Resumo
Este artigo tem como objetivo identificar quais sistemas estaduais de ensino preveem a organização do ensino em ciclos escolares e o regime de progressão continuada dos alunos. Pretende-se, ainda, investigar em que medida essas previsões têm sido implantadas nas escolas. Para tanto, além de consulta direta às secretarias de educação e da análise da legislação estadual, recorre-se a dados do Censo Escolar. Os resultados nos permitem concluir que, na educação básica das redes estaduais brasileiras, há predomínio da organização seriada e dos regimes de progressão regular ou parcial dos alunos. Não obstante, há sistemas de ensino que apresentaram maior adesão às políticas de não repetência de forma consistente ao longo do tempo, como os dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso.
SISTEMA DE ENSINO; REPETÊNCIA; PROGRESSO ESCOLAR; CICLOS
Resumen
Este artículo tiene el propósito de identificar qué sistemas estaduales de educación prevén la organización de la enseñanza en ciclos escolares y el régimen de progresión continuada de los estudiantes. Asimismo, se pretende investigar en qué medida tales pronósticos han sido implantados en las escuelas. Para ello, además de consultar directamente las secretarías de educación y de análisis de la legislación estadual se recurre a datos del Censo Escolar. Los resultados nos permiten concluir que, en la educación básica de las redes estaduales brasileñas, predomina la organización en serie y los regímenes de progresión regular o parcial de los alumnos. No obstante, hay sistemas de enseñanza que presentaron una mayor adhesión a las políticas de no repitencia de forma consistente a lo largo del tiempo, como aquellos de los estados de Minas Gerais, São Paulo y Mato Grosso.
SISTEMA EDUCATIVO; REPETICIÓN DE CURSO; PROGRESO ESCOLAR; CICLOS
Résumé
Cet article a pour but identifier quels systèmes d’enseignement publique1 1 Au Brésil l’école publique est gratuite et de responsabilité des États, le District Fédéral et les municipalités. Dans cet article il s’agit des écoles sous la responsabilité de l’État prevoient l’organisation de l’enseignement en cycles scolaires et le régime de progression continue des élèves. On souhaite encore examiner dans quelle mesure ces prévisions sont mises en place dans les écoles. Pour le faire, en plus de la consultation directe des sécrétariats d’éducation et de l’analyse de la législation de l’État, on s’appuie sur les données du Recensement Scolaire. Les résultats nous permettent de conclure que dans l’éducation de base des réseaux publiques au Brésil, domine l’organisation par séries et les régimes de progression régulière ou partielle des élèves. Cependant, certains systèmes d’enseignement ont présenté une plus grande adhésion aux politiques de non redoublement régulièrement au long des années, comme les États de Minas Gerais, São Paulo et Mato Grosso.
SYSTÈME D’ENSEIGNEMENT; REDOUBLEMENT; PROGRÈS SCOLAIRE; CYCLES
Abstract
This paper aims to identify the state education systems whose regulation establishes non-repetition as a rule and emphasizes educational cycles (units longer than a grade) as the main subdivisions of basic education. It also investigates the extent to which those regulations have been implemented. To that end, we analyzed Brazilian states’ legislation on education and data from the School Census. We found that repetition and an emphasis on grades over cycles are characteristics of state education systems in most Brazilian states. However, non-repetition policies were found to be adopted to a greater extent in the states of Minas Gerais, São Paulo, and Mato Grosso.1 1 Au Brésil l’école publique est gratuite et de responsabilité des États, le District Fédéral et les municipalités. Dans cet article il s’agit des écoles sous la responsabilité de l’État.
EDUCATION SYSTEM; GRADE REPETITION; SOCIAL PROMOTION; CYCLES
As políticas de não repetência continuam sendo alvo de disputas e até de polêmicas. Parte considerável de professores e pais ainda apostam na retenção como uma medida capaz de promover a recuperação das aprendizagens dos alunos que não atingiram o nível desejado ao final de determinado ano/série escolar (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Adolfo Samuel. Progressão continuada e outros dispositivos escolares: êxito e fracasso escolar nos anos iniciais do ensino fundamental. 2014. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.). Esse cenário explicita a força que a pedagogia da repetência (RIBEIRO, 1991RIBEIRO, Sérgio Costa. A pedagogia da repetência. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 4, p. 73-85, jul./dez. 1991.) ou a cultura da repetência (SILVA; DAVIS, 1994SILVA, Rose Neubauer; DAVIS, Cláudia. É proibido repetir. Brasília: MEC/Unesco, 1994.), que transcende os muros da escola, tem na sociedade brasileira.
Mas essa percepção acerca da repetência não se sustenta no âmbito dos estudos educacionais. Ao contrário, um conjunto de metanálises de pesquisas que investigaram esse tema mostrou, de maneira consistente, a ineficácia da repetência como medida pedagógica (JACKSON, 1975JACKSON, Gregg B. The research evidence on the effects of grade retention. Review of Educational Research, v. 45, n. 4, p. 613-635, 1975.; HOLMES; MATTHEWS, 1984HOLMES, C. Thomas.; MATTHEWS, Kenneth M. The effects of nonpromotion on elementary and junior high school pupils: a meta-analysis. Review of Educational Research, v. 54, n. 2, p. 225-236, 1984.; HOLMES, 1989; JIMERSON, 2001JIMERSON, Shane R. Meta-analysis of grade retention research: implications for practice in the 21st century. School Psychology Review, v. 30, n. 3, p. 420-437, 2001.). No Brasil, alguns pesquisadores também chegaram a esses resultados (ALAVARSE, 2009ALAVARSE, Ocimar Munhoz. A organização do ensino fundamental em ciclos: algumas questões. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 40, p. 35-50, jan./abr. 2009.; CORREA, 2013CORREA, Erisson Viana. Efeito da repetência nos anos iniciais do ensino fundamental: um estudo longitudinal a partir do Geres. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; CORREA; BONAMINO; SOARES, 2014; FERNANDES et al., 2018FERNANDES, Luana de Mendonça; LEME, Vanessa Barbosa Romera; ELIAS, Luciana Carla dos Santos; SOARES, Adriana Benevides. Preditores do desempenho escolar ao final do ensino fundamental: histórico de reprovação, habilidades sociais e apoio social. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, SP, v. 26, n. 1, p. 215-228, jan./mar. 2018.; LUZ, 2008LUZ, Luciana Soares. O impacto da repetência na proficiência escolar: uma análise longitudinal do desempenho de repetentes em 2002-2003. 2008. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.; RIANI; SILVA; SOARES, 2012RIANI, Juliana de Lucena Ruas; SILVA, Vania Candida da; SOARES, Tufi Machado. Repetir ou progredir? Uma análise da repetência nas escolas públicas de Minas Gerais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 3, p. 623-636, jul./set. 2012.).
Segundo Simões (2016SIMÕES, Armando Amorim. As metas de universalização da educação básica no Plano Nacional de Educação: o desafio do acesso e a evasão dos jovens de famílias de baixa renda no Brasil. Brasília: Inep, 2016. 43p. (PNE em Movimento; n. 4).), a reprovação dos alunos constitui um dos principais entraves para um acesso universal e integral à educação obrigatória no Brasil, ou seja, para que não apenas todas as crianças e jovens possam ingressar nas escolas independentemente “do nível socioeconômico de sua família, das condições de raça/cor, gênero ou qualquer outra característica demográfica”, mas também que alcancem “todos os anos escolares da educação básica com aprendizagem satisfatória na idade recomendada” (SIMÕES, 2016SIMÕES, Armando Amorim. As metas de universalização da educação básica no Plano Nacional de Educação: o desafio do acesso e a evasão dos jovens de famílias de baixa renda no Brasil. Brasília: Inep, 2016. 43p. (PNE em Movimento; n. 4)., p. 21).
