nos últimos cinco anos, questões diversificadas sobre ela estão sendo investigadas sob diferentes perspectivas teórico-metodológicas.

No interior dessa diversificação, as investigações têm se voltado, principalmente, ao desempenho ortográfico em tarefas caracterizadas como de leitura, escrita e consciência fonológica( 1Furnes B, Samuelson S. Preschool cognitive and language skills predicting Kindergarten and Grade 1 reading and spelling: a cross-linguistic Comparison. J Res Reading. 2009;32(3):275-92.

Nunes C, Frota S, Mousinho R. Consciência fonológica e o processo de aprendizagem de leitura e escrita: implicações teóricas para o embasamento da prática fonoaudiológica. Rev CEFAC. 2009;11(2):207-12.

Paolucci JF, Avila CR. Competência ortográfica e metafonológica: influências e correlações na leitura e escrita de escolares da 4ª série. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):48-55.

Ferreira F, Correa, J. Consciência metalinguística e a representação da nasalização na escrita do Português Brasileiro. Rev CEFAC. 2010;12(1):40-50.

Furnes B, Samuelson S. Predicting reading and spelling difficulties in transparent and opaque orthographies: a comparison between Scandinavian and US/Australian Children. Dyslexia. 2010;16:119-42.

Galletly SA, Knight BA. Because trucks aren't bicycles: orthographic complexity as an important variable in Reading research. Aust Educ Res. 2013;40(2):173-94.
- 7Pontes VL, Diniz NL, Martins-Reis VO. Parâmetros e estratégias de leitura e escrita utilizados por crianças de escolas pública e privada. Rev CEFAC. 2001;15(4):827-36. ). Em menor frequência, porém não menos relevante, estão as investigações que se voltam para os chamados desvios da ortografia, caracterizados não só pelos tipos de erros cometidos, mas especialmente pelo modo como se desenvolve o processo da escrita( 8Capellini AS, Amaral AC, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérida JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino público. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):227-36.

Capellini SA, Romero AC, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cérvera-Mérida JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino particular. Rev CEFAC. 2012;14(2):254-67.
- 1010 Rosa CC, Gomes E, Pedroso FS. Aquisição do sistema ortográfico: desempenho na expressão escrita e classificação dos erros ortográficos. Rev CEFAC. 2012;14(1):39-45. ). Por fim, encontram-se estudos direcionados à eficácia dos programas fonoaudiológicos no desempenho de escolares( 1111 Brito CL, Uzeda CP, Vieira JG, Cavalheiro LG. Habilidades de letramento após intervenção fonoaudiológica em crianças do 1º ano do ensino fundamental. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(1):88-95. ).

Além das mencionadas, outras investigações têm se voltado para: a relação entre fala e escrita( 1212 Mezzomo CL, Mota HB, Dias RF. Desvio fonológico: aspectos sobre produção, percepção e escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):554-60. ); a relação entre ortografia e letramento( 1313 Carnio MS, Pereira MB, Alves DC, Andrade RV. Letramento escolar de estudantes de 1ª e 2ª séries do ensino fundamental de escola pública. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(1):1-8. ); a questão da autoria na escrita( 1414 Machado ML, Berberian AP, Santana AP. Linguagem escrita e subjetividade: implicações do trabalho grupal. Rev CEFAC. 2009;11(4):713-9. ) e, ainda, a problematização dos critérios que devem considerar como patológicos os erros na escrita infantil( 1515 Massi G, Signor R, Berberian AP, Munhoz CM, Guarinello AC, Krüger S, et al. A análise de elementos de referenciação em textos produzidos por sujeitos em processo de apropriação da escrita. Dist Comun. 2009;21(2):169-78. ).

Nota-se pouca referência sobre as relações entre ortografia e aspectos fonético-fonológicos da língua nessa literatura. Tais relações, porém, vêm sendo investigadas pelos grupos de pesquisa "Estudos sobre a aquisição da linguagem escrita" (GEALE/CNPq)( 1616 Adamoli MA, Miranda AR. Do conhecimento fonológico ao conhecimento ortográfico: as diferentes grafias dos ditongos orais mediais ai e ei em textos de escrita inicial. Cad Pesq Ling. 2009;4:232-55.

