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O Fundef e os equívocos na legislação e documentação oficial

The Fundef and the misunderstandings in the legislation and official documentation

Resumos

O trabalho analisa a legislação bem como documentos produzidos pelo Ministério da Educação sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e acerca da remuneração/valorização docente, e conclui que as dificuldades de compreensão do tema originam-se, em boa medida, de formulações não uniformes na própria legislação e nos muitos equívocos contidos nos documentos oficiais que pretendem oferecer explicação e orientação.

LEGISLAÇÃO; EDUCAÇÃO; BRASIL; FUNDEF


The article examines the legislation as well as documents produced by the Brazilian Ministry of Education concerning the Fund for Maintenance and Development of the Compulsory 8-year School Education and Valorization of Teaching Personnel and concerning teachers valorization and salaries and it concludes that the difficulties in understanding the subject derives a great deal from non-consistent wording in the legislation itself and from the many mistakes contained in official documents claiming to provide explanation and guidance.


O Fundef e os equívocos na legislação e documentação oficial* * Texto aprovado pelo Grupo de Trabalho, de Estudo e Política Educacional para a Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd –, realizada em Caxambu, Minas Gerais, em setembro de 1999, mas não apresentado. Aceito também e apresentado no Grupo de Trabalho de Financiamento da Educação do Simpósio da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae –, realizado em Santos, São Paulo, em novembro de 1999. 1 . ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. FPM: Fundo de Participação dos Municípios. FPE: Fundo de Participação dos Estados. IPI exportação: Imposto sobre Produtos Industrializados. LC 87/96: Lei Complementar de desoneração do ICMS das exportações. 2 . FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 3 . O deputado estadual Cesar Callegari (1997), de São Paulo, já denunciou a falta de aplicação da verba devida em MDE pelo governo estadual paulista.

The Fundef and the misunderstandings in the legislation and official documentation

Nicholas Davies

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense; davies@megaline.com.br

RESUMO

O trabalho analisa a legislação bem como documentos produzidos pelo Ministério da Educação sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e acerca da remuneração/valorização docente, e conclui que as dificuldades de compreensão do tema originam-se, em boa medida, de formulações não uniformes na própria legislação e nos muitos equívocos contidos nos documentos oficiais que pretendem oferecer explicação e orientação.

LEGISLAÇÃO – EDUCAÇÃO – BRASIL. LEIS, DECRETOS ETC. – FUNDEF

ABSTRACT

The article examines the legislation as well as documents produced by the Brazilian Ministry of Education concerning the Fund for Maintenance and Development of the Compulsory 8-year School Education and Valorization of Teaching Personnel and concerning teachers valorization and salaries and it concludes that the difficulties in understanding the subject derives a great deal from non-consistent wording in the legislation itself and from the many mistakes contained in official documents claiming to provide explanation and guidance.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef – tem provocado muitas polêmicas e dúvidas que se devem, em parte, à natureza complexa do tema, mas também, e sobretudo, aos equívocos contidos na legislação e documentação oficial. As linhas a seguir pretendem mostrar a responsabilidade oficial (Ministério da Educação e Cultura – MEC –, Conselho Nacional de Educação – CNE – e Tribunal de Contas) sobre esta questão, mediante exame de alguns pontos da Emenda Constitucional n. 14, da Lei Federal n. 9.424/96, do Parecer n. 10/97 e da Resolução n.3, ambos do CNE, de documentos produzidos pelo MEC, para orientação dos governos, e de documento produzido pelo diretor de instituto ligado ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. O estudo não segue uma hierarquia analítico-legal e procura apenas apontar os equívocos e contradições que têm gerado tantas dificuldades de compreensão sobre a questão.

REMUNERAÇÃO OU VALORIZAÇÃO DOS PROFESSORES OU DO MAGISTÉRIO?

O primeiro problema do Fundef está na própria legislação que lhe deu origem. A Emenda Constitucional n. 14, que o criou em setembro de 1996, e a Lei n. 9.424, que o regulamentou em dezembro de 1996, apresentam redações variáveis sobre a valorização do magistério que se prestam a interpretações contraditórias. A referida Emenda Constitucional – EC –, por exemplo, estipula que "uma proporção não inferior a 60% dos recursos de cada fundo" seja "destinada ao pagamento dos professores do ensino fundamental em efetivo exercício no ensino fundamental". Já o art. 2º da Lei n. 9.424 estabelece que os recursos do fundo destinam-se à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público e à valorização do magistério. Por fim, o art. 7º desta lei destina pelo menos 60% dos recursos do Fundef para a remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício de suas atividades no ensino fundamental público. Os trechos em itálico (de nossa autoria) apontam inconsistências na legislação que têm originado as mais variadas interpretações. A primeira contradição está na categoria dos beneficiáveis com os 60% do Fundef. Enquanto a EC n. 14 se refere a "professores do ensino fundamental", os art. 2º e 7º da Lei n. 9.424 ampliam os beneficiáveis para "profissionais do magistério", categoria muito mais ampla do que professores, pois engloba também "os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades [de docência], incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional", segundo a definição dada pela Resolução n. 3, de outubro de 1997, do CNE. Esta, aliás, estabelece o cálculo da remuneração média apenas para os docentes do ensino fundamental, embora pretenda oferecer diretrizes para a elaboração dos planos de carreira e remuneração dos profissionais do magistério. A confusão quanto aos beneficiáveis com os 60% estaria levando alguns tribunais de contas a estipularem que este percentual só se destina aos professores, conforme reconhece o próprio MEC em seu manual de orientação: "...alguns tribunais... [restringem] os 60% dos recursos do Fundef apenas à cobertura das despesas com remuneração de professores" (Brasil, 1998, p. 10). Outros tribunais de contas, no entanto, têm-se baseado na Lei n. 9.424, que se refere aos profissionais do magistério, não aos professores.