Nesse contexto, as políticas de não repetência surgem como uma alternativa para reduzir a retenção dos alunos e melhorar o fluxo escolar, diminuindo o “atrito” nos sistemas de ensino, o que melhoraria sua eficiência interna. Por outro lado, tais políticas ensejam, na sociedade como um todo, e na comunidade escolar mais especificamente, certa desconfiança no que se refere aos resultados de sua implementação na qualidade do ensino ofertado.
Por tais razões, é importante avaliar os possíveis efeitos das políticas de não repetência na educação brasileira, seja no aprendizado dos alunos ou na melhoria do fluxo escolar. Mas, para tanto, é necessário, antes, conhecer o nível de adesão dos sistemas de ensino a essas medidas.
Quando falamos de políticas de não repetência, estamos tratando de dois conceitos principais que são geralmente relacionados, mas que podem ocorrer de maneira independente: a progressão continuada dos alunos e a organização do ensino em ciclos escolares.
Os regimes de progressão dos alunos previstos no art. 24, inciso III, e no art. 32, parágrafo 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), são: regular, parcial e continuada.
Embora a LDB não defina em que consiste cada um desses tipos de progressão, a análise da legislação educacional dos estados e do Distrito Federal nos permite concluir que a progressão regular por série é o procedimento no qual a promoção do aluno de um ano/série para o seguinte ocorre de forma sequencial, e que permite a retenção dos alunos que apresentarem desempenho insuficiente, definido com base nos critérios estabelecidos pelos sistemas de ensino.
Na progressão parcial, por sua vez, é permitido que o aluno avance para o ano/série seguinte, mesmo que ele tenha ficado retido em um determinado número de componentes curriculares, conforme estabelecido pelos sistemas de ensino ou pelas escolas.
Por fim, na progressão continuada, a prática de reprovação dos alunos segundo o critério de desempenho é impedida ao final de determinados anos/séries escolares.
A LDB apresenta ainda, em seu art. 23, diversas formas de organização do ensino (BRASIL, 1996). Contudo, na prática, as mais usuais são a organização em séries (sistema seriado) e em ciclos escolares.
A opção pelos ciclos escolares tem como objetivo organizar o tempo escolar em unidades maiores e mais flexíveis, buscando facilitar o trabalho pedagógico com alunos de diferentes características e ritmos de aprendizagem (BARRETTO; MITRULIS, 1999BARRETTO, Elba Siqueira de Sá; MITRULIS, Eleny. Os ciclos escolares: elementos de uma trajetória. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 108, p. 27-48, 1999.). Sendo assim, é comum a adoção da progressão continuada nos anos escolares que compõem determinado ciclo.
Ao realizarmos uma revisão bibliográfica2 2 Foram executadas buscas na plataforma on-line Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com base nos termos: promoção automática; progressão continuada; ciclo(s) de aprendizagem; ciclo(s) de formação; organização do ensino; não reprovação; não retenção; não repetência; e escola em ciclos. Desses artigos, foram selecionados aqueles publicados em periódicos que apresentaram conceito Qualis pelo menos B2 nas áreas temáticas de educação e/ou ensino para o quadriênio de 2013-2016. Adicionalmente, foram realizadas pesquisas no campo de busca de importantes periódicos científicos disponibilizados on-line, que obtiveram pelo menos conceito Qualis A2 nas áreas temáticas de educação e/ou ensino para o quadriênio de 2013-2016, com base nos termos de busca: promoção automática; progressão continuada; não repetência; e ciclo(s). Os critérios para seleção final dos artigos foram: (i) constituir análises teóricas, revisões de literatura, levantamento dos sistemas de ensino que aderiram a políticas de não repetência ou avaliações de experiências de implantação dessas políticas, sendo excluídas resenhas, entrevistas, falas em eventos, etc.; (ii) ter como principal foco de análise a política de não repetência em si, sendo excluídos também aqueles artigos que as trataram sob a ótica de uma única disciplina escolar. que selecionou 75 artigos acadêmicos da literatura brasileira sobre a questão das políticas de não repetência, verificamos que somente dois deles, apresentados a seguir, realizaram um levantamento dos sistemas de ensino que aderiram a essas políticas.
O estudo de Fernandes (2015FERNANDES, Claudia de Oliveira. Uma breve análise das políticas de avaliação e sua relação com a organização escolar por ciclos: resultados de pesquisa. Educar em Revista, Curitiba, n. especial, n. 1, p. 17-33, 2015.) enfocou apenas os sistemas de ensino dos municípios do estado do Rio de Janeiro. Para acessar as informações, foi utilizada a análise de documentos como decretos, portarias e propostas curriculares.
A autora encontrou que, em 2007, 60% das redes municipais analisadas adotavam os ciclos escolares, sendo que a maior parte (33% desses municípios) havia implementado o ciclo de alfabetização nos dois primeiros anos do ensino fundamental, seguido dos sistemas que implementaram os ciclos escolares do 1º ao 5º ano (16%) e daqueles nos quais os ciclos abrangiam todo o ensino fundamental (11%).
Contudo, em 2010, ocorreu uma diminuição da porcentagem de redes municipais do estado do Rio de Janeiro que aderiam aos ciclos escolares, chegando a 28%. A maior diminuição se deu justamente na porcentagem de municípios que informaram ter implantado os ciclos escolares nos dois primeiros anos do ensino fundamental, de 33% para 12%.
Como apontado por Fernandes (2015FERNANDES, Claudia de Oliveira. Uma breve análise das políticas de avaliação e sua relação com a organização escolar por ciclos: resultados de pesquisa. Educar em Revista, Curitiba, n. especial, n. 1, p. 17-33, 2015.), tal fato parece estar relacionado a uma mudança de compreensão por parte das redes, que passaram a entender que não era mais necessário utilizar a denominação ciclo para se referir somente à não retenção dos alunos nos primeiros anos do ensino fundamental. Além disso, para a autora, outro aspecto possivelmente associado à diminuição da proporção de sistemas de ensino que adotavam a organização do ensino em ciclos refere-se à “revitalização de uma pedagogia tecnicista no cenário educacional, na esteira de um pensamento mais conservador” (FERNANDES, 2015FERNANDES, Claudia de Oliveira. Uma breve análise das políticas de avaliação e sua relação com a organização escolar por ciclos: resultados de pesquisa. Educar em Revista, Curitiba, n. especial, n. 1, p. 17-33, 2015., p. 28).
Franco (2004FRANCO, Creso. Ciclos e letramento na fase inicial do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 30-38, jan./abr. 2004.), por sua vez, procurou fazer um levantamento da adesão das redes estaduais e municipais das capitais brasileiras à política de organização do ensino em ciclos escolares ao final dos anos iniciais do ensino fundamental, por meio da agregação das respostas indicadas pelas escolas no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb)3 3 O Saeb, em 2001, ainda era aplicado somente de forma amostral pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” (Inep), para captar a evolução do quadro educacional brasileiro, aplicando testes de matemática e leitura (língua portuguesa) aos alunos da 4ª e 8ª série do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, e questionários a alunos, diretores, docentes, escolas e turmas. O sistema passou por diversas alterações metodológicas, como a introdução de um segmento censitário (dividindo o Saeb em Avaliação Nacional da Educação Básica - Aneb e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar - Anresc), em 2005, e a incorporação da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), em 2013. Na edição mais recente, de 2019, foram extintas essas nomenclaturas e todas as avaliações passaram a ser identificadas unicamente como Sistema de Avaliação da Educação Básica (BRASIL, 2019a). de 2001, pelo questionário da turma.4 4 As informações referentes às turmas avaliadas deixaram de ser coletadas por meio de um questionário específico a partir da edição de 2007.