17 Teixeira SM, Grassi LH, Oliveira ND, Miranda AR. Uma reflexão acerca do erro ortográfico: a importância do conhecimento sobre a língua para a prática pedagógica de professores das séries iniciais. Verba Volant. 2011;2:78-94.
- 1818 Miranda AR, Matzenauer CL. Aquisição da fala e da escrita: relações com a fonologia. Cad Educ. 2010;35:359-405. ) - sediado na Universidade Federal de Pelotas - e "Estudos sobre a linguagem" (GPEL/CNPq)( 1919 Cardoso MH, Rodrigues LL, Freitas MC, Chacon L. A complexidade da coda silábica na escrita de pré-escolares. Dist Comum. 2010;22:213-21.

20 Berti LC, Chacon L, Santos AP. A escrita de /aN/ por pré-escolares: pistas acústico-auditivas. Cad Edc. 2010;19:195-291.

21 Chacon L, Berti LC, Burgemeister A. Ortografia da nasalidade em ataque e coda silábica na escrita infantil: características fonéticas e fonológicas. Verba Volant. 2011;2:1-21.

22 Amaral AS, Freitas MC, Chacon L, Rodrigues LL. Omissão de grafemas e características da sílaba na escrita infantil. Rev CEFAC. 2011;13:846-55.

23 Tenani LE, Reis, MC. "E veveram felizes para sempre": análise de grafias não-convencionais de vogais pretônicas. Verba Volant. 2011;2:22-43.

24 Schier AC, Berti LC, Chacon L. Desempenho perceptual-auditivo e ortográfico de consoantes fricativas na aquisição da escrita. Codas. 2013;25(1):45-51.
- 2525 Chacon L, Vaz S. Relações entre aquisição da percepção auditiva e aprendizagem da ortografia: consoantes soantes em questão. Ling (Dis)curso. 2013;13(3):695-719. ) - localizado na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP).

Chama-se a atenção para três trabalhos desenvolvidos no interior do GPEL: dois deles pela relação que os autores buscam entre registros ortográficos, posição silábica e acento da palavra( 1919 Cardoso MH, Rodrigues LL, Freitas MC, Chacon L. A complexidade da coda silábica na escrita de pré-escolares. Dist Comum. 2010;22:213-21. , 2222 Amaral AS, Freitas MC, Chacon L, Rodrigues LL. Omissão de grafemas e características da sílaba na escrita infantil. Rev CEFAC. 2011;13:846-55. ); e o terceiro por verificar o registro da nasalidade em posição de ataque e de coda silábica( 2121 Chacon L, Berti LC, Burgemeister A. Ortografia da nasalidade em ataque e coda silábica na escrita infantil: características fonéticas e fonológicas. Verba Volant. 2011;2:1-21. ). Além disso, o fato de tratarem sobre as relações entre aspectos fonético-fonológicos e ortografia em crianças de série final de educação infantil também é importante.

Investigar a ação desses aspectos (fonético-fonológicos) na aquisição da ortografia é justamente a preocupação mais geral da pesquisa relatada no presente artigo. Mais especificamente, levando-se em consideração a relação fonologia/ortografia, sua proposta é investigar o desempenho ortográfico de crianças em relação às consoantes soantes na posição de ataque silábico simples, em produções de palavras não controladas.

A pesquisa relatada teve como objetivos: descrever o desempenho ortográfico de crianças, no que se refere ao registro de consoantes soantes do Português Brasileiro (PB); verificar se os erros dos registros dessas consoantes sofriam influência do acento no interior da palavra; e categorizar os tipos de erros encontrados.

MÉTODOS

O desenvolvimento desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da UNESP, sob o número 0856/2013.

Banco de dados

Os dados analisados foram extraídos de produções textuais componentes de um banco de dados que subsidia investigações do GPEL/CNPq. Esse é constituído por produções textuais de crianças da primeira à quarta série do ensino fundamental, que foram acompanhadas durante os anos de 2001 a 2004 e frequentavam duas escolas públicas de uma cidade do interior de São Paulo. Essas produções foram coletadas por pesquisadores do GPEL, aproximadamente a cada 15 dias, com um total de 12 a 15 propostas temáticas realizadas por ano. As produções das crianças foram, então, digitalizadas e organizadas por escola e ano.

Como critério de inclusão para a construção do banco de dados, foram consideradas todas aquelas que não apresentavam queixas de dificuldade de linguagem e/ou aprendizagem relatadas por pais e/ou professores.