Há outro problema em relação ao destino dos 60% dos recursos do Fundef. A interpretação oficial tem privilegiado o art. 7º da Lei n. 9.424, porém se o espírito da lei é de valorização do magistério, e não apenas de remuneração, uma outra interpretação possível, a nosso ver, seria a baseada no art. 2º da Lei n. 9.424, que as autoridades muito raramente mencionam. Vez por outra, no entanto, os documentos oficiais fazem referência a tal valorização. O manual do MEC de 1998 explica, por exemplo, que "os recursos do Fundef devem ser empregados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e, particularmente, na valorização do seu magistério" (Brasil, 1998, p. 7, grifo nosso). Também o Balanço do primeiro ano do Fundef, divulgado pelo MEC no final de março de 1999, indica que "os recursos destinam-se prioritariamente à melhoria dos níveis de remuneração e de qualificação dos professores" (Brasil, 1999, p. 4, grifo nosso). Isso significa, se nos basearmos no art. 2º, que os recursos do Fundef não se destinam a pagar a remuneração anterior a sua vigência, mas a elevar a remuneração após a sua implantação.

As formulações destes dispositivos legais tampouco esclarecem se o mínimo de 60% dos recursos para tal fim é calculado com base na receita ou no ganho (se houver) que a prefeitura ou o governo estadual tenha com o Fundef. Essa diferença é essencial porque a receita é tudo que o governo receberia do Fundef com base no número de matrículas no ensino fundamental (se nos reportarmos à EC n. 14) ou no ensino fundamental regular presencial da sua rede (se nos referirmos à Lei n. 9.424), enquanto o ganho é a diferença positiva entre o que determinada instância contribui para o Fundef e o que dele recebe. O problema de se trabalhar com o conceito de receita – a lei só fala em recursos, não especificando se são brutos (receita) ou líquidos (ganhos) é que ela não inclui as demais receitas vinculadas à educação (os 10% restantes1 * Texto aprovado pelo Grupo de Trabalho, de Estudo e Política Educacional para a Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd –, realizada em Caxambu, Minas Gerais, em setembro de 1999, mas não apresentado. Aceito também e apresentado no Grupo de Trabalho de Financiamento da Educação do Simpósio da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae –, realizado em Santos, São Paulo, em novembro de 1999. 1 . ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. FPM: Fundo de Participação dos Municípios. FPE: Fundo de Participação dos Estados. IPI exportação: Imposto sobre Produtos Industrializados. LC 87/96: Lei Complementar de desoneração do ICMS das exportações. 2 . FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 3 . O deputado estadual Cesar Callegari (1997), de São Paulo, já denunciou a falta de aplicação da verba devida em MDE pelo governo estadual paulista. que não entram no Fundef e 25% dos demais impostos, isso se o percentual mínimo vinculado for de 25% na Lei Orgânica do Município ou na Constituição Estadual) e cai quando os governos perdem com o Fundef (20 governos estaduais e cerca de 2.800 municipais perderam, em 1998, segundo o balanço do MEC). Se os governos vinham realmente aplicando o percentual mínimo em educação (o que não é garantido) antes da implantação do Fundef, é pouco provável que 60% da receita do Fundef traga melhorias salariais, pois não há nenhum cálculo na documentação oficial demonstrando que a aplicação desse percentual irá necessariamente valorizar o magistério. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, algumas prefeituras alegam estar aplicando bem mais de 60% do Fundef na remuneração, mas isso não tem resultado em melhoria salarial. Na verdade, se calculássemos quanto muitos governos estaduais e municipais gastavam na remuneração dos docentes ou profissionais do magistério no ensino fundamental antes da implantação do Fundef, constataríamos que destinavam mais do que o eqüivalente hoje a 60% da receita do Fundef. Portanto, se destinarem hoje 60% ou até um percentual maior para a remuneração, isso não resultará necessariamente em melhoria salarial. O curioso é que alguns governos fluminenses, em 1998, mesmo sem ter melhorado a remuneração dos docentes, gabavam-se de aplicar até mais de 100% do Fundef nela, como se isso fosse uma grande virtude. Esqueciam-se entretanto de mencionar os demais recursos da educação que, embora não entrem na constituição do Fundef e não sejam vinculados ao ensino fundamental (10% de todos os impostos), não têm sido utilizados no desenvolvimento de outros níveis e modalidades de ensino (educação infantil, ensino supletivo e ensino médio) e, portanto, poderiam ser empregados na melhoria da remuneração dos docentes ou profissionais do ensino fundamental.