Em 2001, esse questionário apresentava três perguntas a respeito da organização do ensino na turma avaliada: a primeira questionava se a forma de organização do ensino era em ciclos; a segunda se referia à duração do ciclo; e a última pergunta era em que ano do ciclo a turma estava naquele momento. Somente a primeira pergunta foi utilizada no estudo de Franco (2004FRANCO, Creso. Ciclos e letramento na fase inicial do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 30-38, jan./abr. 2004.), pois o autor alegou que a pergunta relacionada à duração dos ciclos não funcionou conforme o esperado.
E, embora não tenha utilizado os dados do Censo Escolar5 5 O Censo Escolar coleta, anualmente, dados referentes à educação básica brasileira. Assim como o Saeb, também é realizado pelo Inep; mas conta com a colaboração das secretarias estaduais e municipais de educação para sua execução, o que permite que a coleta abranja todas as escolas públicas e privadas do país e todas as etapas e modalidades da educação básica e profissional (ensino regular, educação especial, educação de jovens e adultos (EJA) e educação profissional) (BRASIL, 2020a). na sua análise, Franco (2004FRANCO, Creso. Ciclos e letramento na fase inicial do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 30-38, jan./abr. 2004.) explica que, a partir de 1999, o instrumento também havia incluído duas perguntas relacionadas à organização do ensino: a primeira pedia que se especificasse como se organizava o ensino na escola, tendo como opções: em séries; em ciclos/fases/etapas; ou por disciplina, permitindo que, quando fosse o caso, fossem assinaladas mais de uma opção; e a segunda solicitava informação sobre o número de ciclos existentes e a duração de cada um deles. Mais uma vez, o autor relata que havia grande dificuldade por parte dos respondentes para interpretar corretamente a segunda pergunta, inviabilizando sua utilização.
Com base no levantamento realizado, Franco (2004FRANCO, Creso. Ciclos e letramento na fase inicial do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 30-38, jan./abr. 2004.) concluiu que havia predomínio da organização do ensino em séries nos anos iniciais do ensino fundamental e que a opção pelos ciclos escolares era mais frequente nas redes de ensino municipais das capitais do que nas redes estaduais.
OBJETIVO DO ESTUDO
Os trabalhos apresentados demonstraram haver dificuldades de interpretação, por parte das escolas e dos sistemas de ensino, no que diz respeito aos critérios para classificar a forma de organização do ensino adotada.
Aliado a isso, as variáveis do Censo Escolar de 1999 e do Saeb de 2001, indicadas no estudo de Franco (2004FRANCO, Creso. Ciclos e letramento na fase inicial do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 30-38, jan./abr. 2004.), deixaram de ser aplicadas dessa forma. Enquanto no Saeb só encontramos a variável para o ano investigado (2001); no Censo Escolar, as variáveis referentes à adoção de ciclos escolares, ao número de ciclos e à duração de cada ciclo continuaram a ser aplicadas dessa forma somente até 2006, tendo sido interrompida a coleta dessas informações nas edições de 2007 e 2008. Desde 2009 até a última edição investigada (2018), a temática voltou a fazer parte do Censo Escolar, mas apenas a informação se o ensino fundamental está organizado em ciclos ou não é levantada. Ou seja, informações a respeito do número de ciclos escolares e da duração de cada um deles não são mais possíveis de serem obtidas por meio de consulta às grandes bases de dados da educação básica brasileira.
Vale enfatizar que, como a pergunta se refere tão somente à organização do ensino em ciclos escolares, nada podemos concluir, com base nessa variável do Censo Escolar, a respeito da adoção da política de progressão continuada, ainda que, como vimos, geralmente os ciclos estejam associados à progressão continuada dos alunos nos anos escolares que compõem cada um dos ciclos.
Diante das limitações apresentadas, quando se almeja realizar um levantamento do nível de adesão dos sistemas de ensino às políticas de não repetência, são necessárias análises complementares.
Nesse contexto, o objetivo deste artigo é identificar, com base em informações das 27 unidades federativas (UFs), quais sistemas estaduais de ensino preveem a organização do ensino em ciclos escolares e a progressão continuada dos alunos ao final de determinados anos/séries, e em que medida essas previsões têm, de fato, sido implantadas nas escolas.
O recorte feito apenas para as redes estaduais se deve ao fato de pretendermos levar a cabo a análise das referidas políticas em âmbito nacional e à inviabilidade de analisarmos a legislação adotada em cada munícipio brasileiro, em função de seu número elevado, bem como da indisponibilidade de acesso à legislação específica de boa parte deles.
MÉTODOS
Para investigar quais redes estaduais organizam o ensino em ciclos escolares e quais adotam a progressão continuada dos alunos em determinados anos/séries, foram adotados três tipos de análise:
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da legislação que regulamenta as políticas de não repetência nos sistemas estaduais de ensino;
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das taxas de reprovação dos alunos ao longo da educação básica nas escolas estaduais, no período de 2009 a 2018, segundo dados do Censo Escolar;
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da forma de organização do ensino fundamental nas escolas estaduais, segundo dados do Censo Escolar de 2018.
LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA AS POLÍTICAS DE NÃO REPETÊNCIA NOS SISTEMAS ESTADUAIS DE ENSINO
Para analisar a legislação estadual referente a esse tema, optamos por consultar cada uma das 27 UFs, seja por e-mail enviado às secretarias de educação, seja por solicitação de informação na ouvidoria do estado ou no Serviço de Informação ao Cidadão.
O texto enviado para todas as UFs consistia em quatro perguntas sobre as normas aplicadas para a educação básica (ensino fundamental e ensino médio):
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Qual é a forma de organização do ensino nas escolas estaduais? Ciclos, séries ou mista (ciclos e séries)?
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Caso a organização seja em ciclos ou mista, quantos são os ciclos e quais etapas6 6 Utilizamos, nas perguntas enviadas às secretarias de educação dos estados, o termo etapa escolar como equivalente a ano/série. escolares cada ciclo abrange?
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Qual é o regime de promoção7 7 Após aprofundamento do estudo da legislação educacional, identificamos que o termo mais adequado para o que solicitávamos informação seria “regime de progressão de alunos” em vez de “regime de promoção de alunos”. Apesar de utilizarmos o termo mais correto no restante do artigo, mantivemos, aqui, como foi apresentado na pergunta enviada às secretarias estaduais de educação. dos alunos? Há previsão de progressão continuada ou os alunos podem ser reprovados por desempenho insuficiente ao final de cada etapa escolar?
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Quais são as leis, decretos, portarias, etc. que regem a organização do ensino e a promoção dos alunos?
Após rigorosa análise da legislação indicada nas respostas das secretarias, complementada por meio de buscas nos sites das próprias secretarias e dos conselhos estaduais de educação, e objetivando facilitar a compreensão de como cada sistema estadual de ensino adota as políticas de ciclos escolares e de progressão dos alunos em sua esfera de atuação, elaboramos um esquema de visualização apresentado no Quadro 1, na seção “Resultados”.
Importante destacar que, para obtenção de resposta das secretarias, em alguns casos foi necessário entrar em contato com diversos órgãos da esfera estadual por várias vezes, a fim de realizar uma intepretação acurada da legislação e superar as dificuldades para obter esse tipo de informação.
Não obstante, as secretarias nem sempre responderam às perguntas de forma clara e, muitas vezes, a resposta não era condizente com o texto legal. Nesses casos, optamos, então, por apresentar no esquema de visualização a representação mais alinhada com as informações da legislação.