Recorte

Foram selecionadas criações resultantes do desenvolvimento de 14 diferentes propostas temáticas, realizadas por 76 crianças da primeira série do ensino fundamental, em 2001, advindas de duas escolas em que os dados foram coletados. Do total de 1.064 produções esperadas (14 propostas versus 76 crianças): 199 não ocorreram por motivo de falta das crianças em dias de coleta ou pelo fato de algumas delas terem ingressado nas escolas após o início do recolhimento das produções e 64 foram descartadas pelo fato de a escrita do texto ser não interpretável. Foram analisadas, portanto, 801 produções. Dessas, foram selecionadas as palavras com ocorrência de consoantes soantes em posição silábica de ataque simples. Essas situações foram, então, organizadas conforme aparecessem em sílabas pré-tônicas, tônicas, pós-tônicas, monossílabos átonos e tônicos.

Critérios para análise dos dados

Para se descrever como os dados foram analisados, serão retomados os objetivos desta pesquisa. Com relação ao primeiro de descrever o desempenho ortográfico de crianças, no que se refere ao registro de consoantes soantes do Português Brasileiro, foram adotados como critérios de análise desse desempenho o levantamento de: acertos - registros dos grafemas segundo sua ortografia convencional; e erros - dados não convencionais ou omissões de grafemas que remetiam às consoantes soantes.

Quanto à análise dos resultados relativos ao segundo objetivo, ou seja, verificar se os erros dos registros dessas consoantes sofriam influência do acento no interior da palavra, os erros foram divididos em dois grandes grupos, conforme ocorressem em: sílabas não acentuadas - pré e pós-tônicas e monossílabos átonos; e acentuadas - tônicas e monossílabos tônicos.

Por fim, será descrita a forma de análise dos resultados relativos ao terceiro objetivo, que é categorizar os tipos de erros encontrados, os quais foram distribuídos em três categorias principais:

  • omissões - quando não houve registro do grafema que remetia a uma soante, como, por exemplo, na palavra "mata" escrita como "ata";

  • substituições ortográficas - quando a substituição do grafema não alterou o valor fonológico da palavra, como, por exemplo, na palavra "rato" escrita como "rrato";

  • substituições fonológicas - quando a troca do grafema alterou o valor fonológico da palavra, como, por exemplo, na palavra "palha" escrita como "pala".

Os erros fonológicos foram, ainda, subdivididos em função de envolverem elementos da mesma classe fonológica (dos fonemas soantes), categorizado como substituições dentro da classe (DC); ou mobilizarem elementos de outra (mais especificamente, da grande classe dos fonemas obstruintes), referido como substituições fora da classe (FC).

Análise estatística

Um tratamento estatístico dos dados foi aplicado com o uso do software Statistica, versão 7.0. Foram feitas as análises descritiva e inferencial. Para a descritiva, utilizaram-se duas medidas de tendência central (média e mediana) e uma de dispersão (desvio padrão).

Empregou-se o teste não paramétrico Sign test para análise das variáveis dependentes: acertos e erros; erros em sílabas acentuadas e em não acentuadas; omissões/erros ortográficos/fonológicos em sílabas acentuadas e em não acentuadas; e erros fonológicos dentro e fora da classe. Utilizou-se, ainda, o teste não paramétrico ANOVA chi square para análise das variáveis dependentes "substituições fonológicas dentro/fora da classe" e "sílabas acentuada/não acentuada". A escolha de tais instrumentos se baseou na verificação da violação da curva do teste de normalidade Shapiro-Wilk, adotando-se o valor do nível de significância (α)≤0,05.

RESULTADOS

Para melhor exposição, os resultados encontrados serão dispostos de acordo com os objetivos norteadores da pesquisa.

Com relação aos resultados obtidos para o primeiro objetivo, foram encontradas 12.619 possibilidades de ocorrência do registro de consoantes soantes em ataque simples, que foram distribuídas entre acertos e erros. A Tabela 1 mostra essa distribuição.

Tabela 1.
Distribuição das ocorrências de acertos e erros

Observou-se uma quantidade de acertos extremamente maior do que de erros. Além disso, a distribuição dos erros é mais consistente do que a dos acertos.

Conforme antecipado, os dados encontrados para o segundo objetivo foram agrupados em sílabas acentuadas e não acentuadas. Os valores correspondentes a esse agrupamento estão expostos no Figura 1 e na Tabela 2.

Figura 1.
Distribuição dos erros em sílabas acentuadas e não acentuadas

Tabela 2.
Distribuição dos erros em sílabas acentuadas e não acentuadas

Notou-se maior ocorrência de erros em sílabas não acentuadas, bem como distribuição mais consistente deles em sílabas acentuadas do que em não acentuadas.