Por outro lado, o conceito de ganho só possibilita melhoria salarial aos profissionais do magistério ou docentes de estados e municípios que ganham com o Fundef. De qualquer maneira, essa é uma das debilidades fundamentais do Fundef, que só apresenta o potencial (pois não há nenhuma garantia de que as autoridades irão repassar o ganho para os profissionais do magistério) de melhoria salarial se o governo tiver acréscimo de receita. Se o estado (caso do Rio de Janeiro) ou os municípios (caso da imensa maioria dos municípios paulistas) perderem recursos, o Fundef não possibilitará, se trabalharmos com o conceito de ganho, nenhuma melhoria salarial, pois 60% de zero é zero.

PARECER CEB/CNE N. 10/97 E DOCUMENTOS DE ORIENTAÇÃO DO MEC

O Conselho Nacional de Educação também produziu uma série de equívocos no seu parecer CEB n.10/97, que deu origem à Resolução n. 3 e que serviu de base para vários erros dos documentos Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério e Oficina de Elaboração de Plano de Carreira, produzidos, provavelmente, pouco depois de setembro de 1997, pelo MEC/FNDE2 * Texto aprovado pelo Grupo de Trabalho, de Estudo e Política Educacional para a Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd –, realizada em Caxambu, Minas Gerais, em setembro de 1999, mas não apresentado. Aceito também e apresentado no Grupo de Trabalho de Financiamento da Educação do Simpósio da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae –, realizado em Santos, São Paulo, em novembro de 1999. 1 . ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. FPM: Fundo de Participação dos Municípios. FPE: Fundo de Participação dos Estados. IPI exportação: Imposto sobre Produtos Industrializados. LC 87/96: Lei Complementar de desoneração do ICMS das exportações. 2 . FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 3 . O deputado estadual Cesar Callegari (1997), de São Paulo, já denunciou a falta de aplicação da verba devida em MDE pelo governo estadual paulista. , para o Encontro pela Melhoria do Ensino Fundamental – MEC/Prefeituras (Brasil, 1997c, 1997d). A propósito, o parecer inspira-se fortemente nas diretrizes para o plano de carreira contidas no guia para operacionalização do Fundef, encomendado ao Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal – Cepam –, de São Paulo, pelo FNDE e publicado nos primeiros meses de 1997, o que sugere a pouca autonomia e talvez um certo atrelamento do CNE em relação ao MEC (Brasil, 1997c).

Os primeiros equívocos do parecer podem ser encontrados na tentativa de explicação da EC n.14, que são reproduzidos no item "O Fundo e o salário dos professores" do documento do MEC. Um deles foi afirmar, no ponto I dos quatro pontos básicos da EC n. 14, que os "estados e municípios deverão aplicar 15% de sua arrecadação total no ensino fundamental", quando o correto é "arrecadação total de impostos", muito menos abrangente do que "arrecadação total", que, além de impostos, inclui taxas, contribuições e todas as demais receitas.

Outro erro está no ponto II, o qual afirma que "a maior parte destes recursos arrecadados, correspondente ao ICMS, FPM e FPE, será distribuída entre os estados e os seus respectivos municípios, de acordo com o número de alunos no ensino fundamental regular". Ora, os 15% da receita total de impostos (mencionados no ponto I e objeto de uma subvinculação específica na EC n. 14) não devem ser confundidos com a outra subvinculação estabelecida pela EC n.14, relativa aos recursos do Fundef. Por isso, é um equívoco a ligação que o ponto II estabelece com o ponto I, uma vez que os recursos em pauta de cada subvinculação são distintos. Outro equívoco do ponto II foi afirmar que o critério de redistribuição dos recursos do Fundef seria apenas o do número de alunos no ensino fundamental regular. Embora este critério tenha sido estabelecido pela EC n. 14, a Lei n. 9.424, que regulamentou o Fundef, criou, no § 2º do art. 2º, um novo critério para essa redistribuição: a diferenciação de custo por aluno conforme os níveis de ensino e tipos de estabelecimento. Em outras palavras, as matrículas teriam pesos diferenciados conforme os seguintes componentes: 1ª a 4ª séries; 5ª a 8ª séries; estabelecimentos de ensino especial; escolas rurais.

Outro equívoco, encontrado no ponto III, é a não-inclusão dos recursos do IPI-exportação e da LC 87/96 no conjunto dos impostos que formam o Fundo.

Uma quarta falha está no ponto IV, que diz que "Os estados e os municípios deverão aplicar 60% dos recursos totais do Fundo, incluídos o ICMS, FPE, FPM, na remuneração dos professores do ensino fundamental em efetivo exercício." Mais uma vez, faltou incluir o IPI-exportação, a LC 87/96 e a complementação federal, se houver, nos recursos totais do Fundef, e o percentual correto é de pelo menos 60%, e não apenas 60%. No documento do MEC, destinado a orientar prefeituras, o ponto IV criou mais confusão ao acrescentar "outros impostos locais" após "FPM". Ora, a EC n. 14 só estipula que pelo menos 60% dos recursos do Fundef se destinam ao pagamento dos professores, não incluindo, em nenhum momento, os tais impostos locais, que, juntamente com os recursos do Fundef, só entram (em proporção de 15%, ou 60% dos 25%) na composição total do montante necessário para o cálculo do custo médio aluno/ano, conforme prevê o inciso I do art. 7º, da Resolução n.3, do Conselho Nacional de Educação. Em outras palavras, o documento do MEC equivocou-se ao considerar como EC n. 14 o que faz parte da Resolução, além de incluir erradamente os 15% na base de cálculo dos 60% destinados à remuneração ou valorização do magistério ou professores.