No Quadro 1, um dos aspectos apresentados diz respeito à forma de progressão dos alunos ao final de cada um dos anos/séries (do 1º ano do ensino fundamental à 2ª série do ensino médio, já que na 3ª série dessa etapa, geralmente, não há progressão, mas sim a conclusão da educação básica).8 8 Em algumas UFs, observamos que há matrículas também na 4ª série do ensino médio na dependência administrativa estadual. Contudo, a proporção de matrículas nessa série não passou de 2,11% em relação ao total de matrículas no ensino médio estadual de cada UF, segundo dados do Censo Escolar de 2018 (BRASIL, 2018b). Dessa forma, optamos por não apresentar a 4ª série do ensino médio no esquema, para simplificar a análise. Da mesma forma que o estabelecido pela LDB, as normas estaduais indicam três tipos de progressão:
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progressão regular, representada pela cor vermelha;9 9 Quando a legislação estadual consultada não faz referência explícita à progressão parcial ou continuada dos alunos nos anos/séries, consideramos que esteja prevista a progressão regular, na qual há possibilidade de retenção dos alunos por desempenho insuficiente, definido com base nos critérios estabelecidos pelos sistemas de ensino.
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progressão parcial, representada pela cor amarela;
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progressão continuada, representada pela cor verde.
Importante destacar que, ainda que as UFs, em geral, repitam na sua legislação o texto da LDB, que determina que “os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem”; e que “nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo” (BRASIL, 1996), optamos por marcar com a cor verde ou amarela apenas aqueles anos/séries nos quais a legislação estadual faz, explicitamente, referência à progressão continuada ou à progressão parcial dos alunos, respectivamente. Isso porque entendemos que, quando a legislação estabelece em quais anos/séries escolares pode ocorrer a progressão continuada ou parcial, a adesão das escolas a essas formas de progressão tem respaldo legal e, consequentemente, maior força.
Enquanto a progressão continuada nos primeiros anos do ensino fundamental (referentes aos ciclos de alfabetização) costuma ser obrigatória quando prevista na legislação estadual, devendo ser implantada em todas as escolas, nos demais anos/séries escolares é mais comum que a progressão continuada constitua uma opção das escolas. Da mesma forma, a progressão parcial geralmente não constitui uma obrigatoriedade às escolas, quando prevista.
Portanto, no esquema de cores proposto, quando é estabelecido pela legislação que as escolas podem optar por mais de uma forma de progressão dos alunos, marcamos sempre com a coloração que indica o tipo de progressão mais alinhado à ideia de não interrupção das trajetórias escolares. Ou seja, quando as três formas de progressão são permitidas, optamos por marcar com a cor verde e, quando são permitidas apenas a progressão parcial ou a regular, com a cor amarela.
Outro aspecto informado no Quadro 1 se refere à previsão da organização do ensino em ciclos escolares. Nesse caso, as cores foram utilizadas nos quadrados correspondentes aos anos/séries escolares em si (e não entre anos/séries, como no tipo de progressão dos alunos). Cada cor corresponde a um único ciclo escolar e, portanto, se o mesmo sistema de ensino apresenta três cores diferentes significa que estão previstos três ciclos escolares, por exemplo.
Mais uma vez, ainda que muitas normas estaduais repitam o texto da LDB, que afirma que
[...] a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (BRASIL, 1996),
somente consideramos que há previsão dos ciclos escolares quando a legislação estadual analisada utiliza a denominação ciclo para se referir a um agrupamento específico de anos/séries.
TAXAS DE REPROVAÇÃO DOS ALUNOS NAS ESCOLAS ESTADUAIS
A taxa de reprovação é calculada pelo Inep com base em dados do Censo Escolar e constitui, juntamente com as taxas de aprovação e abandono, os indicadores de rendimento escolar. Os dados são disponibilizados com outros indicadores educacionais no portal do instituto (BRASIL, 2020b).
Para o cálculo dessas taxas, são utilizados dados informados pelas escolas na segunda etapa de coleta do Censo Escolar (que acontece no início do ano seguinte ao ano-base do Censo), indicando a situação de aprovação, reprovação ou abandono da matrícula do aluno, com base nos critérios de avaliação estabelecidos nos sistemas de ensino ou nas escolas (BRASIL, 2013, 2019b).
Na análise das taxas de reprovação, supõe-se que valores para anos/séries repetidamente próximos a zero, no período analisado (2009 a 2018), seriam indício da adoção da progressão continuada dos alunos.
Com base nessas taxas, é possível, também, observar padrões de reprovação dos alunos em cada sistema de ensino. Uma queda brusca da taxa de reprovação de um ano/série para o seguinte seria mais um indício da implantação da política de progressão continuada. O aumento abrupto dessa taxa de um ano/série para outro pode indicar, por outro lado, a possibilidade de retenção do aluno ao final do ciclo.
As figuras de 1 a 8 (também exibidas na seção seguinte) apresentam as taxas de reprovação dos alunos nas escolas estaduais das 27 UFs, permitindo verificar até que ponto existe coerência entre esses dados e as previsões legais dos sistemas estaduais de ensino, no que se refere à política de progressão continuada (Quadro 2).
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS
No caso da análise sobre a organização do ensino em ciclos escolares em uma base de dados de âmbito nacional, verificamos como as escolas estaduais de cada uma das 27 UFs responderam à questão que trata dessa temática no Censo Escolar de 2018, o último utilizado por este trabalho (BRASIL, 2018a).
Para essa análise, excluímos as escolas estaduais que não ofertam o ensino fundamental, já que a pergunta é explicitamente direcionada a esse nível de ensino. Quando feito tal filtro, 100% das escolas estaduais responderam ao questionamento, permitindo o conhecimento do percentual de escolas que afirmam organizar o ensino em ciclos, em cada uma das UFs, conforme apresentado na Tabela 1, na seção “Resultados”.
DISTRIBUIÇÃO DE MATRÍCULAS SEGUNDO A DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA DAS ESCOLAS PÚBLICAS
Finalmente, é importante destacar que, embora, segundo as determinações da LDB, os estados sejam incumbidos de “assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem”, e que cabe aos municípios10 10 O Distrito Federal, por sua vez, assume tanto as competências referentes aos estados quanto aos municípios. “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental” (BRASIL, 1996), a proporção de matrículas nos anos iniciais e finais do ensino fundamental vinculadas às escolas estaduais varia nas diferentes UFs.
De acordo com os dados do Censo Escolar de 2018,11 11 Apresentamos, na Tabela 2, no Anexo, a distribuição de matrículas dos anos iniciais e finais do ensino fundamental segundo a dependência administrativa das escolas públicas, por UF, em 2018. a maior parte das matrículas dos anos iniciais do ensino fundamental estava na rede municipal, sendo essa característica ainda mais expressiva no Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás, onde a proporção de matrículas em escolas estaduais correspondia a menos de 10% do total do ensino público (BRASIL, 2018b). Dessa forma, os resultados das análises referentes aos anos iniciais devem ser analisados com ressalva nessas UFs, já que é relativamente pequeno o número de matrículas vinculadas à rede estadual.
Em contrapartida, nos anos finais do ensino fundamental, a proporção das matrículas nas dependências estadual e municipal estava, de modo geral, mais equilibrada em 2018. Apenas Maranhão e Ceará possuíam menos de 10% das matrículas dos anos finais nas escolas estaduais (BRASIL, 2018b).
Sendo assim, os resultados apresentados a seguir são mais robustos e pertinentes para as UFs com elevadas proporções de matrículas vinculadas a escolas estaduais, o que acontece com mais frequência nos anos finais do ensino fundamental.
No ensino médio, o Censo Escolar de 2018 apontou que, em todas as UFs, mais de 88% das matrículas do ensino público estavam vinculadas a escolas estaduais (BRASIL, 2018b). Ademais, como será demonstrado nos resultados, só há indicação da existência de ciclo escolar em um único sistema estadual de ensino nessa etapa, ao passo que a progressão continuada não está prevista por nenhuma das redes analisadas. Sendo assim, essa ressalva metodológica não é necessária para o ensino médio.