Por fim, com relação aos resultados encontrados para o terceiro objetivo, observou-se a distribuição dos erros entre omissões, substituições ortográficas e fonológicas (Figura 2 e Tabela 3).

Figura 2.
Distribuição das ocorrências de omissões, substituições ortográficas e fonológicas em sílabas acentuadas e não acentuadas

Tabela 3.
Distribuição das ocorrências de omissões, substituições ortográficas e fonológicas em sílabas acentuadas e não acentuadas

A maior ocorrência de erros foi de substituições fonológicas, seguida de omissões e, por fim, de substituições ortográficas - tanto em sílabas acentuadas quanto em não acentuadas. Observou-se, ainda, que houve diferença apenas nos valores de omissões entre as sílabas acentuadas e não acentuadas.

Ainda com relação ao terceiro objetivo, houve a ocorrência de substituições fonológicas dentro e fora da classe fonológica das soantes, cujos resultados estão expostos na Tabela 4.

Tabela 4.
Distribuição das substituições fonológicas dentro e fora da classe fonológica das soantes

Para melhor visualizar a distribuição de substituições dentro e fora da classe fonológica das consoantes soantes e verificar uma possível relação entre essa distribuição e a posição acentuada ou não acentuada nas sílabas, os resultados foram reorganizados conforme expostos no Figura 3 e na Tabela 5.

Figura 3.
Distribuição das substituições dentro e fora da classe das soantes em sílabas acentuadas e não acentuadas

Tabela 5.
Distribuição das substituições dentro e fora da classe fonológica das soantes em sílabas acentuadas e não acentuadas

Observou-se um maior número de ocorrência de substituições que envolveram grafemas referentes à classe das consoantes soantes (dentro da classe) comparado ao daquelas que remetiam a outras classes fonológicas (fora da classe). Porém, não foi encontrada relação entre essa distribuição e o acento no interior da palavra.

DISCUSSÃO

Com relação ao resultado encontrado para o primeiro objetivo - número de ocorrências de acerto maior em relação ao de erros -, nota-se que as crianças em estudo, mesmo que em série inicial de alfabetização, tendem prioritariamente à estabilidade ao registrar graficamente as consoantes soantes. Chama-se atenção para isso, visto que trabalhos que se voltam para as questões ortográficas na aquisição da escrita( 8Capellini AS, Amaral AC, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérida JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino público. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):227-36.

Capellini SA, Romero AC, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cérvera-Mérida JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino particular. Rev CEFAC. 2012;14(2):254-67.
- 1010 Rosa CC, Gomes E, Pedroso FS. Aquisição do sistema ortográfico: desempenho na expressão escrita e classificação dos erros ortográficos. Rev CEFAC. 2012;14(1):39-45. ) enfatizam, principalmente, o erro. Embora seja "no chamado 'erro' e não no 'acerto' que se pode contar com a visibilidade ou transparência da relação da criança com a língua em aquisição"( 2626 Figueira RA. Os lineamentos das conjugações verbais na fala da criança. Multidirecionalidade do erro e heterogeneidade linguística. Letr Hoje. 1998;33(2):73-80. ), a grande estabilidade ortográfica das crianças estudadas na pesquisa em relato aponta para a importância do acerto na caracterização da aquisição ortográfica.

Quanto à conclusão do segundo objetivo - predomínio de erros em sílabas não-acentuadas -, sua explicação pode ser fundamentada em aspectos fonéticos relativos ao acento. A sílaba pode ser entendida, pela perspectiva fonética motora, como o "resultado de movimentos musculares, quando os músculos da respiração modificam o processo respiratório adaptando-o ao processo de fala"( 2727 Stetson RH. Motor phonetics: a study of speech movements in action. 2nd ed. Oxford, England: North-Holland Publishing Co; 1951. ). Desse modo, em termos motores, os músculos se contraem e relaxam, modificando a corrente expiratória e fazendo com que o ar saia em pequenos jatos, cada um dos quais corresponde a uma sílaba.

No entanto, este esforço muscular nem sempre é feito de modo idêntico. Às vezes, ele é realizado com maior vigor e duração, diferença que resultará na produção de sílabas acentuadas e não acentuadas. Assim, uma sílaba acentuada no PB, foneticamente, terá maior intensidade, aumento de duração e elevação de frequência, ao passo que uma não acentuada terá menor intensidade, menor duração e rebaixamento de frequência. Dessa maneira, as sílabas não acentuadas tornam-se, a priori, menos perceptíveis auditivamente, o que justificaria a maior dificuldade ortográfica das crianças justamente nessas sílabas.