Os equívocos do parecer e do documento prosseguem quando "ensinam" a calcular o custo médio aluno/ano. Afirmam que o cálculo baseia-se na soma de três componentes. O primeiro erro está na etapa 1, que manda adicionar os 15% do ICMS, FPE e FPM, mas se esquece do IPI-exportação, da LC 87/96 e da complementação federal, se houver. A imprecisão maior desta etapa, no entanto, está no fato de parecer indicar que o cálculo é feito com base na contribuição dos estados e municípios para o Fundef (15% do ICMS, FPE ou FPM, IPI-exportação e LC 87/96, no caso dos estados e dos municípios), e não na sua receita, realizada de acordo com o número de matrículas no ensino fundamental regular presencial. É provável que toda essa confusão gerada pela etapa 1 tenha origem na redação inexata do inciso I do art. 7º do projeto da Resolução n. 3, segundo o qual o "custo médio aluno/ano será calculado com base nos recursos que integram o Fundo". Ora, o montante de recursos que entra na constituição do Fundo (os impostos mencionados) não é o mesmo que aquele que integra a receita do Fundef que cabe ao estado e aos municípios (que só pode ser o sentido pretendido pelo inciso I).

A imprecisão da etapa 1 manifesta-se no roteiro de cálculo do custo médio/aluno e, portanto, da remuneração média dos docentes contido na Oficina de elaboração de plano de carreira, apresentada como suplementar ao documento do MEC (Brasil, 1997d). Nele, confundiu-se custo médio com valor per capita do Fundef estadual. Ora, o custo médio baseia-se na soma da receita que o governo tem com o Fundef (incluída a complementação federal, se houver) com os 15% da receita dos demais impostos, dividida pelo número de matrículas no ensino fundamental regular presencial no município ou estado em questão. Já o valor per capita do Fundef no estado é calculado dividindo-se a previsão da receita do Fundef em todo o estado e seus municípios pelo total de matrículas no ensino fundamental regular presencial nas redes do estado e dos municípios.

Outro equívoco desses dois documentos oficiais está na aplicação de um coeficiente de 0,60 para cálculo da remuneração média dos docentes. Ora, esse coeficiente só faz sentido quando a referência é apenas a receita do Fundef (Lei n. 9.424), mas não quando a referência é o custo médio do aluno, que se baseia nesta receita e em 15% dos demais impostos (Resolução n. 3). O parecer do CNE e o documento do MEC transpuseram erradamente uma disposição da lei do Fundef (no mínimo 60% de seus recursos para remuneração ou valorização) para o conceito de custo médio introduzido pela Resolução n. 3.

O equívoco também é repetido pelo documento Fundef e o profissional do magistério, disponível por algum tempo na home page do Inep, segundo o qual o montante destinado à remuneração dos profissionais do magistério é no "mínimo 60% dos recursos subvinculados (15% da receita de impostos) para o ensino fundamental." Aliás, o documento comete os mesmos erros do parecer e atribui à Resolução n. 3 as determinações que na verdade são do parecer, quando diz que

A Resolução n. 3 da CEB/CNE estendeu esse percentual mínimo de 60% para pagamento do magistério aos outros recursos subvinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, ou seja, a 15% dos impostos próprios e das transferências que não integram o Fundef. (Brasil, 1998a)

Por fim, nem o parecer, nem o documento mencionam dois outros critérios que, embora ausentes da EC n. 14, deveriam ser levados em conta na distribuição dos recursos do Fundef, segundo a Lei n. 9.424. Um, previsto no § 2º do art. 2º, é a diferenciação do custo por matrícula segundo os níveis de ensino e tipos de estabelecimento. Em outras palavras, as matrículas teriam pesos diferenciados conforme os seguintes componentes: 1ª a 4ª séries, 5ª a 8ª séries, estabelecimentos de ensino especial, escolas rurais. Como em 1997, 1998 e 1999, o MEC não procurou definir tais pesos diferenciados, o que foi aplicado é apenas o critério do número de matrículas do ano anterior. Só no final de 1999 o MEC procurou cumprir tais exigências, se bem que apenas parcialmente, ao atribuir às matrículas de 5ª a 8ª séries um custo 5% maior. Segundo o MEC, no ano 2000, o valor mínimo nacional anual por matrícula na 1ª a 4ª série do ensino fundamental seria de R$ 333,00 e de R$ 349,65, no segundo segmento (5ª a 8ª série). Um outro critério não mencionado no parecer e no documento, porém previsto no § 1º do art. 6º da Lei n. 9.424, é o da estimativa de novas matrículas para o ano seguinte, que não vem sendo considerado pelo MEC no cálculo do valor mínimo anual por matrícula.