RESULTADOS
Apresentaremos, a seguir, os resultados das análises descritas anteriormente, que possibilitaram conhecer não somente se os sistemas estaduais de ensino têm previsão legal de políticas de não repetência, mas também se há coerência entre o estabelecimento dessas medidas e as taxas de reprovação dos alunos.
PREVISÃO LEGAL DE POLÍTICAS DE NÃO REPETÊNCIA NOS SISTEMAS ESTADUAIS DE ENSINO
Por meio da análise da legislação de cada uma das 27 UFs a respeito da adoção da política de progressão continuada e da organização do ensino em ciclos escolares, apresentada no Quadro 1, é possível identificar, utilizando o nível de adesão dos sistemas estaduais de ensino a essas políticas como critério de classificação, quatro grupos:
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Sistemas estaduais de ensino em que há previsão da progressão continuada dos alunos ao final de pelo menos cinco dos nove anos do ensino fundamental: Acre, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Distrito Federal. Desses, apenas no Acre e no Paraná não há utilização do termo ciclo para se referir aos agrupamentos de anos/séries.
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Sistemas estaduais de ensino em que há previsão da progressão continuada dos alunos ao final do 1º, 2º e 4º ano do ensino fundamental: Amazonas, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Desses, apenas em Santa Catarina não há utilização do termo ciclo para se referir aos dois agrupamentos de anos/séries.
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Sistemas estaduais de ensino em que há previsão da progressão continuada dos alunos somente ao final do 1º e do 2º ano do ensino fundamental, indicando atendimento às recomendações do art. 30 da Resolução CNE/CEB n. 07 (BRASIL, 2010):12 12 “Art. 30 Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar: [...] III - a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro. § 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos” (BRASIL, 2010). Rondônia, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Goiás. Desses, Ceará, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Sul não utilizam o termo ciclo para se referirem a esses anos nos quais não é possível a reprovação dos alunos com base no desempenho escolar insuficiente.
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Sistemas estaduais de ensino em que não há o cumprimento nem mesmo das recomendações da Resolução CNE/CEB n. 07/2010 (BRASIL, 2010). Assim, ou há previsão da progressão continuada somente ao final do 1º ano do ensino fundamental, como no estado do Mato Grosso do Sul, ou, embora haja previsão de progressão continuada e/ou parcial dos alunos e organização do ensino em ciclos escolares “sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar” e “desde que preservada a sequência do currículo”, seguindo o texto da LDB (BRASIL, 1996), não são estabelecidos os anos/séries em que tais medidas devem ser adotadas e, por esse motivo, consideramos que não há um movimento claro de implementação das políticas de não repetência, que é o caso dos sistemas de ensino dos estados de Roraima e da Paraíba.
Podemos observar que, embora na maior parte dos casos que utilizam a denominação ciclo esteja prevista a progressão continuada dos alunos (ao menos entre os anos/séries que compõem os ciclos), há exceções. É o caso do sistema de ensino do estado de Minas Gerais, em que a progressão dos alunos nos ciclos intermediário e de consolidação, que compõem os anos finais do ensino fundamental, é parcial; ou, ainda, do estado de Mato Grosso, em que a progressão dos alunos no ciclo da juventude (1ª à 3ª série do ensino médio) é parcial. Essa informação confirma aquilo que apontamos na introdução deste artigo que, embora altamente relacionadas, a organização do ensino em ciclos escolares não está obrigatoriamente vinculada à progressão continuada dos alunos.
PROGRESSÃO CONTINUADA E TAXAS DE REPROVAÇÃO DOS ALUNOS NAS ESCOLAS ESTADUAIS
Com base nessa análise da legislação dos sistemas estaduais de ensino do Brasil, podemos indagar se as políticas de não repetência previstas têm de fato sido implantadas nas escolas.
Uma forma de investigar se a política de progressão continuada faz parte da realidade das escolas é acompanhar as taxas de reprovação dos alunos nas escolas estaduais, de cada uma das 27 UFs, ao longo da educação básica.
Esse tipo de comparação nos permite identificar em quais UFs de cada um dos quatro grupos apresentados anteriormente - categorizados com base no nível de adesão às políticas de não repetência - há indícios de coerência entre o conteúdo das normas e as taxas de reprovação dos alunos, e em quais UFs, ao contrário, parece haver certa incoerência.
No grupo dos sistemas estaduais com maior adesão às políticas de não repetência, com previsão legal da progressão continuada dos alunos ao final de cinco ou mais anos do ensino fundamental, há coerência entre legislação e taxas de reprovação dos alunos em Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Distrito Federal, conforme apresentado na Figura 1.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DE MINAS GERAIS, SÃO PAULO, MATO GROSSO E DO DISTRITO FEDERAL
Os dados da Figura 1 evidenciam que, embora com algumas mudanças, a progressão continuada dos alunos se manteve como uma política implantada de forma consistente nas escolas estaduais de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso desde 2009 até 2018.
No Distrito Federal, embora a progressão continuada dos alunos ao final do 6º e do 8º ano do ensino fundamental estivesse prevista desde 2013 (DISTRITO FEDERAL, 2013), somente em 2018 houve uma queda considerável da taxa de reprovação nesses anos/séries. Além disso, a taxa de reprovação dos alunos ao final dos ciclos escolares no Distrito Federal atinge valores altos, indicando haver apenas a transferência dos gargalos de retenção para anos/séries posteriores.
No sistema de ensino do estado de São Paulo, é prevista a reprovação dos alunos com base na apropriação insuficiente de conhecimentos ao final dos ciclos escolares. A partir de 2014, o sistema passou a adotar três ciclos em vez de dois, com possibilidade de reprovação ao final do 3º, 6º e 9º ano do ensino fundamental. Isso teve um efeito no padrão das curvas pós 2014, visto que houve um aumento da reprovação ao final do primeiro e do segundo ciclo, aumentando essa taxa no 3º e 6º ano, e reduzindo no 5º (ano/série final do antigo primeiro ciclo). Contudo, essa retenção só pode ocorrer uma única vez, devendo, posteriormente, o aluno dar continuidade ao processo de escolarização, o que explica os valores relativamente baixos da taxa de reprovação nesses anos/séries quando comparados, por exemplo, à reprovação de alunos no ensino médio nesse mesmo estado.
Em Minas Gerais, ainda que a progressão continuada dos alunos esteja restrita aos anos iniciais do ensino fundamental, as taxas de reprovação confirmam que a medida é aplicada do 1º ao 5º ano de forma contínua, sem retenção dos alunos ao final dos ciclos escolares.
Mas foi o sistema de ensino do estado do Mato Grosso que apresentou o maior número de anos/séries em que é adotado o regime de progressão continuada dos alunos (de forma contínua, entre o 1º e o 8º ano do ensino fundamental).
No Acre e no Paraná, embora tenhamos encontrado normas que estabelecem que nos anos iniciais do ensino fundamental não deve haver retenção dos alunos, o texto legal não possui um caráter de determinação. No caso do Acre, consta no art. 33 da Resolução CEE/AC n. 160/2013: “Os estabelecimentos de Ensino Fundamental devem prever em seus regimentos o regime de progressão continuada até o 5º ano, sempre que o interesse do processo ensino-aprendizagem assim o recomendar” (ACRE, 2013). E, no caso do Paraná, consta nas Considerações do Ordenamento Legal da Deliberação CEE/PR n. 03/2006 o seguinte: “recomendamos que a passagem de um ano para o outro seja sem retenção até o quinto ano, devendo a escola, ao analisar os diferentes aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem do aluno, utilizar-se das intervenções pedagógicas necessárias” (PARANÁ, 2006).