Por fim, discutem-se os resultados encontrados para o terceiro objetivo. O maior número de substituições fonológicas, comparado ao das ortográficas, pode ser explicado pelo predomínio da transparência na escrita das consoantes soantes no PB. Com efeito, a ortografia de seis dos sete fonemas é transparente, ou seja, esses seis mostram apenas uma possibilidade de representação grafêmica. Portanto, qualquer substituição deles resultará, obrigatoriamente, em mudança de valor fonológico da palavra.

Por outro lado, o menor número de omissões, comparado ao de substituições, indica que as crianças tendem a, preferencialmente, registrar o grafema, sugerindo que, de algum modo, essas crianças percebem a estrutura da sílaba e tentam preencher ortograficamente cada uma de suas posições essenciais (ou seja, o ataque e o núcleo). Dessa maneira, mesmo não dominando plenamente os símbolos gráficos a serem utilizados, preenchem com um grafema o espaço correspondente ao ataque silábico simples.

Vale ressaltar também o fato de apenas as omissões se mostrarem em contextos de sílabas acentuadas e não acentuadas. Explicam-se as ausências predominantes em sílabas não acentuadas, novamente, pelas suas características fonéticas - menor intensidade, menor duração e rebaixamento de frequência. Observa-se, portanto, que a dificuldade geral apontada anteriormente nas sílabas não acentuadas justifica-se, essencialmente, pela presença de uma maior quantidade de omissões em tais sílabas.

Ainda em relação aos resultados encontrados para a terceira meta, notou-se maior número de ocorrência de substituições que envolveram grafemas referentes à classe das consoantes soantes (DC) quando comparado ao daquela de outras classes fonológicas (FC). Essa tendência indica que as crianças dominam, em boa medida, os aspectos fonéticos que distinguem fonemas obstruintes de soantes, ou seja, os aspectos fonológicos da língua, bem como o conhecimento dos grafemas que representam tais fonemas na escrita.

Além dos estudos mencionados nesta discussão, não foram encontrados, na literatura, resultados convergentes ou divergentes daqueles encontrados na presente pesquisa, já que os estudos acessados não foram desenvolvidos com material e procedimentos iguais ou semelhantes aos adotados na pesquisa.

CONCLUSÃO

Conclui-se que as crianças investigadas, mesmo em início de alfabetização, tendem, preferencialmente, a registrar de maneira correta os grafemas correspondentes às consoantes soantes.

Em relação aos erros, observou-se que sofrem influência do acento, sobretudo em relação ao registro/não registro do grafema, uma vez que a escrita das consoantes soantes em sílabas não acentuadas apresentou maior dificuldade às crianças.

Em conclusão, as substituições fonológicas foram as mais frequentes dentre os erros encontrados, seguidas das omissões e das substituições ortográficas. As substituições fonológicas, ainda, predominantemente, ocorreram entre grafemas que remetiam à mesma classe das soantes.

A presente pesquisa aponta para a importância da análise de dados ortográficos, levando-se em consideração sua distribuição entre acertos e erros, bem como suas relações com aspectos fonético-fonológicos da língua. A investigação dessas relações pode contribuir para o entendimento das dificuldades escolares, encontradas nas séries iniciais de alfabetização, uma vez que não apenas a proporção entre acertos e erros mas, ainda, sua relação com aspectos fonético-fonológicos, possibilitam uma melhor detecção das diferentes dificuldades ortográficas encontradas no interior de uma mesma classe fonológica.

Sugere-se que investigações sobre relações entre ortografia e aspectos fonético-fonológicos sejam desenvolvidas com populações variadas a fim de possibilitar melhor entendimento desses vínculos, bem como tornar possível uma maior generalização das inferências encontradas.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP e ao CNPq, pelo financiamento concedido para a realização da pesquisa cujos resultados foram relatados no presente artigo.

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  • Trabalho realizado no Grupo de Pesquisa Estudos sobre a Linguagem, Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP; e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
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    SV foi responsável pela elaboração da pesquisa e do cronograma, levantamento da literatura, coleta e análise dos dados, redação do artigo, submissão e trâmites do artigo; IOP fez o levantamento da literatura, a coleta e a análise dos dados e a redação do artigo; LP realizou o levantamento da literatura, a coleta e a análise dos dados e a redação do artigo; LC se responsabilizou pela coordenação da pesquisa, análise dos dados, correção da redação do artigo e aprovação da versão final.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2014
  • Aceito
    09 Dez 2014
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