RESOLUÇÃO N. 3: CONSTRUÇÃO EM AREIA MOVEDIÇA

A Resolução n. 3, resultante do projeto de resolução em anexo ao parecer CNE n.10/97, também contribuiu para confundir o tema, ao cometer a impropriedade de fixar diretrizes para planos de carreira e remuneração com base em critérios de natureza finita e instável, como os recursos do Fundef, número de alunos e docentes. Ora, tais planos pretendem ser permanentes e não podem ser elaborados a partir de itens efêmeros (recursos do Fundef) ou oscilantes (número de alunos e docentes). Por exemplo, segundo o inciso I do art. 7º, "o custo médio aluno/ano será calculado com base nos recursos que integram o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, aos quais é adicionado o equivalente a 15% dos demais impostos, tudo dividido pelo número de alunos do ensino fundamental regular dos respectivos sistemas". Ora, como o Fundef é provisório (está previsto para durar até 31 de dezembro de 2006, se não acabar antes, com uma reforma tributária), um plano de remuneração que se fundamente nele é irreal, pois os seus recursos deixarão de existir como tais em 1º de janeiro de 2007. Essa situação complica-se nos governos que ganham com o Fundef, ou seja, cuja receita é maior do que a contribuição. Esse dinheiro a mais deixará de entrar nos cofres da prefeitura ou do governo estadual em 2007 e, portanto, não poderá mais financiar tais planos de remuneração. Para exemplificar numericamente o impacto do ganho, o Município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, ganhou cerca de R$ 15 milhões com o Fundef em 1998, valor não muito inferior ao correspondente aos 25% da receita de impostos (aproximadamente R$ 20 milhões). Em 1998, a prefeitura pôde contar, portanto, com no mínimo R$ 35 milhões para a educação (R$ 20 milhões relativos aos 25% e R$ 15 milhões equivalentes aos ganhos com o Fundef). A partir de janeiro de 2007, no entanto, o total de recursos cairá para o equivalente aos R$ 20 milhões, pois não haverá mais o ganho. Se a prefeitura fizer planos de remuneração com base na Resolução n. 3, terá grandes dificuldades em cumpri-los quando o Fundef acabar. O raciocínio vale para todos os governos que ganham com o Fundef.

Uma situação diversa viverão os governos que perdem com o Fundef, pois até 2006 seus planos não contarão com recursos que, no entanto, voltarão aos seus cofres com a extinção do Fundef. Se perderem muito, terão muitas dificuldades enquanto durar o Fundef e, por conta disso e da Resolução n. 3 do CNE, seus planos de remuneração não serão nada atraentes em razão das grandes perdas para o Fundef. Para piorar a situação, a remuneração média dos profissionais do magistério do ensino fundamental serve de referência para a remuneração dos que atuam na educação infantil e na educação média, segundo o inciso V do art. 7º da Resolução n. 3. O que significa que nos estados e municípios que perdem com o Fundef a remuneração média de todos os profissionais do magistério (tanto do ensino fundamental, quanto da educação infantil e do ensino médio) poderia até cair, se a Resolução fosse cumprida à risca. Não cairá porque nenhum governo terá a ousadia de fazer isso. Ou terá? É provável que o MEC e o CNE não estejam preocupados com o que vai acontecer em 2006 porque seus dirigentes e conselheiros provavelmente não estarão nos cargos que ocupam hoje e, portanto, não poderão ser responsabilizados pelos erros que cometem hoje.

O plano de remuneração recomendado pela Resolução n. 3 também é falho porque se baseia em itens bastante variáveis de um ano para outro, como o número de alunos, o número de docentes e a relação número de alunos/número de docentes. Ora, um plano que pretende ter caráter permanente ou, pelo menos, não tão provisório não pode ficar à mercê de itens tão variáveis quanto os citados. Para exemplificar, segundo os Anuários Estatísticos do Centro de Informações e Dados do Estado – Cide –, órgão subordinado à Secretaria Estadual de Planejamento, entre 1994 e 1997 a rede estadual de 1º grau do Rio de Janeiro teve uma involução no número de matrículas, caindo de 629.349, em 1994, para 608.811, em 1997, um declínio de 3,3%, enquanto o número de docentes estaduais no ensino fundamental teve uma diminuição bem maior, de 33.134, em 1994, para 26.558, em 1997 (Rio de Janeiro, 1996, 1997). Situação parecida, ou para melhor (aumento do número de matrículas e docentes) ou para pior (sua diminuição), ocorre em todos os estados e municípios, e os critérios para cálculo da remuneração média previstos na Resolução n. 3 não dão conta dessa variação e, portanto, só podem ter alguma validade com base nos dados de hoje, mas não dos anos seguintes.