Além disso, a Secretaria de Educação do Acre havia informado a adoção da progressão continuada dos alunos somente ao final do 1º ano do ensino fundamental. Já a secretaria de educação do Paraná afirmou que, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, não havia progressão continuada dos alunos, sem informar nada sobre os anos iniciais do ensino fundamental. O fato de, no estado do Paraná, menos de 1% das matrículas dos anos iniciais estarem vinculadas às escolas estaduais em 2018 (BRASIL, 2018b) pode explicar o porquê de a secretaria de educação não ter respondido nosso questionamento quanto à adoção das políticas de não repetência nessa etapa.
Os dados de reprovação nesses dois estados confirmam as respostas apresentadas pelas secretarias de educação, e não as recomendações contidas no texto legal, como mostra a Figura 2. Nota-se, portanto, o descompasso entre o prescrito na legislação desses estados e o que ocorre na prática das escolas.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DO ACRE E PARANÁ
Do grupo de sistemas de ensino que, segundo a legislação estadual, há progressão continuada ao final do 1º, 2º e 4º ano do ensino fundamental, as taxas de reprovação dos alunos nas escolas do Amazonas, Pará, Pernambuco, Alagoas e Santa Catarina mostraram-se coerentes com as previsões legais, como é possível visualizar na Figura 3.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DO AMAZONAS, PARÁ, PERNAMBUCO, ALAGOAS E SANTA CATARINA
Vale destacar que, no estado de Pernambuco, houve uma elevada variação nas taxas de reprovação dos alunos ao final do 3º e do 5º ano do ensino fundamental, apresentando, nos anos mais recentes, valores maiores. Nesse estado, encontramos inconsistência entre a resposta da Secretaria de Educação e a análise da legislação, o que pode contribuir para que a medida não esteja sendo adotada por todos os estabelecimentos de ensino.
Desse grupo, somente no sistema de ensino do estado do Rio de Janeiro não houve coerência entre as taxas de reprovação e a existência dos dois ciclos escolares previstos na legislação, como indica a Figura 4.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O terceiro padrão, identificado anteriormente com base na análise da legislação, agrupa os sistemas estaduais de ensino em que há previsão da progressão continuada dos alunos somente ao final do 1º e do 2º ano do ensino fundamental. Desses, os estados de Rondônia, Amapá, Tocantins, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Sul apresentaram taxas de reprovação dos alunos coerentes com essa previsão, como indicado na Figura 5.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DE RONDÔNIA, AMAPÁ, TOCANTINS, SERGIPE, BAHIA, ESPÍRITO SANTO E RIO GRANDE DO SUL
Já nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Goiás, as taxas de reprovação dos alunos não são condizentes com as previsões legais contidas na legislação estadual, de progressão continuada ao final do 1º e do 2º ano do ensino fundamental, como podemos verificar pela análise dos gráficos da Figura 6.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DO MARANHÃO, PIAUÍ, CEARÁ, RIO GRANDE DO NORTE E GOIÁS
Se os gráficos do Maranhão, Piauí e Ceará apontam para a inexistência de progressão continuada dos alunos ao longo da educação básica, os do Rio Grande do Norte e Goiás indicam a progressão continuada dos alunos ao final não somente do 1º e 2º, mas também do 3º ano do ensino fundamental.
Importante destacar que as normas que estabelecem esse regime de progressão no Ceará e no Piauí são de 2018 e 2019, respectivamente, e, por esse fato, não teriam como ter apresentado efeito na taxa de reprovação dos alunos no período considerado na nossa análise. Nesse sentido, uma investigação para os próximos anos pode esclarecer se a medida foi realmente implantada nas escolas estaduais desses estados ou não.
No estado do Rio Grande do Norte, embora a legislação mais recente indique a previsão da progressão continuada dos alunos apenas ao final do 1º e do 2º ano do ensino fundamental (RIO GRANDE DO NORTE, 2019), as taxas de reprovação dos alunos são condizentes com o texto da norma anterior (RIO GRANDE DO NORTE, 2016), na qual constava que a avaliação do 1º ao 3º ano deveria visar ao acompanhamento do desempenho da aprendizagem do estudante, sem fins de retenção. Dessa forma, espera-se que os dados de reprovação dos alunos nos anos posteriores passem a representar essa alteração na legislação.
Também no estado de Goiás, os dados de reprovação dos alunos indicam a ocorrência da progressão continuada dos alunos ao final do 1º, 2º e 3º ano do ensino fundamental, o que pode estar relacionado a uma confusão na interpretação da legislação ou à adoção da progressão continuada por parte das escolas, em função de sua autonomia, ou, ainda, à alguma lei específica que não conseguimos localizar na nossa pesquisa, ainda que a busca tenha sido intensiva e ido além das normas indicadas na resposta da secretaria de educação.
O último grupo é composto pelos sistemas estaduais de ensino em que não há o cumprimento das recomendações da Resolução CNE/CEB n. 07 (BRASIL, 2010), e a progressão continuada ou está prevista somente ao final do 1º ano ensino fundamental (Mato Grosso do Sul) ou não está explicitamente estabelecida em nenhum ano/série (Roraima e Paraíba).
Desses, somente no Mato Grosso do Sul as taxas de reprovação dos alunos se mostraram coerentes com as previsões legais, como é possível verificar na Figura 7.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
Apesar de, na legislação dos estados de Roraima e da Paraíba, não termos encontrado uma indicação explícita da adoção da política de progressão continuada em determinados anos/séries, as taxas de reprovação dos alunos nesses sistemas de ensino não são coerentes com essa suposta ausência de recomendação da medida, como mostra a Figura 8.
TAXAS DE REPROVAÇÃO PARA O PERÍODO DE 2009 A 2018 PARA CADA ANO/SÉRIE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DE RORAIMA E PARAÍBA
Em Roraima, houve uma redução gradual da proporção de alunos retidos nos três primeiros anos do ensino fundamental ao longo do período considerado na análise (de 2009 a 2018), sugerindo que pode não ter sido uma legislação específica que estabeleceu a progressão continuada nesses anos/séries, mas talvez uma interpretação que aos poucos foi sendo incorporada nas escolas do estado, que tem como inspiração as políticas de não repetência previstas na legislação e adotadas em várias redes de ensino.
Na Paraíba, as taxas de reprovação dos alunos são condizentes com a existência da progressão continuada ao final do 1º, 2º e 4º ano do ensino fundamental, fornecendo indícios da existência de dois ciclos escolares, com possibilidade de retenção ao final de cada um deles (3º e 5º ano). Em nenhum dos textos legais do estado da Paraíba analisados identificamos uma referência explícita à progressão continuada dos alunos em anos/séries específicos. Apenas nas Diretrizes Operacionais para o Funcionamento das Escolas Estaduais de 2019 observamos menção à existência de um ciclo de alfabetização, sem, contudo, indicar quais anos/séries estavam abrangidos.
Essa adesão das escolas estaduais paraibanas pode ser reflexo de sua autonomia para decidir a forma de progressão dos alunos, com base na própria LDB e na legislação estadual, mas pode ser também consequência de um entendimento construído entre as escolas ou mesmo respaldado por alguma norma específica à qual não tivemos acesso. Mais uma vez, ressaltamos que, além da análise das normas indicadas na resposta da secretaria de educação, realizamos uma busca nos sites da própria secretaria e do conselho estadual de educação.
A partir dessa análise realizada para as 27 UFs, podemos separá-las em dois grupos, tal como apresentado no Quadro 2: (i) aquele no qual a legislação atualmente vigente é coerente com os valores das taxas de reprovação dos alunos no período de 2009 a 2018; e (ii) aquele no qual essa comparação indica significativa incoerência.