Outro ponto impreciso da Resolução n. 3 está no modo de conceber o "custo médio aluno/ano". Em primeiro lugar, o correto seria dizer "disponibilidade contábil média por aluno/ano", uma vez que a existência de recursos consignados em orçamentos ou lançados em balancetes ou balanços anuais não significa que venham a ser ou tenham sido efetivamente gastos em benefício do aluno. Para ser mais preciso, é possível que não tenham sido gastos em atividades e projetos que podem ser classificados como de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE –, conforme prevê o art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9.394). Como tenho observado em análise de gastos em educação no Estado do Rio de Janeiro, e creio que essa situação vale para todo o Brasil3 * Texto aprovado pelo Grupo de Trabalho, de Estudo e Política Educacional para a Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd –, realizada em Caxambu, Minas Gerais, em setembro de 1999, mas não apresentado. Aceito também e apresentado no Grupo de Trabalho de Financiamento da Educação do Simpósio da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae –, realizado em Santos, São Paulo, em novembro de 1999. 1 . ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. FPM: Fundo de Participação dos Municípios. FPE: Fundo de Participação dos Estados. IPI exportação: Imposto sobre Produtos Industrializados. LC 87/96: Lei Complementar de desoneração do ICMS das exportações. 2 . FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 3 . O deputado estadual Cesar Callegari (1997), de São Paulo, já denunciou a falta de aplicação da verba devida em MDE pelo governo estadual paulista. . É comum os governos ou maquiarem a contabilidade para ocultar a não-aplicação dos recursos devidos em MDE, ou nem se darem o trabalho de fazer essa ocultação, uma vez que contarão com a conivência de deputados estaduais e vereadores para aprovar as suas contas, por mais irregulares que sejam. Outro problema desse conceito está no termo "ano". Isso significa que todo ano os governos terão que fazer este cálculo? Ou quer significar o ano em que os governos elaborarem o plano de remuneração?

A Resolução n. 3 apresenta também a ambigüidade de pretender fixar diretrizes para planos de carreira e remuneração para os profissionais do magistério mas o tempo todo só se refere aos docentes. O art. 5º, por exemplo, recomenda que os sistemas de ensino promovam programas de desenvolvimento profissional dos docentes em exercício, mas não inclui os demais profissionais do magistério. Os incisos IV (jornada de trabalho), V (remuneração de acordo com os níveis de titulação), VI (incentivos de progressão por qualificação) do art. 5º referem-se aos docentes, mas não aos demais profissionais do magistério. Para confundir ainda mais, o art. 7º estabelece um roteiro para cálculo da remuneração média dos docentes no ensino fundamental, como se os demais profissionais do magistério não devessem ser computados. Em suma, a Resolução n. 3 é bastante contraditória, pois pretende fixar diretrizes para planos de carreira do magistério, mas acaba se limitando aos docentes e omitindo-se sobre os demais profissionais do magistério.

Considerando-se os problemas discutidos – o caráter efêmero do Fundef e, portanto, o seu impacto variável sobre os ganhos e perdas dos estados e municípios, as inevitáveis variações do número de matrículas e docentes no ensino fundamental, a ambigüidade da resolução – o plano de remuneração proposto pela resolução está fadado a gerar muita confusão enquanto o Fundef existir, e, quando acabar, frustração, para governos ganhadores, e contentamento, para governos perdedores.

A DESORIENTAÇÃO CAUSADA PELO MEC

Era de se esperar que em 1998, depois de tantos meses decorridos desde a aprovação da EC n. 14, da Lei n. 9.424 e da Resolução n. 3, os erros não mais aparecessem em documentos oficiais sobre o tema. Entretanto, o MEC produziu naquele ano um manual de orientação que gera mais confusão sobre o assunto. Na p. 10, por exemplo, afirma que parte dos 60% do Fundef pode ser utilizada na capacitação de professores leigos mediante "cursos de aperfeiçoamento e reciclagem". Ora, tais cursos podem contribuir para o aprimoramento profissional, mas não para a habilitação do professor leigo e, portanto, não pode ser financiada com parte dos 60% do Fundef, mas sim com parte dos 40% restantes.

Outra série de equívocos da publicação pode ser encontrada na p. 22. Num momento, o "valor médio aluno/ano" é calculado pela "razão entre os recursos do Fundef acrescidos dos demais recursos destinados ao ensino fundamental e a matrícula nesse nível de ensino em cada sistema." Noutro, linhas abaixo, este valor é "definido a partir do valor mínimo anual por aluno do Fundef no estado e dos demais recursos subvinculados para o ensino fundamental e a matrícula nesse nível de ensino em cada sistema." Além de contraditórios, os dois procedimentos contêm várias falhas. Um é considerar "recursos" como sinônimo de "impostos". Ora, os recursos da educação não abrangem apenas os impostos, mas também os oriundos de convênios e do salário-educação, sendo este último vinculado ao ensino fundamental público porém não integrante dos "demais recursos subvinculados para o ensino fundamental", que serve de base para o cálculo do custo médio aluno/ano, conforme o inciso I do art. 7º da Resolução n. 3, que se refere a impostos, não a recursos. Outra falha desses dois trechos está em se basear nas matrículas do ensino fundamental, quando a legislação determina que as matrículas sejam do ensino fundamental regular, o que significa que as do supletivo não podem ser computadas. A confusão maior, no entanto, está no segundo trecho, quando afirma que o valor médio é "definido a partir do valor mínimo anual por aluno do Fundef". Ora, nenhuma parte da legislação contém tal orientação. A Resolução n. 3 diz claramente que esse valor ou custo (o termo utilizado na resolução) é calculado com base nos recursos do Fundef, não no valor mínimo anual por aluno.