Importante enfatizar, contudo, que, na maior parte das legislações dos sistemas estaduais de ensino, há a repetição do texto da LDB dando autonomia às escolas para optarem pelo regime de progressão dos alunos “sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino” (BRASIL, 1996). Sendo assim, o fato de apontarmos incoerência entre a previsão, na legislação atualmente vigente, da progressão continuada dos alunos ao final de determinados anos/séries e as taxas de reprovação dos alunos nesses mesmos anos/séries, não necessariamente indica descumprimento das normas nas redes, sobretudo nos casos dos sistemas de ensino dos estados do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte, em que a legislação passou por mudanças recentes em 2018 e 2019, que não teriam como ter apresentado efeito na taxa de reprovação dos alunos no período considerado nessa análise (2009 a 2018).
RESPOSTAS DAS ESCOLAS ESTADUAIS QUANTO À FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Adicionalmente, para verificar se a organização do ensino em ciclos prevista na legislação dos sistemas estaduais de ensino está sendo implementada nas escolas, uma forma possível de obter essa informação é por meio de uma questão do Censo Escolar, já apresentada anteriormente, que pergunta se o ensino fundamental está organizado em ciclos ou não, conforme apresentado na Tabela 1.
É possível observar que, de acordo com os dados do Censo Escolar de 2018, somente dois sistemas estaduais de ensino - Santa Catarina e Mato Grosso do Sul - apresentaram uma resposta consensual entre todos os estabelecimentos de ensino.
Outro aspecto relevante é que, embora a análise da legislação dos estados de Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e Goiás tenha indicado a utilização do termo ciclo para se referir a um ou mais agrupamentos de anos do ensino fundamental, os dados do Censo Escolar de 2018 mostram que a maior parte das escolas desses estados respondeu que tal etapa não estava organizada em ciclos.
Já em Sergipe e na Bahia, o termo ciclo não foi utilizado pelas normas estaduais analisadas para se referir aos dois primeiros anos do ensino fundamental nos quais há previsão da progressão continuada dos alunos. Ainda assim, a proporção de escolas que afirmaram que a etapa estava organizada em ciclos chegou a 38,6% e 15,2%, respectivamente.
Esse descompasso entre o texto legal e as respostas das escolas pode estar associado à não implementação das medidas previstas em legislação na prática escolar, mas pode também ser resultado da autonomia das escolas para optarem pela forma de organização do ensino, ou, ainda, refletir uma possível confusão terminológica, por parte dos respondentes, do que de fato significa um ensino organizado em ciclos.
Outro aspecto que pode estar contribuindo para que a pergunta do Censo Escolar não propicie informações com a qualidade necessária para a identificação dos sistemas de ensino que utilizam os ciclos escolares como forma de organizar o ensino é o fato de que a pergunta não permite que as escolas indiquem quantos ciclos são adotados ao longo do ensino fundamental e quais anos/séries são abrangidos em cada um dos ciclos previstos. Sendo assim, aqueles sistemas de ensino que adotam tal forma de organização do ensino somente nos dois primeiros anos do ensino fundamental, compondo o ciclo de alfabetização, ou mesmo em um número maior de anos/séries, mas não no ensino fundamental como um todo, podem encontrar dificuldade para responder à pergunta cujas categorias são apenas sim/não.
Por outro lado, em Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e no Distrito Federal, onde a análise da legislação e das taxas de reprovação dos alunos indicaram a organização do ensino em ciclos escolares e a progressão continuada dos alunos em cinco ou mais anos/séries, a resposta a essa pergunta do Censo Escolar de 2018 mostrou-se coerente, pois mais de 96% das escolas estaduais dessas UFs responderam que o ensino fundamental estava organizado em ciclos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no exposto, nota-se que ainda há muita confusão em torno dos conceitos relacionados às políticas de não repetência, o que faz com que tenhamos identificado várias contradições entre aquilo que está disposto na legislação estadual de cada UF, a resposta das secretarias de educação e o que está realmente ocorrendo na prática escolar.
Ademais, o processo para obtenção das informações foi longo e trabalhoso, demonstrando haver dificuldade de acesso à legislação de cada sistema de ensino que trata das políticas de não repetência. Destacamos a importância de que todas as normas possam ser rapidamente identificadas e que o texto seja claro o suficiente, não apenas para o desenvolvimento de pesquisas como esta e outras que podem auxiliar na busca de respostas sobre os possíveis impactos das medidas, mas principalmente para que os gestores escolares e os professores conheçam quais são as orientações para as escolas em que atuam, o que é fundamental para que sejam inseridas na prática escolar.
A triangulação de dados empreendida neste trabalho nos permitiu não somente conhecer quais redes estaduais preveem a adoção de ciclos escolares, mas também quantos ciclos estão previstos e qual a duração de cada um deles. Além disso, informou quais sistemas de ensino preveem a implantação do regime de progressão continuada dos alunos ao final de anos/séries específicos.
Possibilitou, ainda, verificar se há coerência entre as previsões legais e aquilo que de fato tem sido implantado nas escolas, por meio do acompanhamento das taxas de reprovação dos alunos ao final de cada ano/série ao longo da educação básica. Aqui, cabe enfatizar que os anos iniciais do ensino fundamental se encontram sob um forte processo de municipalização, o que faz com que o número de matrículas vinculadas às escolas estaduais nessa etapa seja pouco representativo em algumas UFs, como é o caso dos estados do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás, em que menos de 10% das matrículas dos anos iniciais do ensino fundamental estavam nas escolas estaduais, segundo dados do Censo Escolar de 2018 (BRASIL, 2018b).
Para verificar se a previsão de organização do ensino em ciclos está de fato sendo implantada nas escolas, a questão aplicada no Censo Escolar desde 2009 se mostrou insuficiente, sobretudo por se apresentar de forma dicotômica, em que as escolas só podem responder sim ou não ao questionamento sobre a organização do ensino fundamental em ciclos escolares. Nesse sentido, salientamos que uma pergunta mais completa, que investigue o número de ciclos e os anos/séries abrangidos por cada um deles, pode fornecer informações mais precisas.
Ainda nesse sentido, a coleta de informações em grandes bases de dados educacionais, como o Censo Escolar, sobre as formas de progressão dos alunos previstas ao final de cada ano/série ao longo da educação básica, também seria fundamental para um adequado acompanhamento da adesão dos sistemas de ensino às políticas de não repetência.
Com base nos resultados apresentados, podemos concluir que há predomínio da organização seriada do ensino e da progressão regular ou parcial dos alunos, em detrimento da progressão continuada, nos sistemas estaduais de ensino. Ou seja, mesmo após as importantes inovações trazidas pela LDB, os sistemas estaduais de ensino continuam priorizando as formas de progressão e de organização do ensino mais tradicionais.
Embora tenhamos investigado as medidas ao longo de toda a educação básica, somente o sistema de ensino do estado do Mato Grosso fez referência à existência de um ciclo no ensino médio (ciclo da juventude). Ainda assim, a progressão dos alunos nessa etapa no Mato Grosso, segundo as normas analisadas, é parcial. Isso significa que a política de progressão continuada, nos sistemas estaduais de ensino, está restrita ao ensino fundamental, sobretudo nos anos iniciais.
Os sistemas estaduais de ensino que apresentaram maior adesão às políticas de não repetência, no conjunto das análises apresentadas, foram os de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Distrito Federal.
Enquanto a implantação dos ciclos escolares aliada à progressão continuada dos alunos parece estar bem estabelecida nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso, as taxas de reprovação dos alunos nos informam que, no Distrito Federal, os efeitos somente foram apresentados no ano letivo de 2018 e, ainda assim, com taxas elevadas ao final de cada ciclo, diferentemente dos três estados anteriormente citados.