A desorientação do manual prossegue, quando diz que

...para o cálculo do ponto médio da escola de remuneração do magistério, deve-se considerar [...] o percentual de, no mínimo, 60% dos recursos, subvinculados para o ensino fundamental, destinados à remuneração dos profissionais do magistério em exercício nesse nível de ensino. (p.22)

Ora, a Resolução n. 3, em que o manual alega se basear, estabelece critérios para a remuneração dos "docentes do ensino fundamental", não do magistério, categoria mais ampla do que docentes. A propósito, o manual várias vezes usa o termo "profissionais do magistério" com o sentido de "professores". Também é um equívoco dizer que 60% dos recursos subvinculados para o ensino fundamental sejam destinados à remuneração dos profissionais do magistério. A redação oficial é bastante confusa, pois a legislação estipula duas subvinculações com o percentual de 60%. Uma é de 60% dos 25% da receita de impostos (ou seja, 15%) para o ensino fundamental até o ano 2006 (EC n. 14). Outra é a de 60% dos recursos do Fundef (altamente variáveis entre municípios e estados, conforme vimos) para a valorização (se nos basearmos no art. 2º da Lei n. 9.424) dos professores (EC n. 14) ou do magistério (Lei n. 9.424) ou a remuneração do magistério (art. 7º da Lei n. 9.424). Ou seja, em nenhum momento a legislação determina a destinação de 60% dos recursos subvinculados para o ensino fundamental para a remuneração dos profissionais do magistério.

Mais adiante, na p. 24, o manual, sem ter essa intenção, corrige parcialmente o equívoco da p. 22, quando diz que no "mínimo 60% dos recursos do Fundef" devem ser aplicados em salário dos profissionais do magistério. É uma correção parcial porque não inclui uma parte dos 15% dos demais impostos vinculados ao ensino fundamental que entra no cálculo do custo médio por aluno, o qual, segundo a Resolução n. 3, serve de referência para a remuneração dos docentes (não dos profissionais do magistério) no ensino fundamental.

Outras imprecisões podem ser detectadas na p. 26. Do ponto de vista legal, ao contrário do que diz o manual, nem os municípios são obrigados a aplicar os 40% dos 25% (ou seja, 10%) da receita de impostos na educação infantil, nem os estados e o Distrito Federal devem aplicar tal percentual prioritariamente no ensino médio, pois nem o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (EC n. 14) nem a LDB contêm essa determinação. A legislação apenas determina um percentual mínimo no ensino fundamental até 2006, o que significa que os governos podem, legalmente, aplicar qualquer percentual acima de 15% da receita de impostos no ensino fundamental e o restante nos níveis de ensino em que devem atuar além do ensino fundamental (educação infantil, no caso das prefeituras, e ensino médio, no caso dos governos estaduais). Por fim, o procedimento recomendado no manual falhou por não acrescentar as receitas de convênios e de salário-educação aos demais recursos vinculados à MDE.

Inconsistências também podem ser identificadas entre uma e outra parte do manual. Enquanto na p. 27 afirma que "nem estados, nem municípios perdem recursos com o Fundef", na p. 33 são indicadas três situações que advirão da operação do Fundef: "ganhos de recursos, quando a receita proveniente do fundo for superior à contribuição do estado ou município para formação desse mesmo fundo [...] perda de recursos, quando a situação for inversa, e sem alterações" (quando a contribuição é igual à receita). Obviamente que para o sistema educacional brasileiro como um todo, o ganho é irrisório, pois se limitará a alguns poucos estados e seus municípios em que o valor mínimo por matrícula no ensino fundamental regular não alcançar o mínimo nacional e onde, portanto, haverá complementação federal. Entretanto, nos estados nos quais o valor estadual superar o mínimo nacional, não haverá nem ganho, nem perda, mas apenas uma redistribuição dos recursos já existentes entre os estados e seus municípios. Em outras palavras, o Fundef não traz dinheiro novo para a educação como um todo, apenas para algumas prefeituras e governos estaduais, o que significa que outras prefeituras e governos estaduais estarão perdendo recursos. A conseqüência óbvia é que os governos que ganham terão condições de manter e desenvolver o ensino fundamental e valorizar o magistério (qualquer que seja o sentido dado à "valorizar"), o que não significa que o farão. A outra conseqüência é que os governos perdedores estarão numa situação pior para manter e desenvolver o ensino fundamental e valorizar o magistério.

Também o Balanço do primeiro ano do Fundef, divulgado pelo MEC em 18 de março de 1999, deu a sua cota de contribuição para a confusão oficial sobre o Fundo. Afirma que os 40% do Fundef não usados na remuneração dos profissionais do magistério "devem ser aplicados em... pagamento de inativos" (Brasil, 1999, p. 7). Ora, se o Fundef é para manter e desenvolver o ensino fundamental público, de que modo os inativos contribuem para isso? Além disso, o inciso VI do art. 71 da LDB diz que "o pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino", não constituirão despesas de MDE. Este equívoco de permissão de uso dos 40% do Fundef para pagamento dos inativos foi espertamente apropriado pela Secretaria Estadual de Fazenda de Santa Catarina, que, na sua prestação de contas relativa a 1999, utilizou R$ 86,9 milhões do Fundef para pagar inativos. (Santa Catarina, 2000, item 6.8.2.1 do relatório do Tribunal de Contas do Estado). Além disso, a orientação é contraditória em relação à dada pelo MEC em seu manual de 1998, que afirma que os 60% do Fundef "não podem ser utilizados para o pagamento de... inativos, mesmo que, quando em atividade, tenham atuado no ensino fundamental" (Brasil, 1998, p. 15).

TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO DE JANEIRO NÃO ACERTA AS CONTAS

O órgão fiscalizador das contas públicas no Estado do Rio de Janeiro acrescentou também sua cota de confusão ao tema. No documento sobre o Fundef, distribuído a autoridades municipais participantes do 3º Seminário Informativo sobre Controle da Administração Municipal, em agosto de 1998, em Niterói, Rio de Janeiro, Domingos Pinto da Rocha, diretor geral do Instituto Serzedello Correa, vinculado ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, afirma, na p. 11, que "para se chegar ao valor correspondente a aluno/ano no território de um Estado, é preciso saber quantos alunos estão matriculados no ensino fundamental e na educação infantil." Obviamente, é um equívoco a inclusão das matrículas da educação infantil, as quais não podem ser computadas no cálculo da redistribuição dos recursos do Fundef.

Orientação equivocada também é dada na p. 14, em que o autor diz que as despesas do Fundef devem ser discriminadas de acordo com as rubricas de pessoal, material, outros serviços e encargos, não apontando a necessidade de registrar no mínimo 60% da receita ou ganho (conforme a interpretação que se adote) do Fundef para o magistério ou professores. Se as prefeituras e governo estadual seguirem sua orientação, não será possível verificar nos orçamentos e balancetes o destino do percentual mínimo de 60% dos recursos do Fundef, já que o item "pessoal" da educação abrange tanto os profissionais do magistério quanto os demais trabalhadores em educação não beneficiáveis com os 60% da receita ou ganho do Fundef.

CONCLUSÃO

Diante de tantos equívocos, imprecisões e erros nos documentos oficiais e na legislação sobre o Fundef, não surpreende que educadores em geral e autoridades educacionais dos estados e municípios ainda hoje continuem confusos sobre as disposições da legislação e normas. Caberia, pois, ao MEC e ao CNE desfazer urgentemente as impropriedades contidas em seus documentos e legislação, mediante novo documento e nova legislação.

  • BRASIL. Leis, Decretos etc. Emenda Constitucional 14, de 12/9/96, publicada no Diário Oficial da União em 13/9/96.
  • _______. Lei 9.424, de 24/12/96 (dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e dá outras providências).
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Balanço do primeiro ano do Fundef Brasília, 1999.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer n. CEB 10/97, de 3 de setembro de 1997.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 3, de 8 de outubro de 1997a.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. FNDE. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, 1997b. (Encontro pela Melhoria do Ensino Fundamental û MEC/Prefeituras).
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. FNDE. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério: guia para sua operacionalização. São Paulo: FPPL-Cepam, 1997c.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. FNDE. Oficina de elaboração de plano de carreira, 1997d. (Suplemento do documento Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério)
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Fundef: manual de orientação, 1998. 55 p.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Inep. Fundef e o profissional do magistério, 1998a. Disponível em: http://www.inep.gov.br
  • CALLEGARI, C. As Verbas da educação: a luta contra a sonegação de recursos do ensino público no Estado de São Paulo. São Paulo: Entrelinhas, 1997.
  • CALLEGARI, C.; CALLEGARI, N. Ensino fundamental: a municipalização induzida. São Paulo: Senac, 1997.
  • DAVIES, Nicholas. O Fundef e o orçamento da educação: desvendando a caixa preta. Campinas: Autores Associados, 1999.
  • _______. Verbas da educação: o legal x o real. Niterói: Eduff, 2000.
  • RIO DE JANEIRO. Estado. Centro de Informações e Dados do Estado. Anuários Estatísticos de 1996 e 1997.
  • ROCHA, D. R. Fundef, agosto de 1998, 15 p. [Texto do diretor do Instituto Serzedello Correa, vinculado ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.]
  • SANTA CATARINA. Estado. Tribunal de Contas. Relatório e parecer prévio sobre as contas estaduais de 1999 Florianópolis, 2000.
  • *
    Texto aprovado pelo Grupo de Trabalho, de Estudo e Política Educacional para a Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd –, realizada em Caxambu, Minas Gerais, em setembro de 1999, mas não apresentado. Aceito também e apresentado no Grupo de Trabalho de Financiamento da Educação do Simpósio da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae –, realizado em Santos, São Paulo, em novembro de 1999.
    1
    . ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. FPM: Fundo de Participação dos Municípios. FPE: Fundo de Participação dos Estados. IPI exportação: Imposto sobre Produtos Industrializados. LC 87/96: Lei Complementar de desoneração do ICMS das exportações.
    2
    . FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
    3
    . O deputado estadual Cesar Callegari (1997), de São Paulo, já denunciou a falta de aplicação da verba devida em MDE pelo governo estadual paulista.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 2001
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