Portanto, podemos dizer que as redes de ensino dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso constituem importantes campos de estudo a respeito dos possíveis efeitos da adoção de políticas de não repetência no processo de escolarização e no aprendizado dos alunos; com destaque para os estados de São Paulo e Mato Grosso, nos quais as medidas são implantadas também nos anos finais do ensino fundamental e de forma consistente no período de tempo analisado.
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Au Brésil l’école publique est gratuite et de responsabilité des États, le District Fédéral et les municipalités. Dans cet article il s’agit des écoles sous la responsabilité de l’État
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Foram executadas buscas na plataforma on-line Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com base nos termos: promoção automática; progressão continuada; ciclo(s) de aprendizagem; ciclo(s) de formação; organização do ensino; não reprovação; não retenção; não repetência; e escola em ciclos. Desses artigos, foram selecionados aqueles publicados em periódicos que apresentaram conceito Qualis pelo menos B2 nas áreas temáticas de educação e/ou ensino para o quadriênio de 2013-2016. Adicionalmente, foram realizadas pesquisas no campo de busca de importantes periódicos científicos disponibilizados on-line, que obtiveram pelo menos conceito Qualis A2 nas áreas temáticas de educação e/ou ensino para o quadriênio de 2013-2016, com base nos termos de busca: promoção automática; progressão continuada; não repetência; e ciclo(s). Os critérios para seleção final dos artigos foram: (i) constituir análises teóricas, revisões de literatura, levantamento dos sistemas de ensino que aderiram a políticas de não repetência ou avaliações de experiências de implantação dessas políticas, sendo excluídas resenhas, entrevistas, falas em eventos, etc.; (ii) ter como principal foco de análise a política de não repetência em si, sendo excluídos também aqueles artigos que as trataram sob a ótica de uma única disciplina escolar.
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O Saeb, em 2001, ainda era aplicado somente de forma amostral pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” (Inep), para captar a evolução do quadro educacional brasileiro, aplicando testes de matemática e leitura (língua portuguesa) aos alunos da 4ª e 8ª série do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, e questionários a alunos, diretores, docentes, escolas e turmas. O sistema passou por diversas alterações metodológicas, como a introdução de um segmento censitário (dividindo o Saeb em Avaliação Nacional da Educação Básica - Aneb e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar - Anresc), em 2005, e a incorporação da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), em 2013. Na edição mais recente, de 2019, foram extintas essas nomenclaturas e todas as avaliações passaram a ser identificadas unicamente como Sistema de Avaliação da Educação Básica (BRASIL, 2019a).
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As informações referentes às turmas avaliadas deixaram de ser coletadas por meio de um questionário específico a partir da edição de 2007.
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O Censo Escolar coleta, anualmente, dados referentes à educação básica brasileira. Assim como o Saeb, também é realizado pelo Inep; mas conta com a colaboração das secretarias estaduais e municipais de educação para sua execução, o que permite que a coleta abranja todas as escolas públicas e privadas do país e todas as etapas e modalidades da educação básica e profissional (ensino regular, educação especial, educação de jovens e adultos (EJA) e educação profissional) (BRASIL, 2020a).
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Utilizamos, nas perguntas enviadas às secretarias de educação dos estados, o termo etapa escolar como equivalente a ano/série.
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Após aprofundamento do estudo da legislação educacional, identificamos que o termo mais adequado para o que solicitávamos informação seria “regime de progressão de alunos” em vez de “regime de promoção de alunos”. Apesar de utilizarmos o termo mais correto no restante do artigo, mantivemos, aqui, como foi apresentado na pergunta enviada às secretarias estaduais de educação.
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Em algumas UFs, observamos que há matrículas também na 4ª série do ensino médio na dependência administrativa estadual. Contudo, a proporção de matrículas nessa série não passou de 2,11% em relação ao total de matrículas no ensino médio estadual de cada UF, segundo dados do Censo Escolar de 2018 (BRASIL, 2018b). Dessa forma, optamos por não apresentar a 4ª série do ensino médio no esquema, para simplificar a análise.
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Quando a legislação estadual consultada não faz referência explícita à progressão parcial ou continuada dos alunos nos anos/séries, consideramos que esteja prevista a progressão regular, na qual há possibilidade de retenção dos alunos por desempenho insuficiente, definido com base nos critérios estabelecidos pelos sistemas de ensino.
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O Distrito Federal, por sua vez, assume tanto as competências referentes aos estados quanto aos municípios.
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Apresentamos, na Tabela 2, no Anexo ANEXO TABELA 2 DISTRIBUIÇÃO DE MATRÍCULAS DOS ANOS INICIAIS E FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL SEGUNDO A DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA DAS ESCOLAS PÚBLICAS, POR UNIDADE FEDERATIVA - 2018 Unidade federativa Ensino fundamental Anos iniciais Anos finais Estadual Municipal Federal Estadual Municipal Federal Rondônia 18,1% 81,9% 0,0% 82,5% 17,5% 0,0% Acre 43,4% 56,5% 0,2% 86,1% 13,6% 0,3% Amazonas 22,6% 77,4% 0,0% 50,7% 49,0% 0,3% Roraima 16,3% 83,4% 0,3% 95,5% 4,0% 0,5% Pará 7,5% 92,5% 0,1% 23,7% 76,0% 0,2% Amapá 35,4% 64,6% 0,0% 94,1% 5,9% 0,0% Tocantins 11,8% 88,2% 0,0% 71,7% 28,3% 0,0% Maranhão 1,4% 98,6% 0,0% 5,7% 94,2% 0,1% Piauí 1,0% 99,0% 0,0% 19,8% 80,2% 0,0% Ceará 0,7% 99,3% 0,0% 4,1% 95,8% 0,1% Rio Grande do Norte 17,6% 82,3% 0,1% 35,9% 64,1% 0,0% Paraíba 10,7% 89,2% 0,1% 36,4% 63,6% 0,0% Pernambuco 1,7% 98,3% 0,0% 32,5% 67,3% 0,2% Alagoas 4,3% 95,7% 0,0% 22,8% 77,2% 0,0% Sergipe 19,7% 80,3% 0,0% 38,3% 61,5% 0,2% Bahia 0,4% 99,6% 0,0% 20,1% 79,8% 0,0% Minas Gerais 31,2% 68,7% 0,1% 69,6% 30,2% 0,2% Espírito Santo 13,7% 86,3% 0,0% 37,2% 62,8% 0,0% Rio de Janeiro 0,2% 99,2% 0,5% 25,1% 74,1% 0,9% São Paulo 26,2% 73,8% 0,0% 71,5% 28,5% 0,0% Paraná 0,5% 99,5% 0,0% 98,2% 1,8% 0,1% Santa Catarina 27,9% 72,0% 0,1% 52,3% 47,6% 0,1% Rio Grande do Sul 37,1% 62,9% 0,0% 49,2% 50,6% 0,2% Mato Grosso do Sul 23,3% 76,7% 0,0% 55,3% 44,4% 0,3% Mato Grosso 29,8% 70,2% 0,0% 70,4% 29,6% 0,0% Goiás 5,3% 94,6% 0,1% 69,1% 30,8% 0,1% Distrito Federal 100,0% 0,0% 0,0% 99,4% 0,0% 0,6% Fonte: Elaboração dos autores com base em dados do Inep (BRASIL, 2018b). , a distribuição de matrículas dos anos iniciais e finais do ensino fundamental segundo a dependência administrativa das escolas públicas, por UF, em 2018.
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“Art. 30 Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar: [...] III - a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro. § 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos” (BRASIL, 2010).
ANEXO
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2020
Histórico
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Recebido
02 Abr 2020 -
Aceito
22 Jun 2020